domingo, 25 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22404: In Memoriam (400): O Otelo Saraiva de Carvalho (1936-2021) que eu conheci... Ou "As armas e as mãos - Carta ao Otelo amigo" (José Belo, cap inf ref, Lapónia, Suécia)


José Belo,  ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); cap inf, participou na equipa de segurança pessoal do Otelo Saraiva de Carvalho, na campanha para as eleições presidenciais de 7 de junho de 1976; membro da Tabanca Grande  desde 8/3/2009, com mais de 200 referências no blogue; jurista, vive na Suécia há mais de 4 décadas.


1. Mensagem de Joseph Belo, a quem dei hoje de manhã, em primeira mão, a notícia da morte do Otelo Saraiva de Carvalho (*), seu amigo e camarada de armas;

Data - 25 jul 2021 13:44
Assunto - As armas e as mãos… Carta ao Otelo amigo.

Envio-te um texto em parte extraído de artigo meu publicado pelo Diário de Lisboa, de 11 de julho de 1984. Era um de dois dos artigos que este jornal publicou em que eu criticava abertamente as FP-25 de Abril, o pseudo-envolvimento do Otelo nas mesmas, e o não menos abusivo uso do “25 de Abril” na denominação das mesmas. Abraço, J. Belo.


As armas e as mãos… Carta ao Otelo amigo
 
por José Belo

Não encontrei ninguém que conseguisse comunicar tão espontâneos e intensos sentimentos de camaradagem, calor humano, sincera simpatia, não esquecendo também a tão pessoal “ingenuidade” em graus “quase sempre”…desculpáveis.

Por curto, mas importante período, conseguiste não só simbolizar, mas também interpretar, todos os anseios, esperanças, e porque não, o pequeno grão de romantismo anárquico que existe dentro de quase todos os portugueses.

O povo sentiu em ti, então “estrela” atirada para as ribaltas por camaradas que confiavam, alguém que o “ouvia”, e principalmente o apoiava sem condições.

Não é por acaso que a frase “Otelo-Na Presidência um amigo” foi a que melhor simbolizou a tua primeira candidatura num período em que, para muitos, os sonhos ainda se tocavam com as pontas dos dedos.

Não quiseste ser o “Caudilho”.

Quantas oportunidades, quantas situações de força, quantas vagas de fundo populares (assustadoramente expontâneas!) pararão te empurravam?

Numa das tuas “ingenuidades”, talvez a maior, pretendias com o teu cargo, e com os que te apoiavam nas forças armadas, ser o braço que neutralizaria todas as tentativas da forças que procuravam limitar a natural organização de base das massas populares no seu caminhar para uma sociedade socialista.

Essa atitude custaria caro, não só a ti, como principalmente aos trabalhadores. Melhor que ninguém, nesses meses em que quase te forçaram a assumir o poder, simbolizaste a feliz frase da tal “vila morena” ...O Povo é quem mais ordena!

Eu, camarada de profissão, familiar e sincero amigo, sem nunca perder o juízo crítico quando olhava o “político”, acompanhei-te em momentos de força, de poder, de comando, mas também em outras de profundas e inexplicáveis contradições frente a multidões enquadradas nos mais díspares partidos políticos.

Os resultados?

Responsável pela equipa da tua segurança pessoal, tive a oportunidade de ouvir as tuas conversas com pescadores algarvios, com as operárias conserveiras, com camponeses alentejanos (dilacerados entre o “coração e o dever!), com as gentes de Peniche, com os operários do Barreiro em expontâneos gritos de “unidade”, com os pequenos agricultores do Norte, com jovens padres de paróquias perdidas nas serranias, com os “humildes” da Madeira.

Os resultados?

Acompanhei-te na incrível recepção do Porto, em Braga, em Matosinhos, na Régua ,nos banhos de multidões na Cova da Piedade, Setúbal e Lisboa, onde o Parque Eduardo VII foi bem pequeno para albergar os manifestantes.

Os resultados?

Também, é certo, assisti à parasitagem que, à sombra da tua popularidade, alguns pequenos grupos políticos de representatividade duvidosa exerciam.

Que ridículos foram alguns deles, neurotizados por o povo não corresponder ao seu “povo das tertúlias“ mas que de imediato se julgavam com oportunidades de o… reeducar!

Terá, mais uma vez ,a tua proverbial “ingenuidade” te empurrado para uma candidatura manipulada por agências imperialistas internacionais?

Terão jogado inteligentemente com a previsível desmobilização e desilusão, que viriam a surgir perante a incapacidade organizativa, e política, de transformar os surpreendentes resultados em algo de operante, activo, concreto?

Terá sido literalmente o “matar dois patos com o mesmo tiro”? Tu próprio, somado ao Octávio Pato, então candidato do PCP

Mas houve momentos em que tu mesmo acreditastete que algo poderia surgir da incrível vaga de fundo que ias conseguindo levantar por esse país fora.

Recordo fim de tarde quente alentejana quando a caravana eleitoral abandonava Castro Verde em apoteose. Tu quase monologavas sentado no banco traseiro do automóvel, entre um José Afonso que dormitava exausto, e eu, sem respostas lógicas para tamanho carinho e expontâneo entusiasmo popular.

Neste eufórico momento de festa falavas de Allende, de um Chile então tão próximo, do golpe militar contra um Presidente eleito.

Porquê, então, esse fatalismo de identificações?

Por consciência das limitações?

Por não acreditares na figura que simbolizavas, que tão bem… representavas?

Por teres consciência que os que te rodeavam,tanto em pseudo “vanguardas” como em militares “progressistas”, te acabariam por “encurralar “ obrigando-te a assumir posições, ou pior, assumindo-as eles próprios, com as quais não te identificavas?

Pairava ainda no horizonte a incrível multidão de trabalhadores que na Évora de antes de Novembro gritara repetidamente ”Força! Força camarada Otelo!"

Ecos de palavras de ordem dedicadas a outro militar político. Não seria então a consciência do “incómodo” que ainda simbolizas? De libertação, de grito popular, de espontaneidade de Abril?

Muitos te temeram no mito do COPCON. Muitos te invejaram na estrela de Abril. Muitos procuraram utilizar-te na sincera estima que o povo te nutre.

Como alguns não te perdoam, ou esquecem, o teu individualismo anárquico assumindo posições suspeitas… por ilógicas!

Com os teus erros profundos, com as tuas traições aos que esperavam de ti ver reflectidas as suas ambições pessoais ou políticas, serás mesmo assim um membro por direito próprio da nossa História a quem o futuro julgará com raciocínios espiados pelos tempos.

Conheci o “Otelo Amigo” que tudo sacrificou por acreditar no Povo. O mesmo Povo que na sua sabedoria expontânea guarda por ele um especial carinho, desculpando-o de... quase tudo!

E, tristemente, alguns dos Camaradas militares que te irão tecer elogios fúnebres, politicamente corretos..., serão os mesmos que te invejavam e atraiçoavam em 74/75.


Laplande/Suécia 25 de Julho 2021
J.Belo


Citação: (1984), "Diário de Lisboa", nº 21504, Ano 64, Quarta, 11 de Julho de 1984, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_1603 (2021-7-25)
___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 25 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22402: In Memoriam (399): Coronel Otelo Saraiva de Carvalho (1936 - 2021), autor do Plano de Operações do 25 de Abril de 1974 e que cumpriu uma comissão de serviço na Guiné entre 1970 e 1973

29 comentários:

Anónimo disse...

Nesta data em que nos despedimos de mais um Camarada e amigo, aproveito para enviar os meus sentimentos à família e enviar um abraço ao José Belo.
BS

José Teixeira disse...

Os meus profundos sentimentos à família, especialmente ao seu primo José Belo o meu comandante Maioral.

antonio graça de abreu disse...

O Cherno Baldé citou há semanas, neste blogue, uma frase que eu não conhecia. Esta: "A realidade é o cemitério das utopias." Otelo e a utopia.

Abraço,

António Graça de Abreu

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé Belo: escreveste a respeito do homem, amigo e camarada, o Otelo, que também era teu parente:

"Não encontrei ninguém que conseguisse comunicar tão espontâneos e intensos sentimentos de camaradagem, calor humano, sincera simpatia, não esquecendo também a tão pessoal 'ingenuidade' em graus 'quase sempre' … desculpáveis."

Não conheci o Otelo, como pessoa, apenas como figura pública. Mas outros que o conheceram e que escreveram sobre ele, também repetem alguns dos traços de personalidade e outros atributos humanos que tu enfatizas...

Com a sua morte, física, ele acaba de entrar para a História, quer se goste ou não goste dele. Seguramente não quis (nem teve tempo) de escolher o seu "epitáfio"... Não faltarão "epitáfios", para o Otelo, por estes dias...

Obrigado por teres partilhado este texto, antigo, escrito já em Estocolmo, há 35 anos. E que mantiveste, hoje, sem grandes rasuras ou acrescentos. É um texto de grande generosidade, mas também de clarividência e de desencanto.

É um homem da nossa geração, que morre. E tenho respeito por todos os homens que morrem à minha frente, e cujas vidas não cabem em 4 colunas de jornal, por mais "pequenos" que tenham sido, ou por mais "obscuras" que tenham sido as suas vidas...

E também um camarada nosso, da Guiné. E que, ao que parece queria ser (e gostava de ser...) actor, como o avô paterno Otelo que morreu cedo. Por sorte ou azar, seguiu o conselho do avô materno, e entrou para a Escola do Exército. Escola de valores e de virtudes... Pelo menos formou uma geração de jovens, os capitães de Abril, a quem eu, pessoalmente, estou grato por me terem ajudado a recuperar o gosto de ser livre no meu país e de ser português.

Anónimo disse...

Escreveu o imperador Marco Aurélio: Todos nós mais não somos do que o que somos.

Não creio que o ilustre imperador estivesse a pensar no meu Amigo e Camarada Graça de Abreu quando ditou semelhante máxima mas…quem sabe?

Ao contrário da opinião deste, invejo, invejei e invejarei os utopistas.
Talvez o faça por o não ser.
Sem dúvida que o Otelo era um utopista.
Infelizmente colocado em cargos para os quais não estava minimamente preparado,ao mesmo tempo que lhe faltavam qualidades pessoais e políticas para os desempenhar.
Cargos políticos e militares para os quais o proverbial “porreirismo” do Otelo não era qualificativo.
Fui ,e sou ,crítico de muitos dos erros políticos cometidos por Otelo.
Alguns de gravidade extrema.
Mas haverá ocasiões para estas análises, não sendo esta uma delas.

O que faltou ao Otelo em coragem política compensou-o com a coragem pessoal de tudo arriscar com a preparação e execução do golpe militar de Abril.
Enquanto outros…….

Os comentários do Sr.Presidente da República terão exprimido o que vai no pensamento de muitos portugueses.
O mesmo não se poderá dizer quanto aos comentários de alguns militares “amigos” chamando a si protagonismos e posições em momento inoportuno e infeliz.

Não tendo sido mais do que um simples peão de brega no período referido não deixa de me vir à memória a frase de Truman Capot…..
“Os cães ladram mas a caravana passa”.

Um abraço do J.Belo

Anónimo disse...



Se tivesse talento e conhecimentos políticos aprofundados escreveria há trinta e cinco anos um texto idêntico ao que tu escreveste sobre o Otelo , esse grande estratega militar que mudou o curso da nossa história, esse grande homem, teu amigo, camarada e parente, que amaste e admiraste, sem nunca perderes o teu sentido crítico e o equilíbrio próprio do homem maduro e sensato que sempre foste. Grande homenagem que fizeste a um grande homem que nunca quis ou não soube esconder, as suas ingenuidades, vaidades e fraquezas , que todos os grandes homens têm.
Sem ter a tua clarividência, subscrevo o teu texto.
Curvo-me à memória do General Otelo Saraiva de Carvalho.
Um grande abraço de pêsames para ti José Belo.

Francisco Baptista

Tabanca Grande Luís Graça disse...

utopia
utopia | n. f.

u·to·pi·a
(latim tardio utopia, palavra forjada por Thomas More para nomear uma ilha ideal em A Utopia, do grego ou-, não + grego tópos, -ou, lugar)
nome feminino
1. Ideia ou descrição de um país ou de uma sociedade imaginários em que tudo está organizado de uma forma superior e perfeita.

2. Sistema ou plano que parece irrealizável. = FANTASIA, QUIMERA, SONHO


"utopia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/utopia [consultado em 25-07-2021].

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Camaradas, amigos:

Sem falsa modéstia, "utopia" (lugar perfeito, e lugar que não existe) tem sido, de certo modo, p blogue da nossa "Tabanca Grande" onde temos aprendido, ao logo de mais de 17 anos (muito mais do que a duração da guerra...) a ser "tolerantes", ou seja, a viver, conviver e partilhar com uma pluralidade (, por vezes contraditória) de opiniões e leituras dos acontecimentos... sem ter que "puxar da G3"...

O mérito é de todos nós. E esta cultura bloguística é, infelizmente, rara...

Hélder Valério disse...

Caros amigos, companheiros, camaradas e.... outros!

Sobre este acontecimento podia abordá-lo por três aspectos:
O Homem (o camarada da Guiné, o operacional do 25 de Abril de 1974, o político controverso, etc.), o seu falecimento (coisa inevitável, acontecerá a todos nós), as esperadas "apreciações" de "especialistas tudólogos" que já estão por aí a aparecer;
O artigo do José Belo (sem dúvida, e embora datado, não só um "retrato" como também em simultâneo, uma homenagem);
Os comentários entretanto produzidos.

Sobre o "Homem" (naquelas diversas vertentes acima minimamente referidas) não tenho muito a dizer, aqui e agora, apenas que fui contemporâneo na Guiné, onde ele esteve de 70 a 73 e eu de 70 a 72. Do "Centro de Escuta" seguia alguma informação para a ACAP (Assuntos Civis e Acção Psicológica), mas apenas uma vez estive perto dele.

Sobre o que o José Belo escreveu só posso dizer que o que li me agradou. É um relato sério, amigo mas também crítico.

Relativamente aos comentários devo dizer que um conhecido meu, por sinal também foi militar mas da Força Aérea, daqueles que não "viveram os nossos tempos", apressou-se a enviar-me uma mensagem em que dizia, a propósito do falecimento do Otelo, que "Não felicito a morte de nenhum ser humano. Mas, desejo que agora não sejamos inundados com homenagens, de alguém se converteu ao terrorismo. Espero que o hipócrita de Belém não faça comentários".
Acho que isto diz muito do que se pode esperar dum país verdadeiramente fraccionado.
Acho que também faltam alguns chavões do arsenal mais recente que é, por exemplo, o da "extrema esquerda radical"....
Disse-lhe que sim, que poderia ser de "temer" homenagens laudatórias, como é costume acontecer após a morte das pessoas, mas que também seria expectável o "chorrilho de mimos" com que é usual as pessoas que discordam (e odeiam) as falecidas se referirem a elas.

Ao Otelo, "organizador" das operações militares que conduziram ao surgimento daquela "clara e límpida madrugada", o meu agradecimento.

Hélder Sousa

Anónimo disse...

SIMPLESMENTE

OBRIGADO camarada OTELO
Até sempre

C.Martins

Valdemar Silva disse...

Ó pá, eles não percebem nada disto e até chamam utopia para não dizer 'o que é que ele ganhou com aquilo'.

Otelo Saraiva de Carvalho vai ser lembrado como o militar do 25 de Abril de 1974, e não como nome duma rua de Lisboa.

É mais uma pétala que morre, sentidos pêsames.

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Nesta hora em que partiu, quero apenas recordar o camarada que planeou magistralmente e comandou a operação "viragem Histórica" - o "25 de Abril".
Quanto ao resto, "no melhor pano cai a nódoa".

Manuel Luís Lomba

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A nobreza e grandeza de sentimentos fica-nos bem. E quando um camarada morre, o que imporeta realmente é saber ver a floresta e nao apenas a arvore. Fizemos isso com outros camaradas, do Alpoim Calvao ao Marcelino da Mata. Aa suas vidas não podem resumidas a meia-duzia de anedotas. Tal como as nossas, por muito "insignificantes" que possam ser ou parecer. Que a terra te seja leve, Otelo.

Anónimo disse...

Por respeito a QUEM morre sempre valorizamos toda a obra positiva que deixou, que no caso do Otelo não é coisa pouca: derrubar a ditadura devolvendo-nos a liberdade que me permite dizer, sem receios: Obrigado Otelo, e outros com a mesma liberdade dizerem o que muito bem entenderem. Quanto ao resto a história fará o seu caminho. E já agora, quem nunca cometeu erros que atire a primeira pedra!

Joaquim Costa

Juvenal Amado disse...

Camarada José Belo muito obrigado por tudo o que escreveste sobre Otelo. Não acreditei nele como motor das transformações que pós 25 de Abril ele se tornou no símbolo de um esquerdismo de pequenos grupos de má memória.
Mas nunca se poderá falar do 25 de Abril nem de liberdade sem o nome do Otelo.
Para ti e para toda a família vão os meus mais profundos sentimentos nesta hora de pesar. Um abraço

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Nesta hora de dor pela perda de um grande Homem e patriota portugués que, pelos vistos, foi o principal orquestrador do 25Abril74, cumpre-me o dever de apresentar os meus sentidos pesames a familia, amigos e camaradas que com ele privaram na vida civil e militar.

Digo obrigado ao Capitao Otelo Saraiva de Carvalho que, para desempenhar as funçoes que lhe foram atribuidas na Guiné, enquanto responsavel pela Subsecçao das Operaçoes Psicologicas, nao precisava frequentar nenhuma academia militar, mas que, para levar a bom termo os seus objetivos dentro do hibrido MFA do pos-25Abril74, se acreditarmos nos depoimentos que vem ao de cima, toda a sua formaçao academica e militar revelou-se insuficiente para tamanha empreitada. Acontece aos melhores. Com o Gen. Spinola nao foi muito diferente.

Obrigado ao Capitao de Abril Otelo Saraiva de Carvalho que, com o 25Abril74, certamente me tera livrado do serviço militar e da mortifera guerra da Guiné, para os quais estava inexoravelmente destinado.

A utopia sim e que nunca seja por mais, pois a utopia é a marca dos grandes homens que sonham e que lutam para a transformaçao positiva do mundo, sem esperar beneficios e outras compensaçoes mundanas.

Obrigado Capitao Otelo !

Cherno Baldé

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Um dos melhores trabalhos jornalísticos que li sobre a vida do moçambicano Otelo, nosso camarada na Guiné:


OTELO SARAIVA DE CARVALHO

Se isto não é um herói

Ele não escolheu o protagonismo. A revolução era urgente, mas ninguém a fazia. Quando era preciso agir, mas, por medo, inépcia ou calculismo, ninguém agia, ele foi herói. Depois continuou a desempenhar o seu papel, sem perceber que o pano já tinha caído. Eis os factos, segundo uma longa entrevista com Otelo Saraiva de Carvalho.

Paulo Moura
Público, 24 de Abril de 2009, 9:09

(...) Moçambique, anos 40. Cumprindo ordens da mãe, Otelo leva o empregado doméstico da família à administração do concelho. Ao lavar a loiça, o rapaz partiu um copo, e portanto tem de ir ao sipaio levar umas palmatoadas nas mãos.

“Não vais nada. Eu não te levo lá”, diz, pelo caminho, Otelo ao criado, que é mais velho do que ele.

“Mas eu tenho de aparecer com as mãos inchadas.”

“Ó pá, sei lá, esfrega-as com urtigas.”

Otelo é amigo do criado, bem como dos outros miúdos negros do bairro onde vive, em Lourenço Marques, e com quem costuma jogar futebol. Mas se o criado se desleixa no trabalho, ou bebe uns copos a mais, é submetido a formidáveis sessões de pancada do pai de Otelo.

“De repente, aquela fraternidade que existia num jogo de futebol de rua transformava-se num distanciamento, quando o preto tinha de levar uns tabefes, ou um arraial de batatada”, recorda Otelo. E quando punha em causa o racismo vigente, respondiam-lhe que na África do Sul ainda era pior. Para o confirmar, meteu-se num comboio e viajou, durante 18 horas, até Joanesburgo. Tinha 17 anos. “Era chocante. Havia filas para europeus e para não-europeus. Em Moçambique o racismo era semelhante, embora mais encapotado.”

Otelo tornou-se rebelde. Só pensava em fugir, em libertar-se. No liceu, admirava um grupo de colegas mais velhos, de que faziam parte os irmãos Fernando e José Gil, Eugénio Lisboa, Hélder Macedo, Rui Knopfli, Rui Guerra. (...)


https://www.publico.pt/2009/04/24/sociedade/noticia/se-isto-nao-e-um-heroi-1376370?fbclid=IwAR0WjMfV-7GPwk__N9K9XF5p3u41JGSijMEuVTf8pEOhNCpBjOl4-kjUrkM


Tabanca Grande Luís Graça disse...


Sobre a experiênia do Otelo na Guiné (1971/73)... Mais um excerto do trabalhode Paulo Moura:

OTELO SARAIVA DE CARVALHO

Se isto não é um herói

Paulo Moura
Público, 24 de Abril de 2009, 9:09

https://www.publico.pt/2009/04/24/sociedade/noticia/se-isto-nao-e-um-heroi-1376370?fbclid=IwAR0WjMfV-7GPwk__N9K9XF5p3u41JGSijMEuVTf8pEOhNCpBjOl4-kjUrkM

(...) Admiração pelo Velho

Foi um processo lento. Nas reuniões do Movimento dos Oficiais das Forças Armadas, já em 1973, muitos militares ainda recusavam terminantemente a ideia de pôr fim à guerra. Mas foi ganhando terreno a noção de que era preciso resolver o conflito de outra forma. Até entre alguns oficiais superiores que se notabilizaram pela fidelidade ao regime, como era o caso de António de Spínola.

Como começasse a ver a carreira a fugir-lhe, aos 52 anos, o ambicioso e então ainda tenente-coronel Spínola ofereceu-se como voluntário para comandar um batalhão em Angola. Já não era um jovem, usava monóculo, luvas brancas de pelica, camuflado e pingalim, mas ia para o mato com a sua tropa, dormindo em tendas, atravessando rios a pé, o que lhe valeu um imenso prestígio nas Forças Armadas. Foi nomeado para o conselho de administração da indústria de siderurgia de Champalimaud, o que lhe permitia encomendar, para o seu batalhão, jipes e camiões blindados com chapa de ferro, helicópteros e toda uma panóplia de equipamento com que as outras unidades em África apenas sonhavam.

“Fez uma guerra de luxo, era um grande combatente, foi idolatrado e subiu rapidamente na carreira”, conta Otelo, sem esconder a admiração pelo “Velho”, como era conhecido. Em 1968 já é oficial general na Guiné, e pouco depois governador da província, onde se rodeia de um escol notável de oficiais, como Rafael Durão, Almeida Bruno ou Manuel Monge.

É nessa altura, e por influência desses oficiais, que a sua perspectiva em relação à guerra se altera, até chegar à conclusão de que a solução teria de ser, não militar, mas política. Ele, de quem circulavam lendas de façanhas sanguinárias contra as populações autóctones, toma agora a iniciativa de organizar os congressos da Guiné, uma experiência de democracia directa que Otelo nunca mais esquecerá.

Durante três dias, representantes das tabancas da Guiné (das zonas controladas pelas forças portuguesas, obviamente) vinham a Bissau e reuniam-se numa sala de espectáculos para discutir os problemas das suas regiões. Os oficiais tiravam notas das intervenções dos representantes do povo e depois tomavam as providências necessárias. Alguns dos líderes indígenas, nas suas vestes de cerimónia, imaculadas, louvavam as obras dos militares colonizadores. Mas outros criticavam duramente os abusos e maus-tratos por parte dos administradores locais, sem qualquer receio.

Spínola queria conquistar a confiança das populações, e Otelo ajudou-o, nas funções que desempenhou nas subsecções de Imprensa e Acção Psicológica, e depois como verdadeiro Relações Públicas do general. Produzia e coreografava festas e cerimónias, recebia jornalistas nacionais e estrangeiros. E ainda conseguiu reunir um grupo de teatro e uma banda, com o Fernando Girão, que fez uma tournée à volta da Guiné. Mas foi nessa altura que o Chefe de Estado, Américo Tomás, promulgou o decreto-lei 353/73, o início do rastilho que levaria à revolução.

Segundo o diploma, os oficiais oriundos de milicianos poderiam entrar para o Quadro Permanente, através da frequência de cursos intensivos na Academia Militar. A medida destinava-se a incentivar a entrada para os quadros das Forças Armadas de jovens que provinham de cursos civis, para prover às necessidades da guerra. Mas desagradava aos oficiais do Quadro Permanente, principalmente os capitães, que precisaram de vários anos de estudo na Academia Militar para chegar à sua patente.

Os protestos começaram logo. Na Guiné e no Continente, houve reuniões, abaixo-assinados, manifestos. Mais tarde Marcelo Caetano revogaria o decreto, aumentaria os salários dos capitães, mas o Movimento já estava em marcha e era imparável. (...)

Antº Rosinha disse...

Luís Graça, não pretendia comentar neste particular post de josé Belo, fi-lo já no post de Beja Santos, sobre o livro de Otelo, mas como foste trazer a juventude de Otelo para aqui, não resisto a trazer para aqui, aquilo que é quase uma obsessão minha, que foi a importância dos «estudantes do império», (MPLA, PAIGC e Frelimo), e "até no MFA", vemos o dedo de filhos do Ultramar.

E se todos os outros capitães tinham o BI da metrópole, alguns tinham algumas raízes ultramarinas ou vivência ultramarina.

Uma boa parte dos oficiais antigos, (os capitães) eram filhos de militares cuja vida foi parcialmente passada nas colónias onde lhes nasceram ou criaram alguns dos seus filhos.

Atente-se noutras figuras do MFA tão ativas como Otelo.

Uns do nosso lado, outros do outro lado, "outros com um pé cá, outro lá", foram os «estudantes do ultramar» que mais marcaram o andamento da guerra do ultramar português em África.

E nós a ver ao vivo!

antonio graça de abreu disse...

Diz o filho do Otelo, e ele próprio, Otelo, se orgulha disso: "O jovem oficial Otelo, reconhecido e amado por todos os seus soldados, nunca usou balas nas suas armas durante as três comissões em África."
Acreditam? Em que guerra colonial Otelo Saraiva de Carvalho esteve? Será verdade que Otelo, um oficial do quadro permanente, permanecia desarmado, comandando os seus soldados em África? Na Guiné, estava numa guerra de guerrilha a sério, ou Otelo andaria a brincar, a passear no jardim da Estrela com espingardas G Três de plástico?
É este o meu espantoso Portugal, o país onde nasci...
António Graça de Abreu, alf. mil. Comando de Agrupamento Operacional nº 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972-1974. Com a minha G 3 carregada,aos pés da cama, durante 22 meses, não porque o desejasse, mas a arma sempre comigo,se necessário.

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

O comentário anterior ,com as ilações apresentadas,não me surpreende.
Há despropósito no momento em que é feito.
Haverá certamente melhores ocasiões para se atirar…. merda para as ventoinhas!

De camuflado ou em cuecas …. que interesse tem ,em perspectivas mais vastas não obscurecidas por sectarismo de patologias várias,o historial do Otelo na Guiné?

A operação militar do 25 de Abril de 1974 para a qual o Otelo terá contribuído é a única coisa importante de ser recordado em perspectiva histórica.
O governo da ditadura foi derrotado.
Os portugueses passaram a viver em liberdade.
A guerra colonial terminou.

O resto sobre Otelo?
Não tem lugar na Histórica futura.

J.Belo

Anónimo disse...

Sr.G.Abreu

Refere o facto de ter sempre dormido ,quando na Guiné,com uma G-3 carregada aos pés da cama.
Só lhe fica bem.
As suas actividades na secretaria do Comando Operacional N-1 exigiriam uma caneta aos pés da cama.
Mas G-3?
Repito-me,só lhe fica bem!
Quantos militares operacionais guarneciam o quartel do COP-1?
Refere Teixeira Pinto.Mansoa e Cufar.
Haveria receio de o inimigo invadir o seu quarto?
Pobres de outros militares, em destacamentos de 30 homens,situados em zonas bem menos pacíficas.
Certamente que dormiam com quatro ou cinco G-3 aos pés.
E escrevo aos pés porque ,no período que refere, na maioria deste tipo de destacamentos as camas eram o solo duro.

Manuel Teixeira

antonio graça de abreu disse...

Como era viver em Cufar, 73/74? Manuel Teixeira, não sabes do que falas.

António Graça de Abreu

Anónimo disse...



Tínhamos conseguido publicar neste blogue de antigos combatentes da Guiné cerca de 18 comentários à memória do Otelo Saraiva de Carvalho.
Alguns escritos por Camaradas que algumas razões válidas teriam para não serem propriamente admiradores políticos,ou pessoais,do mesmo.
Todos tivemos em comum o facto de termos sabido guardar críticas legítimas que poderíamos ter apresentado para uma ocasião mais apropriada.
Uma certa “contenção” temperamental não seria inapropriada perante a morte de mais um Camarada da Guiné.
Camarada da Guiné.
Facto que deveria ser sempre prioritário neste blogue de….ex-combatentes…da Guiné!

A mesma “contenção” demonstrada aquando da morte de Marcelino da Mata,por parte de alguns bem conscientes das páginas negras que infelizmente entremeavam os feitos de maior heroísmo,dedicação e sacrifício,por parte deste guineense.
Porque melhor exemplo não existirá das diferentes realidades que formaram o herói,e que mais não foram que o espelho cru do que é uma guerra colonial.
E lá acabamos por voltar à camaradagem que acaba por unir todos os ex-combatentes da Guiné.
Marcelino da Mata foi submetido ,no RALIS ,em 17 de Março 1975 ao mesmo tipo de algumas das torturas por ele aplicadas a inimigos na Guiné.
Um grupo de badamecos fardados ,pertencentes a um partido maoista então muito activo,aproveitando o facto de o mesmo se ter apresentado no Regimento, aprisionaram-no e “revolucionariamente” sobre ele exerceram várias e violentas formas de tortura.
Ainda hoje me sinto honrado por ter pertencido ao grupo de três oficiais que,armados,nos derigimos ao Regimento e,depois de diálogos agressivos conseguimos a transferência do torturado para a autoridade competente de gerir a situação.
Situação referida em um dos livros escritos por Dinis de Almeida no final dos anos setenta.

A minha opinião pessoal sobre as “páginas negras” da história de Marcelino da Mata não se sobrepôs,nem então,nem na ocasião da sua morte,ao respeito devido a um Camarada da guerra na Guiné.

Lamento que, na sua pureza e expontaniedade de sentimentos ,o nosso Camarada Graça de Abreu o não tenha conseguido (ou querido)….fazer.

J.Belo

Anónimo disse...

Com todo o respeito devido aos combatentes do COP-1 pergunto-me:
Em 72/73 faltaria a tinta para as canetas dos escriturários?
As secretárias dos senhores oficiais de especialidades mais resguardadas só teriam 3 pernas?
A guerra e as suas duras realidades.

Manuel Teixeira

Anónimo disse...

“Manuel Teixeira”

O texto acima apresentado foi aqui colocado em memória do Otelo.
Infelizmente só cerca de 18 dos comentários iniciais souberam respeitar a intenção do mesmo.
Não vamos “descambar” em outras coisas, como alguns aparentemente sempre procuram.
Tenho de admitir que possui um certo sentido de humor.
Infelizmente , mesmo em situações inofensivas como a de sempre me apodar de “esquerdalho hoje podre de rico”,não se atreve a assinar com o seu verdadeiro nome.
De um Oficial,para mais de Tropas Especiais,seria de esperar outra coragem pessoal.
Como o sei?
Através de amigos comuns nos States.
Seria melhor guardar o seu humor e a sua falta de coragem de “dar a cara” para outros tipos de textos e….ocasiões!

J.Belo

antonio graça de abreu disse...

Reconheço em Otelo Saraiva um dos bons estrategas do golpe militar necessário para derrubar um regime político anacrónico, ultrapassado e moribundo, uma ditadura levemente adocidada (mas há ditaduras doces?)que nos cortava a liberdade de existir e nos levava a matar ou morrer numa guerra injusta, como todas as guerras.Por isso, todos devemos muito aos capitães de Abril. O que veio depois é outra História.
Referi a singularidade de Otelo ir para os combates(?)da guerra colonial sem municiar a sua espingarda, como ele próprio confessa. Só isso.

Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Curioso, agora que abri outra parte de mim, já não há mais comentários.

António Graça de Abreu

Hélder Valério disse...

Caro António G. Abreu

Se esta tua "outra parte" não tem comentários é porque, talvez, alguns não acreditem nela e outros porque concordam e não vêm necessidade de "fazer claque" como muitas vezes acontece aquando das intervenções da outra "outra parte".
Penso eu de que....

Abraço, grande poeta António.

Hélder Sousa