sábado, 31 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22418: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XIII: Hamburgo, Alemanha Federal, 1967




Hamburgo > 1967 > O António Graça de Abreu e a sua namorada alemã
 


Hamburgo >  Ao centro, a imponente Rauthaus, a câmara municipal



 
Hamburgo >  O famoso Star Club, em Reeperbahn, onde os Beatles tocaram, em 1962,  antes de se tornarem famosos 



Hamburgo, > Jardim frente à janela do quarto

[ Texto e fotos recebidos em 16/7/2021] 
 

1. Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo" (*), da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74.

Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; é autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); "globetrotter", viajante compulsivo com duas voltas em mundo, em cruzeiros. É membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de 280 referências no blogue.


Hamburgo, Alemanha, 1967


A cidade de Hamburgo, nos meus dezanove anos, por causa da menina do Elba, loira e linda.

Bramfeld, a rua Steilshooperstrasse, o Stadtpark, encaminhar os meus passos. O senhor Balk, meu potencial sogro, nascido em Danzig, actual Polónia. Havia sido, então há vinte cinco anos atrás, soldado de Hitler, marchando, consumindo-se, combatendo na campanha da Rússia. Regressou vivo, sobreviveu à guerra. Falava pouco, saía de casa ao fim da tarde para, com amigos, se encharcar em schnapps, as aguardentes tedescas. Mas, com a minha quase sogra de Berlim, fez esta filha de olho azul e cabelos de ouro, doce e perfeita, meia de alabastro, meia de marfim, que me acompanhava e tomava conta de mim.

O Alstersee dividido em dois lagos, quantas vezes atravessado no frio do Inverno, à noite, com neve caindo devagar, no silêncio das águas geladas… Logo ali ao lado, levantava-se a imponência do rendilhado do poder na Rathaus, o palácio do município onde ainda havia judeus gerindo, governando.

Hamburgo, cidade hanseática, o rio Elba, o trato, o comércio, o saber fazer, o porto unido a todos os recantos do mundo.

Nesse tempo era a serena loucura, quase um ano na organizada e disciplinada Germânia, estudando alemão, trabalhando doze horas por dia numa espécie de restaurante, um Selbstbedienung encaixado na Hauptbanhof, a estação central dos caminhos de ferro.

Aos fins de semana, com a menina de Hamburgo, íamos dançar, unindo corpos e bocas no recato de uma discoteca romântica por detrás da Jungfernstieg, a rua central, ou, em alternativa, íamos pular, saltar com a batida das bandas de ocasião no Star Club, em Reeperbahn, onde os Beatles, recentemente, antes da fama, haviam tocado.

Recordo a visita à cidade de um decadente e obsoleto Xá da Pérsia. Grandes manifestações contra a sua presença, eu, entre estudantes alemães e muitos jovens iranianos a estudar em escolas de Hamburgo e Berlim, e os gritos "morte ao xá!".

Nos protestos, em Berlim, então sitiada entre Leste e Oeste, tiros da polícia e um jovem alemão assassinado [  em 2 de junho de 1967 ], de nome Benno Ohnesorg . (Vd. Wipedia:  https://pt.wikipedia.org/wiki/Benno_Ohnesorg). Perfazia vinte anos, tal como eu. Os estudantes iranianos iriam em breve regressar a Teerão. Depois do ódio ao xá, reverenciariam o Aiatolah Khomeini. 

 No pequenino quarto alugado na pensão de Frau Hamm, um amor bonito para enfeitar os dias. Inge Balk e António, um infindável abraço luso-alemão. No Verão, a janela aberta para o respirar do jardim situado em frente, Planten un Blomen, plantas e flores.

14 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Excerto da Wikipedia, sobre Benno_Ohnesorg (1940-1967):


https://pt.wikipedia.org/wiki/Benno_Ohnesorg

(...) A sua morte, que provocou um grande impacto no movimento estudantil alemão, teve grande influência sobre a radicalização política europeia do fim dos anos 1960. Pode mesmo ser considerada como um dos motores das revoltas estudantis de 1968 e contribuiu, mais tarde, para a emergência da Fração do Exército Vermelho (Baader-Meinhof).

Uma organização de extrema esquerda denominada Bewegung 2. Juni (Movimento 2 de Junho) foi assim denominada em memória de Benno Ohnesorg.

Existe um memorial em sua honra, ao pé da Ópera Alemã de Berlim, e uma ponte em Hanover com o seu nome.

Benno Ohnesorg era também amigo do escritor Uwe Timm que escreveu o livro "der Freund und der Fremde" sobre a amizade dos dois e o seu trágico fim.

Mais de quarenta anos depois, foi revelado que Karl-Heinz Hurras era um agente da polícia secreta da Alemanha Oriental, a Stasi. Todavia o motivo por trás da ação de Kurras não foi totalmente esclarecido. (...) Os arquivos da Stasi não contêm evidência de que Hurras tivesse agido sob ordens da Alemanha Oriental quando atirou em Benno.(...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...


9 DE OUTUBRO DE 2013
Guiné 63/74 - P12132: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (22): Referência a jornais e jornalistas no CTIG

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2013/10/guine-6374-p12132-excertos-do-diario-de.html

Mansoa, 28 de Fevereiro de 1973

Domingo passado, cometi mais uma “gaffe”.
Fomos visitados por uma equipa da TV alemã, quatro moços desembaraçados e tagarelas. Eu cometi o grave erro de falar alemão com as criaturas. Os muitos meses de imersão na sociedade germânica, o estudo, os anos de liceu e faculdade, os três anos de namorada alemã fazem com que me movimente razoavelmente bem no idioma de Goethe e Marx. Gott sei danke! Ich spreche ein bisschen Deutsch… ( Graças a Deus, falo um pouco de Alemão!) Isto causou engulhos nos meus superiores, não entendiam do que falávamos, comiam-me com os olhos, talvez eu estivesse a contar coisas pavorosas aos jornalistas alemães, segredos de Estado ou algo semelhante. Os rapazes eram de Hamburgo, a cidade onde vivi, falei-lhes da minha experiência por lá e pouquíssimo da guerra na Guiné.

Hoje, o major Malaquias chamou-me a atenção, muito delicadamente. Em frente dos oficiais superiores eu não devia ter falado alemão, eles não entendiam, era falta de respeito.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Quantos de nós, nas nossas santas terrinhas, tinham possibilidades nos anos 60 de sair para o estrangeiro, para estudar e trabalhar ?!...

O António deve ter ido para Hamburgo em 1967 com alguma bolsa do governo alemão, ou coisa parecida. Talvez ele possa explicar-nos.

Mas foi uma época exaltante, de grandes mudanças, os anos 60 do séc. XX, e que quem estava no estrangeiro apercebia-se do profundo atraso económico, polítio, social e cultural em que vivíamos em 1967, o ano em que o salaraismo começou a desmoronar-se...

Valdemar Silva disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
JB disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tabanca Grande Luís Graça disse...

Leitor anónimo que largou os ah ah ah ah:

O comentário não foi eliminado por nenhum dos editores, mas pelo seu autor, JB.

Fernando Ribeiro disse...

Tabanca Grande Luís Graça escreveu:

"Quantos de nós, nas nossas santas terrinhas, tinham possibilidades nos anos 60 de sair para o estrangeiro, para estudar e trabalhar ?!..."

Ó Luis, desculpa lá, não leves a mal, mas lembra-te que nos anos 60 centenas de milhares de portugueses sairam para o estrangeiro, para trabalhar em França, Luxemburgo, Alemanha, etc. Não tiveram bolsas do qualquer governo, mas foram. A salto, em direção aos bidonvilles e com os seus magros pertences numa mala de cartão.

Hélder Valério disse...

Caro Luís

O Fernando Ribeiro terá razão na observação que faz.
Claro que nos anos 60 foram milhares os portugueses que "passaram fronteiras" (legalmente ou a "salto"), para trabalhar, para se "refugiarem", também para estudar.
Alguns deles trabalharam e conseguiram estudar.

Claro que o que escreves também tem sentido, apenas carece de explicitação.
De facto, nas nossas "santas terrinhas", no início dos anos 60 não havia muita gente para ir "estudar para o estrangeiro", tanto mais que a abertura aos cursos técnicos só começou a ocorrer no final dos anos 50 e os que estudavam "via liceu", tinham na generalidade o seu emprego assegurado. A emigração para trabalhar acelerou a meio dos anos 60.

Bolsas de estudo também não eram abundantes. Recordo que a Gulbenkian promovia essa espécie de "assistência social" (tenho conhecimento de casos internos) mas quanto a idas "para o estrangeiro" não estou capacitado a pronunciar-me.

Portanto, nos anos 60, podemos assentar que muitos portugueses "nas santas terrinhas" (aqui entendidas como aldeias ou vilas) mesmo sem ter possibilidades (económicas) e por isso mesmo, tiveram que ir para o estrangeiro trabalhar (e alguns também estudar).
Quanto a "bolsas de estudo" isso já será outro assunto.
Como "bolsa de estudo" seria, naturalmente, dedicada a estudantes e os parâmetros de apreciação serão mais subjectivos.

Hélder Sousa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Eu queria referir-me aos estudantes
... Que puderam matricular- se em universidades estrangeiras. Claro que as bolsas não chegavam, muitos trabalhavam em restaurantes e outros biscates.

antonio graca de abreu disse...

Parti para a Alemanha em Outubro de 1966,com dezoito anos, regressei em Julho de 1967,exactamente para me apresentar na inspecção militar, no Porto, onde nasci. Havia iniciamente pensado em ficar pela Alemanha, fugindo à tropa, mas regressei, a minha mãe doente pediu-me que regressasse. Concluí então o antigo sétimo ano e entrei para a Faculdade de Letras de Lisboa. Parti para a Alemanha, sem bolsas com poucos tostões no bolso. Foi uma excecelente experiência, ainda por cima tendo por companheira uma menina alemã linda de morrer. Trabalhei a sério num restaurante. Fui empregado de mesa, ajudante de buffet e cozinheiro. Ganhei uns bons marcos,
Abraço,

António Graça de Abreu

Antº Rosinha disse...

Havia os emigrantes das remessas para a família e os das remessas da família e os das remessas para os gastos.

Emigrar naqueles tempos, como hoje, foi sempre uma adrenalina.

Ir com a família toda, ou dizer adeus â familia, e apanhar o porão de um barco inglês para as américas antes do avião e do telefone é que era o drama.




Hélder Valério disse...

Caros amigos

O que o nosso poeta António nos conta sinto que resolve a dúvida que poderia haver sobre a estadia na Alemanha.
Não foi com "bolsa de estudo". Foi para a Alemanha com as suas motivações próprias, trabalhou onde e como lhe foi possível e ainda ganhou "uns bons marcos".
Por razões do foro pessoal, que nos revelou, voltou 9 meses depois para a inspeção militar e ingressar na Faculdade de Letras, em Lisboa, em 1967. Por essa época talvez nos tivéssemos cruzado em algum evento do Movimento Associativo Estudantil, talvez....
No ano seguinte também rumei "à Europa", onde estive em França (Paris), Bélgica (Bruxelas) e Inglaterra (Londres). Fui nas "férias grandes", em "turismo estudantil", com cerca de 400 Francos Franceses e 34 Libras, que tinha amealhado da apanha do tomate em alguns anos.

Hélder Sousa

Valdemar Silva disse...

Eliminei o meu comentário a este poste, para não querer alimentar comentário
anónimo de ah!ah!ah! que me pareceu ser conhecido de outras tentativas "ver se pega" para armar confusão entre os editores e comentadores.
Esta táctica é velha como a de dizer que é mentira, mentira, mentira, para ficar a saber a verdade, ou seja de "não se fala mais nisso".

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...


E.Esteves de Oliveira (by email)
sábado, 31/07, 17:07 (há 2 dias)


Caro Luís, Camarada e Amigo,

Hoje, ao ler o post do António Graça de Abreu (61/74 - P22418), não pude deixar de notar a coincidência: Hamburgo, uma loira fraulein e um português, com uma diferença, ele tinha vinte anos e ainda não conhecia a guerra, eu ia a caminho dos trinta e já tinha a minha quota parte (e mais) da guerra colonial.

Conheci a minha Erika em Lisboa, em 1959, ela trabalhava como au pair para um casal suíço, eu era aspirante miliciano / estudante em Mafra - foi um coup de foudre, ali e então! em pleno Jardim da Estrela, siderados por uma avassaladora e louca paixão, um tsunami de emoções sem medida. Dois meses depois casávamos pelo civil no consulado da Alemanha, com a secretária do cônsul e o meu amigo e conterrâneo Rui Mingas como testemunhas.

Depois, veio a guerra, as transferências de quartéis, a primeira comissão anunciada, Erika voltou para o seu Hamburgo à espera do meu regresso, que só veio a acontecer em 1965 - com uma licença para me ausentar do país conseguida já nem sei como, desembarquei no Flughafen Fuhlsbüttel para encarar uma nova guerra para a qual não estava preparado: meine Schwiegermutter (que nunca aceitara como bom o nosso casamento), aproveitando a minha presença, exigia um divórcio imediato, que acabou por acontecer para pôr fim a um enredo de telenovela, em que saímos todos a perder - tanto eu como a Erika separados contra vontade, a querida sogra e a filha naturalmente afastadas pelas posições tomadas naquele imbróglio.
Espero que o António tenha tido mais sorte do que eu no seu romance com a Inge.
Eine große Umarmung - isto é, um alfa-bravo.

Esteves

P.S. - Os meus textos são redigidos em profundo desacordo e intencional desrespeito pelo Aborto Ortopédico - perdão! Acordo Ortográfico.
Visitem o meu blog http://asopadospobres.aboutlisboa.com/ s.f.f.
É de borla, não tem anúncios nem muitos links, ainda funciona a vapor...