segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22760: A nossa guerra em números (7): a carga da CCAÇ 1420 (Fulacunda e Bissorá, 1965/67), a transferir para a CART 1525 (Bissorã, 1966/67), era composta por 17 viaturas (2 camiões Mercedes, 4 Jipes e 11 Unimog), dos quais só estavam a funcionar um jipe e um Unimog.



José Gregório Gouveia, ex-fur mil enf, CART 1525, "Os Falcões", 
Bissorã, 1966/67. Madeirense, hoje advogado. Um testemunho 
precioso (e raro) sobre a carga de viaturas automóveis 
que se transferiam de companhia para companhia...



1. Em complemento do poste anterior da série (*), sobre a penúria de viaturas de transporte do pessoal militar, durante a guerra de África, e em particular na Guiné, publicamos um excerto do livro, de 202 páginas,  em pré-publicação "Guiné-Bissau: de colónia a independente", de José Gouveia, com a devida vénia ao autor e ao editor do sítio da CART 1525, "Os Falcões" (Bissorã, 1966/67), o nosso grã-tabanqueiro,o ex-alf mil Rogério Freire. 

O José Gregório Gouveia era, na altura, fur mil enf.  Natural da Calheta, Madeira, foi depois advogado, dirigente do PS -Madeira, deputado à Assembleia Legislativa Regional da Madeira, colaborador da imprensa regional. Autor do livro "Madeira - Tradições Autonomistas e Revolução dos Cravos" (2002).


De 17 viaturas, só duas estavam operacionais: 1 jipe e 1 Unimog 
(e este, mesmo assim, com o motor de arranque avariado!)



[Chegada à Guiné em 26 de janeiro de 1966, foi em Bissau que a CART 1525, "Os Falcões, , Bissorã, 1966/67,]
 recebeu a dotação de armamento: “E verificamos logo do seu grau de inoperacionalidade. Gastas, maltratadas. Cerca de 40% (!) estavam necessitadas de urgentes medidas de recuperação, que decorreram a nosso cargo, embora com o indispensável apoio dos Depósitos locais de Material de Guerra, em Bissau” [Coronel Piçarra Mourão - "Guiné Sempre! - Testemunho de uma Guerra. Coimbra, Quarteto Editira, 2001, pág.  ] 

Apesar daquelas condições, sempre era melhor ficar em Bissau! Só que foi calma de pouca dura porque, no dia 4 de Fevereiro, a Companhia marchou para Mansoa rendendo a CART 644 e integrando-se na história do BCAÇ 1857 que, no dia 1 de Fevereiro, tinha deixado Santa Luzia, fixando-se naquela localidade.

A colocação em Mansoa - parecia ser para durar, pois tivemos de receber todo o equipamento que fazia parte da carga da CART 644. Como furriel enfermeiro,  tive de contar e registar o material sanitário, peça por peça, medicamento a medicamento, que fazia parte da carga do «carro sanitário» (um atrelado) ou que estava avulso na enfermaria daquela Companhia. Foi um inventário moroso, feito com cuidado, não fosse faltar alguma peça da Carga que dava, seguramente, para montar um hospital de campanha. Recordo que o «carro sanitário» tinha um medicamento especial: conhaque em dois frascos de secção quadrada, sem vestígio de uso tal como teria sido atribuído à Carga. Do que a medicamentos dizia respeito, foram inventariados 262, todos diferentes.

Em Mansoa, para além do ritual burocrático na recepção da carga da companhia que
partia, a CART 1525 iniciava os treinos operacionais estabelecidos e dirigidos pelo Comando de Batalhão. Estávamos ainda na fase da inexperiência da realidade militar local, mas também reinavam as ordens superiores que determinavam um regime nómada e desmembramento à Companhia, pois no dia 6 daquele mês de Fevereiro, o 1º Grupo de Combate seguiu para Bissorã ficando adido, para todos os efeitos, à CCAÇ 1419. A restante parte da Companhia manteve-se em Mansoa, reforçando acções de outra Companhia também ali instalada, nomeadamente na segurança aos trabalhos de asfaltamento da estrada Mansoa-Mansabá, segurança ao «Abrigo de Braia», escoltas de colunas automóvel para Cutia e Encheia.

Mas, afinal, o destino da Companhia foi determinado por ordens superiores no sentido de substituir a CCAÇ 1420 
[ Fulacunda,  Bissorã, Mansoa, 1965/67,] que estava aquartelada em Bissorã. Sensivelmente um mês após a chegada a Bissau, a CART 1525, no dia 25 de Fevereiro, seguiu para Bissorã, onde se instalou e se manteve até ao fim da sua actividade operacional efectiva. Em Mansoa ficou uma equipa para entregar o material que, pouco tempo antes, tinha recebido.

Colocação em Bissorã - Terminada a fase nómada, a Companhia iria iniciar a sua actividade operacional e social no sector de Bissorã que abrangia uma grande extensão da região do OIO, onde o PAIGC tinha instalado a fortificada Base Central de Morés, na Zona Norte.

Quando refiro actividade operacional e social é porque, à parte das Operações de âmbito estritamente militar, a Companhia desenvolveu algumas acções de cariz social, em benefício da população da Vila de Bissorã, como adiante veremos.

As instalações que encontramos na nova residência não podiam ser melhores. Uma casa, coberta de telha, para os oficiais com messe própria. Duas casas, cobertas de zinco, para os furriéis e sargentos. Com um frigorífico que funcionava a petróleo – a Central termoeléctrica não funcionava vinte e quatro horas por dia, apenas à noite e pouco mais. O local das refeições funcionava na casa da D. Maria (um casal cabo-verdiano que, na vila de Bissorã, prestava o serviço a todas as Companhias aí aquarteladas quanto ao fornecimento de refeições à classe de sargentos - e que muito bem sabia assar leitão, servido com batatas fritas).

Dois armazéns, tipo colonial, cobertos de telha, serviam da caserna aos soldados. Para
servir o «rancho geral» foi necessário a Companhia construir instalações com toros de
madeira e cobertas de capim, pois não havia alternativa.

Novo inventário em Mansoa, outro em Bissorâ para que nada faltasse, sob pena de responder por qualquer falta quando houvesse nova passagem de testemunho a outra Companhia, o que poderia acontecer a qualquer momento. Mais um «carro sanitário» para inventariar e muitos medicamentos para contar.

Se no plano da saúde a Carga estava completa e devidamente ordenada, menos sorte teve o Furriel Adrião Mateus que encontrou a Carga respeitante aos automóveis num caos. Ainda hoje é difícil de esquecer que a Carga da CCAÇ 1420, a transferir para a CART 1525, era composta por 17 viaturas: 2 camiões Mercedes, 4 Jipes e 11 Unimogues.

O panorama do parque de viaturas mais parecia uma oficina sem mecânicos. Daquele conjunto de 17 automóveis apenas estavam a funcionar: 1 Jipe e 1 Unimogue (este
com o motor de arranque avariado). Os restantes automóveis estavam desmontados e
havia um bidão cheio de parafusos que pertenciam às viaturas desmontadas. O motor
de um camião Mercedes estava em Bissau, no Serviço de Material, para ser reparado.

Também havia um Jipe, a servir de galinheiro, que não fazia parte da carga e já não
tinha matrícula.



Guiné > Região do Oio > Bissorã > CART 1525 (1966/67) > O "milagre" do fur mil mec auto que ao fim de sete meses pòs a funcionar 15 viaturas inoperacionais...Na foto As viaturas já operacionais e os respetivos condutores auto...  Foto de José Gouveia (sem fata). Cortesia da página da CART 1525.



Refira-se que não houve milagre mas houve um grande trabalho da eficaz e competente equipa de mecânicos para ultrapassar tão grave estado das quinze viaturas inoperacionais. Uma após outra, ao fim de sete meses de árduo trabalho, estavam todas a funcionar em pleno. 

Em todas as deslocações a Bissau, o Adrião Mateus não deu descanso aos colegas que estavam colocados no Serviço de Material, no sentido de desbloquearem as peças necessárias à reparação de tanta viatura. Ou pela via da requisição normal, ou quando o Sargento de Dia estava a olhar para o lado contrário à Porta de Armas, o material saía daquele Serviço e, passadas algumas horas, chegava a Bissorã. O Adrião Mateus disse muitas vezes, e ainda hoje repete, que o material auto saía sempre legal. Porque saía do Estado (em Bissau) e entrava no Estado (em Bissorã). A não ser a sua persistência, como poderíamos fazer a guerra sem os meios adequados às necessidades logísticas do teatro de operações que não era fácil.

 (...) Com as viaturas operacionais, restava dar outra utilidade ao Jipe que servira de galinheiro. Também este foi reparado. Mas como não fazia parte da carga, nem tinha matrícula, ficou ao serviço da oficina da Companhia. Foi precisamente este Jipe que serviu para eu e outros colegas darmos os primeiros passos na condução, a fim de tiramos a Carta de Lista Branca, o que aconteceu no exame em Bissau. (...)

José Gouveia

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de novembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22751: A nossa guerra em números (6): o bico-de-obra das viaturas de transporte...

2 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Creio que a generalidade das "histórias de unidade" são omissas no que diz respeito a elementos informativos como a "carga" tranferida ou a transferir...O José Gouveia conseguiu apurar o nº, o tipo e o estado de operacionalidade das viaturas da CCAÇ 1420 recebidas, em Bissorã, em 1996, pela CART 1525. Mas na maior parte dos casos isso não é possível, a "história da unidade" já estava feita quando os "velhinhos" passavam a "bola" aos "periquitos"...E a palavra de ordem, apenas sussurrada, era "vender gato por lebre"...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

... Posso a estar a ser injusto, mas nessa semana da rendição "valia tudo ou quase tudo"...