"Em meados da década de 1950, o encontro entre Oumarou Ganda, então um jovem estivador do Porto de Abijão, recém-regressado da guerra da Indochina, e Jean Rouch, o engenheiro-cineasta, marca um ponto de viragem no cinema de Rouch com "I, a Negro". Uma década mais tarde, no Níger, nasce o cinema de Ganda com o autobiográfico "Cabascabo". [Dois filmes que passaram no doclisboa2022, no passado dia 11].
Acima, fotograma de "Cabascabo", de Oumarou Ganda [1969, Níger, 46’]: "Cabascabo, veterano do exército colonial francês na Indochina, regressa à terra natal no Níger e é aclamado por amigos e familiares. Em analepses fragmentadas, narra a sua aventura e as batalhas naquela terra longínqua. Durante algum tempo, desfruta da glória de veterano, mas, depois de esbanjar tudo o que tem, [...]"
1. Este ano, na sua 20ª edição, o doclisboa tem na secção "Retrospectiva", dedicada à "questão colonial", um total de 35 filmes (de curta, média e longa metragem), que já passaram ou ainda vão passar por estes dias, entre 6 e 16 de outubro, o mês do festival, o mês que "todo o mundo cabe em Lisboa"... Vamos continuar a listar, a título informativo, alguns desses filmes (*).
A Argélia, que conquistou a sua independência em 1962, há 60 anos, após um conflito extemamente sangrento com a potência colonizadora, a França (e as milícias dos "pied-noirs", os colonos franceses), desde 1954, e depois de inúmeros massacres, está talvez sobrerrepresentada no doclisboa2022... Não só devido ao seu peso "geopolítico", mas também por ter uma cinematografia mais ativa do que outros países africanos, a começar pelos PALOP. Alguns desses filmes já passaram no festival (como "Algiers, Capital of tthe Revolutionaries"), outros ainda podem ser vistos até ao fim do festival, como "Harkis".
[Passou em 9 Out2022, 14:00, no Cinema São Jorge Sala 3]
A jovem nação moçambicana atraiu muitos cineastas, num movimento do qual poucos filmes sobreviveram. Rouch terá realizado Makwayela no âmbito de uma formação para jovens técnicos e cineastas. Já Ruy Guerra, que regressa ao país natal nos primeiros anos da independência, procura em Mueda a memória do início da guerra colonial.
O Vento sopra do Norte
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A Argélia, que conquistou a sua independência em 1962, há 60 anos, após um conflito extemamente sangrento com a potência colonizadora, a França (e as milícias dos "pied-noirs", os colonos franceses), desde 1954, e depois de inúmeros massacres, está talvez sobrerrepresentada no doclisboa2022... Não só devido ao seu peso "geopolítico", mas também por ter uma cinematografia mais ativa do que outros países africanos, a começar pelos PALOP. Alguns desses filmes já passaram no festival (como "Algiers, Capital of tthe Revolutionaries"), outros ainda podem ser vistos até ao fim do festival, como "Harkis".
Moçambique, por seu turno, também tem uma boa representação no doclisboa deste ano, muito superior à de Angola ou à da Guiné-Bissau. Alguns dos filmes sobre Moçambique, de cineastas moçambicanos como Ruy Guerra e Licínio de Azevedo. ainda podem ser vistos no doclisboa2022, que termina em 16 do corrente.
O texto e as imagens, a seguir, são extraídos do programa do doclisboa'22, incluindo as sinopses dos filmes que aqui se reproduzem para mera informação dos nossos leitores, não implicando da nossa parte qualquer juízo de valor, documental, estético, ético, técnico, político ou ideológico.
Algiers, Capital
of the Revolutionaries
Gordian Troeller, Marie-Claude Deffarge
1972/Argélia/45’
Aquando da independência, ficou escrito na Constituição da Argélia que todos os movimentos revolucionários e de libertação nacional poderiam reclamar asilo político. Diz assim: “O desenvolvimento do socialismo na Argélia está intimamente ligado à luta de libertação de povos noutras partes do mundo. É imperativo que qualquer movimento revolucionário apoie [...]
12 Out — 22:00 / 75’
Cinema Ideal
About the Conquest
Franssou Prenant
2022/França/75’
Uma sucessão de material de arquivo (relatórios, testemunhos, memórias) é lido num tom de facto, relatando as etapas da colonização da Argélia pela França entre 1830 e 1848 e delineando a paisagem ideológica de um esforço de aniquilação espantoso.
Harkis
Philippe Faucon
2022/Bélgica, França/83’
Durante a Guerra da Argélia, muitos jovens argelinos pobres alistam-se no exército francês. Paira a hipótese de independência e a perspectiva para eles é sombria. O tenente Pascal insiste para que todos os homens do seu pelotão sejam evacuados para França.
A jovem nação moçambicana atraiu muitos cineastas, num movimento do qual poucos filmes sobreviveram. Rouch terá realizado Makwayela no âmbito de uma formação para jovens técnicos e cineastas. Já Ruy Guerra, que regressa ao país natal nos primeiros anos da independência, procura em Mueda a memória do início da guerra colonial.
Makwayela
Jacques d’Arthuys, Jean Rouch1977/França, Moçambique/19’O único vestígio que resta da passagem e envolvimento de Jean Rouch numa oficina de formação em Super 8mm em Moçambique é este filme. Em Maputo, um grupo de trabalhadores de uma fábrica de garrafas canta e dança todas as manhãs no pátio. A dança makwayela é uma forma de [...]
[Passou em 10out2022, 15h30, na Cinemateca Portuguesa Sala M. Félix Ribeiro]
Mueda, Memória e Massacre
Ruy Guerra
1979/Moçambique/80’
Ruy Guerra participou activamente na fundação do Instituto Nacional de Cinema de Moçambique e realizou a primeira longa-metragem produzida no país após a independência. O filme cruza a reconstituição teatral do massacre cometido pelas forças coloniais portuguesas em Mueda, a 16 de Junho de 1960, quando soldados portugueses abriram fogo [...]
[Passou em 10out2022, 15h30, na Cinemateca Portuguesa Sala M. Félix Ribeiro ]
Os filmes de Licínio de Azevedo, decano do cinema moçambicano, revisitam e reconstituem a história recente do seu país, num gesto que oscila entre ficção e documentário. A questão da terra e dos seus frutos no coração do conflito colonial e pós-colonial atravessa estes dois filmes, lembrando a dimensão física e económica da exploração.
Nhinguitimo
Licínio Azevedo
2021/Moçambique/23’
Pequena fábula política, Nhinguitimo analisa as relações entre a desapropriação das áreas rurais – e respectivas colheitas – e o sistema colonial. A história da revolta de um trabalhador agrícola contra os colonizadores há seis décadas pode também moldar uma reflexão sobre a exploração continuada do território e suas gentes.
[Passou em 11out2022, 19h00, Cinemateca Portuguesa Sala M. Félix Ribeiro]
A Colheita do Diabo
Brigitte Bagnol, Licínio Azevedo
1988/Bélgica, França, Moçambique/54’
“A Colheita do Diabo é a minha primeira grande experiência no cinema (…) em que pela primeira vez utilizei, além de actores de teatro, pessoas que não tinham nenhuma experiência [em cinema], sendo as personagens principais antigos combatentes, ex-guerrilheiros da FRELIMO que participaram na guerra pela independência.” Licínio de Azevedo [...]
[Passou em 11out2022, 19h00, Cinemateca Portuguesa Sala M. Félix Ribeiro]
13 Out — 17:30 / 83’
Cinema Ideal
Harkis
Philippe Faucon
2022/Bélgica, França/83’
Durante a Guerra da Argélia, muitos jovens argelinos pobres alistam-se no exército francês. Paira a hipótese de independência e a perspectiva para eles é sombria. O tenente Pascal insiste para que todos os homens do seu pelotão sejam evacuados para França.
13 Out — 19:00 / 56’
Culturgest Auditório Emílio Rui Vilar
Catembe
Faria de Almeida
1965/Portugal/45' (+ 11’ DE MATERIAL CENSURADO)’
Catembe documenta os sete dias da semana no quotidiano de Lourenço Marques. Após uma série de entrevistas em que Manuel Faria de Almeida pergunta a transeuntes na Baixa lisboeta o que sabem sobre Lourenço Marques, o filme integrava sequências de ficção protagonizadas pela rapariga Catembe. O corte, imposto pelo Ministério [...]
14 Out — 19:00 / 101’
Cinemateca Portuguesa Sala M. Félix Ribeiro
O Vento sopra do Norte
José Cardoso
1987/Moçambique/101’
O filme revisita a última fase do colonialismo português. No seu dia-a-dia, dois rapazes e uma rapariga locais lidam como podem com a prepotência dos colonos, até que a violência passa das palavras aos actos. Do Norte, sopra o vento da mudança.
Kuxa Kanema, o projecto de cinema com e para o povo moçambicano, que não pode deixar de lembrar o mítico cine-comboio de Medvedkin, é contado pelos cineastas que o fizeram, entre eles Ruy Guerra. A missão de registar os primeiros passos da independência também passou pelo duro processo dos comprometidos, acusados de compactuar com o colonizador português.
Kuxa Kanema – O Nascimento do Cinema
Margarida Cardoso
2003/Moçambique, Portugal/53’
A primeira ação cultural do governo Moçambicano após a independência, em 1975, foi a criação do Instituto Nacional de Cinema (INC). As suas unidades de cinema móvel vão mostrar por todo o país o jornal cinematográfico Kuxa Kanema. Kuxa Kanema quer dizer o nascimento do cinema e o seu objectivo [...]
Os Comprometidos — Actas
de um Processo de Descolonização
[Acta 5]
Ruy Guerra
1985/Moçambique/42’
O duro julgamento de presumidos colaboradores do regime colonial por um tribunal popular foi liderado pelo presidente Samora Machel em 1982. Ruy Guerra acompanhou o processo ao longo de seis dias de filmagem quase ininterrupta. O material resultou numa série de quarenta horas para a Televisão Experimental de Moçambique, sendo [...]
Nota do editor:
(*) Vd. poste da serie > 7 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23681: Agenda cultural (818): doclisboa'22- festival internacional de cinema, 6-16/10/2022: Retrospectiva - A questão colonial: 35 filmes - Parte II: Guiné, Angola, a memória e as novas batalhas. Mesa redonda, dia 8, às 15h00 (Cinema São Jorge) e às 19h00 (Cinemateca)
(*) Vd. poste da serie > 7 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23681: Agenda cultural (818): doclisboa'22- festival internacional de cinema, 6-16/10/2022: Retrospectiva - A questão colonial: 35 filmes - Parte II: Guiné, Angola, a memória e as novas batalhas. Mesa redonda, dia 8, às 15h00 (Cinema São Jorge) e às 19h00 (Cinemateca)
2 comentários:
(Com a devida vénia...)
https://pt.euronews.com/2022/02/15/parlamento-frances-aprova-perdao-aos-harkis
Parlamento francês aprova perdão aos "harkis"
Euronews, 15/02/2022
Foram precisos 60 anos para o parlamento de Paris aprovar oficialmente o "perdão" aos “harkis”, os soldados argelinos que fizeram parte do exército francês durante a Guerra da Independência da Argélia.
A decisão sustenta o compromisso assumido por Emmanuel Macron. O presidente já pediu desculpa a estes soldados que lutaram ao lado de França, e que foram abandonados pelo General de Gaulle no final do conflito.
Numa declaração simbólica, Macron disse que “um discurso não resolve 60 anos de injustiça, e que as palavras têm, por vezes, pouca utilidade”. “Mas eu queria que hoje, estas poucas palavras trouxessem o reconhecimento ao drama sobre o qual a República nunca falou", afirmou o presidente.
Quase 200 mil “harkis” foram recrutados como auxiliares do exército francês. A lei aprovada esta terça-feira reconhece as “condições indignas” do acolhimento reservado a estes homens e às suas famílias que fugiram da Argélia depois da independência. Muitos foram colocados em campos de refugiados.
Para reparar os danos, França vai pagar uma indemnização às famílias que ficaram nestes campos. Os montantes vão de 2 mil a 15 mil euros.
Sobre a guerra da independência da Argélia (e cinematografia sobre o tema) há uma boa entrada na Wikipedia:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_de_Independ%C3%AAncia_Argelina
Dois dos filmes listados nesta entrada passaram no doclisboa2022:
L'Algérie en flammes (1958), René Vautier
J'ai huit ans (1961), Yann Le Masson...
Claro, e há o clássico A Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo (1965), 2h 1min que passou no cinema comercail e hoje pode ser vista na plataforma Filmin, por quem tem assinatura (55, euros / ano)
https://www.filmin.pt/filme/a-batalha-de-argel
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