BI militar do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu: (i) ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74; (ii) membro da nossa Tabanca Grande desde 2007; (iii) tem 320 referências no blogue; (iv) é escritor, autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp).
1. Comentário de António Graça de Abreu ao poste P24141 (*)
(...) Oh, Luís, "meter o chico" não é uma expressão tão deselegante como possa parecer hoje. Muito boa gente "meteu o chico." No nosso blogue temos um ror de camaradas, gente boa, que "meteu o chico", gostaram da guerra e por lá quiseram continuar. Alguns deles estão na génese do necessário 25 de Abril. Eu, que sou tudo menos perfeito, não tenho complexos de direita, nem de esquerda, não gosto é que me lancem poeira para os olhos. (...)
2. Ciberdúvidas da Língua Portuguesa > Consultório:
Pergunta:
"Durante o tempo em que prestei serviço militar, era frequente designar por "Chicos" os militares do quadro permanente, e por «meter o chico» o acto de, após o serviço militar obrigatório, seguir a carreira militar. Gostaria muito de saber a origem dessa expressão. Muito obrigado."
José João Roseira Eng. eletrotécnico reformado Vila Nova de Gaia, Portugal
Resposta:
"A expressão é de facto muito conhecida, com o sentido referido pelo consulente, mas infelizmente não encontro a sua origem comentada em nenhuma fonte. Talvez algum consulente nos possa dar uma pista."
Carlos Rocha 6 de setembro de 2010
in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-origem-da-expressao-meter-o-chico-portugal/28744 [consultado em 14-03-2023]
(...) o termo 'chicalhada' era uma forma de se referir, em termos depreciativos, os oficiais e sargentos do quadro das Forças Armadas, o pessoal da carreira militar, os quais eram em geral muito mais velhos do que os soldados do contingente geral, os furriéis milicianos e os alferes milicianos. 'Meter o chico' era um termo depreciativo, designando uma acção desprezível de um furriel ou alferes miliciano que, no final da comissão, optava pela continuação na vida militar: veja-se por exemplo o Fado do Miliciano, do Cancioneiro do Niassa, que o J.M.A. Santos diz ser a versão do Exército do Fado da Marinha. (...)
S(c)em (mais) comentários... (***)
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(*) vd poste de 23 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24141: Notas de leitura (1563): Cadernos Militares - Convencer a malta do Exército dos malefícios da descolonização (Mário Beja Santos)
S(c)em (mais) comentários... (***)
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Notas do editor:
(*) vd poste de 23 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24141: Notas de leitura (1563): Cadernos Militares - Convencer a malta do Exército dos malefícios da descolonização (Mário Beja Santos)
(**) Vd. 14 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20240: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (4): 2ª edição, revista e aumentada, Letras M, de Maçarico, P de Periquito e C de Checa... Qual a origem destas designações para "novato, inexperiente, militar que acaba de chegar ao teatro de operações" ?
(***) Último poste da série > 10 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24133: S(C)em Comentários (7): Ouvi um alto dirigente do MPLA, já depois da independência, dizer que o governo angolano deveria agradecer às Forças Armadas Portuguesas o facto de existir uma consciência nacional em Angola, em vez de uma pertença tribal somente (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, Zemba e Ponte do Zádi, 1972/74)
16 comentários:
A questão é saber se a expressão "meter o chico" era ou não era "ofensiva" no nosso tempo, há cinquenta anos atrás... Para os milicianos, na Guiné, era... LG
Alguns milicianos ou praças, DFA (Deficientes das Forças Armadas), passaram ao quadro permanente por razões "óbvias" (continuação dos cuidados de saúde, proteção legal, invalidez...)... Temos aqui vários casos entre camaradas no nosso blogue...
Hoje não fazemos qualquer discriminação entre camaradas em função da sua origem e percurso pessoal e profissional. Somos todos antigos combatentes.
Curiosamente não usamos a expressão "meter o chico" no caso dos nossos camaradas guineenses que seguiram a tropa: Amadu Djaló e Marcelino da Mata são dois exemplos conhecidos... João Bacar Djaló é outro exemplo: começou nas milícias e chegou a capitão graduado 'comando, posto em que morreu, em combate, em 1972 (se não erro).
Entre as tropas especiais (paraquedistas, comandos, fuzileiros) era mais frequente e "natural" seguir a carreira militar. Porque em principio já eram voluntários.
Quaisquer que tinham sido as razões para ficarem, merecem o nosso respeito.
Uma coisa é certa: não houve na "nossa guerra" a figura do clássico "mercenário", usado noutros cenários de guerra em África...
Acho que o tema merece 100 comentários...
Também temos que usar entre parênteses a expressão "capitão proveta"... Já tem sido aqui usada com sentido pejorativo ou ofensivo
...
Recordo-me do meu saudoso amigo e camarada, o segundo sargento Piça, bom homem e grande alentejano, dotado de um notavel sendido de humor,um dia me contar que, quando decidiu "meter o chico" (para fugir à miséria daqueles tempos e lugares), a primeira coisa que fez foi procurar o padre para se casar, às oito em ponto da manhã... E às nove já estava lá com o filho para ser baptizado...
- Tão cedo ? - perguntava, espantado, o padre.
- De manhã é que começa o dia, senhor prior.
Como escrevo noutro post, julgo que esta de "meteu o chico" é uma velha guerrinha de Graça Abreu com Beja Santos.
Em anos anteriores, quando Beja Santos apresentava post de viagens ou culturais levava com um "o que é que isto tem a ver com a Guiné", que parou, pelas razões óbvias das viagens de cruzeiro.
Também, quando Beja Santos apresenta temas sobre a colonização sacados da Sociedade de Geografia leva com uma de "o que é devem dizer as nossas crianças".
Agora, como apresenta livros da temática militar arranjou esta de "meteu o chico", como a querer dizer que aquilo é para um profissional das forças armadas.
No entanto, julgo que Beja Santos se fartou de rir com este carinhoso tratamento de Graça Abreu, uma vez que o "ainda tem pachorra" não seria critico com os livros apresentados.
Valdemar Queiroz
Nota: poderão dizer que meto o nariz onde não sou chamado, respondo que é um comentário como faria sobre o por sal a mais ou menos pelos cozinheiros do rancho.
Esqueci-me, cada vez mais estou a esquecer-me do que tenho a dizer/escrever.
Esqueci-me de referir que este "meteu o chico", também pode ser, e é o mais provável, por Beja Santos continuar a fornecer frequentemente temas ao blogue da Tabanca Grande, que será entendido como que um "acabem com isso" por tabela.
E assim não vale.
Valdemar Queiroz
Pois, meu caro Valdemar, entendes pouco, por isso, na sinuosidade das palavras, dá para entender.
E já agora, porque é que um camarada de armas na Guiné, profícuo escritor, Mário Beja Santos, ressensor da nossa triste gesta em África, jamais publicou neste blogue a sua leitura do meu Diário da Guiné?
Porque será?
Nada me move contra ninguém.
Imenso respeito por todos os camaradas da Guiné.
António Graça de Abreu
O coronel do Quadro Permanente Carlos Matos Gomes, sob o seu pseudónimo literário de Carlos Vale Ferraz, escreveu a dado passo no seu livro "Nó Cego":
...um capitão que viera de soldado, sempre agarrado aos papéis e que nunca pusera o cu no mato! Um «chico» lateiro!
Para melhor se compreender esta passagem, reproduzo a seguir a parte do capítulo que a contém, pedindo desde já desculpa a quem achar descabido falar de Moçambique e também um pouco de Angola, neste blog que é dedicado à Guiné.
- Lembras-te, Tino, do Úcua? Andavas sempre à rasca com sede - recordou o Vergas ao cair da noite.
Se se lembrava! Por essa sede sem fundo que o perseguia como a sombra, o pequeno soldado do Porto, embarcador e desembarcador de terra e mar, esteve quase a ser eliminado logo no início do curso de comandos, durante a semana da sede, sete dias de inferno no Norte de Angola, nos Dembos, com direito apenas a um cantil de água por dia.
Não fosse a prática da vida e teria perdido logo na primeira prova as esperanças de algum dia vir a ser um soldado de elite para se impor ao respeito da rufiagem das docas de Leixões, ou pior, teria rebentado como um peixe fora de água, os rins desfeitos a mijarem sangue, os pulmões secos que nem bacalhaus!
O Tino encontrou maneira de tirar do atrelado de água dos instrutores muito mais do que a ração considerada suficiente para a sobrevivência dum candidato a comando na fornalha do Úcua. Tanta que até deu para distribuir pelos camaradas de provação.
Nesta noite, na coluna da Volta ao Mundo, a palavra que corria na boca de todos os homens também era: «Água!» e, tal como no Úcua, essa zona de más recordações em Angola, o Tino tinha, de novo, inventado o modo de a obter. Estava com o Vergas debaixo do motor de uma Berliet, a retirar a água do radiador para o cantil através dum tubo ladrão.
- Isto é a pior mixórdia que já bebi. Pior que o xarope dos cabarés das putas! - afirmou o Vergas depois de engolir o líquido.
Os dois homens emparelhados nos comandos, o soldado e o cabo, o pequeno e o grande, o do Norte e o do Sul, unidos pelo acaso, regressaram ao seu lugar com a boca a arder com o sabor metálico a ferrugem, mas reconfortados. A ideia genial do Tino arrastou, como todas as promessas de salvação, uma multidão de seguidores. No seu rasto formou-se uma procissão de silhuetas recortadas a desfilar em direcção aos motores das viaturas, projectando as sombras de vultos negros dobrados, de cantil desrolhado na mão, sobre o fundo da noite clara. Formavam uma fila silenciosa junto aos radiadores, ansiosos, na esperança de que das tetas metálicas escorresse algum líquido.
Os contemplados bebiam sofregamente a água fervida de arrefecer o coração das máquinas e depois deitavam-se um pouco menos sequiosos, mas com um travo amargo de óleo na boca.
A primeira consequência do assalto aos radiadores surgiu logo de manhã quando, passados alguns poucos quilómetros, os motores das Berliets, dos Unimogs, dos camiões rafeiros sem marca definida, das Fox, começaram a fumegar devido ao aumento da temperatura.
Os condutores conheciam a causa do mal e mandaram o cabo mecânico ir explicá-la ao capitão.
- Beberam a água dos radiadores? - repetiu, incrédulo. Abanou a cabeça. - Devia ter-me lembrado dessa...
Devia estar preparado para tudo. Conhecia os homens que constituíam a companhia e devia saber que deles podia esperar tudo. O melhor e o pior. Era essa certeza quanto à ocorrência do imprevisto que o fascinava no seu papel de chefe daquele grupo. Com a mesma facilidade e inconsciência que criavam as dificuldades também as aceitavam. Não lhe restava mais que esperar a chegada do helicóptero com a água que pedira para M e deu ordem para montarem segurança ao redor do estacionamento.
O Alouette aterrou depois do meio-dia trazendo um carregamento de água em jerricãs metálicos para ser distribuído por homens e viaturas.
(continua)
(continuação)
Os homens beberam-na sofregamente e só depois acharam que sabia muito mal. Os mecânicos atestaram os radiadores das viaturas e a coluna recomeçou a deslocar-se.
A situação parecia ter voltado ao normal, com o lento avanço pela mata de vegetação de arbustos espinhosos e resistentes à seca e de árvores esguias, na direcção dum ponto no mapa que deixara de fazer sentido como futura zona de ataque à grande base Beira. Retardado o avanço da coluna dos comandos, esta dirigia-se apenas para o local no planalto dos Macondes onde se reuniria à dos pára-quedistas, que trazia a artilharia de acompanhamento, agora mais um peso inútil.
A coluna arrastava-se com a dolência dum réptil enjaulado e nada fazia prever que o ataque viesse de dentro de si mesma. Os primeiros sintomas surgiram quando Tino caiu da Berliet onde seguia, rebolando agarrado à barriga com uma cólica. Contraiu o corpo em vómitos sucessivos, de olhos cerrados, e a cara branca como a cal, foi tomando uma coloração esverdeada.
- Que tem ele? - perguntou o capitão ao enfermeiro.
- Parece uma intoxicação.
Logo de seguida surgiram os mesmos sintomas noutros homens da coluna.
- Descobre depressa donde vem esta merda de doença! - mandou o capitão ao Cardoso com rispidez, como se este fosse o culpado.
O enfermeiro enfrentou-o por um brevíssimo momento e afastou-se para desrolhar o cantil de um dos atacados pelo estranho mal.
- Cheira a gasóleo.
- Os tipos de M mandaram água nos jerricãs do gasóleo e nem sequer os lavaram. Filhos da puta! - exclamou antes de mandar o Transmissões enviar uma mensagem a pedir urgentemente um médico.
- Urgente, meu capitão? - perguntou o Brandão com o inexpressivo tom de voz de quem flutuava ausente noutra dimensão da vida.
- Zero horas, seu maricas!
O capitão chegara ao seu ponto de ruptura. Agredia tudo e todos. Queria lá saber se o Brandão era maricas! Ou drogado. Fosse, ou não fosse, não era certamente culpado de os homens terem bebido a água dos radiadores e depois dos depósitos com gasóleo enviados pelo oficial da logística de M, um capitão que viera de soldado, sempre agarrado aos papéis e que nunca pusera o cu no mato! Um «chico» lateiro!
A coluna parava mais uma vez na floresta cinzenta, plana, chata, sem horizontes, como um veleiro num mar de azeite sem um sopro de vento. À espera dum médico vindo de helicóptero para avaliar a situação e evacuar os casos mais graves.
Caro Graça Abreu
Não de trata de eu estar a querer dar volta ao "meteu chico", por só haver duas intenções:
- por estar constantemente a apresentar temas militares
- por estar constantemente a escrever no blogue.
Ou, então, entendo pouco e não sendo estas as intenções, sem melhor explicação, nesse caso, não entendo nada por que Beja Santos está a "meter o chico".
Eu, também, nada me move contra ninguém, que nem sequer tenho razões para isso, antes pelo contrário. Mas sem faltar ao respeito não me privo de comentar como entendo.
Valdemar Queiroz
Pois é, caro J.Belo, é como dizes, "poucos mas bons".
Isso de "meter o chico", ou melhor, saber donde vem a expressão, como e porquê começou, quem começou, quando e onde começou, pode ser um exercício interessante de especulação mas, na realidade, não resolve nada.
Devo dizer que, no "meu tempo", essa expressão de facto identificava o indivíduo que depois de cumprir o seu serviço, por imposição, manifestava a vontade de continuar ao serviço, integrando assim a estrutura do "quadro permanente".
As razões, os motivos, os impulsos, pelos quais tomavam essas decisões seriam da mais variada índole e não vou especular quais poderiam ser.
Por norma, para o "militar comum", desejoso de acabar a comissão e regressar para junto dos seus, seguir uma vida "normal", retomar estudos e/ou empregos, constituir ou retomar a família, isso de "meter o chico" era uma coisa estranha (e incómoda, pela diferença) e normalmente levando a olhar de soslaio para esse atrevido.
No entanto, não nos podemos distrair quanto às motivações pelas quais essa expressão chegou aqui ao Blogue. Coisas antigas e recorrentes. Mas sempre persistentes e tristes.
Hélder Sousa
A farda e a guerra também podia ser um atrativo para muito gente, principalmente na classe de sargentos.
Antes da guerra, os primeiros sargentos de Companhia, vinham de 1º cabo, por ali acima, concorrendo e engraxando, com unhas e dentes e comissões pelo ultramar, faziam uma vida bastante cómoda, e familiarmente tranquila com filhos formados, e alguns em oficiais do exército.
Com a guerra, muitos cabos milicianos acabaram a guerra em sargentos ajudantes e foram alguns reformados em majores por um governo dos anos 80.
E a farda tem coisas, houve refratários para a França, para não ir para o ultramar que se alistaram na legião francesa, que não é pera doce.
Havia e há mil motivos para "meter o chico" e continuar fardado.
E nos anos da Guerra do Ultramar não houve imensos, inumeráveis "chicos", porque além da hipótese da França, havia em Portugal e colónias imenso campo de trabalho, trabalho havia com fartura.
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