segunda-feira, 10 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24466: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4.ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos). Parte III: 1 e 2 de abril de 2023


Timor Leste > Posição relativa de Boebau e da Escola de São Francisco de Assis, nas montanhas de Liquiç
á. Liquiçá é a sede do munícipio, com cerca de 20 mil habitantes. Recorde-se que em Abril de 1999, na sequência da campanha de terror que antecedeu o referendo sobre a independência, mais de 200 pessoas foram mortas na igreja católica de Liquiçá, quando membros da milícia Besi Merah Putih, apoiados por soldados e polícias indonésias, atacaram a igreja. De Dili a Boebau, em plena montanha, são cerca de 50 km, que em viatura podem demorar a percorrer 4 ou 5 horas na época da monção...

Fotografia: página do Facebook da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste (com a devdia vénia...)



1. Continuação da publicação de alguns excertos das crónicas que o  nosso amigo Rui Chamusco (professor de educação musical reformado, do Agrupamento de Escolas de Ribamar, Lourinhã, natural de Malcata, concelho de Sabugal, cofundador e líder da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste) nos mandou, na sequència da sua 4º viagem àquele país lusófono, e no âmbito do projeto ". (Esteve lá já 4 vezes, em 2016, 2018, 2019 e agora em 2023, de março a maio; é juntamente com a família Sobral um dos grandes pilares deste projeto de solidariedade com o povo timorense.)


De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4.ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos)  (*)

Parte III - 1 e 2 de abril de 2023

01.04.2023, sábado - Cobras: receios, medos e preocupações

Logo de manhã, enquanto nos deleitávamos com as lindas paisagens que se avistam, aparece o Nico (Joanico) com uma ceira às costas carregando plantas de abacate para plantação. É então que ele conta: “quando ia pôr às costas vi uma 'somodo' (cobra venenosa) nestas plantas.”  De repente se desenvacilhou dela, evitando ser mordido.

Desta cobra já eu sabia que mora por aqui. Só que o Ti António Bahasa (com certeza por falar a língua dos indonésios) contou que agora aparecem cobras novas diferentes. Uma é toda branca, e a outra é vermellha no ventre e castanha no dorso. Ele a contar e a gente a arrepiar-se. Pelo sim e pelo não, vale mais estar atento e precaver-se, não vá algum bichinho deste fazer-nos uma visita. 

E porque será que todos temos alguma repugnância e algum receio de falar destas criaturas?

01.04, 2023, sábado - Lista de prioridades

Quase sempre que vimos à Boebau trazemos na mente de passar em revista a ESFA para ver o que faz falta e quais são as prioridades. Desta vez também não fugiu à regra.

E, vai daí, em reunião com as pessoas responsávéis, toca a anotar o que vimos e ouvimos:

(i) Construção da cozinha: é uma exigência da Direção Escolar Municipal para que seja prestado o apoio à merenda escolar dos quatro anos do 1.º ciclo. Vamos a ver aonde iremos buscar ajudas para isso.

(ii) Substituição de lâmpadas no edifício escolar (16) e na casa dos professores (4).

(iii) Substituição de vidro na sala São Francisco.

(iv) Pintura de metade da fachada da escola. A pintura das paredes e das colunas está muito desgastada. Falta implantar nesta gente hábitos de higiene que preservem mais estes bens.

(v) Elemento identificativo (pintura, recorte?) na parede lateral direita, com o dizer “ESCOLA SÃO FRANCISCO DE ASSIS”.

(vi) Construção de muro ao longo do caminho que suporte o desabamento de terras.

(vii) Substituição do triplex nas salas de aula.

Como vemos, há sempre coisas a fazer para a manutenção e conservação da ESFA. Que a vontade e os meios para tal não nos faltem, e que Deus não nos desampare.

Há que referir também que há uma lista de material escolar necessário mas que, felizmente, vai havendo pessoas e entidades que nos vão ajudando nestas necessidades

01.04.2023 - “Loro mono / Loro sa’e”

Vale a pena subir às montanhas, vale a pena vir a Boebau para contemplar esta luxuriante natureza, onde o astro rei se mostra com todo o seu esplendor. “Louvado meu Senhor pelo irmão sol que faz o dia e nos iluminas. Ele é belo e radiante com todo  seu esplendor. De Ti Altíssimo nos dá a imagem”. (Francisco de Assis)

O “loro mono” de ontem à chegada, estendendo-se e sumindo pelo vale até Atabai e pelas montanhas do ocidente, e o “loro sa’e” no dia seguinte, vindo dos lados do oriente. Impressionante o seu esplendor!... 

Entretanto, o dia que decorre com mais encontros, mais reuniões, com mais decisões. Tanta coisa há que fazer ainda!... Para já, e por exigência da direção geral, há que construir uma cozinha fora do edifício escolar, para preparar a “merenda”, oferta deste organismo. Vamos a isso, que alguém há-de ajudar!... 

Depois, a lista de material escolar necessário, pintura de espaços, frontespício lateral, muro de proteção de estrada, substituição de lâmpadas (quase todos fundidas), estantes e armários para arrumação de material, etc, etc... Há sempre coisas a fazer.

E, tal e qual como o sol, há mar e mar, há ir e voltar. Uma decisão de momento: vamos voltar para Dili. Ou seja, mais uma vez o caminho do calvário a percorrer. Eu até já nem sei se é melhor a subir ou a descer. O que importa é que tudo corra bem. 

Com a comitiva aumentada (Fátima mais as duas crianças) e alguns presentes de Boebau (aidilas de 5 Kg e feijão foré), bamboleando até Hepu onde fizemos uma pequena paragem para visitar esta grande família Galocho (mais de 20 pessoas) e entregar o saco de prendas que a madrinha Rosa Henriques enviou de New York para a afilhada Tessa. Um  oásis em meio da viagem!


01.04.2023, sábado - “Basok” ao jantar

Eu sei lá o que a gente come por aqui! Perguntaram-me se queria comer “Basolok”. 

  O que é isso?  − perguntei. 
− Comida da China  − diz a Adobe.

 Vamos experimentar. Soube-me bem? Soube. O que comi? Não sei. Tinha carne, que diziam ser de vaca mas também poderia ser de cão. É comer, fechar os olhos e saborear. O resto pouco importa. E só assim conseguiremos sobreviver, seja onde for, em qualquer parte de mundo. Como diz o ditado latino: “De gustibus non est disputantibus” (de gostos não se discute).


02.04.2023, domingo - Fé, cultura e religião

Hoje é Domingo de Ramos. Também em Timor, país de maioria católica, se vibra com as celebrações religiosas desta festividade. Já ontem se via muita gente com ramos de palmeira nas motos, pois tinham ido a apanhar os ramos para a procissão  dos ramos de amanhã. 

Acredito na fé de toda esta gente, mas dou comigo a pensar que há muita falta de esclarecimento, de “dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”. Eu sei que todos estes acontecimentos mobilizam e dão atividade a quem dispõe de muito tempo livre. E, na falta de melhor, é preferível fazer alguma coisa que não fazer nada. Mas, a mistura de valores e a confusão que daí vem, questionam-nos muitas vezes sobre os nossos comportamentos e os comportamentos dos outros. Fé ou fezada? Rituais religiosos ou folclore? Religião ou cerimónias?...

Com todo o respeito para quem acredita e pratica à risca tais atos, penso que há uma 
grande caminhada a fazer.

(Continua)

(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos / subtítulos: LG)

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Nota do editor:

( *) Postes anteriores da série:

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