quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24543: Efemérides (405): No dia 8 de Agosto de 1970, zarpou de Lisboa o N/M Carvalho Araújo, levando a bordo a açoriana CCAÇ 2753, aportando em Bissau no dia 17 do mesmo mês (José Carvalho, ex-Alf Mil Inf)

José Carvalho, a bordo do N/M Carvalho Araújo, ao avistar a Ilha de S. Vicente


1. Mensagem do nosso camarada José Carvalho, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753 (Brá, Bironque, Madina Fula, Saliquinhedim e Mansabá, 1970/72), com data de hoje:


8 de Agosto de 1970

Decorrido mais de meio século, recordo a data de 8 de Agosto, pois foi nesse dia que a CCAÇ 2753, embarcou no N/M Carvalho Araújo, com destino a Bissau - Guiné.

A CCAÇ 2753, maioritariamente constituída por bravos militares açorianos e enquadrada por continentais, com excepção de três sargentos do quadro permanente, era uma companhia independente e muito miliciana.

A Companhia formada no BII 17, em Angra do Heroísmo, deixou aquela cidade em meados de Maio, com destino ao continente, sendo colocada no RI 1, Amadora. O IAO foi realizado na zona de D. Maria – Caneças.

Fez a CCAÇ 2753 parte das forças em parada nas cerimónias do Dia de Portugal, 10 de Junho, no Terreiro do Passo - Lisboa, dia em que as alterações climáticas já se faziam sentir.

Concluído o treino operacional, a Companhia no início de Julho, foi transferida para umas instalações militares desactivadas, situadas na margem sul, no Pragal, a curta distância do Cristo Rei, que eram utilizadas para alojar efectivos, enquanto aguardavam embarque para as ditas Províncias Ultramarinas.

Assim durante cerca de um mês, a independente CCAÇ viveu em independência absoluta, havendo no local rotativamente somente a presença de um sargento e de um oficial, que enquadravam os militares açorianos, que na esmagadora maioria não tinham familiares continentais, para onde se pudessem desenfiar!

Havia necessidade de alimentar a rapaziada e também manter actividades físicas, que não somente as praticadas nas praias da Caparica.

Não foi fácil manter alguma disciplina e controlo dos rapazes açorianos, vendo que os continentais gozavam fins-de-semana prolongados em casa dos seus familiares, desfrutando mais uns dias de férias. 

Assim era raro o dia em que a PM não ia ao Pragal, quase sempre durante a noite, entregar uns tantos que vagueavam por Lisboa e mesmo dada a novidade que para eles eram os comboios, encontravam-se perdidos algures, até na Figueira da Foz… 

 Durante este período registou-se o óbito do Prof. Oliveira Salazar [em 27 de julho de 1970] e a CCAÇ na madrugada do dia seguinte, foi mobilizada para formar três pelotões para as cerimónias fúnebres. Seriam recolhidos por viaturas do RI 1 no final dessa manhã. Gerou-se o pânico nos presentes, pois só estavam nas instalações um aspirante, um furriel e soldados quase só os açorianos.

Depois de alguns contactos telefónicos, a maioria mal sucedidos, com alguns dos ausentes a mais de 200 Km. No meu caso, o telefonema foi recebido em casa dos meus Pais, estando no Baleal a mais de 100 km e aonde na altura só havia um ou dois telefones públicos. Depois de várias diligências, fui “capturado” por um primo que me transportou ao Pragal, aonde cheguei por volta do meio-dia.

Deparo com várias viaturas já com os militares sentados nas mesmas e para meu espanto e sossego já havia aspirantes e furriéis promovidos naquela manhã… Uma meia dúzia ou mais de soldados, tinham tirado das instalações dos oficiais e furriéis os galões e divisas! Era este o grande espírito de corpo desta companhia!

Depois de tudo preparado para seguirmos a caminho dos Jerónimos, eis que surge nova ordem, a libertar a companhia daquela missão!

Chegou por fim a alvorada do dia 8 de Agosto, desta vez fomos transportados para embarque no navio, que havia chegado dias antes, carregado de gado bovino, precisamente dos Açores.

Depois das cerimónias oficiais habituais, lá partiu no final da manha N/M Carvalho Araújo, creio que na sua ultima viagem, rumo a Bissau, com uma escala na Ilha de S. Vicente, aonde desembarcariam umas dezenas de afortunados militares.

José Carvalho, segundo a partir da direita, na Ilha de S. Vicente, Cabo Verde, acompanhado por 3 outros alferes milicianos, companheiros de viagem a caminho da Guiné.


Antes do navio transpor o Bugio, já os nossos soldados protestavam pelas condições que lhe eram proporcionadas, nomeadamente o odor a gado vacum, que se respirava no convés e não só. Somente nos apercebemos que algo não estava bem quando visualizámos alguns colchões a voar para o mar… Serenados os ânimos,  conseguimos acalmar a “rebelião”, mas durante a viagem muitos soldados dormiram sempre no tombadilho.


A 17 de Agosto atracámos em Bissau.

Fotos (e legendas): © José Carvalho  (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24530: Efemérides (404): Foi há 60 anos que o padre missionário italiano Antonio Grillo (1925-2014), do PIME, foi preso (em 23/2/1963), "sob a acusação de atividades subversivas", e depois expulso de Portugal (libertado, em 4/6/1963, em homenagem ao novo sumo pontífice, o Papa Paulo VI)

3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não foi o "cruzeiro" da tua/vossa vida, mas não deu para esquecer, ao fim destes anos todos... E para mais com as peripécias, algo burlescas, da vossa colocação do pardieiro do Pragal e depois chamados para fazer as honras fúnebres ao António Oliveira Salazar... Estragaram-te as férias no Baleal, que nessa altura, em 1970, era mesmo um encantador lugar, a prais mais linda de Portugal (segundo o Raul Brandão, anos 1920)...

Cesar Dias disse...

Já lá estava havia um ano, mas fomo-nos cruzar em Mansabá, Bironque e Madina fula, fiquei com boas recordações dessa companhia, gente brava, gente boa.
Um abraço para todos.
César Dias

Anónimo disse...

O n/m Carvalho Araújo serviu, muito bem, durante décadas as ilhas dos Açores. Acabou como transporte de tropas para as províncias ultramarinas. A sua última viagem aconteceu em Dezembro de 1970.
A CCaç 2753/BII17 sofreu uma baixa, a do Soldado António Simas Dutra.
No tempo da Guerra do Ultramar, a adesão aos Liceus ainda era muito limitada. Só as ilhas do Faial, Terceira e São Miguel tinham Liceus. Algumas das outras ilhas tinham Externatos, mas a falta de transportes acessíveis era uma realidade. A outra opçao seria a deslocação para o local dos Liceus e dos Externatos, uma despesa quase impossível para a maioria dos familiares.
A emigração também absorveu uma quantidade muito razoável de jovens estudantes. Os que ficaram e que cumpriram o seu serviço militar como sargentos e oficiais de forma alguma eram suficientes para a formação das companhias oriundas dos Açores. Só em 1970, o BII17 mobilizou cinco companhias para a Guiné. Em Tavira, naquele ano, nos 1° e 2° turnos éramos menos de 40 instruendos, insuficiente para a formação daquelas companhias e não estou a incluir as mobilizadas pelo BII18.
E mais,
Os Cabo Milicianos e Aspirantes a Oficial Miliciano quando acabavam os seus curos entravam na ordem de mobilização de acordo com as suas notas de curso e mobilizados de acordo com aquela ordem. Eu, açoriano, em rendição individual, fui um dos felizardos que integrou uma companhia açoriana, a CCaç 3327/BII17. A CCaç 3326/BII17 teve também um Furriel Miliciano, natural da Terceira, o José Bendito. A CCaç 3328/BII17 também teve a integrá-la o Sr. Alferes Miliciano Alves, também natural da Terceira.
Abraço transatlântico.
José Câmara