segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24890: E depois da peluda... a luta continua: as minhas escolas (Joaquim Costa) - Parte II: Depois de Santo Tirso, Portalegre... e 18 razões para não mais esquecer o Alto Alentejo


Portalegre: Escola Secundária de São Lourebço

1.Continuação da nova série do Joaquim Costa, "E depois da peluda... a luta continua: as minhas escolas"...


(i) ex-fur mil at Armas Pesadas Inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74);

(ii) membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021, tem cerca de 7 dezenas de referências no blogue;

(iii) autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicaram 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022) , e que depois publicou em livro ("Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp);

(iv) tirou o curso de engenheiro técnico, no ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto;

(v) foi professor do ensino secundário, tendo-se reformado como diretor da escola secundária de Gondomar;

(vi) minhoto, de Vila Nova de Famalicão , vive em Rio Tinto, Gondomar;



Portalegre: O histórico café Alentejano..

 
Joaquim Costa

"E depois da peluda... a luta continua: as minhas escolas" (Joaquim Costa);  Parte II: E depois de Santo Tirso, Portalegre...


Foi desta cidade que às 2 da manhã do dia 29 de outubro de 1972, fui conduzido (juntamente com a minha companhia) até Figo Maduro, onde embarquei num avião da FAP ruma à Guiné.

O pouco tempo que aqui permaneci, enquanto militar, não deu para conhecer esta bela região alentejana e o seu fantástico triângulo: Portalegre, Marvão, Castelo de Vide.

Lembro-me, na altura, da nossa infantilidade ao entrarmos na escola secundária, em frente do quartel, “matando o tempo”, deliciando-nos com os nomes, para nós, invulgares, mesmo bizarros, dos alunos afixados nas pautas, e, quem sabe, arranjar uma (ou mais) madrinha de guerra…

Nesta cidade lecionou José Régio – reclamado por Vila do Conde onde nasceu e por Portalegre onde viveu, sempre no meio da sua imensa coleção de Cristos.

Depois de dois anos em Santo Tirso, muitas dúvidas permaneciam sobre se seria este o meu caminho. Continuava com a ideia fixa de fazer o meu percurso profissional numa empresa, ou dar corpo a um gabinete de projetos de engenhria,  que estava na incubadora.

A forma como fui recebido em Portalegre: o excelente ambiente entre o corpo docente, o comportamento afável dos alunos (sempre brincando com o meu sotaque nortenho e sempre me dando os parabéns, todas as segundas feiras, pelo desempenho das minhas equipas – FCP e Famalicão que deram cartas nesse ano), as magníficas paisagens, as suas gentes e o seu sotaque doce e meigo e o seu cante, esfriaram a ideia de abandonar o ensino.

Um ano depois de Portalegre, surgiu uma resposta positiva para um emprego numa multinacional Alemã do ramo elétrico. Não obstante umas noites mal dormidas, acabei por rejeitar. O ano em Portalegre creio que foi decisivo para esta decisão.

Nada me tira o meu Minho (… e o meu Douro vinhateiro e...) mas o Alentejo e os Alentejanos estão no meu coração, inclusive o homem que “deitou abaixo” o meu pequeno garrafão de verde tinto nos longínquos anos 60 a caminho de Ermidas Sado.

Na passagem em trânsito para a Guiné, em 1972, não deu para conhecer a bela região do Alto Alentejo, desforrando-me “à tripa forra” em 1977/78.

Jamais esquecerei:

(i) as tertúlias na esplanada do Tarro, depois do jantar, até que os funcionários arrumando as mesas vazias e limpando o lixo debaixo dos nossos pés nos davam ordem de saída;

(ii) o cimbalino (termo que sempre fiz questão de utilizar, com o empregado sempre retorquindo: uma bica?) depois do almoço no café “Facha”, em frente ao imponente plátano, lendo as gordas do jornal da casa;

(iii) uma ou outra vez tomando o cimbalino, depois do jantar, no café Central, a meio da rua direita, mas que é muito “torta”, onde grandes jogadores de xadrez se juntavam;

(iv) um pingo (com o empregado sempre a retorquir: um garoto?) e uma nata, a meio da tarde, no lindo e histórico café Alentejano (onde David Mourão Ferreira comeu uns belos bifes com José Régio), felizmente ainda aberto e mantendo o mesmo “glamour”;

(v) as tardes mais quentes passadas debaixo do frondoso plátano (hoje quase monumento nacional);

(vi) o lanche com um grupo de amigos habituais, depois dos jogos de futebol, na tasquinha do Marchão, bebendo umas espetaculares imperiais (que eu insistia em chamar finos) acompanhadas com perninhas de rã (que eu nunca fui capaz de comer) e umas divinais empadinhas de frango, que eu devorava com sofreguidão;

(vii) as idas a um magnífico restaurante na Serra de S. Mamede, do qual já não me lembro o nome, com paragem obrigatória no magnífico miradouro;

(viii) a Pensão 21 onde me instalei com outro colega e amigo de Viana do Castelo: a qui fomos tratados como filhos pelo proprietário (o Sr. Mourato) e pela simpática empregada que nos servia as refeições; no dia em que decidimos fazer um estendal, na varanda do quarto, com as nossas cuecas a secarem ao sol, foi o dia em que não só o proprietário e a empregada, bem como todos os hóspedes, ficaram definitivamente rendidos aos jovens e prendados professores do Minho;

(ix) as refrescantes idas a uma fonte de água pura e fresca; nos dias de maior calor, a caminho da serra, onde sempre éramos alertados por simpáticas mulheres que aí vendiam fruta; que no alto da sua sabedoria espelhada nos seus cabelos brancos, que bebendo água da fonte o feitiço o ligaria ao Alentejo pelo casamento: o meu amigo de Viana do Castelo casou com uma jovem e simpática professora de Marvão e eu com a Isabel, uma alfacinha de Alcântara, (embora natural de Idanha), professora também deslocada na cidade, ou como diz o provérbio, “Tantas vezes o cântaro vai à fonte que um dia fica lá a asa”!!!

(x) as idas às tasquinhas da Serra de S. Mamede, onde aprendi a letra do “Fado do Embuçado” ;

(xi) o calcorrear, milímetro a milímetro das ruas e tasquinhas de Marvão e Castelo de Vide;

(xii) um fim de semana passado na casa de um colega de Évora, comendo uma divinal sopa de Cação preparada pela sua simpática esposa; 

(xiii) a noite passada numa taberna, estilo Zé d’Alter de Estremoz, onde o fado aparecia de onde menos se esperava, devorando um magnífico gaspacho; terminando a noite a ver nascer o Sol numa das zonas altas da cidade;

(xiv) a abordagem de uma patrulha da polícia, às 4 horas da manhã quando esperava-mos o nascer do sol, pedindo-me a carta de condução, que tinha ficado na pensão, o BI, o título de propriedade da minha Diane, que também não tinha - com o polícia já desesperado a pedir, qualquer documento com fotografia que também não tinha; dada a minha calma, adocicada com algum humor nortenho, o polícia esboçou um sorriso dizendo: parecem boas pessoas, aproveitem bem o fim de semana em Évora;

(xv) uma incursão a Badajoz com o regresso já com a fronteira fechada (chegamos 5 minutos depois da meia noite), voltando a Badajoz, esperando a abertura dos primeiros cafés para o pequeno almoço e acelerar para a primeira aula da manhã;

(xvi) assistir ao dérbi da cidade entre os Estrelas de Portalegre e o Desportivo Portalegrense com as rivalidades levadas ao extremo, durante o jogo, mas logo esvaziadas nas inúmeras tabernas da cidade;

(xvii) participar numa manifestação contra a Lei Barreto, já com o PREC a perder força, com direito a carga policial (e tudo o mais a que tinha-mos direito nestas manifestações…) com fuga ao cassetete com o meu amigo deixando a sua mala de engenheiro para trás;

(xviii) as viagens de comboio (sempre adorei viajar de comboio) a caminho de casa nas pausas escolares na direção: Chança, Mata, Crato… e no regresso ao Alentejo na direção: Crato, Mata, Chança...como gostavam de dizer os portalegrenses;

Viajo de comboio sempre com o mesmo entusiasmo como se fosse a primeira vez. Com o comboio cheio de gente sinto-me personagem de um filme no meio de um turbilhão de cenas do quotidiano. Sozinho sinto-me numa sala de cinema vendo passar o mundo lá fora, pela janela do comboio, como se de uma tela se tratasse.

Durante as viagens faço sempre um esforço tremendo para não adormecer, já que um minuto dormido é um minuto não vivido.

Nos primeiro anos depois da Guiné vivi sofregamente os dias, “engasgando-me” aqui e ali na ânsia de agarrar o mundo todo num só dia. Fui há procura de resgatar os três anos “roubados” da minha juventude, até hoje ainda não devolvidos.

____________

Nota do editor:

Último poste da série >20  de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24865: E depois da peluda... a luta continua: as minhas escolas (Joaquim Costa) - Parte I: Santo Tirso, o dono da "tasca"

5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim,é um belo roteiro de recordações e um desafio para se (re)visitar Portalegre..


Há uns anos bonos que não passo por lá... Também sou fã do circuito do "triângulo de São Mamede"...

Este país é pequeno mas é para se ver e saborear com calma e vagar... "Saber ter tempo" faz parte do conceito de qualidade de vida na nossa idade...

Tenho acompanhado, a correr, os teus progressos como facebook...eiro! LG


antonio graça de abreu disse...

Excelente testemunho, o fluir das nossas vidas, com uma guerra dentro de nós que jamais esquecemos, mas viver, viver, viver.

Abraço,

António Graça de Abreu

Valdemar Silva disse...

Ai Costa, Costa, assim a vida não custa.
Ir a lá cima a Marvão e ficar a olhar para o infinito sem pensar em coisa nenhuma, e ver as costas das águias a voar é fascinante.

Desses lados é o ex-fur.mil.José Mourato Canatário, o de armas pesadas da minha CART.11, calhando familiar do Sr. Mourato do tal restaurante.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Eduardo Estrela disse...

Boa tarde Joaquim!
Contigo deambulei por essa bela cidade do Alto Alentejo. Todos esses lugares e sítios que mencionas me são familiares. Na subida para a serra de S. Mamede havia do lado direito um restaurante fantástico para saborear petiscos e beber o bom vinho da região.
Se não estou enganado era o Romualdo. Junto à carreira de tiro havia uma tasca que tinha sempre uns belos queijos e um tinto de estalo.
Em Portalegre permaneci de fins de março a 23 de Maio de 1969, eu e a malta das CCaç 2591 e 2592, mais tarde e já na Guiné CCaç 13 e 14.
Em 24 de Maio partimos para a Guiné a bordo do Niassa, tendo também como companheiros o Luís Graça e a sua malta da 2590, mais tarde CCaç 12.
Abraço fraterno
Eduardo Estrela

Anónimo disse...

Sem dúvida Valdemar. Sempre que posso dou lá um salto.
Os meus compadres são da Escusa, uma aldeia entre Marvão e Castelo de Vide. O único sítio do mundo que me prestou a devida homenagem, dando o meu nome à praça central da Aldeia: Largo Joaquim Costa! Merecida… diga-se!

Um abraço Valdemar e cuida-te.

Estrela é mesmo um triângulo maravilhoso. Dezenas de vezes o visito e venho sempre maravilhado.
O Restaurante que falas da serra era o meu poiso ao fim de semana quando aí fui professor.
Um abraço e muita saúde.