1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Abril de 2024:
Queridos amigos,
Ainda que de forma ténue, chega uma organização administrativa para a Guiné das Praças e Presídios, aparece igualmente uma administração judicial, Honório Pereira Barreto continua a ser a figura tutelar, é um Governador altamente respeitado, intervém na hora própria, procura cortar cerce as sublevações, algumas delas geradas por atos de vingança, insurreições de régulos, estabelece acordos, corresponde-se regularmente com o Governador Geral, António Arrobas, este trata Barreto com uma enorme deferência; peço a atenção do leitor para duas prosas raras, a carta do cirurgião Francisco Frederico Hopffer, a intervenção de D. Pedro V aquando um ataque a Cacheu, mandando castigar quem foi timorato ou praticou mão-baixa. Moral da história, a Guiné já aboliu a escravatura, toda a população é liberta, os interesses pela agricultura vão entrar na rampa de lançamento.
Um abraço do
Mário
Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1855 a 1857) (6)
Mário Beja Santos
Com discrição, vai-se introduzindo na colónia uma certa organização administrativa, a despeito da penúria de meios. É o caso da portaria n.º 123-A publicada no n.º 74, ano 1855, de 6 de agosto, temos um Regulamento da Organização Administrativa para a Guiné Portuguesa. Em síntese, o Distrito da Guiné fica dividido em dois concelhos e os concelhos em praças e presídios. A Praça de Bissau, o Presídio de Geba, Bolama e mais pontos dependentes de Bissau, formam o concelho de Bissau. A Praça de Cacheu, os Presídios de Farim, Ziguinchor, o Ponto Alvarenga e os mais dependentes de Cacheu e Presídios anexos, formam o concelho de Cacheu. O Distrito é administrado por um governador residente em Bissau, que será a capital, haverá Comissões Municipais compostas pelo administrador e por vogais.
Compete ao governador fazer tratados de paz e comércio com os gentios, bem como declarar-lhes a guerra nos casos em que o exija a segurança da Guiné Portuguesa ou a dignidade nacional ofendida; regular todos os anos os donativos, presentes, pensões que devem fazer e pagar aos chefes das tribos, ou aldeias, com as quais o Distrito estiver em relações. Haverá um Conselho de Administração, a presidir pelo Governador, um oficial de 1.ª linha mais graduado, tesoureiro, juiz Forâneo e um secretário do Governo. O mesmo regulamento da organização administrativa refere uma Administração Paroquial, prevendo em cada uma das Praças de S. José de Bissau e de Cacheu a existência de um Regedor de Paróquia. Mais refere a Administração dos Grumetes, prevendo em cada Praça ou Presídio a existência de um juiz dos Grumetes.
Estamos em 1856, o n.º 83 do Boletim, com data de 16 de fevereiro, refere que o senhor Comendador Honório Pereira Barreto, Tenente-Coronel de 2.ª linha e Governador da Guiné ofereceu gratuitamente todo o emadeiramento para a construção de um edifício para a residência do Governador da Guiné. Também os negociantes da Guiné Portuguesa, à frente dos quais se acha o seu ilustrado Governador Honório Pereira Barreto, responderam ao convite o Exmo. Governador Geral da Província fazendo donativo de 2:500$000 reis em arroz para socorro dos habitantes de Cabo Verde. Estamos no ano da libertação de escravos e de uma sucessão de fomes e epidemias, mormente em Cabo Verde. Aparecem referências aos Curadores dos Escravos e Presos Pobres.
No n.º 199, do mesmo ano 1856, 31 de outubro, um conjunto de personalidades dirige-se ao Governador Geral agradecendo-lhe a organização administrativa que deu a Bissau, “senão que também a concepção de serem arrematados os direitos das Alfândegas, único meio de obstar a que a Fazenda Pública seja delapidada com manifesto prejuízo dos negociantes de boa fé; os quais, em razão dos enormes direitos, ultimamente legislados, se veriam na dura alternativa de prevaricar ou abandonar o comércio”.
Um dos documentos mais impressionantes que pude ler consta do Boletim Oficial n.º 2, 1857, com data de 23 de março. Escreve o Dr. Francisco Frederico Hopffer, cirurgião de 2.ª classe:
“Com quanto o meu estado de saúde seja valetudinário (com falta de saúde, ou estar enfermiço) sofrendo eu de palpitações do coração e do sistema nervoso de um modo atroz, tudo resultado do meu destacamento de vinte meses na Guiné, de onde há apenas catorze dias regressei, todavia não posso continuar a gozar a licença que me foi concedida, vendo a minha pátria em perigo, pela epidemia colérica que lhe bate à porta. Estou fraco e exausto de forças físicas, mas sobeja-me a vontade de servir aos meus conterrâneos. O tempo das epidemias é o campo de glória para o facultativo, e bem dura nos custa essa glória.
Doente e alquebrado, assentado no hospital, ministrarei os cuidados da minha profissão aos que deles carecem. Se não puder, pela úlcera que ainda tenho nos pés, ir ver os doentes, andando, vê-los-ei numa cadeirinha. Finalmente, quero morrer no meu posto de honra, onde gloriosamente já sucumbiram dois colegas.”
Outra curiosidade, no Boletim n.º 207, ano de 1858, 20 de janeiro, vem do Ministério da Marinha e Ultramar a seguinte informação. Houvera correspondência do ministro dos Estados Unidos na Corte de Lisboa, pedindo que, por motivos relacionados com certas indagações científicas, se obtenham porções de cabelo das diversas raças do homem assim como de todas as espécies animais de que se possam conseguir. Por esta circular, o Governador Geral apela a que se satisfaça o pedido. Os assuntos da escravatura continuam na ordem do dia. No Boletim n.º 208, de 7 de fevereiro, fazem-se referências à atividade da Junta Protetora dos Escravos Libertos, autoriza-se o Governador Honório Pereira Barreto a passar cartas de alforria aos indivíduos que haja ou venha de futuro a haver na Guiné Portuguesa.
E Honório Pereira Barreto continua a ser a figura central da Guiné. No Boletim nº12, 1857, de 31 de agosto, aparecem cópias de duas convenções celebradas pelo Governador Barreto e pessoas notáveis de Cacheu com os gentios de Cacanda e Nagas, segue-se o louvor real. Nesse mesmo Boletim, o rei pede ao Governador Geral o maior escrúpulo na escolha do oficial a quem nomear como Governador de Cacheu, para não se repetirem situações como a que se passara em 8 de julho quando a praça de Cacheu fora atacada pelos gentios de Cacanda, quem repeliu valentemente o ataque foi o administrador do concelho, o governador militar recursara-se determinantemente a dar as proveniências e ordens mais convenientes, o dito Governador ia ser enviado para Conselho de Guerra, tratava-se do 2º tenente Dias. E vem prosa inédita:
“Sua Majestade manda recomendar ao mesmo Governador Geral os melhoramentos convenientes da fortificação de Cacheu, para que não possa facilmente ser surpreendida por qualquer porção de gentios. E vendo-se finalmente o abuso cometido pelo Governador de Cacheu, de guardar o dinheiro que recebia para a compra da lenha, mandando-a cortar pelos soldados sem a pagar; quer o mesmo Augusto senhor que se providencie o abono de lenha e outros semelhantes, por modo que não se repitam tão criminosos abusos. Sua Majestade espera que o Governador da Guiné, que louvavelmente acudiu com toda a prontidão a Cacheu, transportando-se de Bissau onde estava, procurará estabelecer uma polícia severa que evite as desordens que deram ocasião ao ataque de Cacheu.”
No Boletim n.º 5, de 15 de abril relata-se a grande homenagem ao Governador Geral, António Maria Barreiros Arrobas, era Governador há quinze anos e muitíssimo estimado. Nesse mesmo Boletim há o louvor de Arrobas a Honório Pereira Barreto por ter em curto lapso de tempo enviado para Cabo Verde remessas de socorros. Recorde-se que do Boletim n.º 23, de 1858, 24 de março, Barreto pedira a exoneração de Governador. E aqui findam as referências ao ano de 1858 quanto à Guiné Portuguesa.
Edição em língua portuguesa da editora norte-americana Legare Street Press, 2023
Postal ilustrado antigo do rio Geba, não se conhece editora
Entrada de Bissau, do lado sul, cerca de 1914
Este mapa da Guiné Portuguesa consta do trabalho de Georges Courrent, um comerciante estabelecido na Guiné Portuguesa que enviou um trabalho para a revista La Dépêche Coloniale, edição de 15 de abril de 1914Nunca tinha visto esta imagem de Bissau, vem também na mesma reportagem que se referiu para a ilustração anterior
(continua)
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Notas do editor
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Último post da série de 3 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25599: Notas de leitura (1697): "Quando os Cravos Vermelhos Cruzaram o Geba", por Tony Tcheka (nome literário de António Soares Lopes Júnior); Editorial Novembro, 2022 (3) (Mário Beja Santos)
2 comentários:
Interessante as imagens de Bissau, com uma cerca de adobe de resguardo das casas de comércio de europeus que nós conhecemos como a "Pintosinho" e da "Casa das Ostras".
Também é interessante que o Mapa da Guiné apresentado não marque a delimitação da Gâmbia, que aparece como sendo o Senegal e era uma colónia inglesa desde 1588 quando D. António Prior do Crato vendeu os direitos exclusivos de comércio aos ingleses.
Valdemar Queiroz
Caro Valdemar,
A mim, parece-me que o mapa da Guiné nunca poderia marcar a delimitação da Gâmbia, porque esta já fica fora do alcance do dito mapa. O rio que se vê no mapa a norte da Guiné é o Casamansa, em cuja margem se situa Ziguinchor, e não o rio Gâmbia. Este fica ainda mais para norte.
Eu nunca estive na Guiné, mas já vi a Guiné em direto e a cores. Não estive em cima da Guiné, mas uns dez quilómetros mais acima. Quando regressei à Metrópole em 28 de agosto de 1974, no fim da minha comissão militar em Angola, a bordo de um avião dos TAM, sobrevoei a Guiné e vi, claramente vistos, o Cacheu, o Geba, o Corubal, o arquipélago dos Bijagós e tudo o resto. A Guiné mostrou-se-me verdíssima (suponho que era a estação das chuvas) e os rios apresentavam uma profunda cor azul, onde faiscavam os raios de sol à medida que o avião os ia sobrevoando. Garanto que foi uma visão belíssima, que nunca mais esqueci. A partir da embocadura do rio Gâmbia, a paisagem vista do avião deixou de ser verde, para se mostrar castanha, umas vezes mais escura, outras vezes mais clara, e assim se manteve praticamente até Lisboa. Só o pedaço de mar entre Marrocos e o Algarve se mostrou tão azul como os rios da Guiné.
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