Foto nº 1 > Sabugal > 1968 > Briosos mancebos acabados de ser specionados e apurados para todo o serviço militar... Aqui a cavlo, com saudosismo do passado. Foto tirada no dia da inspeção, no Sabugal, junto ao antigo edifício camarário onde teve lugar a inspeção. É também visível, àq esquerda, o edifício da antiga prisão.
Foto nº 2 > Sabugal > s/d (c. 2013) > Largo das Eiras, no centro da aldeia de Vale de Espinho. Nas redondezas não havia outra povoação que tivesse um largo tão grande, embora já tenha sido roubado pelas construções da estrada, escola, lar de idosos, junta de freguesia, etc.
Fotos nº 3, 3A e 3B > Sabugal > 1968 > Tirada em 1968, no Freixial, junto ao rio Côa, durante o assado, onde estão a meia dezena de mancebos que foram nesse dia à inspeção, juntamente com juventude convidada e onde não podia faltar o meu professor da 4.ª classe, Zé André, que está de pé no canto direito da foto, com camisa preta.
(i) natural de Sabugal;
(ii) mora em Lisboa;
(iii) era de rendição individual (maio de 19969/julho de 1971);
(iv) integra a nossa Tabanca Gradne desde 25/12/2009;
(v) tem 62 referências no nosso blogue;
(vi) são 36 os nossos camaradas do Sabugal que morreram na guerra do ultramar / guerra colonial (segundo a preciosa informação do Portal UTW - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar);
(vii) o concelho raiano do Sabugal perdeu 3/4 da população em 70 anos (era de 43,5 mil em 1950, é de cerca de 11,3 em 2021)
1. Excerto do poste P7737 (*), sobre o dia de "ir às sortes",no Sabugal, terra do forcão, terra da capeia arraiana, mas também terra de Ribacoa, terra do demo, terra do lince, e terra dos cinco castelos (incluindo Sortelha).... E diz a quadra popular: “Castelo de cinco quinas /, só há um em Portugal,/ Fica à beira do rio Côa,/ na vila do Sabugal”.
1. Excerto do poste P7737 (*), sobre o dia de "ir às sortes",no Sabugal, terra do forcão, terra da capeia arraiana, mas também terra de Ribacoa, terra do demo, terra do lince, e terra dos cinco castelos (incluindo Sortelha).... E diz a quadra popular: “Castelo de cinco quinas /, só há um em Portugal,/ Fica à beira do rio Côa,/ na vila do Sabugal”.
A inspeção militar: "Ir à sortes", Sabugal, 1968
por José Corceiro
(...) Tanto quanto me lembro desde a minha meninice, que na minha aldeia, Vale de Espinho, concelho de Sabugal, distrito da Guarda, o dia da inspecção militar ou sortes era um dia festivo para toda a povoação, mas com proeminente destaque para os mancebos naturais da aldeia, que completassem nesse ano o 20.º aniversário, pois a festa era deles.
Nos anos 1950 e princípios de 1960, na minha aldeia, o grupo de rapazes que iam anualmente a dar o nome para a tropa ultrapassavam sempre as duas dezenas, ou bem mais, e era raríssimo que quando chegasse o dia das sortes algum deles faltasse.
O dia da inspecção revestia-se dum certo ritual, tradicional. típico, que continha valor e particularidades para um estudo etnográfico.
Os preparativos para o esperado dia iniciavam-se com algum tempo de antecedência, pois era determinante que no dia da festa tudo corresse de feição. Sempre foram perceptíveis ao longo dos anos, explícitos laivos de ciúme, meio encapotado é certo, mas que levava alguns dos ex-inspeccionados a vangloriar-se ao dizer que a festa deles tinha sido a melhor. Ora, este espírito de geração competitiva impulsionava a rapaziada a um apego de brio viril, que os empenhava em melhorar a sua festa em comparação com as dos anos anteriores.
Para muitos dos jovens, o dia da inspeção seria também a primeira vez que iriam estrear um fato novo, composto por calças, casaco e colete (terno), pois até ao presente não tinham tido a possibilidades de comprar o tecido e mandá-lo confeccionar no alfaiate da terra, visto ser escasso o suporte económico da família.
Era também provável que a partir dessa data, o jovem pudesse começar a amealhar um pezinho de meia, fruto de algum trabalho que executasse com direito a remuneração, jornal ou a passar contrabando, pois até esta altura tudo o que tinha ganho reverteu a favor do agregado familiar.
Quando o esperado dia chegava, nada podia falhar. O fato estava à espera de ser vestido…
Os foguetes já tinham sido comprados e entregues ao mestre-de-cerimónias, que os utilizava conforme a mensagem que queria anunciar, lançando-os para estoirar no ar. A primeira mensagem é logo cedinho, às 05h00, a lembrar que é preciso deixar a cama e levantar, para aqueles que nela se deitaram, nessa noite,a porque alguns fizeram direta. Pois têm que se apressar, ainda há um percurso longo de 16 quilómetros que é preciso trilhar, sempre a cavalgar, até chegar ao Sabugal, concelho da freguesia, onde tem lugar a inspeção.
O cavalo, adereçado com os seus melhores arreios estava pronto e à espera. Ricamente aparelhado. A sela, a cinta, o cabresto, as rédeas e o freio foram diligentemente limpos e engraxados, as fivelas e os estribos foram polidos até ficarem a brilhar, sem esquecer as patas do equídeo que foram aparadas, limadas e convenientemente ferradas, pois há mais de 30 quilómetros para calcorrear, ida e regresso, com o mancebo sempre montado e a espicaçar, e quiçá poderá surgir algum amigo mais íntimo que o queira apadrinhar e arrisque a boleia no lugar da garupa, e o ritmo tem que ser constantemente a trotear.
O acordeonista foi atempadamente contratado, personagem aglutinadora e imprescindível, que nunca pode faltar esperando-se sempre dele alguma novidade musical, para excitar o bailarico e a festa abrilhantar.
Os vitelos ou cabritos, cuja quantidade depende do número de mancebos e seus convidados, foram antecipadamente encomendados ao açougueiro, e já estão prontos e preparados com algum tempero à espera para se dar início ao apetecido assado, realizado sempre em local aprazível, junto à margem do rio Côa e por tradição no sítio do Freixial.
Por volta do meio-dia o povo aguardava impacientemente, no Largo das Eiras, a chegada do mensageiro, que se antecipava ao regresso dos mancebos. O arauto, açoitando o seu cavalo, incutia-lhe celeridade, para se adiantar e mais rápido chegar para a notícia poder dar, metia-se por atalhos e veredas para o caminho encurtar, e lá chegava ele ofegante à freguesia onde revelava, com voz de pregão, os nomes dos mancebos que ficaram livres e os que foram apurados para o serviço militar.
Quando se ouvia o nome dum mancebo que ficou apurado era sempre um momento de regozijo, algazarra geral, com aplausos, acompanhados de vivas e parabenização à família, contrastando com o comportamento da multidão que, ao ouvir o nome do mancebo que ficou livre, reagia com tristeza e constrangimento, sobretudo os seus parentes.
Mais uma largada de foguetes, anunciavam que a comitiva dos heróis estava prestes a chegar. A multidão eufórica, que não tinha arredado pé do Largo das Eiras, estava curiosa e queria ver ao vivo a chegada dos briosos mancebos.
Uns ostentavam com orgulho e altivez na lapela do casaco a insígnia, fita verde, que os declarava aptos para o serviço militar. Esta distinção podia ser um trampolim para uma vida melhor, com mais possibilidades para um emprego, quiçá Polícia, Guarda-Fiscal ou Republicana, ou Exército, ou alguma Repartição Estatal.
A fita vermelha era colocada nos inaptos, e notava-se neles um ar de acanhamento, quase vergonha, por suportar na lapela o estigma que os remetia para a exclusão de prestar serviço militar, era como que o apontarem-lhes que eram débeis, ou tinham uma deficiência física, e isso não era tranquilizante para o seu ego.
Depois de dadas as boas-vindas, procedia-se a mais uma largada de foguetes, a convidar toda a povoação para que houvesse união e acompanhassem festivamente os mancebos, que iriam desfilar montados nos seus cavalos, ao som da concertina, pelas ruas da procissão. Findo esse percurso, duma maneira geral, toda a juventude se dirigia para o local onde os esperava o assado, já devidamente confeccionado.
Manjar ansiosamente esperado, a desejada carne grelhada era um pitéu divinal. A carne é seleccionada, excelentemente grelhada com apuro na brasa, bastante condimentada com um molho assaz apimentado, comida acompanhada de batata bem apaladada acabada de tirar da terra e assada na borralheira, tudo regado convenientemente com molho, iguaria que provoca no mais prudente dos mortais anseios que o incitam a deixar-se seduzir, e a exagerar no beber a boa pinga, que inebria qualquer convidado fazendo-o esquecer as amarguras do dia-a-dia, até surgir um comensal mais inspirado, que se encoraja e ousa desafiar a qualquer um para uma salutar desgarrada… e a partir daqui tudo incita a que a folia seja inflamada!
E toda a tarde era passada em farra agitada, sempre regada de boa pinga em ambiente de animado bailarico, onde não era permitido a nenhuma moça recusar dançar com qualquer que fosse o mancebo dos inspeccionados, uma recusa dessas, era interpretada como ofensa familiar.
Com o surgir da guerra nos anos 1961/1962, a juventude da minha terra abandona a aldeia, em massa, e vai a salto para o estrangeiro. O número dos mancebos que anualmente iam a dar o nome para a tropa caiu das duas ou três dezenas que eram habituais, para menos de meia dúzia.
Continuaram-se a comprar vitelos, cabritos e até porcos inteiros, para satisfazer a gula dos falsos profetas que só anunciavam desgraça e tinham bem estudada a arte da mentira, pois aos crédulos muito prometiam, mas nada faziam. Convenciam os inocentes que lhes livravam os filhos da guerra, e alguns caíram na ratoeira, mas cedo se convenceram que nada lhes tinha sido feito. E lá vinham a terreiro os profetas com argumentações abonatórias, utilizando desculpas esfarrapadas… (**)
José Corceiro
PS1: - Significado do termo “sortes” aqui utilizado, que creio estar certo, pela ideia que me ficou segundo aquilo que ouvi noutros tempos:
Antigamente, devido ao grande número de jovens que se apresentavam à inspecção, eram muitos os que ficavam aptos, e para os aptos não havia lugar para todos no serviço militar. Para solucionar o excesso dos já seleccionados, procedia-se a um sorteio aleatório entre os que tinham ficado aptos, para assim se apurar aos que cabia a sorte de cumprir o serviço militar.
A fita vermelha era colocada nos inaptos, e notava-se neles um ar de acanhamento, quase vergonha, por suportar na lapela o estigma que os remetia para a exclusão de prestar serviço militar, era como que o apontarem-lhes que eram débeis, ou tinham uma deficiência física, e isso não era tranquilizante para o seu ego.
Depois de dadas as boas-vindas, procedia-se a mais uma largada de foguetes, a convidar toda a povoação para que houvesse união e acompanhassem festivamente os mancebos, que iriam desfilar montados nos seus cavalos, ao som da concertina, pelas ruas da procissão. Findo esse percurso, duma maneira geral, toda a juventude se dirigia para o local onde os esperava o assado, já devidamente confeccionado.
Manjar ansiosamente esperado, a desejada carne grelhada era um pitéu divinal. A carne é seleccionada, excelentemente grelhada com apuro na brasa, bastante condimentada com um molho assaz apimentado, comida acompanhada de batata bem apaladada acabada de tirar da terra e assada na borralheira, tudo regado convenientemente com molho, iguaria que provoca no mais prudente dos mortais anseios que o incitam a deixar-se seduzir, e a exagerar no beber a boa pinga, que inebria qualquer convidado fazendo-o esquecer as amarguras do dia-a-dia, até surgir um comensal mais inspirado, que se encoraja e ousa desafiar a qualquer um para uma salutar desgarrada… e a partir daqui tudo incita a que a folia seja inflamada!
E toda a tarde era passada em farra agitada, sempre regada de boa pinga em ambiente de animado bailarico, onde não era permitido a nenhuma moça recusar dançar com qualquer que fosse o mancebo dos inspeccionados, uma recusa dessas, era interpretada como ofensa familiar.
Com o surgir da guerra nos anos 1961/1962, a juventude da minha terra abandona a aldeia, em massa, e vai a salto para o estrangeiro. O número dos mancebos que anualmente iam a dar o nome para a tropa caiu das duas ou três dezenas que eram habituais, para menos de meia dúzia.
Continuaram-se a comprar vitelos, cabritos e até porcos inteiros, para satisfazer a gula dos falsos profetas que só anunciavam desgraça e tinham bem estudada a arte da mentira, pois aos crédulos muito prometiam, mas nada faziam. Convenciam os inocentes que lhes livravam os filhos da guerra, e alguns caíram na ratoeira, mas cedo se convenceram que nada lhes tinha sido feito. E lá vinham a terreiro os profetas com argumentações abonatórias, utilizando desculpas esfarrapadas… (**)
José Corceiro
PS1: - Significado do termo “sortes” aqui utilizado, que creio estar certo, pela ideia que me ficou segundo aquilo que ouvi noutros tempos:
Antigamente, devido ao grande número de jovens que se apresentavam à inspecção, eram muitos os que ficavam aptos, e para os aptos não havia lugar para todos no serviço militar. Para solucionar o excesso dos já seleccionados, procedia-se a um sorteio aleatório entre os que tinham ficado aptos, para assim se apurar aos que cabia a sorte de cumprir o serviço militar.
Falei com um conterrâneo da minha geração, que me lembrou: A fita vermelha que simbolizava apuramento para o serviço militar, fita verde que ficava esperado, ou seja que no ano seguinte tinha que ir novamente à inspecção, e fita branca que ficava livre do serviço militar. Penso que assim estará correcto.
José Corceiro | 7 de fevereiro de 2011 às 17:57
(Seleçáo, revisão / fixação de texto, negritpos: LG)
____________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7737: A Guerra Colonial e a extinção da tradições portuguesas: o dia de 'ir às sortes' na minha terra, Sabugal (José Corceiro)
(**) Último poste da série > 9 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25823: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (26): A inspeção militar: "ir às sortes", em Alcanena, em 1 de junho de 1965 (Carlos Pinheiro, ex-1.º cabo trms op msg, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, Bissau, 1968/70)
9 comentários:
O Carlos PInheiro, no poste anterior, fala numa fita "vermelha e verde" (as duas cores da bandeira nacional) para os apurados, e "branca" para os que ficavam livres:
(...) "Os mancebos eram medidos, pesados, auscultados e lá vinham todos contentes, “apurados” para todo o serviço militar. Logo ali, havia sempre um soldado ou um cabo que vendia uma fita verde e vermelhaa significar o apuramento e que a malta, para ser bem referenciada, colocava logo na lapela do casaco do fato que era estreado nesse dia.
Os raros, raríssimos, que ficavam “livres” também tinham direito a uma fita, mas neste caso branca, que também era paga e nesse ano, em Alcanena, falando da freguesia, houve dois que ficaram “livres”, sabe-se lá porquê.
Não posso deixar de comentar este fabuloso post do José Cordeiro por várias razões que a ele me "ligam" pessoalmente: verifico que o José Cordeiro é do Sabugal, terra natal do Rui Chamusco e graças a quem, eu agora me considero "Sabugalense de coração" desde o primeiro dia que fui a esta terra maravilhosa onde agora vou frequentemente quando vou a Portugal e onde tenho muitos amigos. Até para o "Cinco Quinas" eu escrevo de vez em quando como melhor meio de participação e integração na vida deste concelho. E ele fala do forcão, das terras e passagens de contrabando, dos cavalos, da arraia, de tanta coisa que mesmo sem eu já ter nascido lá, vim a conhecer e apreciar. Hoje mesmo ( neste fim de semana nas vizinhanças do Sabugal) estao a decorrer umas festas anuais em que eu já tive ocasião de participar há dois ou três anos atras ( que a minha memória de velho não me ajuda a recordar os nomes e demais detalhes) e lá estaria hoje outra vez com o Rui e o Simões e outros que tive o privilégio de conhecer então, não fora um acidente que me obrigou a reduzir para três semanas o que eram uma férias programadas para três meses. E... é também a terra do Rio Coa que estas paragens escolheu para seu lugar de nascimento, rio em cujas margens há milhares de anos atras os homens deixaram gravados testemunhos da sua arte e vivências que me levaram em 1994 e 1995 a iniciar, e, (modéstia aparte e até com orgulho) a levar com sucesso daqui dos Estados Unidos uma campanha internacional para que estas fossem salvas, e do que resultou o "Parque Arqueológico de Foz Coa" , agora internacionalmente reconhecido. <> , diz numa das fotos. Mesmo assim a sua iniciação ou "inspeção" no serviço militar, foi bem diferente do meu que não teve nada do que ele descreve e viveu, mesmo que em 1968 eu já tivesse de volta da Guiné onde passei as ruas da amargura de 1965 a 1967. Verifico no comentário do Luís Graca, parafraseando o Carlos Pinheiro, alusões a fitas vermelhas e verdes , outras brancas ... e que <<"Os mancebos eram medidos, pesados, auscultados e lá vinham todos contentes, “apurados” para todo o serviço militar >>... caramba! nisso a minha experiência foi bem diferente: no dia da minha inspeção eu senti-me mesmo um simples carneiro no meio dum grande rebanho, sem escolha nem qualquer alegria por estar ali, pensando apenas para os meus botões : "oxalá daqui a três anos eu esteja inteiro e tudo isto seja então para mim apenas uma recordação" o que felizmente veio mesmo a acontecer.
E nisto eu não digo de maneira nenhuma "OH tempo volta pra trás"...
Um abraço a quem tiver tido a pachorra de ler o que acabo de escrever.
João Crisóstomo, Nova Iorque
Bom dia, João, madrugador. Tens mais sorte do que eu que conheço (mal) o Sabugal.. Há muitos anos fiz o percurso das aldeias históricas raianas, fiquei alojado em Marialva, visitei Sortelha, andei à cata do lince na serra da Malcata, fui a Foz Coa e pouco mais. Um dia destes, quando tiver uma "anca nova" (tenho boas notícias do meu especialista!) quero lá voltar para aprender a apanhar cogumelos com o nosso comum amigo Rui Chamusco. Além de ser um grande ser humano, um bom cristão e um melhor português, ele é catedrático em muitas coisas, a começar pela micologia....E, claro, gostava ainda de podermos lá estar todos juntos, eu, tu e ele e as nossas mulheres grandes. Afinal, a nossa amizade nasce destas "cumplicidades" todas: Lourinhã, Sabugal, Guiné, Timor...
blogueforanadaevaotres.blogspot.com
Guiné 61/74 - P25826: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (27): A inspeção militar: "Ir à sortes",
Carlos, fica melhor assim, ficamos logo com acesso ao teu magnífico poste, que eu adorei:
9 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25823: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (26): A inspeção militar: "ir às sortes, em Alcanena, em 1 de junho de 1965 (Carlos Pinheiro, ex-1.º cabo trms op msg, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, Bissau, 1968/70)
:
Carlos, e a propósito de Alcanena, a tua terra (que ninguém sabe onde fica, se é distrito de Santarém ou de Lisboa, para mais agora que os nossos políticos acabaram com os distritos, é uma confusão danada!)...
Tenho que te falar do padre António Pereira Escudeiro (Tomar, 1917-Lisboa, 1994), a quem me prenderam laços de amizade e a quem a minha terra, Lourinhã, deve muito... Foi pároco na tua terra, nos difíceis anos do pós-guerra (1947-1953), foi fundador de diversos jornais, incluindo os quinzenários "O Alviela", o "Redes & Moinhos" e o "Alvorada"..., além do externato "Dom Lourenço" (1958-1978, Lourinhã)... Tenho, temos, para com ele uma dívida de gratidão... Já não deves estar lembrado dele...
O Zé Corceiro, pelotões de instrução de especialidade com 40 instruendos, era obra... Também andei no BC 6, em Castelo Branco, como 1º cabo miliciano, a "encher chouriços", até ser mobilizado para a Guiné... Parti para a Guiné, como tu, em maio de 1969 (a 24, no "Niassa"). Se calhar chegámos a estar juntos em Castelo Branco, de que só me recordo do frio de rapar (!) e do sismo de 28 de fevereiro de 1969, com epicentro a 200 quilómetros de Sagres, e que alcançou os 7,9 na escala de Richter.
Amigos e camaradas, falar de "inspeção médico-sanitária" naquela época é um insulto aos médicos e à medicina portuguesa (havia 10 mil médicos em Portugaçl nessa época, hoje são seis vezes mais)....
Como diz, e bem, o João Crisóstomo, éramos tratados como carneiros no meio de um rebanho... Era pressuposto a "junta médica" (na realidade, um médico, um oficial e um sargento do exército) avaliar as "aptidões mínimas" em termos de "robutez física e psíquica" para os mancebos (sic) ingressar nas nossas forças armadas...
Não tenho ideia sequer de ter sido, em 1967, auscultado pelo médico, ou de ter sido medido o meu pulso, ou de ter tido uma conversa coerente com ele de 5 minutos... Não tenho ideia sequer de haver enfermeiros militares que podiam fazer previamente alguns exames preliminares...
Muitos daqueles mancebos, que foram fazer a inspeção militar comigo, nunca tinham sido vistos por um médico, nem muito menos ao nascer... Havia 3 médicos na Lourinhã... em 1967.
Robustez física e psíquica ? Dá-me vontade de rir.... As perguntas de chapa eram: "Tens ou tiiveste alguma doença grave ?".. Não ?!... Então carimbo com o "apto para todo o serviço militar"!... E siga o próximo, que se faz tarde para o almoço!... Nem bom dia, nem boa tarde, nem votos de boa sorte!...
Éramos de facto tratados como carneiros, como diz o João Crisóstomo...
Caros amigos
Este tema da ida à inspeção militar ou "às sortes" tem realmente o seu interesse na medida em que nos faz reportar a acontecimentos já recuados nos tempos e nos obriga a um esforço de memória para tentar refazer os acontecimentos.
Já ontem um post do Carlos Pinheiro abordava temas semelhantes e acabei por não comentar pois já o tinha feito, não neste post, mas noutras situações.
Assim, pedindo desculpa ao Carlos, vou aqui deixar umas breves notas ao Corceiro.
Também, sendo nascido e registado numa aldeia dos arredores do Cartaxo, distrito de Santarém, fui convocado para ir "às sortes", com o n.º 7 da minha Freguesia, segundo os dados da Caderneta Militar, no dia 1de Agosto de 1968, por ser o ano em que fazia 20 anos, embora ainda faltassem 2 meses, e tendo sido "apurado para todo o serviço"....
Não me lembro onde foi. Não sei se num edifício do Exército, se num da administração pública, lembro apenas que era num primeiro andar.
A cena da "inspeção" visual, com os mancebos "à pai Adão" e das duas ou três perguntas de circunstância, também me soaram familiares.
Também à saída havia a questão das "fitinhas" mas também não me recordo se houve adesão e, caso sim, de quantos.
Igualmente, da minha freguesia, também não recordo quantos fomos, sei que eu tinha o n.º 7 mas creio haver mais 2 ou 3.
Festa não houve, pelo menos em sequência, ficou aprazada para coincidir com a Festa anual, no último fim de semana e Agosto, mas aí eu faltei. Por essa ocasião estava em Paris ou Bruxelas, não sei precisar.
Na verdade, os conceitos sociais variam conforme as circunstâncias e se em anos anteriores a ida "às sortes" era uma boa ocasião para as "meninas casadoiras" poderem avaliar os potenciais maridos pela sua "aptidão para todo o serviço", já por esses tempos "não ser apurado" seria um grande alívio para a generalidade das famílias, exceto para as qua faziam questão de levar a noção de Pátria (dos "outros", claro) com todas as consequências.
Hélder Sousa
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