sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo

Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério (colonial) > Abril de 2006 > Lápide funerária do Capitão Comando João Bacar Jaló, natural da Guiné, morto em combate em 16 de Abril de 1971. Foi um valoroso e destemido combatente, segundo o nosso novo tertlkuiamo, o Mendes Gomes, cuja companhia, CCAÇ 728 (Como, Cachil e Catió, 1964/66) "conheceu-o, de perto e muito bem".

Foto:© A. Marques Lopes (2006). Direitos reservados.


Texto de um novo tertuliano, o Joaquim Luís Mendes Gomes, com quem falei ontem pelo telefone, e que a partir de agora vai começar a contar-nos as suas memórias de canário de caqui amarelo. O Mendes Gomes foi Alf Mil da CCAÇ 728 (Catió, 1964/66), companhia de intervenção com o nome de guerra Os Palmeirins. Em termos de antiguidade, reportada ao período à Guiné, passa a ser um dos nossos veteranos, a par do Mário Dias e de poucos mais. Fico a aguardr que ele me mande algumas imagens desse tempo, incluindo o emblema de Os Palmeirins. Independentemente disso, vamos recebê-lo de braços abertos na nossa caserna virtual... Sê bem-vindo, grande Palmeirim de Catió! (Ele hoje vive entre Lisboa e Aveiro, reformado de uma instituição bancária, a cujos serviços jurídicos pertencia, como advogado). (LG)

Caro Luís Graça,

Há uns meses descobri, por mero e feliz acaso, o teu Blogue. Muito rico. Em todas as várias facetas. As do homem e as do tertuliano. Fiquei preso. Pela qualidade e pelo interesse que despertam. Para além do mais, sobretudo a quem andou pelas bolanhas da Guiné, há umas dezenas de anos.

Fiquei à espera que aparecesse alguém pertencente às comissões anteriores às dos Periquitos, os que, entusiasmadamente, têm vindo a participar. Mas, dos Canários, os velhos de caqui amarelo, não vi ninguém. À parte as alusões, muito controversas, sobre a famosa guerra da Ilha do Como, das tropas que lá estiveram, antes, desde 63 a 68, os de caqui amarelo, eu nada vi. Talvez os mais desiludidos ou...já perderam o pio ? Bom tema para um sociólogo...

Coube-me permanecer, no Cachil, melhor dizendo, incubar no ventre da CCAÇ 728, uns nove meses, logo a seguir à famigerada companhia 555 (ou 556?) aquela que ali ficara, jazente, no rescaldo da tal batalha na ilha do Como (1)

Depois é que foi pior. Foi o parto da Companhia. Vieram uns 13 ou 14 meses, Companhia de intervenção, em Catió.

E tivemos a dita de, em todas as operações que fizemos, termos sido ajudados e aliviados por um pelotão de indígenas, comandados pelo valoroso e destemido capitão João Bacar Jaló. A minha Companhia, a CCAÇ 728, conheceu-o, de perto e muito bem. Daí que, o meu testemunho seja totalmente avesso, nem imagino que tenha sido possível, aquela pessoa tornar-se no que se disse dele aqui no Blogue. Por mim, rendo-lhe a mais viva e sincera admiração e homenagem.

Apesar de tudo, de 63 a 66, a guerra, para sorte nossa, convenhamos, ainda era uma criança...A superioridade bélica pendia para o nosso lado. Quando zarpámos para Lisboa, pareciam bem negros os tempos que estavam para vir...e assim foi.

Por isso, este é o modesto contributo de um combatente da Guiné, um canário de caqui amarelo, nos anos 64-66. É a minha perspectiva pessoal e muito restrita. Feita de memória, e por isso, sem pretensões de exactidão histórica.

A primeira parte sai dum texto romanesco, em que quero homenagear a memória do meu camarada alferes Mário Sasso.

A segunda é extraída duma rudimentar autobiografia, que eu já tinha escrevinhado para os meus netos.

Aqui to deixo com os meus parabéns, um abraço de amizade e admiração.

Mendes Gomes



Primeira Parte > 1.1. A origem do nome da Companhia de Caçadores 728: os Palmeirins


Os Palmeirins foi o nome de guerra que a Companhia de Caçadores 728 aprovou e aplaudiu, perfilada no sítio habitual do quartel da Ilha do Como, diante do comandante.

Cerca de 200 homens, na flor da juventude, a maioria, alentejanos, alguns beirões e uns minhotos, viviam, ali, dentro das 4 paliçadas, que formavam o quartel em quadrilátero, com uns duzentos metros por duzentos, em toros de palmeira, ao alto, carcomidos pelos 2 anos de exposição ao rigor tropical dos elementos, já quase reduzidos à carcaça exterior.

Serviam mais de confortável albergue às possantes ratazanas que giravam abundantes, à vista e céu aberto e de cortina, muito frágil, p´ra tapar as vistas, do que de desejado fortim protector para a metralha que, a qualquer hora, poderia chover, grossa e medonha, a partir das matas espessas, lá ao fundo.

A companhia já ia, quase, no final do primeiro ano da comissão. Era preciso arranjar-lhe um nome de guerra, como tinham as mais antigas. Deveria ser um nome que, por si, sugerisse ou tivesse alguma coisa a ver com a companhia, em concreto.

O capitão Silva lançara o repto, de um modo especial, aos 18 sargentos e 5 alferes, como era de esperar. Era pena. Mas, nos demais, ainda havia muitos analfabetos.

Ao fim de uns dias, o comandante do 2º pelotão, o alferes Mendes Gomes, por sinal e feitio, o alferes que já se tinha revelado mais virado para essas questões, - passava a maior parte do tempo livre, a mexer e remexer livros, de história, literatura ou de direito, tinha andado no seminário até muito perto do fim, dera aulas de português aos voluntários, da companhia - apresentou ao capitão o nome de Palmeirins...

O capitão riu…Nem sim, nem não… E ficou à espera da explicação. Nunca tinha ouvido falar na novela de cavalaria do Palmeirim de Inglaterra, famosa, pelo menos, para quem tenha estudado história da literatura portuguesa. Conta a história de uma figura da cavalaria inglesa na Idade Média, semelhante ao nosso lendário, herói e aguerrido cavaleiro, Nuno Álvares Pereira.

Esta relação histórica com o herói de Aljubarrota e a conotação natural da companhia com o mundo das palmeiras, omnipresentes, transformadas na matéria-prima por excelência para tudo que era essencial à segurança e ao conforto, conquistou, logo, a simpatia do comandante, dos alferes e dos sargentos.

- Vamos reunir a companhia, a ver o que eles pensam. Palmeirins é um nome que até soa bem ao ouvido, acrescentou.

Momentos depois de acabar o bem conhecido toque de corneta, os duzentos homens, tresmalhados pelo universo variado daquele mundo, pequeno mas completo, começaram a formar a companhia, em tronco nú e de chicatas de esponja, nos pés - o traje habitual que se imponha a toda a gente- , apreensivos com o motivo daquele toque inesperado.

Chegou o último soldado, - era sempre o mesmo, o castiço e pacholas soldado Maria, parecia um pouco atrasado da bola, mas não, era assim mesmo, um ensonso, com a sua regra muito pessoal e sem remédio, por mais que o comandante o repreendesse.
- Ó meu comandante, eu estava a dar de cadeiras quando ouvi o toque a corneta…e não podia…- atalhou ele com a habitual inocência.

Uma gargalhada geral. Agora toda a gente sabia o que era isso de dar de cadeiras…como se dizia no Alentejo…

E o Capitão começou a falar:
- Meus senhores. A nossa companhia já não é maçarica. Também não é velhadas…Ainda vai ter de aguentar mais uns anitos, por estas bandas…

Ouviu-se um urro geral, respeitoso, em uníssono, saído daqueles pulmões bem puxados e bravios…
- Anos?… Nunca. Só uns mesitos. Sim… - gritou um dos mais atrevidos, como os há sempre.

E o capitão continuou. Todas as companhias precisam de um nome de guerra, em vez do número que lhe deram.

- 728 é lá para os mangas da CCS (Os serviços administrativos)

- É verdade - acrescentou alguém, lá do meio.

Aqui, o nosso alferes Mendes Gomes pensou num nome que me parece bem. Vamos ver o que é que vós pensais dele. Ele vai explicar.
- Então qual é?… - gritou um dos tais que nunca conseguem conter-se.


O alferes Mendes Gomes avançou para a frente da companhia, postada, de olhos arregalados e orelhas arrebitadas…

- O nome que encontrei é OS PALMEIRINS.

Uma risada geral, entrecortada de um nervoso miudinho, logo interrompida, para ouvirem bem a explicação. O nome soava bem mas não lhes dizia nada. Ainda se fosse o nome de algum animal feroz, de meter medo ou respeito a toda a gente… Os Leões…Os Lacraus…Os Panteras…
- Palmeirins, que é isso?…Deve ter alguma coisa a ver com palmeiras, mas mais nada… - Foram as interrogações que o alferes começou a avançar como sendo as que lhes estava a ler na cara deles.

Começou então a contar os traços essenciais da época famosa da cavalaria, nos tempos recuados da Idade Média, em todos os países da Europa e, principalmente, na Inglaterra e Portugal .

Citou o exemplo conhecido da maioria, apesar dos muitos analfabetos que havia, do nosso D. Nuno Álvares Pereira, o vencedor da Batalha de Aljubarrota. Via-se que as coisas já estavam a ganhar algum sentido.

Pois bem, quem estudou a História da Literatura Portuguesa, ouviu falar dum romance famoso que conta história de um guerreiro inglês, chamado O Palmeirim de Inglaterra. Foi um livro tão famoso e lido pelas pessoas daquele tempo, como agora se lê a história do Tio Patinhas (1)…

De novo, uma gargalhada rebentou. Bom sinal…

Esse Palmeirim era um guerreiro terrível para conquistar castelos. Nem um só lhe resistiu. O simples boato de que o Palmeirim e o seu pelotão de cavaleiros andavam, por perto, era o bastante para toda a gente fugir dos campos e aldeias e se fechar a sete chaves nas muralhas do castelo, até a onda de terror passar.

- Era um gajo fodido, meu alferes.

E avançou, inesperadamente, de forma interrogativa e a resumir, bem à sua moda, aquela lengalenga duma cavalaria, atrasada, movida a fardos de palha que já não dizia nada a ninguém - um dos habituais soldados, desavergonhados, mas com a malandrice toda deste mundo metida na cabeça.

O alferes, que ainda continuava a ser, um tanto, púdico, demais para a maioria, apenas esboçou um ligeiro sorriso, o bastante para se peceber o seu acordo, parcial e continuou a descrever as virtudes daquele energúmeno, inglês, na tentativa de conquistar não só a simpatia como a admiração e orgulho do novo patrono de guerra…

Diga-se que sentiu medo de o não vir a conseguir e, no seu íntimo, chegou a arrepender-se de o ter indicado. Mas quando se lembrou, sentiu tanta alegria e certeza que nunca imaginaria que não fosse aceite. Se o não fosse, seria porque não tinha sido capaz de o apresentar à rapaziada.

- O capitão gostou logo - lembrou-se, de si para si, num esforço íntimo de se mostrar mais convincente.

De repente, uma salva de palmas irrompeu inesperada e estrepitosa. Estava consagrado o acordo de toda a gente. Nem era preciso mais histórias.

Que alívio invadiu o alferes Mendes Gomes, já quase a esgotar as ligeiras recordações que ainda se encontravam na memória. Não tinha ali um só livro de literatura, onde pudesse ir beber qualquer coisinha.

Pronto. Agora, havia que desenhar o emblema para a bandeira dos Palmeirins.

Desenho, isso, já não era para a sua mão pesada e cegueta… Alguém haveria de arranjar um desenho. E arranjaram. A tempo de o nosso famoso Primeiro Sargento, de carreira, levar consigo, para mandar fazer na metrópole, quando fosse de férias…em Julho seguinte.

Um fundo preto. Duas palmeiras, feras, altas e esguias, ao centro de um quadrilátero em movimento . Uns traços sugestivos, a amarelo e vermelho e ali estava o futuro símbolo daqueles guerreiros, com muito sangue na guelra, mas que, - a verdade é para se dizer- ainda não tinham tido o seu baptismo de fogo !…

Mais uns tempos e já era corrente o uso fraternal de palmeirim, no trato
matinal e saudação de cada novo encontro dentro da companhia.
A ideia do alferes fora um sucesso.

__________

Notas de L.G.

(1) Sobre esta região e sobre a Batalha da Ilha do Como, vd. posts de:

17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964) (Carlos Fortunato / Mário Dias)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXX: Histórias do Como (Mário Dias)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)

15 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)

(2) Palmeirim de Inglaterra é uma narrariva ou uma novela, tardia, de cavalaria escrita em 1567 por Francisco de Morais, sob a inspiração do famoso Amadis de Gaula (Séc. XIV)... Era uma género popular na Baixa Idade Média mas que chegou inclusive aos inícios do Séc. XVII... Em 1604, foi publicada a Crónica de Palmeirim de Inglaterra, da autoria de Diogo Fernandes .
Vd. a publicação da Fundação Calouste Gulbenkian, História e Antologia da Literatura Portuguesa, Século XVI, HALP nº 26. Lisboa: FCG. 2003. (Disponível formato.pdf).
Vd. ainda artigo, disponível na Net, de Jorge A. Osório - Um 'género' menosprezado: a narrativa de cavalaria do Séc. XVI. Mathésis.10.2000.9-34.

Guiné 63/74 - P1193: Estórias avulsas (4): O fantasma-cagão da 3ª Companhia do COM, EPI, Mafra, 1966 (A. Marques Lopes)

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Guiné > Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 O ex-alferes miliciano Lopes, com o seu guarda-costa, balanta, de seu nome Bletche-Intete. "Grande amigo. Um dia deu-me um grande empurrão durante um tiroteio... é que eu tinha-me virado de costas para o local de onde o IN estava a disparar (fiquei mal dos ouvidos desde que fui ferido em Geba)". Pela foto, verifica-se que o guarda-costa era também o apontador de diligrama do Grupo de Combate. E que o Marques Lopes usava duas granadas defensivas, bem juntinhas ao coração...

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1968 > Cerimónia do Juramento de Bandeira > Desfile dos novos militares, onde se integrava o Paulo Raposo, frente ao Convento de Mafra. A cena, aqui contada pelo A. Marques Lopes, passou-se dois anos antes, em 1966.

Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados.



Texto de A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba; e CCAÇ 3, Barro) > Série Estórias Avulsas (1).


O fantasma-cagão
por A. Marques Lopes


Num dia do primeiro semestre de 1966 (não me lembro qual, já lá vão tantos anos...), o faxina da caserna 3 da EPI [Escola Prática de Infantaria], ocupada por parte da 3ª do COM [ Curso de Oficiais Milicianos], foi, logo de manhã, fazer a limpeza aos chuveiros pegados a essa caserna. Os nossos cadetes já tinham marchado para a instrução, era a altura desse trabalho. Quando levantou uma das grades de madeira de um dos chuveiros olhou horrorizado para as mãos: estavam cheias de trampa.
- Filhos da puta, cagaram no chuveiro!... - E foi fazer queixa ao comandante da Companhia, o Capitão Caramelo (é Coronel reformado, há-de lembrar-se disto).

A Companhia foi reunida à hora de almoço.
- Um dos nossos cadetes fez uma coisa muito grave, e há que encontrar o culpado. Se não, ninguém vai a casa neste fim-de-semana! - ameaçou o comandante.

Um sussurro perpassou por entre a formatura. Que terá sido? Alguém se meteu com alguma das mulheres ? (Vários oficiais e sargentos viviam com as mulheres nos quartos da zona das casernas)...
- É que alguém fez as necessidades nos chuveiros da caserna 3. É uma vergonha! Não pode ser! Fico à espera que o culpado se acuse!

A malta relaxou, pôs-se à vontade e riu à fartazana: pudera, as casas de banho estão ao fundo do corredor e, quando um gajo está à rasca, não há alternativa...

No dia seguinte, apareceu nas paredes dos chuveiros da caserna 3 uma inscrição:
- O fantasma cagão ataca novamente! Cuidado faxina!

E, dessa vez, o faxina teve cuidado, mas fez novamente queixa ao comandante da companhia.
No dia seguinte, face a isto, e como o cagão não se tivesse apresentado, a companhia foi novamente formada. Mas, desta vez, foi o Tenente Chung, que era o 2º Comandante, quem se dirigiu à formatura:
- O nosso capitão está tão envergonhado que não quis dirigir-se a vocês. Quer que o culpado se manifeste. Diz que não o vai castigar, quer, apenas, que ele ponha um bilhete na caixa da companhia a dizer que foi ele.

Muito enfiado, o bom do Tenente Chung mandou dispersar. Mas lá ficou a caixa da companhia sem nada. E foram todos de fim-de-semana, e nunca se soube quem era o cagão...

Abraços

António Manuel Marques Lopes
Soldado-Cadete nº 214, da 3ª do COM,
punido com 19 dias de detenção (10 averbados na Folha de Matrícula, e 9 não averbados, porque dados a título particular, por amabilidade do Coronel Ribeiro de Faria, o pai, então Comandante da EPI - o filho também foi, há poucos anos).

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Nota de L.G.:

(1) Vd. estória anterior > post de 1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1136: Estórias avulsas (3): G3 ensarilhadas com Kalashnikov, no pós-25 de Abril (Pedro Lauret)

quinta-feira, 19 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1192: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (3): De prevenção por causa da invasão de Conacri

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > Pel Caç Nat 53 (1970/72) > O Paulo Santiago tomando banho no Corubal, tendo a seu lad0 o Alf Julião, o Fur Josué, o Alf Mota e 1º Sarg Picado, pertencentes à CCAÇ 2701.


Foto: © Paulo Santiago (2006) . Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.




Guiné-Bissau > Zona Leste > Rio Corubal > Saltinho > 1996: "Rápidos do rio Corubal, na zona do Saltinho, e a ponte na estrada que continuava para Aldeia Formosa (no nosso tempo era intransponível e até me lembro que o aquartelamento tinha no enfiamento da ponte um abrigo com uma metralhadora pesada)".

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.



Continuação da publicação das memórias do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/72) (1)

Chegou ao quartel do Saltinho, em 21 de Novembro de 70, mensagem do Com-Chefe, informando a possibilidade muito forte de haver ataques a quartéis do sector L5 [Zona Leste, Galomaro], nos dias 22 e 23.

Pelas 17.00 horas de 22, o Pel Caç Nat 53 saiu do Saltinho atravessando a ponte flectindo de seguida para o carreiro dos dgilas onde prosseguiu até perto do rio Mabia, seguindo o percurso deste até chegar junto à antiga picada que seguia para Aldeia Formosa.

Pelas 19.00 horas, o Grupo de Combate monta emboscada junto aquele trajecto. Foi uma noite horrível. Os mosquitos não me largavam, a posição era desconfortável, tinha receio, sempre tive, das cobras. Apetecia-me falar com alguém, não era possível, tinha os cigarros no bolso mas fumar era proibido. Os minutos não passavam, cheguei talvez a desejar que, se o IN tinha que aparecer, que aparecesse depressa. No meio de toda esta tensão, ainda consegui passar pelas brasas, não sei como.

Mal amanheceu, levantámos a emboscada e prosseguimos em direcção de Aldeia. Como tinha aprendido a lição no primeiro patrulhamento (1), seguia em segundo lugar atrás do Bobo Embaló. Por volta do meio-dia invertemos a marcha, regressando ao quartel, donde saiu um Grupo de Combate da CCAÇ 2701 para montar emboscada na noite que se avizinhava, em que houve grande ataque a Aldeia Formosa. Esta ficava a 7 km do Saltinho em linha recta e aí a uns 4 km do local onde passámos a noite.

Viemos a saber dias mais tarde da invasão de Conacri, naquela data (2).

Ainda não havia duches no quartel, os banhos eram no Corubal. De fins de Novembro e até à época das chuvas podia-se nadar na zona dos rápidos, a montante da ponte. Quando o rio engrossava com as chuvas, nadar era impossível. O único militar morto da CCAÇ 2701 morreu precisamente quando tomava banho. Ainda lá não estava quando aconteceu esse acidente mortal.


Guiné > Zona Leste > Saltinho > Quartel do Saltinho e ponte sobre o Rio. Foto tirada antes do início da construção do reordenamento de Contabane, na outra margem do rio Corubal

Foto: © Paulo Santiago (2006)


Em Dezembro [de 1970] começou a construção do Reordenamento de Contabane, obras orientadas pelo Alf Mil Valentim Oliveira,comandante do 4º Pelotão da 2701. O craque de Bissau que supervisionava os Reordenamentos era o doido do Major Azeredo.

Posso dizer que os dias não me estavam a correr muito mal. Bebia-se bem, fazia-se um pouco de praia, já conhecia os meus homens pelo nome, às terças-feiras costumava aparecer o heli com um dos crâneos do batalhão, importante era o heli trazer correio, o crâneo que se lixasse. Às sextas ía uma coluna ao Xitole, era dia de avioneta, vinha mais correio.

O Cap Clemente (2) tinha a namorada em Paris, a Ana Maria, que lhe enviava todos os meses a revista Afrique-Asie, onde escrevia o Aquino de Bragança (4) e o Willfred Burchet. Também costumava enviar a Seara Nova. Estávamos informados.


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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2) : nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança

(2) Sobre a invasão de Conacri (op Mar Verde, 22 de Novembro de 1970), vd. entre outros os seguintes posts:

9 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1088: Pensamento do dia (7): Capitão do Exército Português: 'O filho da p... do Tenente traiu-me miseravelmente' (João Tunes)

4 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXVII: Antologia (12): Op Mar Verde

22 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXX: Bibliografia de uma guerra (9): a invasão de Conacri)

11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)

4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXII: Onde é que vocês estavam em 22 de Novembro de 1970 ? (João Tunes)

Vd. também post de 25 de Abril 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)

Dias depois desta saída do Paulo Santiago para pernoitar, emboscado, no mato, na ZA do Saltinho, mais a norte, no Sector L1 (Zona Leste, Bambadinca), as NT cairíam numa violenta emboscada em L, na Ponta do Inglês, quatro dias depois da invasão de Conacri. Resultado: seis mortos e 9 feridos. Um dos primeiros posts que escrevi no nosso blogue foi precisamente sobre essa Op Abencerragem Candente, em que eu participei, juntamente com cerca de 250 camaradas, formando 3 agrupamentos:

(i) a CCAÇ 12 (sedeada em Bambadinca, ao serviço do BART 2917), a 3 Gr Comb;

(ii) a CART 2715 (aquartelada no Xime), também a 3 Gr Comb;

e (iii) a CART 2714 (aquartelada em Mansambo), a 2 Gr Comb.


Escrevi esse texto em homenagem ao furriel miliciano Cunha, ao soldado Soares e aos outros camaradas da CART 2715 (aquartelada no Xime) que morreram nessa maldita operação, na madrugada de 26 de Novembro de 1970, justamente quatro dias depois da invasão de Conacri, a 22, por uma força comandada por Alpoim Galvão (e na qual participaram os meus vizinhos da 1ª Companhia de Comandos Africanos, estacionados em Fá Mandinga, a pacífica e doce Fá por onde passaram dois Cabrais, o Amílcar e o Jorge).

Tive mais dificuldade em me curvar perante a memória do Seco Camará, mandinga do Xime, embora eu reconhesse que ele fora um valoroso, corajoso e competente guia e picador das nossas tropas, durante anos. Mas era também - ou fora - um homem que as NT utilizavam para os trabalhos sujos da guerra...


(3) Vd. post de 12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado

(...) "A CCAÇ 2701, a que estava adido o Pel Caç Nat 53, era comandada pelo Cap Carlos Clemente, sendo comandantes de pelotão os Alferes Mil Julião, Mota, Rocha e Valentim" (..:).

(4) Prestigiado intelectual moçambicano, nacionalista, de origem goesa (1918-1986). Morreu juntamente com Samora Machel, o primeiro Chefe do Estado de Moçambique, e a sua comitiva, nop trágico acidente de aviaão de Mbuzini, em 18 de Outubro de 1986. Era considerado uma figura muito próxima de Machel e ideologicamente muito influente.

Guiné 63/74 - P1191: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (17): A visita a Missirá do Coronel Martiniano

Um dos livros de cabeceira do Beja Santos, em Missirá (1) > Maurier, D - Rebeca. Lisboa: Livros do Brasil. 2001. (Colecção Dois Mundos, 36). Capa: Bernardo Marques.



Imagem capa do Livro de Manuel da Fonseca, Seara de Vento, 2ª ed. Lisboa: Portugália. 1962. (Colecção Contemporânea, 39). Capa de João da Câmara Leme. A proósitop deste livro escreceu-me o Beja Santos a seguinte nota:" 10/10/2006. Caro Luís: Ando cheiod e sorte. Seara de Vento, tal qual aqui te junto, ardeu em Março de 1969, com tudo o mais. Fui no mês passado à Feira da Ladra e comprei-o por um 1 euro, no meio de um espólio. A capa é ilustrada pelo Jpão da Câmara Leme, um dos artistas mais distintos da sua geração. Vê, por favor, se podes ilustrar o texto sobre o Coronel Martiniano! Mário".


Mensagem do Beja Santos, de 11 de Outubro de 2006:


Caro Luís, ainda bem que estás a apreciar (...). O episódio seguinte é rocambolesco: um comboio de seis barcos de comércio com os passageiros aos gritos quando entrámos no primeiro, a meu pedido, porque queria ir abastecer-me de comida a Bambadinca. O livro do Manuel da Fonseca já seguiu. Tive a 1ª edição, que era ilustrada pelo Vespeira. Farás o favor de transmitir à malta, a 14, [na Ameira,] que mando saudades a quem conheço e me conhece. Os outros estão a ser conhecidos pela paciência em lerem-me semanas a fio.

Abraços do Mário. Esta é a versão definitiva!


Continuação da série Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (2). Mário Beja Santos foi alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) .
Texto e documentação: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.


Os Quesitos do Coronel Martiniano
por Beja Santos

Casa arrombada, trancas à porta. Logo a seguir à flagelação, convidei os furriéis Saiegh, Ferreira e Casanova (este chegou a Missirá na antevéspera do nosso baptismo de fogo, ainda anda alvoroçado pelos acontecimentos) para fazermos um balanço das perdas e danos.

À partida era tudo simples: três armas muito danificadas e três leitos carbonizados, isto da parte militar. O Cabo Veloso ajudou a tornar as coisas complexas:
- Qualquer dia vou-me embora, espero que saibam que faltam dezenas de mantas, capacetes, lençóis e até botas de lona e panos de tenda. Peço que aproveitem este ataque para pôr tudo em ordem.

Perguntei ao Saiegh se podia consultar o deve e haver das existências à nossa responsabilidade. Saiegh disse-me com o ar mais natural do mundo que desde que o pelotão viera do Enxalé se perdera o resto do material à carga:

- O melhor é aproveitar esta circunstância e descarregar tudo em falta. - Eu não me contive:
-Muito bem, mas como é que sabemos o que é que falta?

Ninguém sabia. Furioso, pedi uma viatura e lancei-me a caminho de Bambadinca. Depois do alto de averiguações de Abudu Cassamá, voltei a ajustar contas com os labirintos Kafkianos: entreguei-me de braços abertos aos zelosos administradores da CCS [do , em vias de partida. Para quem já esqueceu, está tudo classificado, as camisolas interiores pertencem ao subgrupo G-Eq e os pára-brisas pertencem ao subgrupo G-An. Em estado de vertigem, procurei clarificar a estes senhores o que era a nossa carga actual. Com sorrisos de bonzos, dois sargentos lateiros foram-me encostando à parede:
- Ó meu Alferes, isso pode dar uma porrada das valentes, dois destacamentos com leitos, lençóis, fronhas, metralhadoras, baixela de comida, por exemplo, tem que estar tudo classificado, sugiro mesmo que leve aqui uns livros para fazer os respectivos depósitos. É nessa altura que entra um Alferes e lança um pedido:
-Eh pá, safa-me de um sarilho. Faltam-me 10 camas, 40 lençóis, 20 mantas, tesouras corta-arame, declara-me que perdeste tudo no fogo devorador.

Eu estava pronto a tudo e com o auxílio do Saiegh fiz o relatório e forjei um abate apocaliptico. Este foi o primeiro abate apocaliptico. Daí em diante, por cada flagelação sofrida, aceitei os pedidos da CCS para abater capacetes, material de bate-chapas, utilidades do Pelotão de Manuntenção e até do Pelotão de Sapadores. Pediam-me e eu declarava no relatório da flagelação que tudo ficara calcinado. Até que um dia, pelo hora do almoço, um helicóptero zumbiu sobre Missirá, aterrou a silvar no heliporto tosco, dali saiu um Coronel com umas ripas do cabelo alouradas declarando com secura que me queria ouvir imediatamente num auto de averiguações. Coronel, o seu escrituário e eu rumámos para o abrigo, e, sentados, iniciou-se o interrogatório:
- Sou o Coronel Martiniano e o nosso brigadeiro Comandante Militar imcumbiu-me de o ouvir para apurar a certidão da verdade. Após seis flagelações, nos seus destacamentos já arderam camas, lençóis, mantas, material de transmissões e de manuntenção de viaturas superiores a um batalhão bem sacrificado. Quero que me explique e fundamente tais perdas a partir da carga existente.

Não precisei de representar ou simular incredulidade pelo que estava a ouvir. A resposta foi pronta:
- Meu Coronel, tem toda a razão em estar surpreendido por tanto material abatido. Primeiro, quando aqui cheguei disseram que de Porto Gole para Enxalé, e depois de Enxalé para Missirá tinha desaparecido muita coisa. Quando procurei apurar qual o material e equipamento desaparecidos, o batalhão de Bambadinca estava de partida e pediu-me ajuda para as suas faltas. Vai desculpar-me, mas aceitei que daí não viria nenhum mal ao mundo. Não estou a ver ninguém a levar estas mantas tenebrosas e mal cheirosas para a Metrópole. Segundo, este clima destrói tudo, corrói o metal, apodrece o pano, rebenta correias, enferruja e inutiliza tudo. Assumo inteiramente o que está registado nos meus relatórios. Respondo pelas faltas dos outros. Como o Coronel de Bafatá já me deu dois dias de prisão simples porque não tenho o quartel irrepreensível, porque disparo com o morteiro 81 sem a alça regulada, porque há cartuchos espalhados pela parada e não chega a justificação que saímos à noite para emboscar e que antes de partir obrigo a puxar a culatra à rectaguarda e entretanto as botas esmagam os cartuchos, fica Vª Excia a saber que não me arrependo de ter abatido este material todo e aceito todas as suas consequências.

O Coronel Martiniano sorriu, olhou para o tecto do abrigo e depois para as suas unhas cuidadas, fechou o caderno, levantou-se com um suspiro e disse-me:
- Vamos ver o que eu posso fazer. E agora sigo para Nova Lamego.

Partiu como chegou e só muito mais tarde soube que o auto fora arquivado sem procedimento. Aí por 1983, andava na praia do Alvor com as minhas filhas a chapinhar na água, voltei a encontrar o Coronel Martiniano. Veio direito a mim e lançou um cumprimento invulgar:
- Espero que tenha boa sorte na vida como foi sincero naquele auto. Não passou de um pró-forma, todos sabíamos que você vivia na completa miséria, não podia ter ardido aquele material todo. Com os seus relatórios, apagaram-se aquelas faltas e ainda bem. Desejo-lhe as maiores felicidades.

Voltando ao auto, fiz a descrição do costume, pedi louvores para o Cherno, Mamadu Camará e Campino. Sem nenhuma hesitação, descrevi um abate apocalíptico. Apareceu o Saiegh e informou que o Quim condutor iria ficar no batalhão, em vias de partida. Recordei a noite de 6 de Setembro em que o Quim, pacientemente a meu lado, no auge do foguetório ia passando a toda a gente carregadores cheios. Pedi ao Quim para vir falar comigo e como se fosse militar há muitos anos escrevi de um só fôlego, dirigindo-me ao Comandante:
- Como o soldado condutor Joaquim da Conceição, adido ao Pel Caç Nat 52 regressa à sua Unidade de origem e como a sua prestação de serviços no destacamento de Missirá se tivesse revelado brilhante, venho junto a Vª Excia propor que lhe seja dado um louvor por toda a sua acção pois, durante este período de tempo, tanto o que foi meu subordinado como do Comandante que me precedeu, este soldado revelou a exemplaridade das suas qualidade militares, conquistando a estima dos seus camaradas graças a um procedimento de constante rectidão e afabilidade, comportando-se no seu duro mister e nos horários mais contigentes com uma lealdade e eficiência só explicáveis à luz de uma noção militória do bem servir. Granjeou a simpatia de todos os seus camaradas pela riqueza do seu carácter e deixou uma grata lembrança na população civil de Missirá e Finete. À consideração superior".

O Quim ouviu tudo em silêncio, levantei-me esparvoado por ter escrito tudo de uma assentada, como se a prática fosse grande e cumprimentei o camarada que partia. Pouco mais de um mês depois de eu ter chegado, o Joaquim da Conceição foi o primeiro a partir deixando-me uma grande saudade. Tenho mais 25 meses para aprender que durante a guerra o efémero e o transitório podem mudar de forma a ponto de, décadas depois, se reproduzir sem vacilar a gratidão que se sentia por uma pessoa.

Regressamos a Missirá e tenho uma pequena encrenca à minha espera. Ao armar as coisas na minha casa, Sadjo Baldé entrega-me uma folha e afasta-se rapidamente enquanto eu leio o seguinte:
- Agradecia o obséquio por amor de tudo o que é mais sagrado neste mundo e especialmente sua Excelentíssima esposa. O pedido é o seguinte: como o meu Alferes disse que tenho de ir gozar licença, gostaria que lembrasse aos meus colegas que me devem dinheiro desde o ano passado, e que até agora não pagaram, que eu não posso ir gozar licença sem levar dinheiro para os meus assuntos particulares que tenho que realizar na minha terra. Peço para fazer um desconto de 900 escudos ao soldado Mamadu Camará. Desde já, meu senhor, fico muito grato pela sua costumada atenção para comigo e obrigado (...).



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969 > Bilhete manuscrito do Sold Sajo Baldé, entregue ao seu comandante de pelotão.

Estava cheio de fome, queria tomar banho e dormir mas o Mamadu passou ali perto e chamei-o. Interpelado sobre o conteúdo do pedido do Sadjo, disse a tudo que sim e foi mais longe:
- O Alfero ainda vai receber mais cartas com as minhas dívidas. Por enquanto pago estes 900 escudos, pois o Sadjo vai casar. Mas aprendi em Bambadinca que também se pode pagar em prestações.

Veremos mais adiante que Sadjo Baldé ficará desfeito por um rebentamento na noite de 19 de Março de 69. Trouxe o seu dólman para Portugal e só muito mais tarde é que me desfiz dele, oferecendo-o ao Fodé.

Nessa noite, cumpridas as formalidades burocráticas, e após as visitas aos postos de sentinela, vim ler. Estou a acabar de Manuel da Fonseca Seara de Vento. É uma edição muito bela da colecção Contemporânea da Portugal Editora. É uma obra definitiva sobre a condição do trabalhador rural no Alentejo. É prosa polvilhada pela melhor toada poética onde este escritor se notabilizou. Basta ver o parágrafo inicial: "Rumorosa, às sacudidelas bruscas, a ventania corre livremente. Em tropel desabalado arremete contra a empena, trespassa a telha-vã. Gemendo, arrasta-se pelo interior escudo do casebre. E demora, insiste, num ganido assobiado".

Os seres humanos envolvidos são Amanda Carrusca, Júlia, António de Valmudaro, o Palma, Bento e Mariana, filhos de Júlia e António, mas também um agricultor poderoso e uma GNR torcionária. Não sei como é que a censura deixou passar o livro, tais as brutalidades com que o autor investe acusadoramente sobre os proprietários agrícolas. Por exemplo: "Aquela raça dos lavradores antigos acabou-se. Os de hoje, se muito têm, mais desejam. Moram nas vilas, põem casa às amantes na cidade, não dão um passo sem ser de automóvel, inventam festas, não há cinemas nem teatros a que faltem. E para um estadão destes é preciso dinheiro e mais dinheiro. Nunca se fartam. Por isso é que eles açulam os feitores às canelas do pessoal, que nem o deixam respirar".

Para subsitir, o Palma vira contrabandista. Elias Sobral, o agricultor que acusara o Palma de roubo, depois de um safanão que este lhe dera na venda do Mira, faz queixa à guarda. A tragédia consuma-se quando os guardas vão buscar o Palma. A mensagem é dada por Amanda Carrusca nesse Alentejo que já faz greves e onde há reuniões clandestinas onde ela grita para os camponeses em fúria: "Um homem só não vale nada!".
Deito-me pronto a dormir, rezo à pressa agradecendo a Deus o dia buliçoso, o estar com saúde mesmo com sinais de dermatite e com os pés a inchar. Esta madrugada lá irei a Mato de Cão onde se vai passar uma história inacreditável, quando fomos confundidos com os perigosos guerrilheiros. Não resisto a contar.
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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 29 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1129: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (14): Procurar em vão a nossa alma

(...)"À noite acabo a leitura de Rebeca, de Daphne du Maurier. A minha mãe ofereceu-me o seu exemplar antes de eu partir, dizendo:- É uma obra prima, acredita, aliás tu já viste o filme. - O que era verdade. Já vira num cineclube a Rebecca de Hitchcock, Óscar de Melhor Filme em 1940, o primeiro de Hitchcock na América, com Laurence Olivier e Joan Fontaine nos principais papéis, e Judith Anderson num desempenho magistral da governanta, que lhe valeu o Óscar secundário.

"Romance inesquecível que gira angustiantemente à volta de Rebeca, que nunca parece. Obra de mistério e suspense, é uma ficção que resvala para a literatura policial já que há um assassínio que, neste caso, nunca será desvendado. Mais tarde, irei reler assiduamente o livro que tem uma bela capa de Bernardo Marques, um desses artistas magistrais que mudaram o desenho gráfico das edições em Portugal" (...).
(2) Vd. post anterior, de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1165: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (16): O meu baptismo de fogo

Guiné 63/74 - P1190: Os nossos mortos de Guidaje (Paulo Salgado)

Guiné-Bissau > Região do Oio > Olossato > 2006 > O grão-de-bico (à direita), ontem criança, hoje homem grande, pai de filhos, reencontra o Moura Marques (à esquerda) e o Paulo Salgado (ao centro). O regresso emocionado ao passado, aos sítios por andou a CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), cujo comandante era o capitão de cavalaria Mário Tomé (1) .

Foto: © Paulo & Conceição Salgado (2006)

Mensagem do Paulo Salgado ao nosso camarada Manuel Rebocho (2). O Paulo é hoje administrador hospitalar, cooperante na Guiné-Bissau (em dois períodos, actualmente e no início dos anos 90), e está casado com a economista Conceição Salgados. Um e outro são dois dos nossos queridos tertulianos. Têm casa em Vila Nova de Gaia, mas são uns andarilhos... Não sei se já voltaram de Bissau, não tenho tido notícias deles, a não ser este e-mail recete

Tertuliano amigo,

Infelizmente, situações como a que descreve o jornal citado (2) foram centenas. Em Bissau está o cemitério - mesmo ali ao lado do Hospital onde trabalhei por longos meses (anos, mesmo) - que tem dezenas de tumbas mal conservadas e tratadas de militares portugueses que não vieram. Para esses nem a música do Adriano Correia de Oliveira "Já lá vem Pedro soldado..." valeu.

Queria, contudo, dizer o seguinte: por vezes acontecia, em terrenos operacionais perigosíssimos, que os mortos não podiam ser resgatados - houve situações de autêntico massacre. No Morés, pelos anos 68 ou 69, morreram numa emboscada dezenas de militares (eram dois pelotõese e duas seccções de milícias)... E por lá ficaram!... Como poderiam ter sido ser resgatados pelos outros se sobraram menos de metade e foi uma debandada geral?!

Nós esquecemos que a França foi estrondosamente derrotada na Argélia em 58. Não aprendemos a lição dos franceses que pararam - e o Senegal e outras colónias francesas não tiveram guerra-... Também não aprendemos a lição da Índia (o Pandita Neru aguentou até ao fim para não ter que atacar Goa!).

Não aprendemos! E pior do que isso: contribuímos para o empobrecimento da Metrópole e das próprias Colónias em termos humanos, sociais, culturais e económicos.

Infelizmente, entretanto, podemos afirmar: o que se passa hoje nas ex-colónias dos europeus é um neo-colonialismo refinado. O colonialismo era mau, gerou guerras, mas agora há as partes interessadas. Para bom entendedor...

Pergunto: Para quando, África? (4)

Mantenhas
Paulo Salgado
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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 2 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCI: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (12): reviver o passado em Olossato

(2) Vd. post de:

17 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1187: Guidaje: soldado paraquedista Lourenço... deixado para trás (Manuel Rebocho).
Vd. também posts de:

21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)

28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)

(3) Vd. post de 30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)

(4) Vd. post de 13 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1069: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (13): Para quando África ?

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1189: O tertuliano Nuno Rubim, especialista em história militar





Lisboa > Museu Militar > Azulejo do pátio interior > Diversos aspectos do painel "Jornada Heróica de Chaimite": a captura de Gungunhana (c.1850-1906), em Chaimite, Moçambique, em 1895, pelas tropas portugueses sob o comando de Mouzinho de Albuquerque (1855-1902). É um dos episódios míticos da história da nossa expansão colonial e da resistência anticolonial africana. Há uma belíssima resenha biográfica do terceiro e último imperador de Gaza, hoje transformado em herói nacional pelos moçambicanos, de seu nome Ngungunhane (Gungunhana, como aprendemos na escola, de acordo com a ortografia colonial), no sítio Vidas Lusófonas, da autoria de Carlos Pinto Santos.
O Museu Militar de Lisboa , junto à Estação de Santa Apolónia, merece uma visita. Infelizmente quando lá fui a secção sobre a guerra colonial estava encerrada para obras... Se calhar foi melhor assim: era capaz de ter ficado decepcionado...
Fotos: © Luís Graça (2006). Direitos reservados.

1. Amigos & camaradas da Guiné:
 

Na nossa tertúlia, na nossa caserna virtual, não há militares no activo, todos somos paisanos, cidadãos, amigos e camaradas, homens e mulheres... Recordam-se que no nosso tempo não havia mulheres na tropa, com excepção das enfermeiras paraquedistas.... Como eu gostaria que me aparecesse agora uma delas, na nossa caserna virtual!... Não precisava de vir de helicóptero, como nosso tempo... Podia vir pelo seu próprio pé, por e-mail, pelo e-mail de um amigo, parente ou conhecido... Recordo quanta perturbação elas provocavam entre os machos fardados, quando elas passavam por Bambadinca ou quando iam buscar, no mato, os nossos feridos, deixando-nos o fardo dos mortos... Os oficiais de Bambadinca atropelavam-se uns aos outros só para chegar primeiro e ter a honra de abrir a porta do bar da Messe de Oficiais à senhora enfermeira paraquedista...
Hoje já não há divisas nem galões, já não há hierarquia sócio-militar, já não há RDM,... Há apenas o respeito uns pelos outros, o que não impede que nos tratemos por tu, uma forma simples, natural, facilitadora da comunicação entre nós... Não havia outro jeito: ganhámos esse direito nas bolanhas, nas lalas, nas picadas, nos rios, nos bunkers da Guiné... Depois regressámos, os sortudos, os que não ficaram para trás, como o Lourenço (1)...

Regressámos às nossas vidas, às nossas profissões, às nossas terras, aos braços das nossas namoradas, noivas, mulheres, companheiras. Ou ficámos sozinhos. Mudámos de vidas, de profissões, de companheiras... Enfim, mais recentemente, conhecemo-nos no blogue, à volta da Guiné, da guerra, dos bons e dos maus momentos que lá passámos... Reconhecemo-nos de imediato, como se o tempo tivesse parado há trinta, há trinta e cinco, há quarenta anos... Pura ilusão: a contagem descrescente continua... E como alguém lembrou há dias, no nosso encontro na Ameira, a nossa geraçºão tem mais dez ou quinze anos de vida útil... (Vitor Junqueira dixit, e quem melhor do que ele, que é médico, para nos lembrar isso?!)...

E no meio de tudo de isto há camaradas, que eram militares do quadro, que se reformaram e que se viraram para outras actividades, mais intelectuais e não menos nobres do que as outras, como é a investigação histórico-militar... Foi o caso, por exemplo do Pedro Lauret, hoje capitão-de-mar-e-guerra na reforma, ou do Nuno Rubim, coronel de artilharia, também na reforma... Já manifestámos, por diversas vezes, o nosso apreço pela sua presença (activa) na nossa tertúlia... Hoje é altura de conhecermos um pouco mais do trabalho, como investigador, do Nuno Rubim que espero possa estar presente no próximo encontro da nossa tertúlia.... (LG).

2. NUNO José Varela RUBIM , Cor Art (R) > Currículo no campo da investigação histórico-militar

Nuno Rubim, ex-capitão da CCAÇ 726, Guileje, 1964/74, um dos oficiais mais condecorados da Guiné (onde fez duas comissões), hoje coronel na reforma e historiador militar. Membro da nossa tertúlia.

Foto: © Luís Graça (2006). Direitos reservados.

1- Chefe da Secção de Estudos do Museu Militar de Lisboa, 1981-1984.

2- Organizou a Exposição “Armas em Portugal – Origem e Evolução”, no Museu Militar de Lisboa, ainda em exibição, tendo elaborado o respectivo catálogo.

3- Fez parte do grupo restrito que planeou e instalou a “Exposição Nacional Comemorativa
do 6º Centenário da Artilharia Portuguesa”, que esteve patente ao público no Museu Militar do Porto, de Julho a Setembro de 1982, elaborando parte do respectivo catálogo.

4- Adjunto do Centro de Estudos da Direcção do Serviço Histórico-Militar (DSHM), 1984 -1986.

5- Organisador do 1º Curso de Museologia Militar, no âmbito da DSHM, 1985.

6- Planeou e dirigiu a execução da exposição “Artilharia Histórica Portuguesa Fabricada em Portugal”, patente ao público no Museu Militar de Lisboa, desde Junho de 1985, sendo autor da respectiva memória histórica .

7- A convite do Presidente da respectiva Comissão, realizou trabalho de investigação e posterior instalação da artilharia embarcada a bordo da Fragata “D. Fernando II e Glória”, tarefa iniciada em 1991 e que se prolongou até 1998.

8- De Dezembro de 1991 a Junho de 1993, a convite do então IPPAR, desenvolveu um estudo técnico-militar sobre a Torre de Belém, abragendo o período que decorreu desde a sua construção até à data da sua desactivação como fortaleza de defesa costeira, entregando nessa última data um pormenorizado relatório.

9- Proferiu, no ano lectivo de 1991-1992 e a convite da Comissão Científica de História da Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, uma série de 16 conferências, no âmbito do Mestrado sobre “Os Descobrimentos e a Expansão Portuguesa”, que abordaram disciplinas como a Náutica, a Construção Naval, a Artilharia, a Fortificação, a Organização e Táctica militares.

Vendas Novas > Museu da Escola Prática de Artilharia > 2004 > Diorama do sistema de defesa artilhada da Barra do Tejo no final do Séc. XV, da autoria de Nuno Rubim (o primeiro, à esquerda).
Foto: © Nuno Rubim (2006). Direitos reservados.

10- Em conjunto com uma equipa, englobando Oficiais de Artilharia e Docentes Universitários, planeou, coordenou e participou nos trabalhos que levaram à criação do Museu da Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, aberto ao público no dia 4 de Dezembro de 1992.

Tem continuado aí a sua colaboração, dirigindo a implementação das seguintes Exposições:
- Operações;
- A Defesa Costeira antiga.

11- Conferencista convidado, no âmbito do 1º Curso de História Militar, Forum da Maia, Fevereiro de 1993.

12- Comissário Técnico, convidado pela “Comissão Nacional para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses”, para os aspectos militares da Exposição “A Paz e a
Guerra na Época do Tratado de Tordesilhas”, realizado em Burgos, Espanha, em Setembro de 1994, tendo elaborado a notícia histórica, o desenho à escala de um Galeão que possibilitou a feitura de um modelo, em corte, à escala 1:10, e executando ainda os modelos, também à escala, do tipo de peças que guarneciam esse navio, São Diniz, Almirante no Índico na 2ª década do Séc. XVI.

Realizou ainda todos os estudos técnicos, englobando desenhos, que possibilitaram a feitura de um filme de animação, em vídeo, sobre o tiro de artilharia na transição dos Séculos XV / XVI .

13- Professor convidado, Regente da Cadeira de História Militar, Academia Militar, no ano lectivo de 1998 –1999.

14- Colaborador científico convidado, para os aspectos relacionados com as armas de fogo no período medieval, Exposição “Pera Guerrejar”, no ambito do Simpósio Internacional sobre Castelos, que decorreu em Palmela de 3 a 8 de Abril de 2000.

15- Responsável pela reconstituição histórico-militar do Forte de Oitavos, à data de 1796, (Câmara Municipal de Cascais), cujos trabalhos decorreram entre 1999 e 2001.

16- Tem proferindo comunicações, conferencias e palestras, sobre temas relacionados com ahistória militar (incluindo a naval) nas Universidades de Lisboa e Coimbra ( no âmbito de Mestrados), Escolas Secundárias e outros organismos nacionais.


Tem publicados os seguintes trabalhos :

- “As origens da Artilharia Piro-Balística”, Revista de Artilharia, Nov-Dez 1977;

- “Falcões Pedreiros”, Bulletin, Early Sites Research Society, Vol. 10, Nº 2, Dec 1983, Mass., USA;

- “Sobre a possibilidade técnica do emprego de Artilharia na Batalha de Aljubarrota”, Revista de Artilharia, Jan-Fev 1986;

- “A Artilharia Portuguesa nas Tapeçarias de Pastrana –A Tomada de Arzila em 1471”, Separata da Revista de Artilharia, 1987;

- “Algumas Questões sobre as Munições de Artilharia de Alma Lisa”, in Bombardeiro, Boletim Nº 15 do RAC, Nov 1989;

- “D. João II e o Artilhamento das Caravelas de Guarda-Costas-o Tiro de Ricochete Naval”, Separata da Revista de Artilharia, 1990;

- “A Investigação Histórico-Militar Contemporânea em Portugal–Algumas achegas”, Revista de Artilharia, Nov- Dez 1990;

- “A Artilharia em Portugal na segunda metade do século XV in A Arquitectura Militar na Expansão Portuguesa, CNCDP, Porto, 1994;

- “Estudos sobre Artilharia Antiga –I / A Torre de Belém, Revista de Artilharia, nºs 835-836, Mar-Abr 1995;

- “Estudos sobre Artilharia Antiga –II / Uma Experiência Artilheira ‘Sui Generis’”, Revista de Artilharia, nºs 878 a 880, Out a Dez 1998;

- “A Artilharia antes da Utilização da Pólvora”, em colaboração com o Engenheiro Tércio Machado Sampaio, Separata da Revista de Artilharia, Jul 2000;

- Novo conjunto de Tapeçarias de D. Afonso V na Igreja de Pastrana em Espanha, edição do autor, Lisboa, 2005.
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Nota de L.G.

(1) Vd. post de 17 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1187: Guidaje: soldado paraquedista Lourenço... deixado para trás (Manuel Rebocho)

Guiné 63/74 - P1188: Periquito vai no mato, olé lé lé, velhice vai no Bissau, olaré lé lé (J.L. Vacas de Carvalho)




Montemor-o-Novo > Ameira > Hotel da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > Reunião da tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > Videoclipe: Periquito vai no mato... (J.L. Vacas de Carvalho (duração: 1m 20 ss).

Videoclipe: © Luís Graça (2006). Direitos reservados. Vídeo alojado no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau_Videos. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

terça-feira, 17 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1187: Guidaje: soldado paraquedista Lourenço... deixado para trás (Manuel Rebocho)

Texto do Manuel Rebocho - Sargento-Mor Paraquedista, na Reserva, que foi operacional na Guiné (Maio de 1972/Julho de 1974) e é hoje doutor por extenso, pela Universidade de Évora -, enviado em 2 de Outubro de 2006, e onde se resume o trabalho jornalístico, publicado pelo jornal quinzenário AuriNegra, com sede em Cantanhede (II série, nº 102, de 24 de Setembro de 2006), sobre a trágica morte e o miserável abandono do Soldado Paraquedista Lourenço, em Guidaje.


AURINEGRA ÀS VOLTAS POR GUIDAJE
Manuel Rebocho

Na sua edição de 24 de Setembro último, o Jornal Aurinegra edita um extenso trabalho sobre o Soldado Pára-Quedista Lourenço, enterrado em Guidaje, nascido e criado no concelho de Cantanhede, onde o jornal se publica. Era assim um filho da terra.

Na primeira página surge uma fotografia do Lourenço, com a farda azul de Pára-Quedista, que preenche metade da página, sob o título DEIXADO PARA TRÁS. E, como texto, escreve: “Com 19 anos de idade, o soldado Lourenço tombou no campo de batalha, na Guiné, quando procurava ajudar um camarada ferido. Foi enterrado em Guidaje, em campo aberto junto ao quartel e deixado para trás até hoje. Há agora uma pequena possibilidade de recuperar os seus restos mortais e fazer o luto com a honra devida".

Na página 3, em Editorial do Director, o Dr. António Fresco escreve, sob o título Contra os canhões:

“Estão profundamente marcadas na memória de muitos portugueses as recordações incómodas da Guerra do Ultramar, cujo principal mérito foi o de transformar milhares de jovens inocentes, filhos de um deus menor, em mártires, bodes expiatórios de uma culpa que nunca foi sua, pagando pecados que nunca cometeram. Estes foram os verdadeiros mártires de Abril.

"Se pode dar-se razão à máxima de que não há revolução se o sangue não correu, é possível dizer que este sangue derramado por jovens portugueses em África chegou a Lisboa e fez os seus efeitos. Mesmo ficando em Tite, em Guidaje, no Quanza, no Uíje, no Niassa e em muitos outros sítios cujos nomes nos parecem exóticos mas que para muitos ainda soam a medo e a guerra. Muitos que a protagonizaram e sofrem efeitos que nunca mais se apagaram e muitos outros, famílias inteiras, obrigados a conviver com a dor da perda irreparável.

"E muitos, por razões que a razão não compreende, não puderam sequer fazer um luto devido, uma vez que os corpos dos seus por lá ficaram. É o caso do soldado Lourenço, que hoje ocupa uma parte significativa do AuriNegra. Deixado para trás, no meio da devastação e no teatro da guerra mais sangrenta, na fronteira da Guiné com o Senegal, o filho de Fornos, Cadima, foi enterrado à pressa, embrulhado num lençol e lançado a uma terra com a qual só teve a ver porque uma guerra estúpida a isso o condenou.

"Mais de trinta anos depois, os restos mortais continuam a ser reclamados. E há gente de armas que entende ser dever da Pátria recuperar aqueles que morreram em seu nome. Esta Pátria que nos incita, ainda hoje, contra os canhões, marchar, marchar, não pode ignorar e não pode deixar ninguém para trás.”

O tema ocupa ainda e integralmente as páginas 9, 10 e 11.

Na página 10, com uma fotografia dos pais do Lourenço, desenvolve-se um artigo sob o título Deixado para trás > GUERRA NO ULTRAMAR > Soldado Pára-Quedista de Fornos, Cadima, morto em combate há 33 anos, permanece sepultado no mato a norte da Guiné.
O jornal resume assim, o texto desta página: “Um cemitério improvisado nas imediações do então aquartelamento de Guidaje, a norte da Guiné, guarda, desde 1973, os restos mortais de José de Jesus Lourenço, soldado pára-quedista natural da localidade de Fornos, freguesia de Cadima. O corpo foi enterrado em campo aberto juntamente com os de mais nove combatentes, (outros dois pára-quedistas, cinco soldados do Exército e dois nativos) e nunca foi resgatado, contrariando a máxima dos pára-quedistas segundo a qual ninguém fica para trás".

O jornal identifica ainda os outros sete camaradas do recrutamento metropolitano e esclarece que “em estudo está a abertura de uma conta no banco através da qual amigos e militares possam contribuir”, para os custos das transladações.

Na página 10 o Jornal desenvolve dois artigos, o primeiro sob o título Morte heróica: Soldado de Fornos levou tiro fatal quando tentava salvar camarada ferido.

Como resumo deste título escreve: “A morte do soldado pára-quedista, de 19 anos, da localidade de Fornos, Cadima, ganha nova dimensão quando se conhecem as circunstâncias em que ocorreu. Num depoimento oficial, o sargento da companhia de que José de Jesus Lourenço fazia parte afirma que o pára-quedista encontrou a morte quando tentava retirar um camarada ferido da zona de morte”.

No segundo artigo sob o título Na guerra por opção, José de Jesus Lourenço foi para a tropa como voluntário para despachar o serviço obrigatório.

Com resumo escreve: “Foi o desejo de despachar a tropa que, segundo os seus pais, ainda vivos, levou José de Jesus Lourenço a oferecer-se como voluntário, tinha então 18 anos. Caso não o tivesse feito, provavelmente seria chamado a cumprir o serviço militar cerca de dois anos depois, já depois do 25 de Abril, pelo que dificilmente se bateria pela Pátria no então Ultramar.”

Integrando ainda este artigo são feitas diversas referências à pessoa do Lourenço, todas elogiosas, da responsabilidade de vizinhos e amigos que com ele conviveram e trabalharam.
A página 11 é preenchida com um resumo das operações em torno de Guidaje, particularizando-se aquelas em que interveio a companhia do Lourenço, resumo este, de minha própria responsabilidade, e o mapa do improvisado cemitério.

A contribuição do jornal que, justificada e compreensivelmente, enfatiza toda a investigação em torno do soldado Lourenço, filho da terra, é no mínimo de grandiosidade jornalística e de extrema utilidade, para os nossos propósitos.

A justificação da componente social desta investigação encontrámo-la, quando, já em Fornos, a jornalista, eu e um camarada dos combates na Guiné, que nos acompanhava, interpelámos um habitante sobre o local onde moravam os Senhores (dizíamos o nome dos pais do Lourenço). O homem em causa, que aparentava pouco mais de 30 anos, afirmou não conhecer as pessoas cujos nomes lhe citávamos, mas quando lhe dissemos “são os pais de um soldado Pára-Quedista que morreu na Guiné e o corpo não veio”, o homem respondeu: “Ah, já sei, é ali”. Este episódio revela o quanto a sociedade tem preservado e transmitido às gerações seguintes este lamentável episódio daquele lugar, pois o homem que interpelámos não se pode recordar de algo que aconteceu quando ainda não era vivo: tem-lhe sido transmitido.

Conscientes da componente social de que se reveste o nosso objectivo e da notável contribuição do jornal AuriNegra, cuja abertura da conta bancária nos poderá proporcionar o último meio que nos falta, o monetário, seguimos em frente até entregar às suas famílias os restos mortais dos nossos camaradas que FORAM DEIXADOS PARA TRÁS.

Um abraço a toda a tertúlia, em especial, e a todos os leitores em geral.
Manuel Rebocho
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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)

28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)

Guiné 63/74 - P1186: Ameira: revendo as fotos do Lema Santos (Sousa de Castro)




Montemor-o-Novo > Ameira > Herdade da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > Três aspectos do nosso convívio:

(i) ao alto, o Vacas de Carvalho, a jogar em casa, nas suas sete quintas, deliciando-nos com velhos temas musicais do nosso tempo (comum) de Bambadinca; atrás dele, o Julião Martins e o Fernando Franco;

(ii) na imagem do meiop, o Raul Albino (da CCAÇ 2402, a que pertenceram originariamente o Medeiros Ferreira e o Beja Santos: o primeiro nunca chegou a aparecer porque desertou; o segundo foi transferido para o Pel Caç Nat 52: é nosso tertuliano, mandou saudações para topso mas não pôde desta vez comparecer à chamada);

(iii) e, por fim, um encontro (in)esperado e emocionante: dois heróis de Gadamael, o Casimiro Carvalho e o Pedro Lauret... (LG)


Fotos:© Manuel Lema Santos & esposa (2006) (com a devida vénia...)



Mensagem do nosso tertuliano nº 2, o Sousa de Castro (que, vivendo e trabalhando em Viana do Castelo, não pôde vir ao nosso 1º encontro):

Acabei de ver as fotos que o Lema Santos publicou no seu sítio. Calculo a alegria que foi transformar alguns tertulianos (os presentes, naturalmente), de membros virtuais da nossa tertúlia em pessoas de carne e osso.

Deixou-me com alguma inveja (no bom sentido, o não ter podido participar no primeiro encontro, pois!)... É que sinto que tenho alguma responsabilidade para com esta tertúlia.

Constatei que vocês voltaram a sentir-se com vinte anos, mesmo sem se conhecerem, pareceu-me que sempre se encontraram, ao longo destes anos todos. Por outro lado, iria sentir-me periquito ao vosso lado, tendo em conta as unidades a que a maioria dos presentes pertenceu.
No entanto pode ser que para o ano que vem, quiçá, nos encontremos quando menos esperarmos.

Bem haja a todos.

Saudações tertulianas, Sousa de Castro (ex-1º cabo Radiotelegrafista, CART 3494 Xime/Mansambo, 1972/74)

Vila Fria - VIANA DO CASTELO
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PS - Para visualizar e descarregar as cerca de quatro dezenas de fotos do encontro da Ameira, tiradas pelo nosso camarada Manuel Lema Santos e/ou sua esposa,

Guiné 63/74 - P1185: Ameira: um momento de fraternidade (Jorge Cabral)

Guiné > Montemor-O-Novo > Ameira > Hotel da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > Um momento de fraternidade, pensa (e sente) o Jorge Cabral, em primeiro plano, tendo à sua direita o nosso baladeiro de Bambadinca (1969/71), e hoje fadista amador, o Zé Luís Vacas de Carvalho. De pé, afinando as gargantas ou cantando ao desafio, outras duas grandes aves canoras: o Fernando Calado e o Manuel Lema Santos, o exército e a marinha de braço dado... O fotógrafo que estava de serviço e apanhou o flagrante, era o David Guimarães, radiante, felicíssimo... (ou terá sido a esposa ? em caso de engano, que me desculpem).

Foto: © David Guimarães (2005). Direitos reservados.

Mensagem do Jorge Cabral, ex-Alf Mil, Cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71) e actualmente advogado e docente universitário.

Caro Luís e Demais Tertulianos:


Também eu quero testemunhar o quanto me senti feliz, no nosso almoço na Ameira, o qual consubstanciou o mais belo momento de Fraternidade, que me foi dado viver. Sim, estamos todos unidos pela fortíssima corrente da Solidariedade. Aprendemos na Guerra a partilhar alegrias e tristezas e a compreender o Outro.

Nunca estivemos sós porque contámos sempre com o ombro do Camarada Amigo. É disso que sentimos saudades!

Irei certamente a Pombal. Mas porque não marcar o nosso próximo encontro na Guiné? Talvez em Bambadinca, no Café do Zé Maria

Abraços para todos,

Jorge Cabral

P.S. – Sobre o Stresse Pós-Traumático de Guerra (1), tive oportunidade de aprofundar o assunto há anos. Foi quando defendi em Tribunal o José Palminha, o mediatizado barricado no Carrefour. Com a ajuda do Psiquiatra, consegui provar que o Arguido, Ex-Combatente na Guiné, sofria dessa doença, tendo sido a pena fortemente atenuada.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 15 de Outubrod e 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)

(..) "De passagem, diga-se que o Sérgio Pereira faz parte dos órgãos dirigentes da Apoiar, a associação de apoio aos ex-combatentes vítimas de stresse de guerra... Amigos e camaradas: temos que falar abertamente deste problema, no nosso blogue...porque a verdade é que a guerra continua dentro de nós, para usar uma ideia-forte desta associação, cujo trabalho merece ser mais divulgado e acarinhado por todos nós" (...).

Guiné 63/74 - P1184: Postais Ilustrados (8): Allahu Akbar , Deus é Grande (Beja Santos)


Bilhete Postal > "11- Raça Maometana (sic). Trajos Típicos [da] Guiné. Edição Foto Iris, Bissau, Guiné, Portugal. Impresso em Portugal [...] Lisboa. Reprodução proibida."

Foto: © Beja Santos (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Bilhete postal, ilustrado, dos anos 60, que o Beja Santos teve a gentileza de nos confiar, para divulgação através do blogue... No verso, pode ler-se a mensagem que ele mandou a um familiar muito próximo:

Missirá , 8 de Julho [de 1969]

(...) Como há uma ano atrás, muita chuva, lama, trovoadas, a viatura atascada na bolanha, problemas sanitários, etc. Um grande desgosto, agora: meus comandante e capitão punidos e forçados a abandonar Bambadinca. Creio que era altura de visitar a Sra. Dona Alzira Bastos (...) (2).


2. Comentário de L.G.:

Um observação para não deixar passar, impunemente, uma grossa asneira que pode ser atribuída, no mínimo, a ligeireza ou a santa ignorância e, no máximo, a racismo encapotado, a incultura geral, a apressada exploração comercial, por parte do editor deste postal, a Foto Iris, do exotismo da Guiné - aos olhos dos tugas que chegavam, aos milhares, nos T/T Niassa, Uíge, Alfredo da Silva, Ana Mafalda... Presumo, de resto, que o negócio dos postais ilustrados tenha sido altamente lucrativo, no período da guerra colonial (1961/74).

Primeiro, não existe o conceito (antropológico) de raça aplicado aos seres humanos. Só há uma raça (ou melhor: uma espécie), a do Homo Sapiens Sapiens... Os grupos humanos distinguem-se sobretudo pela cultura (etnia, língua, apropriação do espaço, usos e costumes...), embora haja diferenças a nível do fenótipo (por exemplo, a cor da pele).

Por outro lado, não havendo mais do que uma raça (o que remete para o genótipo e não para o fenótipo), também não poderá existir um raça...maometana. Tal como não existe uma raça... cristã. Maomé e Cristo são apenas fundadores de religiões, o islamismo e o cristianismo.

Na Guiné-Bissau, o que havia (e há) são diferentes grupos étnicos ou étnico-linguísticos, alguns dos quais islamizados, ou muçulmanos, como os fulas, os mandingas e os biafadas, que tendiam (tendem) a adoptar o vestuário árabe, de resto generalizado entre as populações norte-africanas e subsarianas, porque muito mais apropriado ao clima, e mais confortável e saudável, do que o vestuário ocidental.

Por razões de aliança estratégica, as autoridades portugueses, sob o governo de Spínola (1968-1973), deram um tratamento especial às autoridades políticas e religiosas locais, ligadas aos grupos muçulmanos e, em especial, aos fulas que habitavam maioritariamente na Zona Leste (concelhos de Bafatá e Nova Lamego) (3).

A expressão, árabe, Allahu Akbar, significa Deus é grande. E uma declaração ou expressão de elogio e glorificação. Vd. Jornal Público > Livro de Estilo > Religiões.

Vd. também artigo de Sofia Branco: Dados sobre a Guiné-Bissau e os guineenses em Portugal. Público. 4 de Agosto de 2002.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. o último post desta série: 10 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1164: Postais Ilustrados (7): Campune tatuada, Bijagó (Zé Teixeira).

Vd. posts anteriores, desta série (que no futuro poderá constituir uma base de dados interessante para investigadores na área da sociologia, da antropologia e da história que queiram estudar os estereótipos e as representações sociais que os tugas produziam e reproduziam sobre os guineenses e as guineenses durante a guerra colonial):

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1023: Postais Ilustrados (1): Pescadora, de etnia papel (Beja Santos)

7 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1030: Postais Ilustrados (2): Dança nalu, Cacine (Beja Santos)

8 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1031: Postais Ilustrados (3): Tocador fula, Bafatá (Beja Santos)

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1125: Postais Ilustrados (4): Rapaz balanta, cesteiro (Beja Santos)

2 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1140: Postais Ilustrados (5): Bajuda manjaca, Ilha de Pecixe (Beja Santos)

7 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1157: Postais Ilustrados (6): Rapariga Papel, tatuada, do Biombo (Beja Santos)

(2) Alzira Bastos, esposa do 1º comandante do BCAÇ 2852, Pimentel Bastos, punido por motivos disciplinares, na sequência do ataque da guerrilha à sede do Sector L1, Bambadinca, em 28 de Maio de 1969.

Vd. posts de:

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

30 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1041: O Pimbas e os outros (Jorge Cabral)

16 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1035: Ainda sobre o Pimbas, com um quebra-costelas para o Beja Santos (Paulo Raposo)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo! (Luís Graça)

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)

(3) Vd. posts de:

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)

(...) "Cheguei à Guiné em 23 de Março de 1972 e fiz parte de CCAÇ 3566 - Os Metralhas (...); a partir de 4 de Janeiro de 1973 e até ao fim da comissão passei a fazer parte da Companhia Africana CCAÇ 18 - Aldeia Formosa (Quebo para os africanos), tendo regressado [ à Metrópole] em 24 de Junho de 1974.

"De momento pretendo somente acrescentar uma nota acerca do chefe religioso Cherno Rachid que também conheci pessoalmente: faleceu em 1973 (...) durante o período em que estive em Aldeia Formosa.

"Na realidade o poder deste chefe religioso era enorme: a guerra parou para que um conjunto de autoridades religiosas dos países vizinhos se deslocasse a Aldeia Formosa para participar no seu funeral" (...).

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça)

(...) "Bambadinca. 10 de Janeiro de 1970. (...) Tive hoje, aliás, a oportunidade de conhecer pessoalmente o Cherno Rachid e constatar o seu carisma e o poder de atracção que ele exerce sobre os africanos islamizados. Esteve vários dias em Bambadinca, de visita ao chão fula. Com avioneta ou helicóptero, às ordens, claro!

"Sentado numa esteira, de pernas trançadas, recebia nos seus aposentos privativos os fiéis que, descalços como na mesquita, o iam cumprimentar, trazendo-lhe presentes, sobretudo em dinheiro (às vezes mesmo somas importantes!) em troca duma oração, dum conselho ou dum objecto cabalístico.
"Como seria de esperar, o Cherno Rachid, acompanhado da sua comitiva de servos e discípulos, foi depois por seu turno apresentar cumprimentos às autoridades militares locais (comando do batalhão)... Noblesse oblige!" (...).

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1183: Ameira: Bem hajam, todos (José Casimiro Carvalho)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350/72 (Outubro de 1972/Julho de 1973) > O ex-furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho, actualmente a viver na Maia, distrito do Porto. Foto amavelmente cedida pelo próprio e digitalizada pelo seu amigo e vizinho de Matosinhos, o ex-ranger Eduardo Magalhães Ribeiro.

Foto: © Magalhães Ribeiro (2005)


Mensagem do José Casimiro Carvalho:



Caros camaradas, esposas e convidados:

Não queria deixar passar este momento de puro convívio [, na Ameira, sábado, 14 de Outubro,] sem expressar a minha opinião acerca do mesmo.

Ora quis o acaso que eu descobrisse há tempos este blogue, local de tertúlia, qual bola de neve. Não sei (não me lembro) se foi o acaso ou se foi o Magalhães Ribeiro, que mandou umas fotos e uns textos a meu respeito, mas que muito me orgulhou, ao serem publicados com a frase "o nosso herói de Gadamael" (1), lembrando-me que na altura (1973), escrevi um aerograma ou carta (eu deixei estes documentos nas mão do Graça) onde dizia: "Devo levar um louvor pelo que fiz em Gadamael, só não mo dão se foram loucos"...

Bem...foram loucos, mas a tertúlia se encarregau de dar o seu a seu dono, só por isso mil agradecimentos: vocês estiveram no inferno, souberam e sabem o que passámos. E este encontro serviu, como alguém frisou e bem, para exorcizar fantasmas...

Não conhecia ninguém mas senti-me como se todos me fossem familiares...Que sensação tão boa, indescritível, senti-me como peixe na água e as senhoras então...sempre interessadas e atentas... Fiquei muito comovido quando uma delas leu o meu texto que pus a disposição, na mesa, e a seguir as lágrimas lhe correram pela cara, como se a história fosse de um seu familiar muito próximo...Bonito !!!

Ter conhecido os Homens da Orion [,o Pedro Laureti e o Manuel Lema Santos,] foi algo que não consigo explicar por palavras... Se o meu coração falasse...

Gostaria de ter tido alguém da FAP [Força Aérea Portuguesa]. Então, o círculo ficava completo, mas como diria o Pinto da Costa, "largos dias têm cem anos"... Hão-de aparecer.

O Luís Graça tem um perfil e um saber-estar acima da média, passou a ser um dos meus admirados, sem qualquer favor.

Quanto a Pombal [, local sugerido para o próximo encontro]...Apoiado, nessa altura levarei alguém comigo.

Bem hajam, todos.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)


Vd. ainda os seguintes posts:
2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael
15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)

15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)
(...) "Guiné > Guileje > O ex-furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho, da Companhia Independente de Cavalaria 8350, que esteve naquele que ficou conhecido pelo corredor da morte, entre Guilege e Gadamael , entre Outubro de 1972 e Junho de 1973. Ele foi reconhecido como um dos heróis de Gadamael, não só pelos seus camaradas e pelos seus superiores imediatos (o Capitão Quintas, comandante da CCAV 8350, ferido em combate na batalha de Gadamael, bem como pelo capitão comando Ferreira da Silva, nomeado de urgência para chefiar o COP 5, e aqui evocado e entrevistado pelo jornalista do Público)... Mas esse facto nunca foi devidamente reconhecido pela hierarquia do Exército (LG)" (...)

14 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)

(...) "Ah, faltava dizer-lhes, que tomei contacto com o vosso/nosso blogue, através do então Furriel Miliciano José Casimiro Carvalho, da CCAV 8350 (a que abandonou Guileje, em 22 de Maio de 1973), o grande herói de Gadamael Porto, que, não obstante isso, também não faz parte da história oficial da Guerra da Guiné"(...).

Guiné 63/74 - P1182: Ameira: O Grito de Guerra dos Rangers ecoando na planície alentejana (Luís Graça)







Montemor-o-Novo > Ameira > Hotel da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > Reunião da tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > Videoclipe: Guiné > O Grito do Ranger (duração 7 ss).
Texto e videoclipe: © Luís Graça (2006). Direitos reservados. Vídeo alojado no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


No encontro na Ameira, em 14 de Outubro, descobriu-se quem era ranger e quem não era... O Magalhães Ribeiro que veio do Norte, juntamente como seu inseparável amigo, o ranger Casimiro, quis brindar-nos com o célebre Grito do Ranger.... Enquanto o diabo esfregava um olho, já ele tinha pronta a sua equipa, tudo gente formada e treinada no célebre Centro de Operações Especiais de Nova Lamego.

Neste videoclipe, temos por ordem, da esquerda para a direita, os rangers Capitão Sampedro, e pos Furriéis Chapouto, Ribeiro, Reis e Casimiro... Foi o momento guerreiro da tarde. Obrigado, rangers. Agora percebo por que é que um ranger não se pode desfardar: por debaixo da farda, tem pele de ranger, é-se ranger para toda a vida...
Na bela e ensolarada tarde alentejana, a fazer lembrar as tardes calmas da Guiné, calou fundo este Grito de Guerra dos Rangers Portugueses, ecoando pela planíce alentejana...

Guiné 63/74 - P1181: Ameira: o (re)encontro de uma geração valorosa (Rui Felício)


Montemor-o-Novo > Ameira > Herdade da Ameira > Restaurante Café do Monte > 14 de Outubro de 2006 > Da esquerda para a direita: Rui Felício, Maria Alice Carneiro (esposa do Luís Graça), António Pimentel (que veio propositadamente do norte, com o Hernâni Figueiredo), o Victor David e a esposa e, por detrás, o Paulo Raposo, o nosso amável anfitrião.

Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados.


Mensagem do Rui Felício (ex-Alf Mil, CCAÇ 2405, Mansoa, Galomaro e Dulombi, 1968/70), hoje economista e empresário, membro da nossa tertúlia e autor de algumas das mais saborosas estórias já aqui publicadas, reveladoras de um sentido muito especial de humor que nos ajudou a sobreviver e a manter-nos vivos e solidários, uma espécie de defesa mental contra o cacimbo, o clima, a guerra (1):


Meu Caro Luís Graça:

Como dizem os brasileiros, o meu testemunho é claramente chover no molhado... Na verdade, dizer que o belo dia de sábado, passado na agradável herdade do Raposo, foi uma jornada inesquecível, é repetir o que por certo todos já te terão dito (2).

Mas nem por isso devia deixar de o referir, para lembrar que o encontro da Ameira só foi possível, porque existe o blog que tu criaste e que, com tanto trabalho e mérito, vais gerindo, coordenando e engrandecendo.

Registei, das intervenções que alguns fizeram a seguir ao almoço, alguns aspectos que confirmaram aquilo que eu já pensava através da assídua leitura do que vais editando no blog, designadamente, o facto de a tertúlia se compor de variadas perspectivas e olhares, na análise e recordação da nossa passagem por terras da Guiné, em circunstâncias adversas de clima e da própria guerra.

Embora nem sempre coincidentes, são perspectivas cuja diversidade proporciona uma visão mais completa, segura e enriquecedora das memórias de todos nós. Bastaria ter ouvido, além de tantos outros, o Virgínio Briote, o Casimiro Carvalho, o Lema Santos [, o Pedro Lauret, o Tino Neves, o Paulo Santiago, o Carlos Santos] e, especialmente, o Vitor Junqueira, para comprovar o que acabei de dizer, isto é, a nossa geração fez a guerra de África segundo as suas próprias convicções, declaradamente contra ela, a favor dela ou conformada com ela, mas sem dúvida dando o melhor de si na defesa de princípios e sentimentos que pairam acima dos interesses ou conveniências individuais.

Sou dos que naquela época era contra a guerra, mas nunca confundi isso com o dever de a fazer o melhor e mais profissionalmente que me fosse possível, quanto mais não fosse para garantir aos soldados à minha responsabilidade o regresso a casa, sãos e salvos.

É por isso que não aceito que, passados tantos anos, algumas figuras proeminentes da nossa classe política actual venham hoje a público, não poucas vezes, arvorar-se em heróis, por terem tido a coragem de desertar, de fugir para o estrangeiro, criticando aqueles que como nós estiveram em África a combater.

Obviamente que isso não é coragem. Prefiro chamar-lhe comodismo, medo... Para não lhe chamar cobardia... Gostava de os ter visto na Ameira... Ficariam a conhecer homens cujo medo (que todos tínhamos... ) foi vencido pela coragem e pelo sentido de dever...

Um abraço

Rui Felício

PS -

(i) Só agora soube que o Vitor Junqueira é médico em Pombal. Fui grande amigo do Muñoz e Alvim, que estudou em Coimbra ao mesmo tempo que eu, embora em cursos diferentes. Nunca mais o vi, mas disseram-me que ele foi médico no Hospital de Pombal. Se o Vitor Junqueiro ler isto, pedia-lhe que me confirmasse se ele andou por lá ou mesmo se ainda exerce medicina em Pombal.

(ii) O reconhecimento pelo excelente trabalho do Carlos Marques...

(iii) Refiro ainda a agradável conversa, já ao fim do dia, com o J. Martins e Esposa... Foi por causa de um texto dele que eu entrei no blog, a propósito do desastre do Che-Che (3)

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Notas de L. G.:

(1) Vd. posts de:

18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1085: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (5): O improvisado fato de banho do Alferes Parrot na piscina do QG

5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1046: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (4): a portuguesíssima arte do desenrascanço

19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXL: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua

14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili

9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXIX: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral

Vd. também post de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1006: Estórias de Mansoa (1): 'Alfero, água num stá bom' (Rui Felício, CCAÇ 2405)

(2) Vd. posts de ontem, 15 de Outubro de 2006.

(3) Vd. posts de:


12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

(...) "Acabei de ler um texto escrito pelo camarada José Martins onde relata a sua experiência na zona de Madina do Boé.

"Embora tenha reconhecido que não assistiu directamente ao que se passou no célebre e lamentável desastre do Cheche, ocorrido no fatídico dia 6 de Fevereiro de 1969, o José Martins conheceu bem o local e a região e desenvolveu a sua descrição socorrendo-se de relatos e documentos alusivos ao sucedido.

"E nota-se pelo seu relato que sofreu muito, e que ainda hoje sente as marcas do desastre, passados 37 anos sobre a sua ocorrência" (...).


8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)

(...) "O mês de Fevereiro de 1969 tivera início há poucos dias quando passou, no aquartelamento de Canjadude, uma coluna cuja missão era retirar a Companhia de Caçadores nº 1790 do seu destacamento de Madina do Boé. Paralelamente a guarnição do posto do Cheche, pertencente à Companhia de Caçadores nº 5, também retiraria e juntar-se-ia à nossa companhia em Canjadude" (...)