Guiné > Zona Leste > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento.
Foto: © Manuel Domingues (s/d) (Imagem reproduzida, sem menção da fonte, no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todas. Presumo que a sua autoria seja do Jorge Monteiro ou do Manuel Domingues) (1)
Texto do José Martins (ex-furriel miliciano trms, CCAÇ 5 - Gatos Pretos, Canjadude , 1968/70). Terceira e última parte da série Madina do Boé: contributos para a sua história (2).
Continuação da publicação da lista dos nossos camaradas que tombaram em combate no triângulo do Boé (Madina, Beli, Cheche), bem como de outras unidades que lá estiveram ou passaram por lá:
De 7 de Fevereiro de 1969 até 20 de Agosto de 1974
A partir de 6 de Fevereiro de 1969, data em que as NT passaram o Rio Corubal junto ao Cheche, estava desfeito o Triângulo do Boé (Beli - Madina do Boé – Cheche), tendo sido, naquela zona em 24 de Setembro de 1973 proclamada unilateralmente a independência da Guiné-Bissau. Beli foi retirada em 15 de Junho de 1968. Madina em 5 de Fevereiro de 1969. E Cheche no dia seguinte. Por outro laDO, Canjadude FOI entregue ao PAIGC em 20 de Agosto de 1974. E Nova Lamego, duas semanas mais tarde, em 4 de Setembro de 1974.
Companhia de Caçadores 5
• Carlos Alberto Leitão Diniz, 1º Cabo Auxiliar de Enfermeiro, natural de Oliveira do Hospital, inumado no cemitério de Oliveira do Hospital, tombou vitima do rebentamento de uma mina na estrada de Nova Lamego a Canjadude em 3 de Agosto de 1970;
• João Purrinhas Martins Cecílio, Furriel de Infantaria, natural de São Pedro / Elvas, inumado no cemitério de Santo António dos Olivais em Coimbra, tombou vitima do rebentamento de uma mina na estrada de Nova Lamego a Canjadude em 3 de Agosto de 1970;
• Mamadu Djaló, Soldado Atirador, natural de Santa Isabel / Gabú, inumado no cemitério de Nova Lamego - Guiné, foi vítima, em 15ABR71, de ferimentos recebidos em combate numa operação de apoio à CCP 123 em Liporo, vindo a falecer no Hospital Militar 241 em 17 de Abril de 1971;
• Dembaro Baldé, Soldado Atirador, natural de Nossa Senhora da Graça / Farim, inumado no cemitério de Canjadude, tombou no ataque ao Aquartelamento de Canjadude em 22 de Julho de 1971;
• Quecuta Camará, Soldado Atirador, natural de Santa Isabel / Gabú, inumado no cemitério de Canjadude, tombou no ataque ao Aquartelamento de Canjadude em 22 de Julho de 1971;
• Saliú Embaló, Soldado Apontador de Metralhadora, natural de Pirada / Gabú, inumado no cemitério de Canjadude, tombou num patrulhamento junto do Rio Campossabane (zona norte do Cheche), em 1 de Agosto de 1971;
• Sulai Queta, Soldado Apontador de Metralhadora, natural de Cacine / Catió, inumado no cemitério de Nova Lamego - Guiné, tombou no ataque ao Aquartelamento de Canjadude em 8 de Agosto de 1973.
Companhia de Artilharia 3332
• João Alberto Lopes Vilela, Soldado Atirador, natural de Gil / Paços de Ferreira, inumado no cemitério de Paços de Ferreira, tombou no Aquartelamento do Che-che, quando este voltou a ser ocupado pelas nossas tropas – Companhia de Caçadores 5 e Companhia de Artilharia 3332 – que utilizaram pontualmente este Aquartelamento como base de patrulhas, em 11 de Fevereiro de 1971.
Companhia de Caçadores Páraquedistas 123
• Avelino Joaquim Gomes Tavares, Soldado Paraquedista, natural de Matosinhos, inumado na Metrópole, tombou numa operação em Liporo, em 15 de Abril de 1971;
• Carlos Alberto Ferreira Martins, Soldado Paraquedista, natural de Moledo / Vimieiro, inumado na Metrópole, tombou numa operação em Liporo, em 15 de Abril de 1971.
OUTRAS UNIDADES ENVOLVIDAS
Há unidades que não foram referidas no texto inicial, mas que pela continuada pesquisa sobre o tema encontramos elementos que garantem a sua presença na zona, pelo que nos compete fazer aqui referência às mesmas:
Centro de Instrução de Comandos
Em 23 de Outubro de 1963 teve início com a formação de um grupo de Oficiais e Sargentos, em serviço no CTIG, que foram receber instrução de comandos na Região Militar de Angola.
O primeiro Grupo de Comandos a ser formado na Guiné, teve o seu baptismo de fogo na Operação Tridente, realizada na Ilha de Como entre 14 de Janeiro e 24 de Março de 1964. Este Grupo de Comandos recebeu as insígnias de Comando em Bissau a 29 de Abril de 1964.
Em 3 de Agosto de 1964 inicia-se a Escola Preparatória de Quadros, com vista à formação de três Grupos, entre eles o Grupo de Comandos Os Fantasmas, que decorreu entre 30 de Setembro e 17 de Novembro de 1964.
Tendo a sua base em Brá (Bissau), estes grupos realizaram diversas operações em diversas zonas, das quais se destacam Madina do Boé, Catió, Farim, Jabadá, e Canjambari. Em este Centro de Instrução passou a ser designado por Companhia de Comandos até à sua extinção, após a chegada da 3ª Companhia de Comandos, mobilizada no Regimento de Artilharia 1 - Lisboa, que desembarcou em Bissau e 30 de Junho de 1966.
Batalhão de Engenharia 447
Foi criada em 1 de Julho de 1964, como unidade da guarnição normal da Guiné, tendo integrado todos os elementos de engenharia existentes na Guiné, nomeadamente a Companhia de Engenharia 447, mobilizada no Regimento de Engenharia 1 (Pontinha – Lisboa), que era constituída por, além do Comando, 1 Pelotão de Equipamento Mecânico, 2 Pelotões de Sapadores e 1 Pelotão de Pontoneiros, sendo este pelotão que garantia a ligação fluvial por barco em diversos pontos.
Destacou elementos para colaborar na execução e/ou reparação das estruturas de aquartelamentos (edifícios, electrificação, depósitos de água), construção de estradas e formação de pessoal local nas especialidades de pedreiro, carpinteiro, canalizador, electricista e operador de máquinas de terraplanagem. Foi extinto em 14 de Outubro de 1974 com a entrega das instalações e equipamento.
Chefia do Serviço de Material / Quartel General – Guiné
Com base no Quadro Orgânico aprovado por despacho ministerial de 14 de Novembro de 1963, tem início como unidade de guarnição normal do CTIG em 1 de Janeiro de 1964, integrando os destacamentos de manutenção de material até então existentes, passando a ser constituído por uma Companhia de Recuperação de Material e por uma Companhia de Manutenção de Material.
Desenvolveu acções de apoio a unidades em quadrícula através dos seus Pelotões de Manutenção assim como deu instrução para especialistas de material de serralheiros, carpinteiros e mecânicos, entre outros. Em 14 de Outubro de 1974 foi instinto com a entrega das instalações e equipamentos.
Pelotão de Milícias 161
Em 8 de Julho de 1968, este Pelotão de Milícia estava adido, operacional e administrativamente, à Companhia de Caçadores 5, sedeada em Nova Lamego e com pelotões em Canjadude, Cabuca e Che-che. Pela nota circular nº 47/68, Processo 706.4 de 28 de Setembro de 1968 da Chefia do Serviço de Contabilidade e Administração do Quartel-general, passa a depender da Companhia de Artilharia 2338, já referida na I Parte deste texto.
Pelotão de Milícias 162
Em 8 de Julho de 1968, este Pelotão de Milícia estava adido, operacional e administrativamente, à Companhia de Caçadores 5, sedeada em Nova Lamego Lamego e com pelotões em Canjadude, Cabuca e Che-che. Pela nota circular nº 47/68, Processo 706.4 de 28 de Setembro de 1968 da Chefia do Serviço de Contabilidade e Administração do Quartel-general, passa a depender da Companhia de Cavalaria 1662, já referida na I Parte deste texto.
Pelotão de Reconhecimento 1129
Formado e mobilizado no Regimento de Cavalaria 6, no Porto, chegou à Guiné em Julho de 1966, ficando instalado em Nova Lamego, integrado nas forças operacionais do Batalhão de Caçadores 1856, a partir dessa data até ter sido rendido em Maio de 1968, data em que regressou à Metrópole.
Pelotão de Caçadores Nativos 65
Constituído por militares do recrutamento local em Maio de 1968, passou por várias zonas e aquartelamentos, até ser desactivado e extinto após assinatura do Acordo de Argel em 26 de Agosto de 1974. Esteve sedeado em Nova Lamego entre a data sua formação e a sua transferência para Canjambari em Abril de 1969.
Companhia de Artilharia 3332
Mobilizada no Regimento de Artilharia Pesada 2, em Vila Nova de Gaia, desembarcou em Bissau em 19 de Dezembro de 1970, seguindo para Piche em 25 de Janeiro de 19871, após a realização no CIM, em Bolama, da Instrução de Aperfeiçoamento Operacional. Em Piche substitui a CCAV 2747 na função de intervenção e reserva do CAOP 2 e reforço do BCAV 2922. Nesta função foi destacada para operações nas áreas de Canquelifá e Canjadude, onde colaborou, com três Grupos de Combate, na Operação Duas Quinas, para a ocupação temporário do antigo Aquartelamento do Che-che, para instalação de uma base de patrulhas na área. Regressou à metrópole em 13 de Dezembro de 1972.
Companhia de Caçadores Paraquedistas 123
Foi mobilizada no Regimento de Caçadores Paraquedistas, em Tancos, em Março de 1970, após o Curso de Paraquedisdas terminado em Fevereiro anterior. Foi considerada completa, já na Guiné, em 18 de Julho de 1970, ficando estacionada em Bissalanca e integrada no Batalhão de Caçadores Parquedistas 12. Tomou parte em várias operações ofensivas de combate, com incidência no Sector Leste. Foi desactivada depois de ter regressado à Metrópole, após a independência da Guiné, que ocorreu em 10 de Setembro de 1974.
É muito provável que outras unidades tenham reforçado os Aquartelamentos referenciados nos textos, nomeadamente os Pelotões de Armas Pesadas ou Pelotões de Reconhecimento, que estivessem atribuídos aos Órgãos de Comando do Sector de Nova Lamego, que coordenava as operações na área, pelo que arriscamos a mencionar as seguintes subunidades que, apesar de não registarem baixas de qualquer causa, colaboraram em colunas, operações ou em reforço das unidades em quadrícula:
Pelotão de Caçadores 871
Mobilizado no Batalhão de Caçadores 5 em Lisboa, chegou à Guiné em Dezembro de 1962, sendo colocado em Cabedu. Em Abril de 1963 foi colocado em Nova Lamego até Outubro desse ano, altura em que foi transferido para Pirada onde veio a terminar a comissão em Outubro de 1965.
Pelotão de Reconhecimento 805
Mobilizado no Regimento de Cavalaria 6, no Porto, ficou colocado em Bissau desde a sua chegada em Novembro de 1964 até Fevereiro de 1965, data em que foi transferido para Nova Lamego, Sector Leste. Muito provavelmente tomou parte em colunas de reabastecimento a diversos aquartelamentos do Sector, nomeadamente à zona do Boé. Terminou a sua comissão em Agosto de 1966.
Companhia de Milícias 19
Formado em Junho de 1965 por elementos recrutados na província, esta força auxiliar esteve colocada no destacamento do Cheché até à retirada deste em 6 de Fevereiro de 1969. Foi extinto em Dezembro de 1971
Pelotão de Morteiros 1029
Formado e mobilizado no Regimento de Infantaria 2, em Abrantes, chegou à Guiné em Setembro de 1965, ficando instalado em Nova Lamego, integrado nas forças operacionais do Batalhão de Caçadores 512. Em Outubro de 1965 foi deslocado para Canquelifá, regressando a Nova Lamego em Maio de 1966, agora integrando o dispositivo do Batalhão de Cavalaria 705, tendo sido rendido em Maio de 1967, data em que regressou à Metrópole. É muito provável que tenha tido em diligência esquadras junto das unidades que se encontravam em quadrícula no Sector..
5ª Companhia de Comandos
Mobilizado no Regimento de Artilharia Ligeira 1, em Lisboa, desembarcou na Guiné em 27 de Dezembro de 1966, ficando instalado em Brá (Bissau). Esteve destacada em Nova Lamego em reforço da guarnição daquela localidade, para efectuar patrulhamentos e reconhecimentos ofensivos, no período de 10 de Julho a 3 de Agosto de 1968. Foi durante aquele período que ministrou a instrução da especialidade à 15ª Companhia de Comandos. Cessou a actividade operacional em 26 de Setembro de 1968, regressando à metrópole em 31 de Outubro seguinte.
Pelotão de Morteiros 1191
Formado e mobilizado no Regimento de Infantaria 15, em Tomar, chegou à Guiné em 13 Abril de 1967, ficando instalado em Nova Lamego, integrado nas forças operacionais do Batalhão de Cavalaria 1915, tendo sido rendido em Março de 1969, data em que regressou à Metrópole. Durante a sua comissão destacou, em diligência junto de outras unidades, diversas esquadras, que rodava com certa frequência nos Aquartelamento de Buruntuma, Canquelifá, Madina do Boé, Beli e Cabuca.
Pelotão de Milícias 129
Formado por elementos recrutados na província, esta força auxiliar é referido nos relatórios de operações da Companhia de Caçadores 5, aquartelada em Canjadude, a partir de Junho de 1968, nada mais constando sobre o mesmo
Companhia de Cavalaria 2482
Unidade pertencente ao Batalhão de Cavalaria 2867 e mobilizada no Regimento de Cavalaria 3, em Estremoz, chegou à Guiné em 1 de Março de 1969. Seguiu de imediato para Tite, onde assumiu a responsabilidade do Sector. Em Julho de 1969 cedeu um grupo de combate à Companhia de Caçadores 5, enquanto esta realizava a Operação Sátiro, com a totalidade do seu efectivo operacional, à região do Rio Corubal. Durante a sua permanência no Aquartelamento de Canjadude, sofreu uma flagelação IN, de 11 para 12 de Julho de 1968. Após a operação regressou ao seu sector.
Pelotão de Morteiros 2105
Formado e mobilizado no Regimento de Infantaria 2, em Abrantes, chegou à Guiné em 25 de Fevereiro de 1969, ficando instalado em Nova Lamego, integrado nas forças operacionais do Batalhão de Caçadores 2835 e a partir de 22 de Novembro de 1969 integrado na Batalhão de Caçadores 2893, tendo sido rendido em Dezembro de 1970, data em que regressou à Metrópole. Durante a sua comissão destacou, em diligência junto de diversas unidades, esquadras, que rodava com certa frequência, no Aquartelamento Canjadude.
Batalhão de Caçadores 2893
Chegou à Guiné em 29 de Novembro de 1969 tendo sido mobilizado no Batalhão de Caçadores 10, em Chaves. Em 29 desse mês assume a responsabilidade do Sector L3, com sede em Nova Lamego, substituindo o Batalhão de Caçadores 2835. Foi rendido pelo Batalhão de Cavalaria 3854 e regressou à metrópole em 25 de Setembro de 1971.
Pelotão de Milícias 254 da Companhia de Milícia 18
Esta unidade de Forças auxiliares, é referida no relatório de Situação Geral, como constituindo uma das componentes que constituem e guarnição de Canjadude, sob a responsabilidade da CCAÇ 5, em Janeiro de 1970
Companhia de Artilharia 2762
Mobilizada no Regimento de Artilharia Pesada 2, em Vila Nova de Gaia, chegou à Guiné em 20 de Julho de 1970, seguindo para Pirada. Em 5 de Junho de 1971 foi transferida para Nova Lamego, em missão de intervenção e reserva do Batalhão de Caçadores 2893 e depois do Batalhão de Cavalaria 3854, tendo efectuado várias acções nas áreas de Canjadude e Cabuca. Regressou à metrópole em 17 de Junho de 1972.
Pelotão de Morteiros 2267
Formado e mobilizado no Regimento de Infantaria 2, em Abrantes, chegou à Guiné em 31 de Outubro de 1970, ficando instalado em Nova Lamego, integrado nas forças operacionais do Batalhão de Caçadores 2893 e a partir de 5 de Setembro de 1971 integrado no Batalhão de Cavalaria 3854, tendo sido rendido em Setembro de 1972, data em que regressou à Metrópole. Durante a sua comissão destacou, em diligência junto de diversas unidades, esquadras, que rodava com certa frequência, no Aquartelamento Canjadude.
Batalhão de Cavalaria 3854
Mobilizado no Regimento de Cavalaria 3, em Estremoz, chegou à Guiné à Guiné em 10 de Julho de 1971. Após a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional efectuada no Centro Militar de Instrução no Cumeré, assumiu a responsabilidade do Sector de Nova Lamego em 5 de Setembro de 1971, rendendo o Batalhão de Caçadores 2893. Foi rendido pelo Batalhão de Artilharia 6523/73 e regressou à metrópole em 5 de Outubro de 1973.
Pelotão de Morteiros 4574/72
Formado e mobilizado no Regimento de Infantaria 15, em Tomar, chegou à Guiné em Julho de 1972, ficando instalado em Nova Lamego, integrado nas forças operacionais do Batalhão de Cavalaria 3854 e a partir de 8 de Setembro de 1973 integrado no Batalhão de Artilharia 6523, tendo retirado de Nova Lamego em Agosto de 1974, de acordo com a retracção das NT, regressando à Metrópole. Durante a sua comissão destacou, em diligência junto de diversas unidades, esquadras, que rodava com certa frequência, no Aquartelamento Canjadude.
Grupo Especial de Milícias 244
Esta unidade de forças auxiliares, está referida no relatório da Flagelação IN a Canjadude em 27 de Abril de 1973, pelas 22H50, como tendo encontrada, no dia anterior, vestígios IN a Sul de Canjadude e ter sido flagelado na zona situada entre o Rio Mebouro e Rio Siai, nesse mesmo dia, a partir da zona a sul do Rio Corubal. Estava no aquartelamento de Canjadude na altura da flagelação.
Batalhão de Artilharia 6523/73
Mobilizado no Regimento de Artilharia Ligeira 5, em Penafiel, chegou à Guiné em 13 de Julho de 1973, assumindo em 8 de Setembro de 1973 a responsabilidade do Sector L 3. O comando regressou a Bissau em 29 de Agosto de 1974, mantendo-se um Pelotão da CCS, que procedeu à desactivação e entrega ao PAIGC de Nova Lamego. Foi a última unidade a comandar este Sector.
Também é de salientar o esforço desenvolvido pelos elementos da Força Aérea que, ao comando das aeronaves disponibilizadas para as diversas missões, apoiaram as tropas no terreno, não só com o apoio de fogos e no transporte de pessoal e alimento, mas, sobretudo, no socorro prestado aos feridos e doentes na sua evacuação para a retaguarda, afim de serem assistidos de forma ao seu restabelecimento rápido.
Hastear da bandeira da Guiné-Bissau em Canjadude em 20 de Agosto de 1974.
Aqui já não era Portuguesa
Foto João Carvalho – 1974 – com a devida vénia
É de esperar que, não só criticas ou sugestões surjam na publicação destes textos mas que, num espírito de trazer ao conhecimento de todos e, em especial daquela camada que não viveu a guerra e que esperamos não a venha a viver, conheçam o esforço de um punhado de homens que, abandonando os campos, as fábricas, os escritórios e as escolas, e muito penosamente as próprias famílias, e responderam PRESENTE quando a Pátria os convocou!
José Martins
____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 25 Outubro 2005 > Guiné 63/74 - CCLVIII: Antologia (22): Madina do Boé, por Jorge Monteiro (CCAÇ 1416, 1965/67)
(2) Vd. posts anteriores:
18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)
15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 21 de dezembro de 2006
Guiné 63/74 - P1387: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (9): Catió, 1967 (Victor Condeço)
Guiné > Região de Tombali > Catió > 1967 > Postal de Natal
Foto: © Vítor Condeço (2006). Direitos reservados.
Caro Luís:
Com o mesmo postal que utilizei em 1967 para desejar as Boas Festas aos meus familiares e amigos, faço-o hoje para ti e tua família e para todos os camaradas e amigos da Tertúlia.
Que tenham um SANTO NATAL e um FELIZ ANO NOVO, que este permita concretizar os vossos sonhos!
Um abraço
Victor Condeço (1)
_______________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1336: Catió: Autor de pintura mural, procura-se (Victor Condeço)
3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1335: Um mecânico de armamento para a nossa companhia (Victor Condeço, CCS/BART 1913, Catió)
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)
Foto: © Vítor Condeço (2006). Direitos reservados.
Caro Luís:
Com o mesmo postal que utilizei em 1967 para desejar as Boas Festas aos meus familiares e amigos, faço-o hoje para ti e tua família e para todos os camaradas e amigos da Tertúlia.
Que tenham um SANTO NATAL e um FELIZ ANO NOVO, que este permita concretizar os vossos sonhos!
Um abraço
Victor Condeço (1)
_______________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1336: Catió: Autor de pintura mural, procura-se (Victor Condeço)
3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1335: Um mecânico de armamento para a nossa companhia (Victor Condeço, CCS/BART 1913, Catió)
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)
quarta-feira, 20 de dezembro de 2006
Guiné 63/74 - P1386: Um homem de Guidaje (Barreto Pires, CART 2412)
Texto do José Barreto Pires, que vive em Alenquer e pertenceu à CART 2412 (Bigene, Binta, Guidaje e Barro, 1968/70) (1)
Amigos e Camaradas;
Tertuliano desde de alguns meses a esta parte, tenho me remetido quase ao silêncio, não obstante de ter apreciado bastante os duelos estabelecidos e as notícias transmitidas.Entre os imensos temas trocados,impressionaram-me sobre maneira os de alguns dias atrás sobre Telegrama e Guidaje, não fosse eu um homem de Guidaje, ou melhor dito, que não tivesse andado efectivamente por essas bandas...
De facto, integrei a CART 2412, que comandei mais de 50% do tempo que permaneceu em terras de Guiné. Fomos alcunhados como Os sempre diferentes e de facto eramos, pelo que indo ao desafio do Telegrama, porque existem imensas coisas para contar, julgando-me, de certa forma, apresentado, passarei a colaborar, semanalmente, com um episódio dos imensos vividos nessa experiência que, de facto, não é minha...nem é tua...mas foi de todos nós...Segue para a semana...
Com um grande abraço
Barreto Pires
____________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de Maio de 2006 > Guiné 63/74- DCCCII: Um novo tertuliano, o José Barreto Pires (CART 2412)
Amigos e Camaradas;
Tertuliano desde de alguns meses a esta parte, tenho me remetido quase ao silêncio, não obstante de ter apreciado bastante os duelos estabelecidos e as notícias transmitidas.Entre os imensos temas trocados,impressionaram-me sobre maneira os de alguns dias atrás sobre Telegrama e Guidaje, não fosse eu um homem de Guidaje, ou melhor dito, que não tivesse andado efectivamente por essas bandas...
De facto, integrei a CART 2412, que comandei mais de 50% do tempo que permaneceu em terras de Guiné. Fomos alcunhados como Os sempre diferentes e de facto eramos, pelo que indo ao desafio do Telegrama, porque existem imensas coisas para contar, julgando-me, de certa forma, apresentado, passarei a colaborar, semanalmente, com um episódio dos imensos vividos nessa experiência que, de facto, não é minha...nem é tua...mas foi de todos nós...Segue para a semana...
Com um grande abraço
Barreto Pires
____________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de Maio de 2006 > Guiné 63/74- DCCCII: Um novo tertuliano, o José Barreto Pires (CART 2412)
Guiné 63/74 - P1385: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (4): Nasceu e quer morrer português (Mário Dias)
O Coronel do Exército Português, na reforma, Marcelino da Mata (o segundo a contar da esquerda), f0tografado em 24 de Setembro de 2005, durante o convívio dos Grupos de Comandos que actuaram na Guiné entre 1964/66. O grupo fotografado é constituído por elementos que participaram na mítica Operação Trindente (Ilha do Como, Janeiro-Março de 1964).
Da esquerda para a direita (situação militar reportada a 1964):
(i) sold João Firmino Martins Correia;
(ii) 1º cabo Marcelino da Mata;
(iii) 1º cabo Fernando Celestino Raimundo;
(iv) fur mil António M. Vassalo Miranda;
(v) fur Mário F. Roseira Dias;
(vi) sold Joaquim Trindade Cavaco
Texto da autoria do Mário Dias, sargento comando (Brá, 1963/66):
Caro Luís:
Tens toda a razão, pois, realmente, ainda nada disse sobre o Marcelino (1).
Vou pôr de parte as controvérsias que figuras como ele sempre geram. É normal que assim seja e só demonstra que se alguém concita em si a atenção pública, com defensores e detractores, é porque essa pessoa - no caso vertente o Marcelino - fizeram algo que ultrapassa o comum dos mortais.
Vamos então aos factos:
Corria o início do ano de 1963 quando, tendo eu regressado ao serviço militar e sido colocado na 2ª Repartição (Informações) do QG de Bissau, conheci o Marcelino.
Ela era 1.º cabo condutor nessa repartição e desde logo me apercebi ser pessoa de muita confiança do Chefe da Repartição bem como do restante pessoal do QG de qualquer função ou graduação. Falava correctamente o português, conhecia várias línguas dos povos da Guiné e era um fiel e incansável colaborador na procura de informações que nesse tempo do início do conflito não eram muitas.
Eu falava muito frequentemente com ele, como é natural, e fiquei a saber que no início das actividades do PAIGC também havia sido aliciado, o que recusou. Talvez por isso, alguns familiares seus, entre os quais a mãe, foram alvos de sevícias e alguns, até raptados. Isso só aumentou a sua determinação de combater ao lado dos portugueses pois, conforme dizia - e continua dizendo - nasceu e quer morrer português.
Mais tarde, já em Janeiro de 1964, quando decorria a Operação Tridente na Ilha do Como, apareceu lá para se juntar ao grupo de comandos. Foi aí que comecei a admirar as suas extraordinárias capacidades de combatente.
O Marcelino era, realmemente, aquilo que nós costumamos designar por uma máquina. Era um dos mais entusiastas do grupo e senhor de uma coragem e determinação extraordinárias. Nunca o vi vacilar perante o perigo nem reclamar pelas duras condições a que estávamos sujeitos. E a minha admiração por ele cresceu por ele ser guineense e estar ao lado dos portugueses, quando havia já muitos portugueses aliados ao PAIGC ou, pelo menos, fazendo resistência passiva, o que só fortalecia o adversário.
Depois da Op Tridente (2), e após o regresso a Bissau, o Marcelino continuou nos comandos e colaborou com os seus conhecimentos do terreno e a sua natural aptidão de combatente na formação dos grupos de comandos que se instruiram no 1º curso de comandos realizado em Brá. Ficou a pertencer aos Panteras (3) e foi uma peça importante na operacionalidade desse grupo.
Mais tarde, criou o seu próprio e lendário grupo que se chamava Os Roncos, salvo erro.
Eu regressei a Lisboa em Fevereiro de 1966. Portanto, não poderei testemunhar tudo quanto o Marcelino realizou desde essa altura mas é do domínio público que foi muito. Não é por não ter feito nada nem por não ter extraordinário valor que se recebe por várias vezes a Cruz de Guerra a ainda a Torre Espada; nem que se passa de 1º cabo a tenente-coronel por sucessivas promoções por distinção.
Cometeu excessos, dizem alguns. Não sei. Não assisti. Porém, ponho as minhas reticências porque, enquanto com ele lidei, nunca o vi realizar acções menos dignas nem ter atitudes desumanas. Era duro e inflexível porque assim é a guerra; mas cruel e sanguinário, não.
Hoje, o Marcelino mantém-se igual ao que sempre foi: determinado, amigo do seu amigo, e senhor de um amor a Portugal que deveria fazer corar de vergonha muitos patriotas da nossa praça. Quando o encontro e por vezes o confronto com esse facto que não é, nos dias de hoje, politicamente (e vantajosamente, digo eu) correcto, ele me responde invariavelmente:
- Eu sou português e sempre serei. Esses gajos (PAIGC) que fizeram a independência só trouxeram desgraça. E em Angola e Moçambique é a mesma coisa. Os governantes enchem a barriga e o povo passa fome. E remata com o vernáculo p... que os pariu.
É este o Marcelino que eu conheci e conheço. Homem vertical que nada nem ninguém consegue dobrar. Nem mesmo os sanhudos torcionários do RALIS onde esteve preso durante o nefasto PREC (4).
Marcelino, daqui te envio aquele abraço.
Mário Dias
_____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1357: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (3): Nem a cruz nem o altar (Mário Dias / Luís Graça)
10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1355: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata a pedido de sua filha Irene (2): Orgulho-me de o ter conhecido em Guileje (José Carvalho)
10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1354: Testemunhos sobre Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (1): De 1º Cabo Comando a Torre e Espada (Virgínio Briote)
(2) Vd. textos (inéditos) do Mário Dias sobre a batalha do Como:
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)
16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)
17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)
(3) Vd. post de 10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1354: Testemunhos sobre Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (1): De 1º Cabo Comando a Torre e Espada (Virgínio Briote)
(4) Vd. blogue do Virgínio Briote > Tantas Vidas > 29 de Junho de 2006 > O que é feito deles (II)
(...) "O Marcolino das Matas [nome ficcional de Marcelino da Mata] voltou a pegar na G3 no tempo do Governador Spínola. Fez um grupo especial de africanos, o processo de promoção por distinção suspenso foi retomado, num ápice passou de cabo a capitão, cruzes de guerra incluídas, quase sem saber ler e escrever que os guerrilheiros exigiam outras habilidades.
"Pirou-se para Lisboa e fez muito bem, antes que fosse tarde demais. Continuou a sua vida de aventuras, quando o filme de Abril estava a ser rodado foi torturado por educadores da classe operária. Considerado como um dos militares mais condecorados por feitos em combate, é visto muitas vezes nos 10 de Junho e 1ºs de Dezembro. Apareceu também nos jornais e telejornais quando foi depor ao tribunal, a propósito de um escândalo qualquer numa universidade" (...).
Recorde-se que - segundo os jornais da época - em 15 de Maio de 1975 soldados do RALIS, militantes do MRPP, detém irregularmente um fuzileiro e depois o alferes comando Marcelino da Mata, o qual é torturado a 17 ... Enfim, um episódio triste da revolução dos cravos.
Da esquerda para a direita (situação militar reportada a 1964):
(i) sold João Firmino Martins Correia;
(ii) 1º cabo Marcelino da Mata;
(iii) 1º cabo Fernando Celestino Raimundo;
(iv) fur mil António M. Vassalo Miranda;
(v) fur Mário F. Roseira Dias;
(vi) sold Joaquim Trindade Cavaco
Texto da autoria do Mário Dias, sargento comando (Brá, 1963/66):
Caro Luís:
Tens toda a razão, pois, realmente, ainda nada disse sobre o Marcelino (1).
Vou pôr de parte as controvérsias que figuras como ele sempre geram. É normal que assim seja e só demonstra que se alguém concita em si a atenção pública, com defensores e detractores, é porque essa pessoa - no caso vertente o Marcelino - fizeram algo que ultrapassa o comum dos mortais.
Vamos então aos factos:
Corria o início do ano de 1963 quando, tendo eu regressado ao serviço militar e sido colocado na 2ª Repartição (Informações) do QG de Bissau, conheci o Marcelino.
Ela era 1.º cabo condutor nessa repartição e desde logo me apercebi ser pessoa de muita confiança do Chefe da Repartição bem como do restante pessoal do QG de qualquer função ou graduação. Falava correctamente o português, conhecia várias línguas dos povos da Guiné e era um fiel e incansável colaborador na procura de informações que nesse tempo do início do conflito não eram muitas.
Eu falava muito frequentemente com ele, como é natural, e fiquei a saber que no início das actividades do PAIGC também havia sido aliciado, o que recusou. Talvez por isso, alguns familiares seus, entre os quais a mãe, foram alvos de sevícias e alguns, até raptados. Isso só aumentou a sua determinação de combater ao lado dos portugueses pois, conforme dizia - e continua dizendo - nasceu e quer morrer português.
Mais tarde, já em Janeiro de 1964, quando decorria a Operação Tridente na Ilha do Como, apareceu lá para se juntar ao grupo de comandos. Foi aí que comecei a admirar as suas extraordinárias capacidades de combatente.
O Marcelino era, realmemente, aquilo que nós costumamos designar por uma máquina. Era um dos mais entusiastas do grupo e senhor de uma coragem e determinação extraordinárias. Nunca o vi vacilar perante o perigo nem reclamar pelas duras condições a que estávamos sujeitos. E a minha admiração por ele cresceu por ele ser guineense e estar ao lado dos portugueses, quando havia já muitos portugueses aliados ao PAIGC ou, pelo menos, fazendo resistência passiva, o que só fortalecia o adversário.
Depois da Op Tridente (2), e após o regresso a Bissau, o Marcelino continuou nos comandos e colaborou com os seus conhecimentos do terreno e a sua natural aptidão de combatente na formação dos grupos de comandos que se instruiram no 1º curso de comandos realizado em Brá. Ficou a pertencer aos Panteras (3) e foi uma peça importante na operacionalidade desse grupo.
Mais tarde, criou o seu próprio e lendário grupo que se chamava Os Roncos, salvo erro.
Eu regressei a Lisboa em Fevereiro de 1966. Portanto, não poderei testemunhar tudo quanto o Marcelino realizou desde essa altura mas é do domínio público que foi muito. Não é por não ter feito nada nem por não ter extraordinário valor que se recebe por várias vezes a Cruz de Guerra a ainda a Torre Espada; nem que se passa de 1º cabo a tenente-coronel por sucessivas promoções por distinção.
Cometeu excessos, dizem alguns. Não sei. Não assisti. Porém, ponho as minhas reticências porque, enquanto com ele lidei, nunca o vi realizar acções menos dignas nem ter atitudes desumanas. Era duro e inflexível porque assim é a guerra; mas cruel e sanguinário, não.
Hoje, o Marcelino mantém-se igual ao que sempre foi: determinado, amigo do seu amigo, e senhor de um amor a Portugal que deveria fazer corar de vergonha muitos patriotas da nossa praça. Quando o encontro e por vezes o confronto com esse facto que não é, nos dias de hoje, politicamente (e vantajosamente, digo eu) correcto, ele me responde invariavelmente:
- Eu sou português e sempre serei. Esses gajos (PAIGC) que fizeram a independência só trouxeram desgraça. E em Angola e Moçambique é a mesma coisa. Os governantes enchem a barriga e o povo passa fome. E remata com o vernáculo p... que os pariu.
É este o Marcelino que eu conheci e conheço. Homem vertical que nada nem ninguém consegue dobrar. Nem mesmo os sanhudos torcionários do RALIS onde esteve preso durante o nefasto PREC (4).
Marcelino, daqui te envio aquele abraço.
Mário Dias
_____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1357: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (3): Nem a cruz nem o altar (Mário Dias / Luís Graça)
10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1355: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata a pedido de sua filha Irene (2): Orgulho-me de o ter conhecido em Guileje (José Carvalho)
10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1354: Testemunhos sobre Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (1): De 1º Cabo Comando a Torre e Espada (Virgínio Briote)
(2) Vd. textos (inéditos) do Mário Dias sobre a batalha do Como:
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)
16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)
17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)
(3) Vd. post de 10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1354: Testemunhos sobre Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (1): De 1º Cabo Comando a Torre e Espada (Virgínio Briote)
(4) Vd. blogue do Virgínio Briote > Tantas Vidas > 29 de Junho de 2006 > O que é feito deles (II)
(...) "O Marcolino das Matas [nome ficcional de Marcelino da Mata] voltou a pegar na G3 no tempo do Governador Spínola. Fez um grupo especial de africanos, o processo de promoção por distinção suspenso foi retomado, num ápice passou de cabo a capitão, cruzes de guerra incluídas, quase sem saber ler e escrever que os guerrilheiros exigiam outras habilidades.
"Pirou-se para Lisboa e fez muito bem, antes que fosse tarde demais. Continuou a sua vida de aventuras, quando o filme de Abril estava a ser rodado foi torturado por educadores da classe operária. Considerado como um dos militares mais condecorados por feitos em combate, é visto muitas vezes nos 10 de Junho e 1ºs de Dezembro. Apareceu também nos jornais e telejornais quando foi depor ao tribunal, a propósito de um escândalo qualquer numa universidade" (...).
Recorde-se que - segundo os jornais da época - em 15 de Maio de 1975 soldados do RALIS, militantes do MRPP, detém irregularmente um fuzileiro e depois o alferes comando Marcelino da Mata, o qual é torturado a 17 ... Enfim, um episódio triste da revolução dos cravos.
Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)
Foto: © João S. Parreira (2005). Direitos reservados.
Mensagem do novo membro da nossa tertúlia, o ex- Alf Mil António de Figueiredo Pinto, BCAÇ 506 (1963/65) (1):
Caro José Martins:
Foi por mero acaso que, pesquisando na Internet assuntos sobre a Guiné, encontrei o site do Amigo Luís Graça (feliz acaso !), apartir do qual e em pouco tempo começo a receber notícias de Amigos, que, como eu, passaram por terras da Guiné.
És o primeiro que eu constato que palmilhou muitos dos caminhos por onde andei. Já estou quase nos 68 anos, um bocado entradote na idade mas um novato nestas andanças de computadores e Internet.
A memória já me vai traindo um bocado, mas há momentos que jamais poderei esquecer e com certeza que me acompanharão para sempre. Guardei alguns documentos daquele tempo e, vasculhando-os, verifico que pertenci à 3ª Companhia de Caçadores, em Nova Lamego, e aos Batalhões de Caçadores, sediados em Bafatá, nºs 506 e 512 e finalmente ao Batalhão de Cavalaria nº 705.
Sobre Madina do Boé (2) estive lá no 2º ano de comissão, lembro-me que fomos os primeiros a lá chegar e montar o 1º aquartelamento que ficou ao fundo da estrada, onde havia uma escola desactivada. Os primeiros tempos passámo-los sem sobressaltos de maior até que houve o 1º ataque, não posso precisar a data. Não tivemos feridos.
Há um episódio, no entanto, entre vários, que me marcou bastante. Vou tentar resumi-lo:
Uma tarde estávamos no Destacamento, quando, de repente, ao fundo da tal estrada vimos chegar, com grande alarido dois ou três jipes com uma velocidade inusitada e alguém aos gritos, que só conseguimos entender quando chegaram à nossa beira. Era um grupo de Comandos, chefiados pelo alferes Saraiva (um homem tremendamente marcado pela guerra em Angola, onde assistiu à morte de familiares seus ) . Aos berros, pediu-nos viaturas e homens para efectuar uma operação (de que eu não tinha conhecimento ) nos arredores de Madina. De tal maneira ele estava transtornado que chegou a puxar de pistola para um Furriel do Destacamento, que esta a apertar as botas, tal era a sua pressa.
O que não posso esquecer é o pedido que um dos nossos soldados fez para substituir o condutor duma viatura, salvo erro, uma Mercedes, argumentando que, sendo ele pequeno ( e era-o de facto) se uma mina rebentasse ele saltava com mais facilidade, pedindo só para deixar tirar a capota da viatura. Não me recordo do nome dele mas vejo-o constantemente...
Essa patrulha, em que não participei, pois o Saraiva não o permitiu, foi atacada, após o rebentamento de minas. Morreram vários camaradas nossos, entre eles o referido condutor, que teve uma morte horrorosa.
Alguns desses camaradas deixaram este mundo nos meus braços e nos do médico que, na altura, estava conosco e que é por demais conhecido - o Luiz Goes, que todos conhecem, com certeza, pelos seus fados de Coimbra (3).
Este foi um dos momentos mais dramáticos que vivi na Guiné (4), para além de outros, especialmente em Beli, onde fui ferido e que noutra altura relatarei.
Penso não estar a ser fastidioso.
Tu mo dirás se posso relatar outros factos que agora se estão a soltar e vir ao consciente.
Fiquei bastante emocionado ao ver no teu contributo de Memórias da Guiné ao ver o nome do meu maior Amigo, dentre tantos Amigos que lá tive - Martinho Gramunha Marques. Sobre ele também gostaria de falar um dia.
Amigo José Martins, breve voltarei, se não fôr inconveniente.
Um grande abraço.Tudo de bom para ti e toda a tua Família.
Pinto
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1378: António de Figueiredo Pinto, Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli
(...) "Alguns dados sobre a minha estadia na Guiné:
(i) Embarquei em Novembro de 1963, em rendição individual. Fui substituir um colega que se pirou para o Senegal.
(ii) Estive algum tempo em Nova Lamego, tendo sido, em seguida destacado para Pirada onde reconstrui o aquartelamento.
(iii) Estive algum tempo em Geba, zona na altura um bocado perigosa, mas sem problemas.
(iv) Vim de férias em Outubro de 1964, conhecer o meu primeiro filho, com 3 meses de idade.
(v) No regresso, fui destacado para Madina do Boé, tendo sido o primeiro pelotão a chegar lá onde montei o primeiro aquartelamento.
(vi) Depois fui para Beli, onde ao fim de algum tempo, e depois também de ter sido o primeiro pelotão a lá chegar e ter montado o destacamento, em Maio de 65, fomos atacados tendo aí sido ferido (mais seis companheiros) mas, felizmente ninguém morreu. Os meus ferimentos foram motivados pelo rebentamento de uma granada de morteiro, que me encheu o corpo de pequenos estilhaços, mas depois de um mês no hospital em Bissau, fiquei OK" (...).
(2) Vd. posts recentes do José Martins:
18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)
15 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)
(3) Vd. blogue Fado de Coimbra e... > Luiz Goes
(...) "Luiz Fernando de Sousa Pires de Goes nasceu em Coimbra, em 1933 e licenciou-se em Medicina, em Outubro de 1958.
"Sobrinho de Armando Goes (que foi contemporâneo de Edmundo de Bettencourt, António Menano, Lucas Junot, José Paradela de Oliveira, Almeida D’Eça e Artur Paredes), Luiz Goes cedo se iniciou nas cantorias do fado por influência de seu tio.
(...) "Terminado o curso de Medicina em 1958, Luiz Goes fixou-se em Lisboa como médico estomatologista. De 1963 a 1965 o cantor prestou serviço militar na Guiné, na guerra colonial, como alferes-médico. Mas depois, continuou a sua carreira artística, como aliás se demonstra pela quantidade de discos que gravou a partir dessa altura.
"Nesta segunda fase, Luiz Goes foi acompanhado, à guitarra, por Carlos Paredes (que com ele participou na gravação de discos, embora sob pseudónimo), por João Bagão, António Andias, Aires de Aguiar e esporadicamente, por Jorge Tuna e Octávio Sérgio; à viola, por Fernando Alvim, João Gomes, António Toscano, Fernando Neto, e Durval Moreirinhas.
"Para além de excelente intérprete, Luiz Goes é também autor da música e da letra de muitos fados e baladas de Coimbra (25 e 18 respectivamente)" (...).
(4) Julgo tratar-se do mesmo episódio já aqui evocado pelo Virgínio Briote (que comandou o Grupo de Comandos Diabólicos):
Vd. post de Virgínio Briote, de 13 de Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXV: Brá, SPM 0418 (3): memórias de um comando (Virgínio Briote).
Extracto:
"Novembro de 64, dia 28. Na estrada de Madina do Boé para Contabane, a uma escassa centena de metros do pontão sobre o rio Gobige, os Fantasmas detectaram uma mina anti-carro. Levantaram a mina e simularam o rebentamento. Ficaram emboscados nas proximidades cerca de 2 horas. Viram um grupo IN aproximar-se e afastar-se logo que deram pela presença de mulheres na estrada. Uma hora depois viram um elemento IN a fugir. Afinal, estavam em igualdade de circunstância, todos sabiam da presença uns dos outros.
"No dia seguinte voltou com o grupo ao local. Meteu-se com alguns soldados no Unimog mais pequeno à frente, e encaixou dezasseis militares no Unimog maior atrás. A 1ª viatura passou, a outra, uma dezena de metros atrás, não. Pisou uma mina. Ao mesmo tempo que em cima deles caía uma chuva de balas de armas automáticas, o Unimog incendiou-se e as munições explodiram como foguetes num arraial minhoto. Quase todos os homens foram projectados a arder. 7 mortos logo ali e três feridos graves. Tinham partido 22 de Bissau, regressaram doze. Com o grupo dizimado, poucos dias depois arrancou com os restantes para uma operação".
Guiné 63/74 - P1383: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (8): CART 2732, Mansabá, 1971 (Carlos Vinhal)
Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 ( 1970/72) > Almoço de Natal de 1971. "Na foto reconheço, com a mão no ar o cabo cripto Miralles, à esquerda deste o Fur Pires (transmontano dos quatro costados) e, por último, mas não menos importante, EU. De costas, mas virado para a objectiva o cabo cripto Mário (Romana) Soares" (CV).
por Carlos Vinhal
O Natal de 1971 foi diferente (1). Já estava connosco parte da Companhia açoriana (CCAÇ 2753) que nos iria render em Mansabá, o que significava que este seria o segundo e último Natal passado longe da família. Além disso o dia 17 de Janeiro aproximava-se a passos largos e com ele o fim (teórico) da nossa comissão de serviço na Guiné.
Quando se está longe há tanto tempo, já não se consegue disfarçar a ansiedade de chegar são e salvo ao fim da Comissão. Pensa-se que no próximo ano a consoada já será no aconchego da nossa família. A necessidade de afecto do ser humano é muito forte e a camaradagem e a amizade alicerçadas ao longo de quase dois anos de convívio, de partilha de privações e perigos, criou um elo muito forte que ajudava a passar aqueles momentos de ansiedade.
O mês de Dezembro de 1971 tinha sido particularmente trágico para a nossa Companhia, porque só naquele mês tivemos 2 mortos e 23 feridos em combate. Todos os feridos tiveram que ser evacuados para o Hospital Militar de Bissau. Alguns, inacreditavelmente, tinham sido feridos pela segunda vez. Voltaram mais tarde a Mansabá, e com a mesma coragem e valentia enfrentaram os perigos do dia a dia até à hora de embarque para regressarem à pacatez das suas aldeias madeirenses.
À parte isto, o convívio foi alegre tanto quanto possível, pois tínhamos menos cinco camaradas entre nós.
O alferes Couto, os soldados Vieira, Barbosa, Sivestre e Malcata estarão sempre connosco, em todos os Natais da nossa vida, jamais os esqueceremos.
Carlos Esteves Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732
Mansabá 1970/72
Leça da Palmeira
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1379: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (4): Mansabá, 1970 (Carlos Vinhal, CART 2732)
terça-feira, 19 de dezembro de 2006
Guiné 63/74 - P1382: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (7): No longínquo ano de 1968 em Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis)
Guiné > Gandembel > Ponte Balana > Novembro de 1968 > Passagem de uma coluna logística de Aldeia Formosa para Gandembel. A CCAÇ 2317, a que pertencia o Alf Mil Idálio Reis, e que estava aquartelada em Gandembel, tinha um grupo de combate a defender a Ponte Balana (de Abril de 1968 a Março de 1969). Estas duas posições foram abandonadas pelas NT. A "Gambendel das morteiradas" era uma canção de caserna muito em voga quando cheguei à Guiné (LG).
Foto: © José manuel Samouco (2006). Direitos reservados.
Texto do Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1):
Meus caros Luís e restantes Tertulianos
Nestes últimos tempos, não tenho dado notícias. E agora, neste período de graça, solidariedade e de paz, convém explicar este meu mutismo: prometi escrever uma estória, quanto a essa odisseia que foi Gandembel/Ponte Balana.
Não se tem tornado fácil para quem se confrontou com 4 folhas escritas, que estão no Arquivo Militar, e mesmo essas com alguns lapsos. Todavia, no início do próximo ano, começarei a narrar a minha visão, como resulltado de uma permanência pessoal sem hiatos, com a fidegnidade que a minha Companhia merece. E também há-de aparecer algo sobre o dia de Natal.
Desejando a todos, às minhas almas contemporâneas e generosas, que vêm trazendo os seus posts em engrandecimento do teu blogue, um Natal Feliz e um novo Ano com muita saúde e felicidades, a compartilhar irmãmente com os seus mais íntimos
E hoje, relembro esse Natal de 1968, através de um poema de José Valle de Figueiredo, que em Dezembro de 2003, então escreveu o que só os grandes poetas sabem tão bem fazer.
E para ele, que não sei como tomou conhecimento do dia de Natal em Gandembel, os meus agradecimentos.
Eis então:
GANDEMBEL, NATAL 68
Esta linguagem amara
do silêncio mordendo
o coração; o voo leve
da noite, e a navalha
da saudade cortando
a memória - como se
o parco murmúrio
do capim viesse comer
a atenção das armas;
ou como se o tempo
parado no abrigo,
por todos os lados
repartisse a lembrança
de nós próprios.
Mordemos o coração,
e vem o mover leve do silêncio
que nos vai colhendo;
murmuramos o SEU nome.
José Valle de Figueiredo (2)
Fonte: O Corpo da Pátria - Antologia Poética da Guerra do Ultramar
E que o menino do Natal, me ajude neste meu propósito.
Um cordial abraço a dividir por todos.
Idálio Reis.
____________
(1) Vd. posts do Idálio Reis:
19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)
18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69)
12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P866: De Cansissé e a Fonte dos Fulas ao Baixo Mondego ou como o mundo é pequeno (Idálio Reis)
12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P953: Cansissé, terra de encantos mil (Parte I) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)
12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P954: Cansissé, terra de mil encantos (Parte II) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)
2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1016: Cansissé, terra de mil encantos (Parte III) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)
(2) José Valle de Figueiredo nasceu em Tondela, em 1942. É um dos intelectuais de referência da direita nacionalista portuguesa. Poeta e crítico literário, foi director do jornal Combate e da revista Commedia. Foi um dos fundadores, em 1980, do movimento Ordem Nova. Em jovem escreveu o célebre Requiem por Jan Pallach, poema que evoca a memória do jovem estudante de filosofia que se imolou pelo fogo na cidade de Praga, em protesto pela invasão soviética.
Foto: © José manuel Samouco (2006). Direitos reservados.
Texto do Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1):
Meus caros Luís e restantes Tertulianos
Nestes últimos tempos, não tenho dado notícias. E agora, neste período de graça, solidariedade e de paz, convém explicar este meu mutismo: prometi escrever uma estória, quanto a essa odisseia que foi Gandembel/Ponte Balana.
Não se tem tornado fácil para quem se confrontou com 4 folhas escritas, que estão no Arquivo Militar, e mesmo essas com alguns lapsos. Todavia, no início do próximo ano, começarei a narrar a minha visão, como resulltado de uma permanência pessoal sem hiatos, com a fidegnidade que a minha Companhia merece. E também há-de aparecer algo sobre o dia de Natal.
Desejando a todos, às minhas almas contemporâneas e generosas, que vêm trazendo os seus posts em engrandecimento do teu blogue, um Natal Feliz e um novo Ano com muita saúde e felicidades, a compartilhar irmãmente com os seus mais íntimos
E hoje, relembro esse Natal de 1968, através de um poema de José Valle de Figueiredo, que em Dezembro de 2003, então escreveu o que só os grandes poetas sabem tão bem fazer.
E para ele, que não sei como tomou conhecimento do dia de Natal em Gandembel, os meus agradecimentos.
Eis então:
GANDEMBEL, NATAL 68
Esta linguagem amara
do silêncio mordendo
o coração; o voo leve
da noite, e a navalha
da saudade cortando
a memória - como se
o parco murmúrio
do capim viesse comer
a atenção das armas;
ou como se o tempo
parado no abrigo,
por todos os lados
repartisse a lembrança
de nós próprios.
Mordemos o coração,
e vem o mover leve do silêncio
que nos vai colhendo;
murmuramos o SEU nome.
José Valle de Figueiredo (2)
Fonte: O Corpo da Pátria - Antologia Poética da Guerra do Ultramar
E que o menino do Natal, me ajude neste meu propósito.
Um cordial abraço a dividir por todos.
Idálio Reis.
____________
(1) Vd. posts do Idálio Reis:
19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)
18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69)
12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P866: De Cansissé e a Fonte dos Fulas ao Baixo Mondego ou como o mundo é pequeno (Idálio Reis)
12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P953: Cansissé, terra de encantos mil (Parte I) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)
12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P954: Cansissé, terra de mil encantos (Parte II) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)
2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1016: Cansissé, terra de mil encantos (Parte III) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)
(2) José Valle de Figueiredo nasceu em Tondela, em 1942. É um dos intelectuais de referência da direita nacionalista portuguesa. Poeta e crítico literário, foi director do jornal Combate e da revista Commedia. Foi um dos fundadores, em 1980, do movimento Ordem Nova. Em jovem escreveu o célebre Requiem por Jan Pallach, poema que evoca a memória do jovem estudante de filosofia que se imolou pelo fogo na cidade de Praga, em protesto pela invasão soviética.
Guiné 63/74 - P1381: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu regresso (6): comandos de Brá em 1965, crime e castigo (João S. Parreira)
Guiné > Brá > Insígnias dos grupos de comandos constituídos em Brá (1963/66).
Fotos: © Virgínio Briote (2006). Direitos reservados. (Reproduzido do blogue Tantas Vidas, com a devida vénia...).
Mensagem do João S. Parreira, ex-furriel miliciano comando (Brá, 1964/65)
Natal/Ano Novo dos 4 Grupos Comandos em Brá - 1965
por João Parreira
Na véspera de Natal daquele ano o Comandante do Batalhão que se encontrava aquartelado em Brá, decidiu dar uma festa, mas apenas para os militares do seu Batalhão.
Assim, para a festa de Natal foi colocado na estrada alcatroada que virava para a direita do interior do aquartelamento um estrado de madeira (palco) rodeado por um palanque.
Com a festa a decorrer naquele fim da tarde, pois o barulho ouvia-se no meu quarto, saí com intenção de pedir boleia a algum jipe que nessa altura saísse para Bissau, pelo que tive necessariamente que passar por detrás do palanque. ´
De passagem parei por detrás dos convidados e ainda ouvi o final de uma anedota contada pelo militar que naquela altura estava em cena.
Logo a seguir fizeram um intervalo e muitos dos assistentes sairam dos seus lugares e foram dar uma volta. Nesta altura um soldado de um dos grupos de comandos que ia a passar, vendo que o estrado estava vazio, decidiu subir e começou a cantarolar.
De imediato o Comandante do Batalhão mandou prendê-lo. Presenciei a cena e fiquei revoltado e indignado. Ouviram-se depois muitas vozes em uníssimo gritar:
- É Natal, soltem o rapaz...soltem o rapaz...soltem o rapaz!
Mas o rapaz não foi solto. Não muito tempo depois, no local da festa, explodiu uma granada ofensiva, que provocou uma cratera no asfalto e fez com que várias lascas de madeira saltassem em várias direcções, ferindo ligeiramente alguns dos presentes.
O rebentamento da granada coincidiu com a entrada em Brá de uma viatura transportando o Comandante-Chefe, General Arnaldo Schultz, que por sinal se cruzou à saída com um jipe que me estava a dar boleia, e que a meu pedido me deixou ficar na estrada, perto da morança da Alda Mendonça, filha do Régulo de Bula. No dia seguinte vim a saber que alguém comentou que tinha sido algum comando, e que o General tinha dado ordem para não permitir a saída de nenhum comando, e mandar recolher os que se encontrassem em Bissau.
Foi mandado realizar um inquérito para averiguar responsabilidades, e subsequentes punições. Se as mesmas não dessem resultado, os 4 grupos seriam enviados para vários aquartelamentos no interior do país, por um período de 3 semanas.
Como o resultado foi infrutífero, o meu Grupo - que já não eram os Fantasmas, mas os Apaches, liderados pelo Mário Dias - foi reforçar o quartel de Bigene, onde a passagem de Ano foi passada em abrigos pois estava-se à espera de um ataque. Os Vampiros foram para Guileje. Os Diabólicos já não sei para onde, tal como os Centuriões (2)...
Com um abraço.
João Parreira
PS - O João acaba de mandar Vê se consegues corrigir ou fazer um P.S. pois no Natal 1965, Naquela altura o meu Grupo era os Apaches ,liderado pelo Mário Dias.
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros (Luís Graça / Virgínio Briote / Mário Dias / João Parreira)
(...) "É um privilégio reunir nesta tertúlia três veteranos da guerra da Guiné. E mais do que isso, três mosqueteiros dos velhos comandos dos primeiros anos de guerra (1963/66). Estou referir-ne, por ordem cronológica de chegada a esta tertúlia, aos milicianos Virgínio Briote (alferes), Mário Dias (2º sargento) e, agora, João Parreira (furriel). Este é o mais recente membro da nossa tertúlia. Pedi aos dois primeiros para o apresentarem. Aqui ficam as palavras destes três sábios guerreiros que, contrariamente a muitos de nós, foram voluntários e conheceram a Guiné, de lés a lés. O Mário, inclusive, participou na mítica batalha da Ilha do Como (1964).
(...) "Mensagem do Virgínio Briote:
(...) "E agora pede para entrar o João Parreira, uma das lendas vivas dos velhos comandos de Brá. Andou pela Guiné toda, viu camaradas a morrer mesmo ao lado dele, foi evacuado no mesmo heli que transportou para Bissau o corpo do Furriel Morais. E tanta coisa que o João pode contar, se quiser!
"Luís, parabéns pela obra que estás a erguer. Ninguém ainda a tinha feito desta forma, sem recriminações, sem bons e maus. Apenas combatentes, de um lado e doutro. Com mais ou menos vontade, uns e outros cumpriram a missão de que os encarregaram" (...).
(2) Segundo informação do João, no Natal de 1965, já não existiam os Grupos Fantasmas, Panteras e Camaleões.
Guiné 63/74 - P1380: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (5): Poema: Missirá, 1970 (Jorge Cabral)
Mensagem do Jorge Cabral , ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71.
Foto e texto: © Jorge Cabral (2006). Direitos reservados
Amigão!
Festas felizes para Ti e Tua Família e também para todos os Ex-Combatentes!
Passei dois Natais na Guiné, Fá – 1969 e Missirá – 1970. Neste último faltaram as batatas e, apesar dos copos, deu-nos para a Tristeza, motivando o poema que remeto.
Grande, grande Abraço
Jorge
MISSIRÁ, 1970, NATAL
Que faltou à nossa Consoada?
Quase tudo! O bacalhau acompanhou
Arroz. De doces nada,
Só de beber sobrou.
Reunidos à mesa
Comemos filhoses inventadas,
E provámos as rabanadas
Da Tristeza.
Depois, abraçados chorámos
De saudade.
Sim, em Missirá, celebrámos
Um Natal, que foi Fraternidade.
Jorge Cabral
Festas felizes para Ti e Tua Família e também para todos os Ex-Combatentes!
Passei dois Natais na Guiné, Fá – 1969 e Missirá – 1970. Neste último faltaram as batatas e, apesar dos copos, deu-nos para a Tristeza, motivando o poema que remeto.
Grande, grande Abraço
Jorge
MISSIRÁ, 1970, NATAL
Que faltou à nossa Consoada?
Quase tudo! O bacalhau acompanhou
Arroz. De doces nada,
Só de beber sobrou.
Reunidos à mesa
Comemos filhoses inventadas,
E provámos as rabanadas
Da Tristeza.
Depois, abraçados chorámos
De saudade.
Sim, em Missirá, celebrámos
Um Natal, que foi Fraternidade.
Jorge Cabral
Guiné 63/74 - P1379: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (4): Mansabá, 1970 (Carlos Vinhal, CART 2732)
Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 ( 1970/72) > Almoço de Natal de 1970. "Na mesa em primeiro plano e virados para a objectiva, a partir da esquerda, um furriel que eu não identifico, o Fur Fonseca (de Baleizão), outro militar que não identifico e finalmente EU" (CV).
Texto e foto: © Carlos Vinhal (2006). Direitos reservados.
O Natal de 1970 da CART 2732
Quando se está longe da família, há datas que são lembradas e vividas de modo diferente. As festas da nossa terra, os nossos aniversários e os dos familiares, e os feriados santificados. Como não podia deixar de ser, o Natal é de todos o mais especial pela sua conotação à família. Para quem como eu estava habituado a um Natal num núcleo familiar muito pequeno, este tinha para mim muita expectativa. Que enorme família eu ia ter este ano!
Por sorte, no dia 24 de Dezembro [de 1970] , estava de Sargento de Ronda, pelo que tinha o dia todo por minha conta dentro do aquartelamento e só entraria de serviço à meia-noite. Resolvemos, alguns, ir almoçar a casa do senhor José Leal. A ementa constou de camarão regado com boa cerveja geladinha. Despachados os camarões, encostadas à parede, por trás de nós, já perfilavam umas quantas garrafas vazias. Seguidamente veio veio o prato principal que como era mais corrente se tratava de bom frango pica no chão. Mais umas garrafas de Verde Branco para o regar, boa sobremesa, café e cigarrito para terminar.
Texto e foto: © Carlos Vinhal (2006). Direitos reservados.
O Natal de 1970 da CART 2732
por Carlos Vinhal
Quando se está longe da família, há datas que são lembradas e vividas de modo diferente. As festas da nossa terra, os nossos aniversários e os dos familiares, e os feriados santificados. Como não podia deixar de ser, o Natal é de todos o mais especial pela sua conotação à família. Para quem como eu estava habituado a um Natal num núcleo familiar muito pequeno, este tinha para mim muita expectativa. Que enorme família eu ia ter este ano!
Por sorte, no dia 24 de Dezembro [de 1970] , estava de Sargento de Ronda, pelo que tinha o dia todo por minha conta dentro do aquartelamento e só entraria de serviço à meia-noite. Resolvemos, alguns, ir almoçar a casa do senhor José Leal. A ementa constou de camarão regado com boa cerveja geladinha. Despachados os camarões, encostadas à parede, por trás de nós, já perfilavam umas quantas garrafas vazias. Seguidamente veio veio o prato principal que como era mais corrente se tratava de bom frango pica no chão. Mais umas garrafas de Verde Branco para o regar, boa sobremesa, café e cigarrito para terminar.
Conversa puxa conversa e o Nunes diz que recebeu uns discos novos, dos quais se podiam fazer umas gravações em cassete. Plano traçado, toca a levantar da mesa com destino ao estúdio de gravação, melhor dizendo ao quarto dele.
Só então, de pé, verifiquei que algo não estava bem, porque o chão oscilava e as paredes não estavam na vertical. Eu não conseguia compensar estas oscilações. A deslocação até ao quarto do Nunes fez-se com algum custo e muito cuidado para disfarçar a falta de equilíbrio, tentando ao mesmo tempo acertar com a porta de armas, sabe-se lá porquê, hoje mais estreita do que o costume. Lá se fizeram as gravações de entre as quais não esqueço a Pedra Filosofal, de autoria de António Gedeão e cantada pelo Manuel Freire.
Mal pude fui para a cama a fim de curar a má disposição.
Por volta das 17 horas acordei, levantei-me devagarinho para avaliar a situação e acordei o Dias que ainda dormia na cama ao lado. Houve uma pequena discussão porque alguém havia vomitado junto da cama dele, mas foi pacífico apurar o culpado.
Depois de um bom banho, estava como novo.
Fui dar uma volta pelos Abrigos situados à volta do aquartelamento, para ao mesmo tempo que me inteirava do serviço, aproveitava para desejar uma boa Ceia de Natal aos nosso rapazes. Como Natal é Natal, em cada Posto eu era obsequiado com um cálice, melhor dizendo com um copo, de licor daquele que só os madeirenses sabem fazer e que os meus companheiros de luta tinham recebido pelo correio dias antes, mandados pelos seus familiares.
Acabada a volta pelos abrigos, a luz do sol já incomodava um pouco, vá-se lá saber porquê.
As horas foram passando lentamente e havia que jantar cedo pois nestes dias nunca se sabia se o PAIGC respeitava a data com a mesma religiosidade que nós.
O jantar, como não podia deixar de ser, era bacalhau, batatas e hortaliça. Claro que tinha de ser bem regado, senão até podia cair mal. Uma garrafita de Casal Garcia foi mesmo a matar, lá isso foi. Não arranjei sócio para me ajudar a bebê-la pelo que não tive outro remédio senão aguentar. Nem pinga sobrou.
Quando me levantei da mesa para ir ao balcão tomar o café da ordem, a reacção foi menos má do que a do almoço, já estava a ficar mestre na arte do copos.
Às tantas organizou-se um grupo de boas-festas e lá fomos dar a volta ao aquartelamento, indo de abrigo em abrigo saudar os nossos militares que estavam de serviço. Uns quantos licores ali, outros acolá e os buracos da estrada dificultavam o andar mais do era costume. No escuro da noite ecoavam cânticos (?) de Natal. Bonito de se ouvir.
Chegada a meia-noite era a hora de eu começar as rondas, como se tal fosse necessário nesta noite. Como estávamos todos mais ou menos alegrotes, começaram os meus problemas pois todos os meus camaradas resolveram fazer-me companhia mesmo contra minha vontade. Imagine-se um Unimog dos pequenos, carregado de gente empoleirada de toda a maneira e feitio, terreno irregular e eu à espera que um deles se estatelasse no chão e se magoasse. Pelas três da madrugada, finalmente esgotados, lá se foram deitar e eu fiquei muito mais descansado.
As 6 horas chegaram e eu pude ir descansar também.
Já ia alta a manhã do dia 25 quando acordei. Toca a levantar, tomar duche, vestir farda lavada e caminhar para o refeitório dos praças. Para o convívio ser completo o almoço foi com toda toda a gente à mesma mesa. Não faltou nada neste dia, até houve whisky à descrição para todos. Da ementa já não me recordo, mas retive a alegria verdadeiramente compartilhada e a saudade da família disfarçada com alguns risos e muito álcool.
Só então, de pé, verifiquei que algo não estava bem, porque o chão oscilava e as paredes não estavam na vertical. Eu não conseguia compensar estas oscilações. A deslocação até ao quarto do Nunes fez-se com algum custo e muito cuidado para disfarçar a falta de equilíbrio, tentando ao mesmo tempo acertar com a porta de armas, sabe-se lá porquê, hoje mais estreita do que o costume. Lá se fizeram as gravações de entre as quais não esqueço a Pedra Filosofal, de autoria de António Gedeão e cantada pelo Manuel Freire.
Mal pude fui para a cama a fim de curar a má disposição.
Por volta das 17 horas acordei, levantei-me devagarinho para avaliar a situação e acordei o Dias que ainda dormia na cama ao lado. Houve uma pequena discussão porque alguém havia vomitado junto da cama dele, mas foi pacífico apurar o culpado.
Depois de um bom banho, estava como novo.
Fui dar uma volta pelos Abrigos situados à volta do aquartelamento, para ao mesmo tempo que me inteirava do serviço, aproveitava para desejar uma boa Ceia de Natal aos nosso rapazes. Como Natal é Natal, em cada Posto eu era obsequiado com um cálice, melhor dizendo com um copo, de licor daquele que só os madeirenses sabem fazer e que os meus companheiros de luta tinham recebido pelo correio dias antes, mandados pelos seus familiares.
Acabada a volta pelos abrigos, a luz do sol já incomodava um pouco, vá-se lá saber porquê.
As horas foram passando lentamente e havia que jantar cedo pois nestes dias nunca se sabia se o PAIGC respeitava a data com a mesma religiosidade que nós.
O jantar, como não podia deixar de ser, era bacalhau, batatas e hortaliça. Claro que tinha de ser bem regado, senão até podia cair mal. Uma garrafita de Casal Garcia foi mesmo a matar, lá isso foi. Não arranjei sócio para me ajudar a bebê-la pelo que não tive outro remédio senão aguentar. Nem pinga sobrou.
Quando me levantei da mesa para ir ao balcão tomar o café da ordem, a reacção foi menos má do que a do almoço, já estava a ficar mestre na arte do copos.
Às tantas organizou-se um grupo de boas-festas e lá fomos dar a volta ao aquartelamento, indo de abrigo em abrigo saudar os nossos militares que estavam de serviço. Uns quantos licores ali, outros acolá e os buracos da estrada dificultavam o andar mais do era costume. No escuro da noite ecoavam cânticos (?) de Natal. Bonito de se ouvir.
Chegada a meia-noite era a hora de eu começar as rondas, como se tal fosse necessário nesta noite. Como estávamos todos mais ou menos alegrotes, começaram os meus problemas pois todos os meus camaradas resolveram fazer-me companhia mesmo contra minha vontade. Imagine-se um Unimog dos pequenos, carregado de gente empoleirada de toda a maneira e feitio, terreno irregular e eu à espera que um deles se estatelasse no chão e se magoasse. Pelas três da madrugada, finalmente esgotados, lá se foram deitar e eu fiquei muito mais descansado.
As 6 horas chegaram e eu pude ir descansar também.
Já ia alta a manhã do dia 25 quando acordei. Toca a levantar, tomar duche, vestir farda lavada e caminhar para o refeitório dos praças. Para o convívio ser completo o almoço foi com toda toda a gente à mesma mesa. Não faltou nada neste dia, até houve whisky à descrição para todos. Da ementa já não me recordo, mas retive a alegria verdadeiramente compartilhada e a saudade da família disfarçada com alguns risos e muito álcool.
segunda-feira, 18 de dezembro de 2006
Guiné 63/74 - P1378: Tabanca Grande: António de Figueiredo Pinto, ex-Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli
Legenda das Fotos > 1ª do lado esquerdo > Algures, perto de Pirada, zona leste; 2ª do lado direito > Travessia do Rio Corubal em direcção a Madina do Boé; 3ª do meio, lado esquerdo e as duas de baixo > como ficaram algumas das viaturas em Beli, quando fui atacado e onde fui ferido; 4ª do meio do lado direito > Algures em Nova Lamego.
1. Mensagem do António de Figueirdo Pinto:
Amigo Luís Graça,
Pertenci ao Batalhão de Caçadores 506, como alferes miliciano.
Fiquei satisfeito por saber que as mensagens e as fotos foram bem recebidas. De facto, o meu e-mail está em nome da minha mulher [Maria Amália]. Julgo que não há inconveniente.
Alguns dados sobre a minha estadia na Guiné:
(i) Embarquei em Novembro de 1963, em rendição individual. Fui substituir um colega que se pirou para o Senegal.
(ii) Estive algum tempo em Nova Lamego, tendo sido, em seguida destacado para Pirada onde reconstrui o aquartelamento.
(iii) Estive algum tempo em Geba, zona na altura um bocado perigosa, mas sem problemas.
(iv) Vim de férias em Outubro de 1964, conhecer o meu primeiro filho, com 3 meses de idade.
(v) No regresso, fui destacado para Madina do Boé, tendo sido o primeiro pelotão a chegar lá onde montei o primeiro aquartelamento.
(vi) Depois fui para Beli, onde ao fim de algum tempo, e depois também de ter sido o primeiro pelotão a lá chegar e ter montado o destacamento, em Maio de 65, fomos atacados tendo aí sido ferido (mais seis companheiros) mas, felizmente ninguém morreu. Os meus ferimentos foram motivados pelo rebentamento de uma granada de morteiro, que me encheu o corpo de pequenos estilhaços, mas depois de um mês no hospital em Bissau, fiquei OK.
(vii) Depois de sair do hospital, mandaram-me para Bolama, dar instrução onde terminei a comissão.
Quis sintetizar, mas acho que já escrevi demais, desculpa...Concerteza que podes dar este e-mail para eventuais contactos, explicando todavia que está em nome da minha mulher.
Legendas das Fotos: De cima para baixo, da esquerda para a direita
(i) Dezembro de 1963: Com o Cap Maltez Soares, comandante da CCAÇ 3, de Nova Lamego. Fotografia tirada em Sonaco.
(ii) O Navio Mercante Manuel Alfredo que me levou para a Guiné.
(iii) 1 de Janeiro de 1964: Festa de Ano Nivo no quartel de Nova Lamego.
(iv) Janeiro de 1964: visita do Governador-Geral a Nova Lamego, brigadeiro Louro de Sousa.
(v) Janeiro de 1964: igreja de Nova Lamego.
(vi) Janeiro de 1964: sede da companhia.
Gostaria de saber de camaradas da altura em que lá estive.
Embora tenha trabalhado sempre no Porto, vivo agora perto de Monção, deixo aqui o meu endereço:
Um abraço,
Pinto
1. Mensagem do António de Figueirdo Pinto:
Amigo Luís Graça,
Pertenci ao Batalhão de Caçadores 506, como alferes miliciano.
Fiquei satisfeito por saber que as mensagens e as fotos foram bem recebidas. De facto, o meu e-mail está em nome da minha mulher [Maria Amália]. Julgo que não há inconveniente.
Alguns dados sobre a minha estadia na Guiné:
(i) Embarquei em Novembro de 1963, em rendição individual. Fui substituir um colega que se pirou para o Senegal.
(ii) Estive algum tempo em Nova Lamego, tendo sido, em seguida destacado para Pirada onde reconstrui o aquartelamento.
(iii) Estive algum tempo em Geba, zona na altura um bocado perigosa, mas sem problemas.
(iv) Vim de férias em Outubro de 1964, conhecer o meu primeiro filho, com 3 meses de idade.
(v) No regresso, fui destacado para Madina do Boé, tendo sido o primeiro pelotão a chegar lá onde montei o primeiro aquartelamento.
(vi) Depois fui para Beli, onde ao fim de algum tempo, e depois também de ter sido o primeiro pelotão a lá chegar e ter montado o destacamento, em Maio de 65, fomos atacados tendo aí sido ferido (mais seis companheiros) mas, felizmente ninguém morreu. Os meus ferimentos foram motivados pelo rebentamento de uma granada de morteiro, que me encheu o corpo de pequenos estilhaços, mas depois de um mês no hospital em Bissau, fiquei OK.
(vii) Depois de sair do hospital, mandaram-me para Bolama, dar instrução onde terminei a comissão.
Quis sintetizar, mas acho que já escrevi demais, desculpa...Concerteza que podes dar este e-mail para eventuais contactos, explicando todavia que está em nome da minha mulher.
Legendas das Fotos: De cima para baixo, da esquerda para a direita
(i) Dezembro de 1963: Com o Cap Maltez Soares, comandante da CCAÇ 3, de Nova Lamego. Fotografia tirada em Sonaco.
(ii) O Navio Mercante Manuel Alfredo que me levou para a Guiné.
(iii) 1 de Janeiro de 1964: Festa de Ano Nivo no quartel de Nova Lamego.
(iv) Janeiro de 1964: visita do Governador-Geral a Nova Lamego, brigadeiro Louro de Sousa.
(v) Janeiro de 1964: igreja de Nova Lamego.
(vi) Janeiro de 1964: sede da companhia.
Gostaria de saber de camaradas da altura em que lá estive.
Embora tenha trabalhado sempre no Porto, vivo agora perto de Monção, deixo aqui o meu endereço:
Um abraço,
Pinto
Guiné 63/74 - P1377: Tabanca Grande: Gabriel Gonçalves, ex-1.º Cabo Operador Cripto da CCAÇ 2590/CCAÇ 12
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1971 > O memorial da CCAÇ 2590 (CCAÇ 12 ) erguido na parada do quartel de Bambadinca, no final da comissão dos quadros e especialistas da CCAÇ 2590 (Maio de 1969/Março de 1971) que deram origem à CCAÇ 12, constituída por praças do recrutamento local (1). As praças africanas, que fizeram a sua recruta e instrução de especialidade em Contuboel, foram aumentadas ao efectivo da CCAÇ 2590 em 20 de Junho de 1969, tendo sido transferidas da CART 2479 (a que pertenceu originalmente o meu querido amigo, Fur Mil Renato Monteiro, o homem da piroga) (2)... Havia um outro 1º cabo operador cripto, de nome José António Damas Murta... (LG)
O Gabriel da Silva Gonçalves em 1969... Foi mobilizado para a Guiné, com o a CCAÇ 2590, como 1º cabo operador cripto, nº mecanográfico nº 19929868, ... Em abono da verdade, devo confessar que não lhe consegui arrancar nenhum segredo de Estado... Espero poder faze-lo agora, quase quarenta anos depois... O Gabriel acaba de entrar para esta tertúlia dos magníficos... amigos & camaradas da Guiné (LG).
O Gabriel Gonçalves, hoje...
Fotos: © Gabriel Gonçalves (2006). Direitos reservados
1. Mensagem que enviei ao Gabriel Gonçalves, ex-1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, com data de 19 de Novembro passado:
Gabriel:
(i) É uma felicidade (re)encontrar-te!!! Creio que sempre te tratámos por São Gabriel, ou Arcanjo Gabriel, ou GG... Confirmas ?
(ii) Soube do teu e-mail através do intendente Fernando Franco que é amigo de um teu amigo...
(iii) Eu sou o Henriques (Luis Manuel da Graça Henriques), o Furriel Henriques... embora em termos profissionais seja apenas conhecido por Luís Graça...
(iv) Presumo que já tenhas ido dar uma vista de olhos ao nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné)... Há muitas coisas (recordações...) da nossa CCAÇ 2590/CCAÇ12, de Contuboel, de Bambadinca, de Bafatá, e por aí fora... <
(v) Infelizmente acabei por não poder ir ao nosso convívio, em Fafe, na casa do Fernando Sousa, ex-1º cabo enfermeiro da nossa CCAÇ 12... Estou em contacto telefónico com ele, mandou-me fotos do encontro e um texto que vou inserir no blogue... Está reformado há quatro anos da indústria têxtil... Infelizmente não tem e-mail...
(vi) Temos uma tertúlia donde já constam os nomes de alguns dos nossos velhos camaradas da CCAÇ 2590/CCAÇ 12:
Abel Rodrigues (Alf)
António Levezinho (Fur)
Humberto Reis (Fur)
Joaquim Fernandes (Fur)
José Luís Sousa (Fur),
além de mim próprio, claro...
(vii) Espero dentro em breve trazer para a nossa tertúlia o nosso Pastilhas, o Furriel Enfermeiro João Carreiro Martins (3), além do 1º Cabo Enf Fernando Andrade de Sousa... Vê lá se reconheces mais alguns dos nossos heróis (4)...
(viii) Depois há bastante malta do nosso tempo de Bambadinca (BCAÇ 2852, BART 2917), desde o Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63, 1969/71) ao J.L. Vacas de Carvalho (Pel Rec Daimler 2206, 1969/71)... Há muita malta de transmissões, o que é engraçado... Já somos mais de cento e tal, quase uma companhia...
(ix) O Reis é meu vizinho, em Alfragide; o Tony Levezinho também o era, mas agora vive no Algarve; o Fernandes continua no Barreiro mas é preguiçoso para escrever; o Abel está reformado da banca e está lá para trás do Marão... O Sousa continua na Ilha da Madeira...
(x) Agora tens os meus contactos... Faz favor de: (a) dar notícias, (b) contar uma estória (deves ter ainda alguns 'segredos de Estado' para contar...) e (c) mandar duas fotos (tuas), uma de ontem e outra de hoje... (São as regras da nossa tertúlia...).
2. Reposta do Gabriel
19 de Novembro de 2006:
Henriques:
Fiquei manga de contente por te reencontrar e saber que a malta está toda porreira. Já estou a reunir material para enviar.
Um abraço
3. Entretanto, ele já me mandou algumas fotos, com a seguinte nota:
"Pois é, Henriques, tenho ido várias vezes visitar o blogue e as recordações algumas já quase apagadas regressaram: umas boas, outras más, mas é bom sinal.
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 21 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia) (Luís Graça)
(2) Vd. posts relacionados com a CART 2479 e o meu amigo Renato Monteiro, com quem privei, durante um mês e meio, em Contuboel (Junho/Julho de 1969):
23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P899: Diga se me ouve, escuto! (Renato Monteiro)
23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P898: Saudades do meu amigo Renato Monteiro (CART 2479/CART 11, Contuboel, Maio/Junho de 1969)
28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
30 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1017: Estórias de Contuboel (iii): Paraíso, roncos e anjinhos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
(3) Vd. post 13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1366: A galeria dos meus heróis (6): Por este rio acima, com o Bolha d'Água, o Furriel Enfermeiro Martins (Luís Graça)
(4) Sobre a série Galeria dos meus heróis, vd posts anteriores de:
13 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXXVIII: A galeria dos meus heróis (1): o Campanhã (Luís Graça)
14 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLII: A galeria dos meus heróis (2): Iero Jau (Luís Graça)
12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá (Luís Graça)
1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1011: A galeria dos meus heróis (4): o infortunado 'turra' Malan Mané (Luís Graça)
1 de Agosto de 2006> Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo! (Luís Graça)
O Gabriel da Silva Gonçalves em 1969... Foi mobilizado para a Guiné, com o a CCAÇ 2590, como 1º cabo operador cripto, nº mecanográfico nº 19929868, ... Em abono da verdade, devo confessar que não lhe consegui arrancar nenhum segredo de Estado... Espero poder faze-lo agora, quase quarenta anos depois... O Gabriel acaba de entrar para esta tertúlia dos magníficos... amigos & camaradas da Guiné (LG).
O Gabriel Gonçalves, hoje...
Fotos: © Gabriel Gonçalves (2006). Direitos reservados
1. Mensagem que enviei ao Gabriel Gonçalves, ex-1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, com data de 19 de Novembro passado:
Gabriel:
(i) É uma felicidade (re)encontrar-te!!! Creio que sempre te tratámos por São Gabriel, ou Arcanjo Gabriel, ou GG... Confirmas ?
(ii) Soube do teu e-mail através do intendente Fernando Franco que é amigo de um teu amigo...
(iii) Eu sou o Henriques (Luis Manuel da Graça Henriques), o Furriel Henriques... embora em termos profissionais seja apenas conhecido por Luís Graça...
(iv) Presumo que já tenhas ido dar uma vista de olhos ao nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné)... Há muitas coisas (recordações...) da nossa CCAÇ 2590/CCAÇ12, de Contuboel, de Bambadinca, de Bafatá, e por aí fora... <
(v) Infelizmente acabei por não poder ir ao nosso convívio, em Fafe, na casa do Fernando Sousa, ex-1º cabo enfermeiro da nossa CCAÇ 12... Estou em contacto telefónico com ele, mandou-me fotos do encontro e um texto que vou inserir no blogue... Está reformado há quatro anos da indústria têxtil... Infelizmente não tem e-mail...
(vi) Temos uma tertúlia donde já constam os nomes de alguns dos nossos velhos camaradas da CCAÇ 2590/CCAÇ 12:
Abel Rodrigues (Alf)
António Levezinho (Fur)
Humberto Reis (Fur)
Joaquim Fernandes (Fur)
José Luís Sousa (Fur),
além de mim próprio, claro...
(vii) Espero dentro em breve trazer para a nossa tertúlia o nosso Pastilhas, o Furriel Enfermeiro João Carreiro Martins (3), além do 1º Cabo Enf Fernando Andrade de Sousa... Vê lá se reconheces mais alguns dos nossos heróis (4)...
(viii) Depois há bastante malta do nosso tempo de Bambadinca (BCAÇ 2852, BART 2917), desde o Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63, 1969/71) ao J.L. Vacas de Carvalho (Pel Rec Daimler 2206, 1969/71)... Há muita malta de transmissões, o que é engraçado... Já somos mais de cento e tal, quase uma companhia...
(ix) O Reis é meu vizinho, em Alfragide; o Tony Levezinho também o era, mas agora vive no Algarve; o Fernandes continua no Barreiro mas é preguiçoso para escrever; o Abel está reformado da banca e está lá para trás do Marão... O Sousa continua na Ilha da Madeira...
(x) Agora tens os meus contactos... Faz favor de: (a) dar notícias, (b) contar uma estória (deves ter ainda alguns 'segredos de Estado' para contar...) e (c) mandar duas fotos (tuas), uma de ontem e outra de hoje... (São as regras da nossa tertúlia...).
2. Reposta do Gabriel
19 de Novembro de 2006:
Henriques:
Fiquei manga de contente por te reencontrar e saber que a malta está toda porreira. Já estou a reunir material para enviar.
Um abraço
3. Entretanto, ele já me mandou algumas fotos, com a seguinte nota:
"Pois é, Henriques, tenho ido várias vezes visitar o blogue e as recordações algumas já quase apagadas regressaram: umas boas, outras más, mas é bom sinal.
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 21 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia) (Luís Graça)
(2) Vd. posts relacionados com a CART 2479 e o meu amigo Renato Monteiro, com quem privei, durante um mês e meio, em Contuboel (Junho/Julho de 1969):
23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P899: Diga se me ouve, escuto! (Renato Monteiro)
23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P898: Saudades do meu amigo Renato Monteiro (CART 2479/CART 11, Contuboel, Maio/Junho de 1969)
28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
30 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1017: Estórias de Contuboel (iii): Paraíso, roncos e anjinhos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
(3) Vd. post 13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1366: A galeria dos meus heróis (6): Por este rio acima, com o Bolha d'Água, o Furriel Enfermeiro Martins (Luís Graça)
(4) Sobre a série Galeria dos meus heróis, vd posts anteriores de:
13 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXXVIII: A galeria dos meus heróis (1): o Campanhã (Luís Graça)
14 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLII: A galeria dos meus heróis (2): Iero Jau (Luís Graça)
12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá (Luís Graça)
1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1011: A galeria dos meus heróis (4): o infortunado 'turra' Malan Mané (Luís Graça)
1 de Agosto de 2006> Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo! (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P1376: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (25): O presépio de Chicri
O 1º cabo Paulo Ribeiro Semedo, cabo-verdiano de origem, pertenceu ao Pel Caç Nat 52, ao tempo que se refere esta crónica, tendo sido gravemente ferido pelo rebentamento de um dilagrama, no decurso da operação aqui relatada (e que curiosamente não consta da História do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70, unidade a que estava adido o Pel Caç Nat 52, desde finais de Setembro de 1968.
Texto e foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.
Texto recebido em 24 de Novembro de 2006. Post nº 25 da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Mário Beja Santos, ex-comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1).
Caro Luís, aqui vai, com fervor e muita amizade por ti e por todos, o meu débito semanal que andei a adiar como a pior das extracções de dentes. Talvez valha a pena avisar os nossos camaradas que eu já tinha escrito, noutras circunstâncias e com outros objectivos, um continho intitulado O Presépio de Chicri, que aqui publicaste quando nos conhecemos (2).
Recordo-te que tens aí à mão a fotografia do Paulo Ribeiro Semedo, ainda não completamente cego e depois da cirurgia estética. Infelizmente, para a semana não poderei colaborar, tenho um curso de três dias em Bruxelas, não há problema pois tu tens um stock de três textos.
Seguir-se-à o meu testemunho sobre o Natal em Missirá em 1968, pungente mas muito belo e a recordar-me sempre o Natal de 67, passado nos Arrifes (Ilha de S. Miguel) com soldados marienses.
Vou aproveitar as férias do Natal para organizar toda a minha memória do que aqui se vai contar sobre 1969. Como te disse, tu tens aí um textinho sobre as minhas primeiras impressões de Bissau, quando cheguei em Julho. Se a saga de depoimentos continuar, tu farias o favor de o publicar, pois a seguir tenho uma história tremenda passada no HM241.
Informo-te que estou a ler uma obra interessantíssima A Guiné do século XVII ao século XIX de que mais tarde falarei aos nossos associados. Peço-te que não te esqueças que gostava muito de te visitar no dia 5, terça feira pelas 13horas. Antes dos Natais convencionais terei a maior satisfação em passar o nosso Natal de ex-soldados. Recebe um abraço do Mário.
O Presépio de Chicri
por Beja Santos
São duas da madrugada, estamos a formar na parada, feita a revista grito, em sinal de despedida Culatra à retaguarda!, pois aprendi com a morte do Brandão que bala na câmara é um convite ao mais estúpido dos acidentes.
Enfim, saímos, o grupo de 30 homens vai atarantado e curioso, já que ao anoitecer fretei seis carregadores para levarem uma carga suplementar de granadas de bazuca e morteiro, cantis a duplicar, ração para dois dias. Não seguirão nesta patrulha nem o Saiegh nem o Domingos Ferreira que amanhã regressam às suas famílias, a sua comissão terminou.
A preparação do Natal de 1968, em Missirá
O Casanova fica a tomar conta de Missirá com a incumbência de se informar junto do Rebelo das transmissões o que se venha a passar na minha incursão pelas regiões de Chicri até Sinchâ Corubal. Noite calma, muito orvalhada por uma geada que seguramente irá garantir um dia tórrido.
Deito contas à vida sobre o deve e haver da semana. Ontem, achámos um sóbrio crucifixo de níquel nas escavações para um novo abrigo: seria de um soldado açoreano que aqui passou, estarei a receber algum aviso? O crucifixo está limpo, trago-o ao pescoço.
O Pimbas perguntou-me como seria possível travarmos as incursões do PAIGC em Mero. Dei a sugestão de se fazer o recenseamento de toda a população em Santa Helena e Mero, advertindo-o que mais tarde ou mais cedo vai haver tiroteios com os fornecedores e viajantes de ambos os lados.
Na CCS em Bambadinca tive que reivindicar mais bidões de petróleo, não sem ter recebido primeiro a acusação de que sou perdulário... Gostaria que esta malta funcionasse com os petromaxes para ter luz toda a noite. O burrinho voltou a adoecer com uma doença de êmbolos. Veio cá o 1º cabo desampanador Alexandre que avisou que não passa noites em Missirá, terra de má fama.
Chegou há dias carta de Jolá Indjai, um soldado de quem ainda não vos falei. Exactamente na altura em que eu chegava a Missirá, o soldado Jolá era evacuado para Lisboa, vítima da tuberculose. Soubemos onde estava internado e a minha irmã visitava-o regularmente. Dava sinal de vida e anunciava a sua recuperação.
Em Bafatá fiz as compras para os entes queridos e tudo já seguiu para Lisboa: tecidos bordados, roncos, lenços, pequenas esculturas. As aulas continuam com entusiasmo, temos um forno pronto, haverá cabrito assado no dia de Natal. Lisboa está a ser bombardeada diariamente com pedidos de guloseimas para o dia 25. Ninguém sai da Bambadinca para a metrópole sem missões distribuídas. Há almas generosas que irão mandar directamente broas castelares e de milho pagando pequenas fortunas dos portes.
Na parada, temos a linhas de um campo de futebol. E, aqui vai mais uma confissão íntima: o meu joelho direito tem horas que me faz a vida num calvário. O David Payne diagnosticou uma exostóse e exige que vá fazer rapidamente exames a Bissau (assim acontecerá em Fevereiro e serei operado em meados de Março). O meu entendimento com Lânsana é perfeito: passei-lhe o Antigo Testamento e ele deu-me a ler a Surata do Coágulo, que tem o tema correspondente ao nosso Génesis. E mergulhei deslumbrado na leitura de O Inverno do Nosso Descontentamento, de John Steinbeck (4).
Chichri: As apreensões do picador e guia Quebá Soncó
Conversei antes com Quebá Soncó, o nosso picador. Ter-lhe-ei dito algo como isto:
- Quebá, em Chicri há sinais evidentes de percursos usados pela gente de Madina [,base do PAIGC, a noroeste de Missirá]. Você e eu seguiremos à frente, com dois apontadores de dilagrama e o bazuqueiro. Não estou interessado em ir a Madina só com 30 homens e sem apoio aéreo. Mas iremos verificar a direcção dos trilhos, se vão directamente para Sinchá Corubal , se a velha picada de Saliquinhé ainda é usada, se há caminhos que passam à volta do rio de Biassa e se internam em direcção a Quebá Jilã. Só quando descobrirmos estas direcções é que vale a pena emboscar à noite. Conto que o Quebá vai ser muito leal comigo, explica-me todos os sinais que vir no chão, qual a regularidade da presença humana. E agora vamos descansar até sairmos de madrugada.
Ao amanhecer, depois de ter flanqueado a estrada principal entre Canturé e Gambana, atravessámos o rio e regressámos a Chicri. Era manifestamente uma terra próspera, uma imensa tabanca que mostrava restos de madeira como se gritasse pelo seu abandono. Era uma progressão lenta até chegar a um vasto terraço onde se via o refulgente Geba a serpentear em direcção a Bambadinca. Tínhamos detectado na última emboscada, entre estacas calcinadas, habilmente disfarçado por lajes de pedra um trilho batido que passava ao lado das ruínas de uma destilaria. De facto, Chicri tinha sido uma imponente tabanca onde fulas e mandingas cultivavam cereais e levavam o seu comércio de amendoim e óleo de palma até S. Belchior e a norte, a Geba.
Procuro concentrar-me mas um fio do meu pensamento dispara permanentemente em direcção aos festejos do Natal. Em Bafatá, com a ajuda do Paulo Semedo e do Domingos Silva, tinha comprado as peças do presépio, tudo em barro simples, como ainda hoje se encontra nas feiras. Éramos meia dúzia de cristãos, a nossa festa seria partilhada com a comunidade muçulmana, haveria almoço no dia de Natal, troca de cumprimentos, o próprio régulo sugeria uma oração na mesquita.
Pois bem, pelas 7 da manhã cortei este fio ao pensamento, o dia já tinha despontado, subia a poalha luminosa entre os palmeirais, envolvendo a ampla clareira circundante de tons ígneos. Os indícios eram bem claros: restos de comida, a marca bem desenhada de sandálias de plástico, bagos de arroz. A incursão avançou para dentro de uma floresta galeria, a luz directa extinguiu-se, o silêncio esmagava a marcha. Quebá, eu, José Jamanca, Mamadu Djau, Paulo e Cibo formamos a vanguarda.
- Quebá, para onde vamos?. - Vejo medo, resistência no olhar de Quebá e ele responde:
- Parece que vamos para Sinchã Corubal.
Alferes, dá-me um tiro para acabarmos com tudo (Semedo)
O silêncio é atabafante, a claridade difusa, o trilho um verdadeiro meandro como, propositadamente, nos aconselhasse a desistir. Dos minutos chegámos às horas e um sol brutal anuncia-se nas nossas fardas suadas, nos nossos lábios secos. Pressinto que corremos o risco de um calcorrear sonâmbulo que nos poderá fazer perder a atenção e afrouxar a vigilância. Registo o último olhar súplice de Quebá como se pedisse que regressássemos prontamente. Eu sinto um aperto, pois não se ouve o piar das aves nem o restolhar dos animais. O Paulo Semedo pede um cigarro, avançamos um pouco mais e abruptamente, numa curva apertada da picada, Quebá e José Jamanca atiram-se para o chão e fico frente a frente, a pouco mais de 5 metros de um homem fardado de uma sarja amarela, um chapéu de cowboy preso por atilhos. Olho-o nos seus olhos estuporados, pois ele está tão confuso como eu. Num segundo, a G3 aparece na frente do meu peito puxo a bala e ouvem-se dois tiros num só eco.
Aquele homem que eu nunca vira, rodopia com uma mão que segura o ombro, a outra larga a arma, o grito é dominado pela garganta. Eu continuei a disparar enquanto alguém o puxa para fora da picada. Segue-se um tiroteio caótico que eu não consigo controlar, e sou ultrapassado pelo bazuqueiro e os dois apontadores de dilagrama. É um fragor brutal, as folhas desabam, os ramos partem-se elevam-se vozes numa cacofonia acentuada. Vejo que os guerrilheiros retiram e grito para que comece a caçada , imponho ordem e a tropa parte em linha de batida.
Enquanto eu avaliava os estragos e apanhava uma arma abandonada, ouve-se um urro medonho, Mamadu Djau larga imprecante a bazuca e vejo Paulo Ribeiro Semedo, exímio apontador de dilagrama, numa rodilha de carne dilacerada, com os mais desencontrados veios de sangue, da cabeça aos pés. Alguém me sussurra ao ouvido:
- Enganou-se, meteu bala real na câmara, podia ter morrido logo.
Havia que sair daquela floresta e chamar um helicóptero bendito. As instruções foram sumárias: o Teixeira das transmissões retiraria com uma secção imediatamente até Chicri, nós seguiríamos mais lentamente com o ferido, atentos igualmente a uma possível perseguição da gente de Madina. Quando me ajoelho e lhe pego na cabeça, o Paulo bolsa o pedido entre os fios de sangue que lhes escorrem abundantes:
- Alferes, dá-me um tiro para acabarmos com tudo.
Afasto a arma, tiro-lhe as granadas, com auxílio de Mamadu Silá rasga-se o dólman esburacado, retiram-se os restos das botas. É um ferido muito grave, o braço esquerdo está todo rasgado, há buracos no peito, estilhaços nas pernas, no meio daquele mar de sangue lanço a água do cantil para o rosto do Paulo, uma das pálpebras desapareceu, julguei que estava completamente cego. O meu ferido agoniza num campo juncado de comida, panos, esteiras, granadas, cartucheiras, tudo o que os guerrilheiros abandonaram e a nossa tropa largou no meio do pânico.
Não pego em cabo-verdianos (Silá)
Pela primeira vez, eu vou sentir o que são os problemas tribais, aqueles que o próprio Saiegh me pedira para estar atento à sua evolução em Missirá e eu rejeitara. Ninguém quis pegar em Paulo Semedo. Como se fosse hoje, o gigante Mamadu Silá com a sua voz infantil disse-me claramente: - Não pego em cabo-verdianos.
Então, puxado por uma força que nunca possuí peguei-te e pus-te nas minhas costas enquanto tu insistias:
- Dá-me um tiro na cabeça, estou perdido, não quero ficar partido toda a vida.
Esta cena ser-me-à contada por muitos outros ao longo desta guerra: quem sente que vai morrer, pede que lhe abrevie o sofrimento. Assim é quando se vêm os intestinos a jorrar ou as pernas esfareladas depois da explosão de uma mina. Quem me vai ajudar nessa caminhada que ainda hoje guardo no corpo vão ser Mamadu Djau e Gibrilo Embaló.
Mamadu empurrava-te para não caíres enquanto eu te segurava o braço rasgado nos meus dentes, e Gibrilo prendia-te as pernas. Não sei quanto tempo demorámos até regressar ao anfiteatro de Chicri. No termo desta viagem alucinante depositei-o no chão e beijei-lhe a testa. Não me consigo mexer com as dores, a minha camisa está colada a muito sangue coagulado. O Teixeira grita para o rádio que permanece inerte. O sol é o do meio dia, abrasa no seu zénite. Tomo uma decisão de ir até Missirá buscar uma viatura e reforços, parto com seis homens enquanto a restante coluna leva o ferido transportado numa padiola.
Nunca mais farei este percurso tão rapidamente, cerca de 10 km em pouco mais de uma hora, avisto ofegante os cajueiros e entro a correr pelo arame farpado de Missirá. Anos depois, recordando estes momentos, e sabendo sempre que estas analogias são perigosas e até podem ser interpretadas como uma jactância teatral, tudo aquilo me parecia uma tragédia grega: acorri a gente de todos os lados, a viatura e a disponibilidade do Setúbal foram imediatas. Apareceram garrafões cheios de água, um colchão, medicamentos.
Pai, obrigado pela força que me deste (oração do comandante)
Enquanto escrevo este texto estou a ver Malã a avançar para mim e a segurar-me pelos ombros como se quisesse injectar coragem ou rezássemos juntos. E em minutos a viatura atirou-se em direcção a Canturé, enquanto o pedido de uma evacuação Y foi acusada por Bissau. Tu estás desmaiado quando és erguido para dentro da viatura e depositado num colchão. É nestes momentos de dor que somos assaltados por pensamento paradoxais. Enquanto te limpo o rosto e avalio a dimensão do teu corpo crucificado que não me sai da cabeça as figurinhas de barro de um presépio que tu compraste a meu lado e que não vais partilhar connosco.
Regressamos e quase em sintonia tu és levado para a salvação. Serás salvo a um preço medonho: o teu corpo ficará mutilado, ninguém saberá nunca a dimensão do teu sofrimento quando se olha a tua fotografia, ninguém dirá que ficaste irremediavelmente cego. À porta da minha morança, tal como farei depois dos acontecimentos de Março de 69, inclino a testa no adobe da entrada e rezo a Deus:
- Pai magnânimo, obrigado pela força que me deste nestes duros momentos. Permite que Te peça que dês a vida ao Paulo.
Cherno aparece e ajuda-me a retirar a camisa sanguinolenta. Tomo banho, deito-me na cama e choro lágrimas quentes enquanto o meu novo guarda costas me olha embaraçado. O nosso jantar vai ser muito amargo e feito de silêncios. Saio da messe, olho a noite estrelada e continuo a rezar. Como se fosse hoje, os sons do Requiem de Mozart sobem os ares como se percebessem que a minha dor não tinha fim. Ao meu lado, um livrinho com poemas de Natal. As mãos folheiam o livro sem destino e súbito os olhos imobilizam-se num poema de Tomaz Kim, nome literário de um professor de Germânicas da Faculdade de Letras de Lisboa, Monteiro Grilo (5):
Não seja esta noite, agora e sempre,
Igual às outras noites.
Não seja esta noite, agora e sempre,
Igual às outras noites:
Tumba de carne viva em ódio amortalhada,
Anunciando sangue e pranto e morte.
Não seja esta noite, agora e sempre,
Igual às outras noites.
Amanhã, cheio de coragem, vamos continuar os preparativos para o Natal. O presépio será montado e o menino Deus louvado. Voltarei a Chicri em Janeiro, e mais sangue será derramado. Mas agora toda a minha energia e festividade estão polarizadas no Natal de Missirá. Eu vou contar.
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1365: Operação Macaréu à Vista (24): Discutindo os destinos do Cuor com o Coronel Hélio Felgas
(2) Vd. post de 21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P888: Antologia (44): O presépio de Chicri (Beja Santos)
(3) Chicri: Vd. carta de Bambadinca. Chicri fica(va) acima do Mato Cão, na margem direita do Rio Ganbana, afluente do Rio Geba.
(4) John Steinbeck (1902-1968): escritor norte-americano, Prémio Nobel da Literatura em 1962. Nasceu na Califórnia, em Salinas. Morreu em Nova Iorque. O seu romance mais conhecid, As Vinhas da Ira, é de 1939. O Inverno do Nosso Descontentamento data de 1961. Considerado um escritor de esquerda, foi amigo de John Kennedy. Em 1967, foi repórter no Vietname. Causou polémica, ao defender a participação norte-americana numa guerra em que estiveram envolvidos os seus dois filhos...
(5) Vd. Enciclopédia Universal da Literatura Portuguesa >
"Escritor português, natural do Lobito, Angola. Tomaz Kim, nome literário de Joaquim Fernandes Tomás Monteiro-Grillo, licenciou-se em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras de Lisboa, onde leccionou.
"Viveu vários anos em Londres, mantendo um prolongado contacto com a cultura inglesa, experiência essa que influenciou a sua poesia. Como poeta escreveu os livros Em Cada Dia Se Morre (1939), Para a Nossa Iniciação (1940), Os Quatro Cavaleiros [do Apocalipse] (1943), Dia da Promissão (1945), Flora e Fauna (1958) e Exercícios Temporais (1966). A consciência social visível em muitos dos seus poemas alia-se, por vezes, a um sentimento de inquietação religiosa.
Dirigiu, juntamente com José Blanc de Portugal e Ruy Cinatti, a primeira série da revista Cadernos de Poesia, publicada entre 1940 e 1942. Como ensaísta publicou vários estudos e ensaios literários, além de ter traduzido diversos poetas e ficcionistas anglo-saxónicos, entre os quais T. S. Elliot".
Texto e foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.
Texto recebido em 24 de Novembro de 2006. Post nº 25 da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Mário Beja Santos, ex-comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1).
Caro Luís, aqui vai, com fervor e muita amizade por ti e por todos, o meu débito semanal que andei a adiar como a pior das extracções de dentes. Talvez valha a pena avisar os nossos camaradas que eu já tinha escrito, noutras circunstâncias e com outros objectivos, um continho intitulado O Presépio de Chicri, que aqui publicaste quando nos conhecemos (2).
Recordo-te que tens aí à mão a fotografia do Paulo Ribeiro Semedo, ainda não completamente cego e depois da cirurgia estética. Infelizmente, para a semana não poderei colaborar, tenho um curso de três dias em Bruxelas, não há problema pois tu tens um stock de três textos.
Seguir-se-à o meu testemunho sobre o Natal em Missirá em 1968, pungente mas muito belo e a recordar-me sempre o Natal de 67, passado nos Arrifes (Ilha de S. Miguel) com soldados marienses.
Vou aproveitar as férias do Natal para organizar toda a minha memória do que aqui se vai contar sobre 1969. Como te disse, tu tens aí um textinho sobre as minhas primeiras impressões de Bissau, quando cheguei em Julho. Se a saga de depoimentos continuar, tu farias o favor de o publicar, pois a seguir tenho uma história tremenda passada no HM241.
Informo-te que estou a ler uma obra interessantíssima A Guiné do século XVII ao século XIX de que mais tarde falarei aos nossos associados. Peço-te que não te esqueças que gostava muito de te visitar no dia 5, terça feira pelas 13horas. Antes dos Natais convencionais terei a maior satisfação em passar o nosso Natal de ex-soldados. Recebe um abraço do Mário.
O Presépio de Chicri
por Beja Santos
São duas da madrugada, estamos a formar na parada, feita a revista grito, em sinal de despedida Culatra à retaguarda!, pois aprendi com a morte do Brandão que bala na câmara é um convite ao mais estúpido dos acidentes.
Enfim, saímos, o grupo de 30 homens vai atarantado e curioso, já que ao anoitecer fretei seis carregadores para levarem uma carga suplementar de granadas de bazuca e morteiro, cantis a duplicar, ração para dois dias. Não seguirão nesta patrulha nem o Saiegh nem o Domingos Ferreira que amanhã regressam às suas famílias, a sua comissão terminou.
A preparação do Natal de 1968, em Missirá
O Casanova fica a tomar conta de Missirá com a incumbência de se informar junto do Rebelo das transmissões o que se venha a passar na minha incursão pelas regiões de Chicri até Sinchâ Corubal. Noite calma, muito orvalhada por uma geada que seguramente irá garantir um dia tórrido.
Deito contas à vida sobre o deve e haver da semana. Ontem, achámos um sóbrio crucifixo de níquel nas escavações para um novo abrigo: seria de um soldado açoreano que aqui passou, estarei a receber algum aviso? O crucifixo está limpo, trago-o ao pescoço.
O Pimbas perguntou-me como seria possível travarmos as incursões do PAIGC em Mero. Dei a sugestão de se fazer o recenseamento de toda a população em Santa Helena e Mero, advertindo-o que mais tarde ou mais cedo vai haver tiroteios com os fornecedores e viajantes de ambos os lados.
Na CCS em Bambadinca tive que reivindicar mais bidões de petróleo, não sem ter recebido primeiro a acusação de que sou perdulário... Gostaria que esta malta funcionasse com os petromaxes para ter luz toda a noite. O burrinho voltou a adoecer com uma doença de êmbolos. Veio cá o 1º cabo desampanador Alexandre que avisou que não passa noites em Missirá, terra de má fama.
Chegou há dias carta de Jolá Indjai, um soldado de quem ainda não vos falei. Exactamente na altura em que eu chegava a Missirá, o soldado Jolá era evacuado para Lisboa, vítima da tuberculose. Soubemos onde estava internado e a minha irmã visitava-o regularmente. Dava sinal de vida e anunciava a sua recuperação.
Em Bafatá fiz as compras para os entes queridos e tudo já seguiu para Lisboa: tecidos bordados, roncos, lenços, pequenas esculturas. As aulas continuam com entusiasmo, temos um forno pronto, haverá cabrito assado no dia de Natal. Lisboa está a ser bombardeada diariamente com pedidos de guloseimas para o dia 25. Ninguém sai da Bambadinca para a metrópole sem missões distribuídas. Há almas generosas que irão mandar directamente broas castelares e de milho pagando pequenas fortunas dos portes.
Na parada, temos a linhas de um campo de futebol. E, aqui vai mais uma confissão íntima: o meu joelho direito tem horas que me faz a vida num calvário. O David Payne diagnosticou uma exostóse e exige que vá fazer rapidamente exames a Bissau (assim acontecerá em Fevereiro e serei operado em meados de Março). O meu entendimento com Lânsana é perfeito: passei-lhe o Antigo Testamento e ele deu-me a ler a Surata do Coágulo, que tem o tema correspondente ao nosso Génesis. E mergulhei deslumbrado na leitura de O Inverno do Nosso Descontentamento, de John Steinbeck (4).
Chichri: As apreensões do picador e guia Quebá Soncó
Conversei antes com Quebá Soncó, o nosso picador. Ter-lhe-ei dito algo como isto:
- Quebá, em Chicri há sinais evidentes de percursos usados pela gente de Madina [,base do PAIGC, a noroeste de Missirá]. Você e eu seguiremos à frente, com dois apontadores de dilagrama e o bazuqueiro. Não estou interessado em ir a Madina só com 30 homens e sem apoio aéreo. Mas iremos verificar a direcção dos trilhos, se vão directamente para Sinchá Corubal , se a velha picada de Saliquinhé ainda é usada, se há caminhos que passam à volta do rio de Biassa e se internam em direcção a Quebá Jilã. Só quando descobrirmos estas direcções é que vale a pena emboscar à noite. Conto que o Quebá vai ser muito leal comigo, explica-me todos os sinais que vir no chão, qual a regularidade da presença humana. E agora vamos descansar até sairmos de madrugada.
Ao amanhecer, depois de ter flanqueado a estrada principal entre Canturé e Gambana, atravessámos o rio e regressámos a Chicri. Era manifestamente uma terra próspera, uma imensa tabanca que mostrava restos de madeira como se gritasse pelo seu abandono. Era uma progressão lenta até chegar a um vasto terraço onde se via o refulgente Geba a serpentear em direcção a Bambadinca. Tínhamos detectado na última emboscada, entre estacas calcinadas, habilmente disfarçado por lajes de pedra um trilho batido que passava ao lado das ruínas de uma destilaria. De facto, Chicri tinha sido uma imponente tabanca onde fulas e mandingas cultivavam cereais e levavam o seu comércio de amendoim e óleo de palma até S. Belchior e a norte, a Geba.
Procuro concentrar-me mas um fio do meu pensamento dispara permanentemente em direcção aos festejos do Natal. Em Bafatá, com a ajuda do Paulo Semedo e do Domingos Silva, tinha comprado as peças do presépio, tudo em barro simples, como ainda hoje se encontra nas feiras. Éramos meia dúzia de cristãos, a nossa festa seria partilhada com a comunidade muçulmana, haveria almoço no dia de Natal, troca de cumprimentos, o próprio régulo sugeria uma oração na mesquita.
Pois bem, pelas 7 da manhã cortei este fio ao pensamento, o dia já tinha despontado, subia a poalha luminosa entre os palmeirais, envolvendo a ampla clareira circundante de tons ígneos. Os indícios eram bem claros: restos de comida, a marca bem desenhada de sandálias de plástico, bagos de arroz. A incursão avançou para dentro de uma floresta galeria, a luz directa extinguiu-se, o silêncio esmagava a marcha. Quebá, eu, José Jamanca, Mamadu Djau, Paulo e Cibo formamos a vanguarda.
- Quebá, para onde vamos?. - Vejo medo, resistência no olhar de Quebá e ele responde:
- Parece que vamos para Sinchã Corubal.
Alferes, dá-me um tiro para acabarmos com tudo (Semedo)
O silêncio é atabafante, a claridade difusa, o trilho um verdadeiro meandro como, propositadamente, nos aconselhasse a desistir. Dos minutos chegámos às horas e um sol brutal anuncia-se nas nossas fardas suadas, nos nossos lábios secos. Pressinto que corremos o risco de um calcorrear sonâmbulo que nos poderá fazer perder a atenção e afrouxar a vigilância. Registo o último olhar súplice de Quebá como se pedisse que regressássemos prontamente. Eu sinto um aperto, pois não se ouve o piar das aves nem o restolhar dos animais. O Paulo Semedo pede um cigarro, avançamos um pouco mais e abruptamente, numa curva apertada da picada, Quebá e José Jamanca atiram-se para o chão e fico frente a frente, a pouco mais de 5 metros de um homem fardado de uma sarja amarela, um chapéu de cowboy preso por atilhos. Olho-o nos seus olhos estuporados, pois ele está tão confuso como eu. Num segundo, a G3 aparece na frente do meu peito puxo a bala e ouvem-se dois tiros num só eco.
Aquele homem que eu nunca vira, rodopia com uma mão que segura o ombro, a outra larga a arma, o grito é dominado pela garganta. Eu continuei a disparar enquanto alguém o puxa para fora da picada. Segue-se um tiroteio caótico que eu não consigo controlar, e sou ultrapassado pelo bazuqueiro e os dois apontadores de dilagrama. É um fragor brutal, as folhas desabam, os ramos partem-se elevam-se vozes numa cacofonia acentuada. Vejo que os guerrilheiros retiram e grito para que comece a caçada , imponho ordem e a tropa parte em linha de batida.
Enquanto eu avaliava os estragos e apanhava uma arma abandonada, ouve-se um urro medonho, Mamadu Djau larga imprecante a bazuca e vejo Paulo Ribeiro Semedo, exímio apontador de dilagrama, numa rodilha de carne dilacerada, com os mais desencontrados veios de sangue, da cabeça aos pés. Alguém me sussurra ao ouvido:
- Enganou-se, meteu bala real na câmara, podia ter morrido logo.
Havia que sair daquela floresta e chamar um helicóptero bendito. As instruções foram sumárias: o Teixeira das transmissões retiraria com uma secção imediatamente até Chicri, nós seguiríamos mais lentamente com o ferido, atentos igualmente a uma possível perseguição da gente de Madina. Quando me ajoelho e lhe pego na cabeça, o Paulo bolsa o pedido entre os fios de sangue que lhes escorrem abundantes:
- Alferes, dá-me um tiro para acabarmos com tudo.
Afasto a arma, tiro-lhe as granadas, com auxílio de Mamadu Silá rasga-se o dólman esburacado, retiram-se os restos das botas. É um ferido muito grave, o braço esquerdo está todo rasgado, há buracos no peito, estilhaços nas pernas, no meio daquele mar de sangue lanço a água do cantil para o rosto do Paulo, uma das pálpebras desapareceu, julguei que estava completamente cego. O meu ferido agoniza num campo juncado de comida, panos, esteiras, granadas, cartucheiras, tudo o que os guerrilheiros abandonaram e a nossa tropa largou no meio do pânico.
Não pego em cabo-verdianos (Silá)
Pela primeira vez, eu vou sentir o que são os problemas tribais, aqueles que o próprio Saiegh me pedira para estar atento à sua evolução em Missirá e eu rejeitara. Ninguém quis pegar em Paulo Semedo. Como se fosse hoje, o gigante Mamadu Silá com a sua voz infantil disse-me claramente: - Não pego em cabo-verdianos.
Então, puxado por uma força que nunca possuí peguei-te e pus-te nas minhas costas enquanto tu insistias:
- Dá-me um tiro na cabeça, estou perdido, não quero ficar partido toda a vida.
Esta cena ser-me-à contada por muitos outros ao longo desta guerra: quem sente que vai morrer, pede que lhe abrevie o sofrimento. Assim é quando se vêm os intestinos a jorrar ou as pernas esfareladas depois da explosão de uma mina. Quem me vai ajudar nessa caminhada que ainda hoje guardo no corpo vão ser Mamadu Djau e Gibrilo Embaló.
Mamadu empurrava-te para não caíres enquanto eu te segurava o braço rasgado nos meus dentes, e Gibrilo prendia-te as pernas. Não sei quanto tempo demorámos até regressar ao anfiteatro de Chicri. No termo desta viagem alucinante depositei-o no chão e beijei-lhe a testa. Não me consigo mexer com as dores, a minha camisa está colada a muito sangue coagulado. O Teixeira grita para o rádio que permanece inerte. O sol é o do meio dia, abrasa no seu zénite. Tomo uma decisão de ir até Missirá buscar uma viatura e reforços, parto com seis homens enquanto a restante coluna leva o ferido transportado numa padiola.
Nunca mais farei este percurso tão rapidamente, cerca de 10 km em pouco mais de uma hora, avisto ofegante os cajueiros e entro a correr pelo arame farpado de Missirá. Anos depois, recordando estes momentos, e sabendo sempre que estas analogias são perigosas e até podem ser interpretadas como uma jactância teatral, tudo aquilo me parecia uma tragédia grega: acorri a gente de todos os lados, a viatura e a disponibilidade do Setúbal foram imediatas. Apareceram garrafões cheios de água, um colchão, medicamentos.
Pai, obrigado pela força que me deste (oração do comandante)
Enquanto escrevo este texto estou a ver Malã a avançar para mim e a segurar-me pelos ombros como se quisesse injectar coragem ou rezássemos juntos. E em minutos a viatura atirou-se em direcção a Canturé, enquanto o pedido de uma evacuação Y foi acusada por Bissau. Tu estás desmaiado quando és erguido para dentro da viatura e depositado num colchão. É nestes momentos de dor que somos assaltados por pensamento paradoxais. Enquanto te limpo o rosto e avalio a dimensão do teu corpo crucificado que não me sai da cabeça as figurinhas de barro de um presépio que tu compraste a meu lado e que não vais partilhar connosco.
Regressamos e quase em sintonia tu és levado para a salvação. Serás salvo a um preço medonho: o teu corpo ficará mutilado, ninguém saberá nunca a dimensão do teu sofrimento quando se olha a tua fotografia, ninguém dirá que ficaste irremediavelmente cego. À porta da minha morança, tal como farei depois dos acontecimentos de Março de 69, inclino a testa no adobe da entrada e rezo a Deus:
- Pai magnânimo, obrigado pela força que me deste nestes duros momentos. Permite que Te peça que dês a vida ao Paulo.
Cherno aparece e ajuda-me a retirar a camisa sanguinolenta. Tomo banho, deito-me na cama e choro lágrimas quentes enquanto o meu novo guarda costas me olha embaraçado. O nosso jantar vai ser muito amargo e feito de silêncios. Saio da messe, olho a noite estrelada e continuo a rezar. Como se fosse hoje, os sons do Requiem de Mozart sobem os ares como se percebessem que a minha dor não tinha fim. Ao meu lado, um livrinho com poemas de Natal. As mãos folheiam o livro sem destino e súbito os olhos imobilizam-se num poema de Tomaz Kim, nome literário de um professor de Germânicas da Faculdade de Letras de Lisboa, Monteiro Grilo (5):
Não seja esta noite, agora e sempre,
Igual às outras noites.
Não seja esta noite, agora e sempre,
Igual às outras noites:
Tumba de carne viva em ódio amortalhada,
Anunciando sangue e pranto e morte.
Não seja esta noite, agora e sempre,
Igual às outras noites.
Amanhã, cheio de coragem, vamos continuar os preparativos para o Natal. O presépio será montado e o menino Deus louvado. Voltarei a Chicri em Janeiro, e mais sangue será derramado. Mas agora toda a minha energia e festividade estão polarizadas no Natal de Missirá. Eu vou contar.
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1365: Operação Macaréu à Vista (24): Discutindo os destinos do Cuor com o Coronel Hélio Felgas
(2) Vd. post de 21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P888: Antologia (44): O presépio de Chicri (Beja Santos)
(3) Chicri: Vd. carta de Bambadinca. Chicri fica(va) acima do Mato Cão, na margem direita do Rio Ganbana, afluente do Rio Geba.
(4) John Steinbeck (1902-1968): escritor norte-americano, Prémio Nobel da Literatura em 1962. Nasceu na Califórnia, em Salinas. Morreu em Nova Iorque. O seu romance mais conhecid, As Vinhas da Ira, é de 1939. O Inverno do Nosso Descontentamento data de 1961. Considerado um escritor de esquerda, foi amigo de John Kennedy. Em 1967, foi repórter no Vietname. Causou polémica, ao defender a participação norte-americana numa guerra em que estiveram envolvidos os seus dois filhos...
(5) Vd. Enciclopédia Universal da Literatura Portuguesa >
"Escritor português, natural do Lobito, Angola. Tomaz Kim, nome literário de Joaquim Fernandes Tomás Monteiro-Grillo, licenciou-se em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras de Lisboa, onde leccionou.
"Viveu vários anos em Londres, mantendo um prolongado contacto com a cultura inglesa, experiência essa que influenciou a sua poesia. Como poeta escreveu os livros Em Cada Dia Se Morre (1939), Para a Nossa Iniciação (1940), Os Quatro Cavaleiros [do Apocalipse] (1943), Dia da Promissão (1945), Flora e Fauna (1958) e Exercícios Temporais (1966). A consciência social visível em muitos dos seus poemas alia-se, por vezes, a um sentimento de inquietação religiosa.
Dirigiu, juntamente com José Blanc de Portugal e Ruy Cinatti, a primeira série da revista Cadernos de Poesia, publicada entre 1940 e 1942. Como ensaísta publicou vários estudos e ensaios literários, além de ter traduzido diversos poetas e ficcionistas anglo-saxónicos, entre os quais T. S. Elliot".
Guiné 63/74 - P1375: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (3): A LFG Sagitário no Rio Cacheu (Manuel Lema Santos)
Guiné > Região do Cacheu > Rio Cacheu > Ganturé-Bigene > "NRP Sagitário: 20-12-71. Feliz Natal".
O fotógrafo estava lá... Uma foto muito feliz do Cmdt A. Rodrigues da Costa, gentilmente disponibilizada pelo ex-1º Tenente RN Manuel Lema Santos, membro da nossa tertúlia e webmaster do sítio Reserva Naval.
Foto: © Lema Santos (2006) (com a devida vénia ao Cmdt A. Rodrigues da Costa). Direitos reservados.
Mensagem do Manuel Lema Santos:
Luis Graça, Camaradas e Tertulianos,
Para mim e suponho não estar só, o Natal (1) expressa-se muito mais no espírito com que se está a completar a caminhada de mais um Ano do que na celebração de uma efeméride com data previamente marcada.
Crença que igualmente partilho na renovada esperança de que um Ano Novo venha desviar do nosso rumo alguns escolhos mais ameaçadores, permitindo-nos prosseguir a Viagem com Paz e Tranquilidade.
Nas Crianças, que nele crêem para todo o sempre.
Na Família e no Reencontro, no Amor, na Amizade e no são Convívio, na Reconciliação e na Alegria.
Na Partilha com os que lá não conseguem chegar sózinhos.
No Recolhimento e na Esperança de que chegue aos que o não têm de todo.
Na Lembrança e na Memória daqueles que, por ausência ou também pelo destino último, não podem estar presentes.
Natal foi e será sempre!
Mesmo na Guiné e também no rio Cacheu onde a guarnição da LFG Sagitário, em 1971, atracada em Ganturé-Bigene, numa expressão primorosa de esperança, boa disposição e humor, encontrou numa pernada de tarrafo, reverencialmente inclinada para o efeito, a melhor estação dos CTT para afixar a universal mensagem.
Para que muitos Outros pudessem ter Natal.
Boas Festas para todos.
Manuel Lema Santos
1º TEN RN 1965/72
Guiné, NRP Orion, 1966/68
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
17 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1374: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (2): Seguindo a Estrela, de Missirá a Belém (Beja Santos)
17 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1373: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (1): As Nossas Festas... Quentes e Boas (Luís Graça / José Martins)
domingo, 17 de dezembro de 2006
Guiné 63/74 - P1374: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (2): Seguindo a Estrela, de Missirá a Belém (Beja Santos)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Natal de 1969 > Messe de sargentos > Almoço de confraternização dos sargentos e furriéis milicianos da CCS do BCAÇ 2852 (1969/70), da CCAÇ 12 (1969/71) e de outras unidades adidas... Na fioto reconheem-se alguns dos furriéis milicianos da CCaç 12, tais como: (i) os cinco primeiros do lado esquerdo: Marques, Branquinho, Pina, Martins e Fernandes; (ii) do lado direito, só reconheço duas caras: o Almeida, transmissões, em frente ao Fernandes; e o Jaime, vagomestre, sentado em frente ao Fernandes.
Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados
Texto do Beja Santos, enviado na sexta-feira, 15 de Dezembro, à tarde com a seguinte nota Mensagem de Natal para a malta do blogue:
Meu caro Luís, quando fizer o balanço este ano, porei em primeiríssimo plano o nosso reencontro e a minha adesão aos princípios do blogue.
Já disse que esta obra em que estou empenhado fazia parte dos meus projectos para depois dos 67/68 anos. Graças a ti, felizmente fui envolvido por uma torrente emocional da qual já não é possível sair.
A minha primeira expressão de gratidão vai indeclinavelmente para ti, pelo primeiro convite (então bem modesto, por sinal), pelas fotografias que me mostraste de Bambadinca que me lançaram no tapete, depois o sentido que tenho que o blogue é uma das coisas mais sérias que se faz em torno do nosso património comum; e, não menos importante, o sentir diariamente que há centenas de camaradas que apoiam e se superam para trazer à memória colectiva o vivido em condições irrepetíveis, ao lado da História indiferente.
Numa tentativa de prestar homenagem a todos, lanço no blogue um poema de Natal que comecei a escrever em Missirá, nos preparativos da festa (a mais linda e exaltante de toda a minha vida) e que agora me limito a reconfeccionar do alto da nossa matura idade. Desejo do coração a ti, como cúmplice e co-autor desta aventura, e a todos os camaradas da Guiné as mil alegrias natalícias que vivi em 1968.
Cordialmente, Mário.
A Estrela de Belém (ao Luís Graça e camaradas da Guiné) (1)
por Beja Santos
O Anjo S. Gabriel entrou na minha cubata vestido de placas de quartzo, mica e feldspato e ordenou-me: levanta-te, pega nos teus homens e caminha para Oriente.
Este anjo que me despertou do sonho era mulato, louro de cabelo encarapinhado e tinha olhos verdes.
Desferi uma pancada no gongue, convoquei a tribo e partimos numa noite escura aberta em trovoada.
O nosso azimute era uma Estrela que nos encaminhou por trilhos exóticos.
Vimos pássaros de viveiro marítimo, ergueram-se fogueiras de grés, receberam-nos num caminho escravas de roça, vimos caçadores furtivos entre a bruma, na pista dos búfalos.
Confiámos absolutamente na Estrela, escorremos a água da bolanha pelos cabelos, saudámos na passagem flotilhas de morcegos, afagámos o capim quente, vimos o dia cegar de perfeição.
Não sabíamos neste caminhar, seguindo sempre a Estrela, se se fazia a guerra ou paz, se aquele incêndio na floresta era napalm ou queimada natural de agricultores, não sabíamos se rumávamos para norte ou sul do Equador, não sabíamos se havia aeródromos florestais ou se havia salitre à nossa espera.
Soubemos que estávamos a chegar porque aquele Anjo mulato, louro de cabelo encarapinhado, no esplendor da sua indumentária de quartzo, mica e feldspato apontou para a lapa de um Presépio e perfumou-nos com óleo oceano.
Usou expressões como cordeiro de luz, acha de Deus, o Deus-menino que vem trazer o consolo e bem aventuranças.
Ao meu lado um dos meus homens gritou risonho: Assim é mais melhor!
Alguém ajoelhou junto à gruta e chamou àquela criança gamo antigo, grandeza de bissilão, enquanto outros faziam soltar no ar guizos de balanta, fazendo as cerimónias do sal e da cola.
Ouviam-se hossanas nos palmeirais e senti na memória que estavam felizes e contemplativos todos os meus mortos intangíveis.
Então, concluida a assembleia triunfal, o Anjo S. Gabriel apontou-nos o caminho de regresso e voltámos a um lugar cercado por arame farpado, passando entre faunos e nenúfares, pavões reais, fogos esplendorosos em piras subaquáticas.
Chegámos exaustos, transformados em velas sem grades, filhos de sonhos mapa-mundi, como se fosse inteiramente verdade que depois daquela lapa de Presépio se tinha dado a abicagem da Paz na Terra.
Atrás de nós, ficava um lento rio, a quem os homens chamavam Geba, para lá da vareda da estrada, rio a todos irmanado.
Ao som de trombetas, na noite escura, o Anjo S. Gabriel desapareceu.
E todos imaginámos que de Belém a Missirá tinha havido batuque no céu.
_______________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post e 17 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1373: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (1): As Nossas Festas... Quentes e Boas (Luís Graça / José Martins)
Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados
Texto do Beja Santos, enviado na sexta-feira, 15 de Dezembro, à tarde com a seguinte nota Mensagem de Natal para a malta do blogue:
Meu caro Luís, quando fizer o balanço este ano, porei em primeiríssimo plano o nosso reencontro e a minha adesão aos princípios do blogue.
Já disse que esta obra em que estou empenhado fazia parte dos meus projectos para depois dos 67/68 anos. Graças a ti, felizmente fui envolvido por uma torrente emocional da qual já não é possível sair.
A minha primeira expressão de gratidão vai indeclinavelmente para ti, pelo primeiro convite (então bem modesto, por sinal), pelas fotografias que me mostraste de Bambadinca que me lançaram no tapete, depois o sentido que tenho que o blogue é uma das coisas mais sérias que se faz em torno do nosso património comum; e, não menos importante, o sentir diariamente que há centenas de camaradas que apoiam e se superam para trazer à memória colectiva o vivido em condições irrepetíveis, ao lado da História indiferente.
Numa tentativa de prestar homenagem a todos, lanço no blogue um poema de Natal que comecei a escrever em Missirá, nos preparativos da festa (a mais linda e exaltante de toda a minha vida) e que agora me limito a reconfeccionar do alto da nossa matura idade. Desejo do coração a ti, como cúmplice e co-autor desta aventura, e a todos os camaradas da Guiné as mil alegrias natalícias que vivi em 1968.
Cordialmente, Mário.
A Estrela de Belém (ao Luís Graça e camaradas da Guiné) (1)
por Beja Santos
O Anjo S. Gabriel entrou na minha cubata vestido de placas de quartzo, mica e feldspato e ordenou-me: levanta-te, pega nos teus homens e caminha para Oriente.
Este anjo que me despertou do sonho era mulato, louro de cabelo encarapinhado e tinha olhos verdes.
Desferi uma pancada no gongue, convoquei a tribo e partimos numa noite escura aberta em trovoada.
O nosso azimute era uma Estrela que nos encaminhou por trilhos exóticos.
Vimos pássaros de viveiro marítimo, ergueram-se fogueiras de grés, receberam-nos num caminho escravas de roça, vimos caçadores furtivos entre a bruma, na pista dos búfalos.
Confiámos absolutamente na Estrela, escorremos a água da bolanha pelos cabelos, saudámos na passagem flotilhas de morcegos, afagámos o capim quente, vimos o dia cegar de perfeição.
Não sabíamos neste caminhar, seguindo sempre a Estrela, se se fazia a guerra ou paz, se aquele incêndio na floresta era napalm ou queimada natural de agricultores, não sabíamos se rumávamos para norte ou sul do Equador, não sabíamos se havia aeródromos florestais ou se havia salitre à nossa espera.
Soubemos que estávamos a chegar porque aquele Anjo mulato, louro de cabelo encarapinhado, no esplendor da sua indumentária de quartzo, mica e feldspato apontou para a lapa de um Presépio e perfumou-nos com óleo oceano.
Usou expressões como cordeiro de luz, acha de Deus, o Deus-menino que vem trazer o consolo e bem aventuranças.
Ao meu lado um dos meus homens gritou risonho: Assim é mais melhor!
Alguém ajoelhou junto à gruta e chamou àquela criança gamo antigo, grandeza de bissilão, enquanto outros faziam soltar no ar guizos de balanta, fazendo as cerimónias do sal e da cola.
Ouviam-se hossanas nos palmeirais e senti na memória que estavam felizes e contemplativos todos os meus mortos intangíveis.
Então, concluida a assembleia triunfal, o Anjo S. Gabriel apontou-nos o caminho de regresso e voltámos a um lugar cercado por arame farpado, passando entre faunos e nenúfares, pavões reais, fogos esplendorosos em piras subaquáticas.
Chegámos exaustos, transformados em velas sem grades, filhos de sonhos mapa-mundi, como se fosse inteiramente verdade que depois daquela lapa de Presépio se tinha dado a abicagem da Paz na Terra.
Atrás de nós, ficava um lento rio, a quem os homens chamavam Geba, para lá da vareda da estrada, rio a todos irmanado.
Ao som de trombetas, na noite escura, o Anjo S. Gabriel desapareceu.
E todos imaginámos que de Belém a Missirá tinha havido batuque no céu.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post e 17 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1373: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (1): As Nossas Festas... Quentes e Boas (Luís Graça / José Martins)
Guiné 63/74 - P1373: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (1): As Nossas Festas... Quentes e Boas (Luís Graça / José Martins)
Guiné > Zona Leste > Nova Lamego > Canjadude > 1969 > CCAÇ 5 - Gatos Pretos, 1968/70 > O Natal de 1969.
Na foto, o José Martins (ex-furriel miliciano de transmissões), que nessa noite, também ele para dar de beber à dor - como diz a letra do célebre fado de Albert Janes, importalizado pela Amália (1) - despejou uma barrafa de uísque no bucho e dormiu que nem um santo... Bem, depende do número de horas, porque a fazer fé no provérbio popular Quatro horas dorme o santo, cinco o que não é santo, seis o estudante, sete o caminhante, oito o porco e nove o morto... Ora, na Guiné, no nosso tempo de meninos e moços, isto aplicava-se que nem um luva: eramos mais do que santos... excepto no Natal! (LG)
Foto: © José Martins (2006). Direitos reservados.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > 1972 > Feliz Natal e Próspero Ano Novo... O postal de boas festas natalícias, da praxe, que os nossos militares mandavam aos seus familiares e amigos que ficaram na Metrópole a rezar ou a suspirar por eles... Neste caso, o nosso tertuliano nº 2, o Sousa de Castro... Aproveito para desejar-lhe, a ele e aos demais tertulianos que trabalham nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, Festas... Quentes e Boas e, sobretudo, esperança, muita esperança para o ano de 2007! (LG)
Foto: © Sousa de Castro (2005). Direitos reservados.
Guiné-Bissau > Cacheu > Barro > 1968 > Feliz Natal... "Este é mais outro aerograma que descobri. Mandei-o, pelo Natal, em 1968. O que eu quis transmitir é que eram natais de morte e que o que procurava era esquecer, dando de beber à dor".
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.
1. Mais uma prov(oc)ação do editor do nosso blogue:
Amigos e camaradas: Não há por aí mais aerogramas, fotos, poemas, contos, estórias, memórias do Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso ? Não há por aí notícias das Festas... Quentes e Boas que vivemos (ou desejámos ou fomos obrigados a viver) durante a guerra ?
Tenho espaço aberto para esta cena (como dirão os nossos filhos e netos)… Para já, tenho um texto meu sobre o meu primeiro Natal, de 1969 - emboscado... - e outro do Beja Santos (o presépio de Chicri)…
Aguardo mais qualquer coisinha dos restantes tertulianos, sobretudo dos que são mais preguiçosos a escrever (ou até que acham que não sabem escrever!)…
Vamos fazer um... grande presépio, evocando outros Natais, que tivemos de festejar no tempo e no lugar da guerra...
2. O José Martins foi o primeiro, dos nossos tertulianos, a responder-nos, prontamente:
Caro Luís:
Este anexo estava preparado para enviar a toda a tertúlia, com uma foto do Natal de 1969. Se o quiseres inserir, fica já enviado a toda a gente, não só aos tertulianos, mas a todos os que visitam o blogue.
Depois desta foto, fui dormir uma garrafa inteira de Johnny Walker no bucho. Que grande cadela apanhei...
O Natal anterior foi mais moderado. Tínhamos acabado de fazer a evacuação do corpo de um camarada, morto por doença, e que esteve em câmara ardente, do outro lado da parede do refeitório, até momentos antes do jantar.
Um abraço
José Martins
PS - A foto, que se insere, acima, vem acompanhada de uma nota que diz o seguinte:
Bom Natal
e Melhor 2007
Para todo o mundo e, em especial, para todos os Tertulianos.
Da família Martins:
José & Manuela,
Susana, Tiago, Diogo & Filipa (filhos e nora)
David João (neto)
_____________
Notas de L.G.:
(1) vd. Amália Rodrigues : Dar de beber à dôr. Letra e música: Alberto Janes.
Foi no Domingo passado que passei
À casa onde vivia a Mariquinhas,
mas 'stá tudo tão mudado
que não vi em menhum lado
as tais janelas que tinham tabuínhas.
Do rés-do-chão ao telhado não vi nada, nada, nada
que pudesse recordar-me a Mariquinhas,
e há um vidro pregado e azulado
onde havia as tabuínhas.
(...) P'ra terem feito da casa o que fizeram
melhor fora que a mandassem p'ràs alminhas,
pois ser casa de penhoreso que foi viveiro d'amores
é ideia que não cabe cá nas minhas
recordações do calor e das saudades. O gosto
que eu vou procurar esquecer numas ginginhas,
pois dar de beber à dor é o melhor,
já dizia a Mariquinhas.
Fonte: Projecto Natura > Arquivo de Música Portuguesa
Na foto, o José Martins (ex-furriel miliciano de transmissões), que nessa noite, também ele para dar de beber à dor - como diz a letra do célebre fado de Albert Janes, importalizado pela Amália (1) - despejou uma barrafa de uísque no bucho e dormiu que nem um santo... Bem, depende do número de horas, porque a fazer fé no provérbio popular Quatro horas dorme o santo, cinco o que não é santo, seis o estudante, sete o caminhante, oito o porco e nove o morto... Ora, na Guiné, no nosso tempo de meninos e moços, isto aplicava-se que nem um luva: eramos mais do que santos... excepto no Natal! (LG)
Foto: © José Martins (2006). Direitos reservados.
Foto: © Sousa de Castro (2005). Direitos reservados.
Guiné-Bissau > Cacheu > Barro > 1968 > Feliz Natal... "Este é mais outro aerograma que descobri. Mandei-o, pelo Natal, em 1968. O que eu quis transmitir é que eram natais de morte e que o que procurava era esquecer, dando de beber à dor".
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.
1. Mais uma prov(oc)ação do editor do nosso blogue:
Amigos e camaradas: Não há por aí mais aerogramas, fotos, poemas, contos, estórias, memórias do Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso ? Não há por aí notícias das Festas... Quentes e Boas que vivemos (ou desejámos ou fomos obrigados a viver) durante a guerra ?
Tenho espaço aberto para esta cena (como dirão os nossos filhos e netos)… Para já, tenho um texto meu sobre o meu primeiro Natal, de 1969 - emboscado... - e outro do Beja Santos (o presépio de Chicri)…
Aguardo mais qualquer coisinha dos restantes tertulianos, sobretudo dos que são mais preguiçosos a escrever (ou até que acham que não sabem escrever!)…
Vamos fazer um... grande presépio, evocando outros Natais, que tivemos de festejar no tempo e no lugar da guerra...
2. O José Martins foi o primeiro, dos nossos tertulianos, a responder-nos, prontamente:
Caro Luís:
Este anexo estava preparado para enviar a toda a tertúlia, com uma foto do Natal de 1969. Se o quiseres inserir, fica já enviado a toda a gente, não só aos tertulianos, mas a todos os que visitam o blogue.
Depois desta foto, fui dormir uma garrafa inteira de Johnny Walker no bucho. Que grande cadela apanhei...
O Natal anterior foi mais moderado. Tínhamos acabado de fazer a evacuação do corpo de um camarada, morto por doença, e que esteve em câmara ardente, do outro lado da parede do refeitório, até momentos antes do jantar.
Um abraço
José Martins
PS - A foto, que se insere, acima, vem acompanhada de uma nota que diz o seguinte:
Bom Natal
e Melhor 2007
Para todo o mundo e, em especial, para todos os Tertulianos.
Da família Martins:
José & Manuela,
Susana, Tiago, Diogo & Filipa (filhos e nora)
David João (neto)
_____________
Notas de L.G.:
(1) vd. Amália Rodrigues : Dar de beber à dôr. Letra e música: Alberto Janes.
Foi no Domingo passado que passei
À casa onde vivia a Mariquinhas,
mas 'stá tudo tão mudado
que não vi em menhum lado
as tais janelas que tinham tabuínhas.
Do rés-do-chão ao telhado não vi nada, nada, nada
que pudesse recordar-me a Mariquinhas,
e há um vidro pregado e azulado
onde havia as tabuínhas.
(...) P'ra terem feito da casa o que fizeram
melhor fora que a mandassem p'ràs alminhas,
pois ser casa de penhoreso que foi viveiro d'amores
é ideia que não cabe cá nas minhas
recordações do calor e das saudades. O gosto
que eu vou procurar esquecer numas ginginhas,
pois dar de beber à dor é o melhor,
já dizia a Mariquinhas.
Fonte: Projecto Natura > Arquivo de Música Portuguesa
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