Foto: © Albano Costa (2006). Direitos reservados.
1.Mensagem do Pepito, com data de hoje:
Amigo Luís:
Para o Simpósio de Guiledje (1) estamos a pensar organizar num dia à noite, uma sessão de músicas, danças e poesia, daquele tempo. Para isso ocorreu-nos introduzir também cantigas que os militares cantavam nas casernas em Guiledje e Gandembel.
Sei que há um famoso Hino de Gandembel (tenho a letra que saiu no Blogue)(2), mas falta a música, que sei ser de um fado conhecido. Será que o Idálio se
lembra da música? Era importante ter uma gravação para os nossos músicos
poderem interpretar a cantiga (3).
Mais te informo que o site sobre o Simpósio estará cá fora na primeira
semana de Outubro, podendo as pessoas colaborar com opiniões, comentários e
sugestões.
abraço
pepito
2. Comentário de L.G.:
Eu sei trautear a música, mas não a consigo identificar... Tal como acontecia com o Cancioneiro do Niassa (o mais completo e mais célebre de todos os cancioneiros da guerra do ultramar / guerra colonial, até por que foi proibido pela censura do regime político de então), a malta na Guiné usava as músicas de fados, baladas e outras canções em voga...
Pepito, vou/vamos fazer um esforço por identicar a música e arranjar uma gravação do famoso hino de Gandembel que trauteávamos em Bissau, nós, os velhinhos e os periquitos...
Lembro-me bem que, nos primeiros tempos da minha comissão, em Contuboel e depois em Bambadinca (CCAÇ 12, 1969/71), era de facto Gandembel, juntamente com Madina do Boé, um dos lugares mais míticos, mais aterradores e mais fantasmagóricos do sul... E eu ainda nem sequer conhecia os relatos dos camaradas que lá viveram, como o Idálio Reis e os seus camaradas da CCAÇ 2317!...
Hoje diria que o hino de Gandembel é uma peça bem humorada, satírica, com uma letra típica do poeta de caserna, cuja função era exorcizar os medos e os fantasmas dos tugas... Desconheço o seu autor, pode até não ser ninguém da CCAÇ 2317, mas um qualquer trovador da guerra do ar condicionado do QG ou da 5ª Rep - o Café Bento... Pode ter sido escrito, numa esplanada de Bissau, com base em relatos que vinham do sul... Não sei, estou a especular... Talvez o Idálio nos possa responder a esta dupla questão: (i) quem escreveu a letra; e (ii) que música acompanhava a sua execução ?
O hino era cantarolado por nós, em noites de copos, de tainadas, enquanto se descansava e se esperava pela próxima saída para o mato... Era usado como se fosse uma espécie de talismã, mezinho ou ritual de exorcismo... Mesmo que não soubessemos onde ficava exactamente Gandembel nem a Ponte Balana, ficámos mais protegidos contra as ameaças, os perigos e os fantasmas que por lá pairavam, no sul, e que eram os mesmos que íamos descobrindo na zona leste...
Em meados de 1969, Gandembel (abandonado em Janeiro desse ano) era pura e simplesmente a visão do... inferno! Gandembel e Madina do Boé (também abandonado uns dias depois, já em Fevereiro)... Guileje virá muito mais tarde (Maio de 1973)...
Pepito, vou tentar arranjar-te e mandar-te o CD com as canções do Niassa, para ficares com uma ideia. É uma edição da EMI/Valentim de Carvalho, 1999. Há gravações originais (Rádio Metangula, 1969) na Página do José Rabaça Gaspar > Cancioneiro do Niassa.
_____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
6 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2084: Guileje: Simpósio Internacional (1-7 Março de 2008) (1): Uma iniciativa a que se associa, com orgulho, o nosso blogue
7 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2086: Guileje: Simpósio Internacional (1-7 de Março de 2008) (2): Programa provisório
(2) Vd. post de 30 de Dezembro de 2005 > e 30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDII: O Hino de Gandembel (José Teixeira / Luís Graça)
Hino de Gandembel
Ó Gandembel das morteiradas,
Dos abrigos de madeira
Onde nós, pobres soldados,
Imitamos a toupeira.
- Meu Alferes, uma saída! -
Tudo começa a correr.
- Não é pr’aqui, é pr’ponte! (i),
Logo se ouve dizer.
Ó Gandembel,
És alvo das canhoadas,
Verilaites (ii) e morteiradas.
Ó Gandembel,
Refúgio de vampiros,
Onde se ligam os rádios
Ao som de estrondos e tiros.
A comida principal
É arroz, massa e feijão.
P’ra se ir ao dabliucê (ii)
É preciso protecção.
Gandembel, encantador,
És um campo de nudismo,
Onde o fogo de artifício
É feito p’lo terrorismo.
Temos por v’zinhos Balana (i),
Do outro lado o Guileje,
E ao som das canhoadas
Só a Gê-Três (iv) te protege.
Bebida, diz que nem pó,
Só chocolate ou leitinho;
Patacão, diz que não há,
Acontece o mesmo ao vinho!
Recolha: José Teixeira / Revisão de texto: L.G.
____________
Notas de L.G.:
(i) A famosa ponte sobre o Rio Balana, destacamento da CCAÇ 2317 (que estava em Gandembel, Abr 68/Jan 69)
(ii) Verylights
(iii) WC
(iv) A espingarda automática G-3
(3) Vd. posts sobre os vários Cancioneiros que até a esta data já conseguimos recolher no nosso blogue. Quando tiver tempo, vou fazer uma análise de conteúdo de todas as letras !
Bafatá
31 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (1): Obras em Piche
31 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXVI: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (2): Piche, BART 2857
11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCII: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (3): O Hotel do RC 8
11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (4): Lavantamento de rancho
Bambadinca
24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1695: Cancioneiro de Bambadinca: Isto é tão bera (Gabriel Gonçalves)
Canjadude
28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIII: Cancioneiro de Canjadude (CCAÇ 5, Gatos Pretos)
Empada
1 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P828: Cancioneiro de Empada (Xico Allen)
Gandembel
30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDII: O Hino de Gandembel (Zé Teixeira)
Mansoa (autor: Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-furriel miliciano de operações especiais, da CCS do BCAÇ 4612, 1974)
1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVI: Cancioneiro de Mansoa (1): o esplendor de Portugal
1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVII: Cancioneiro de Mansoa (2): Guiné, do Cumeré a Brá
7 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLVI: Cancioneiro de Mansoa (3): um mosquiteiro barato para um pira...
10 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLIV: Cancioneiro de Mansoa (4): a arte de ser 'ranger'
1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDIX: Cancioneiro de Mansoa (5): Para além do paludismo
19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLIX: Cancioneiro de Mansoa (6): O pesadelo das minas
15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVIII: Cancioneiro de Mansoa (7): Os periquitos do pós-guerra
31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXI: Cancioneiro de Mansoa (8): a amizade e a camaradagem ou o comando da 38ª
3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P837: Cancioneiro de Mansoa (9): A mais alta de todas as traições
Xime:
31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)
Niassa (Moçambique)
11 de Maio de 2004 > Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa (1) (Luís Graça)
(...) Há uma edição discográfica das Canções do Niassa, que resultaram da colaboração do actor João Maria Pinto (que no início da década de 1970 fez, com um grupo de amigos, as primeiras gravações do Cancioneiro do Niassa, vendendo depois as cassetes piratas aos soldados recém chegados) e ao produtor Laurent Filipe: Canções proibidas: O Cancioneiro do Niassa. Lisboa: EMI - Valentim de Carvalho, Música, Lda. 1999. CD. 7243 5 20797 2 8.
Foram seleccionadas e gravadas 13 canções, cantadas pelo João Maria Pinto e seus convidados (entre outros, Carlos do Carmo, Rui Veloso, Paulo Carvalho, Janita Salomé, João Afonso):
1. Ventos de Guerra - João Maria Pinto/Rui Veloso;
2. Taberna do Diabo - João Maria Pinto/Gouveia Ferreira;
3. Fado do Checa - Paulo de Carvalho;
4. O Turra das Minas - João Maria Pinto/Rui Veloso;
5. Erva Lá Na Picada - João Maria Pinto/Janita Salomé;
6. Luta p'la Vida - João Maria Pinto;
7. Neutel d'Abreu - João Maria Pinto/Mariana Abrunheiro;
8. Bocas Bocas - Lura, João Maria Pinto/Mingo Rangel;
9. Fado do Miliciano - Janita Salomé;
10. O Fado do desertor - Carlos do Carmo;
11. O fado do Antoninho - Teresa Tapadas;
12. Hino de Vila Cabral - Carlos Macedo/João Maria Pinto;
13. O Hino do Lunho - João Maria Pinto e outros (João Afonso, Ana Picoito, Tetvocal...).
Destas 13 canções, apenas se conhecem os autores de duas: Gouveia Ferreira (Taberna do Diabo) e Carlos Macedo (Hino de Vila Cabral). (...).
Vd. ainda:
(i) Página do nosso camarada Jorge Santos > A Guerra Colonial > Canções do Niassa
(ii) Página do José Rabaça Gaspar > Cancioneiro do Niassa
"(...) as CANÇÕES que fazem parte da Gravação da Rádio Metangula, da Marinha, em 1969, na voz de João Peneque (Como é evidente, pedimos desculpa das falhas na gravação, que foi recuperada a partir de uma cassete gravada em 1969, pelos bons serviços dos amigos Manuel Aleixo e Manuel Cruz, a quem deixamos os melhores agradecimentos) " (...)
Este camarada fez parte da CART 2326, Os Lobos de Maniamba (Moçambique, 1968/70).