Lisboa tem barcas novas
agora lavradas de armas
Lisboa tem barcas novas
agora lavradas de homens
Barcas novas
levam guerra
As armas não lavram terra
São de guerra as barcas novas
ao mar mandadas com homens
Barcas novas são mandadas sobre o mar
Não lavram terra com armas
os homens
Nelas mandaram meter
os homens com sua guerra
Ao mar mandaram as barcas
novas lavradas de armas
em Lisboa sobre o mar
armas novas são mandadas
Fiama, 1966
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Porquê tantas vidas, em tantas naus, durante tantos anos?
"Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países". Aristides Pereira (1).
As primeiras denúncias internacionais sobre o colonialismo na Guiné, os caminhos de Amílcar Cabral e dos seus companheiros em direcção à independência, os esforços, independentemente do que se possa dizer, de Rafael Barbosa e Fernando Fortes (*) pela emancipação dos seus povos, o espectro do Pindjiguiti sempre a pairar, a luta pela unidade, a proliferação de partidos, uniões e grupos, e a projecção que o PAIGC alcançou internacionalmente, é o resumo do que hoje tratamos.
V. Briote, co-editor
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A luta clandestina na Guiné
As primeiras denúncias internacionais sobre o colonialismo português, surgiram em 1959/60, e foram feitas em Londres por Basil Davidson (1) e Abel Djassi, pseudónimo de Amílcar Cabral.
Amílcar Cabral, logo após o regresso à Guiné em 1952, tentou criar um clube desportivo e cultural com a colaboração de alguns elementos da pequena burguesia (2), movimentação que despertou suspeitas nas autoridades coloniais e levou à sua interdição de permanecer no território, movimentação essa que, parece, ter estado na origem da instalação de um posto da PIDE em Bissau.
Após a fundação do PAI (Partido Africano para a Independência), em Setembro de 1956, as primeiras células foram criadas em Bissau, Bolama e Bafatá, recorrendo a alguns elementos da pequena burguesia aí instalados. Para apalpar o terreno, começaram por apresentar pequenas reivindicações de ordem social, e foram difundindo o sentimento nacionalista entre os assalariados e os trabalhadores dos transportes fluviais.
A independência do Gana em 1957 e as perspectivas da Guiné-Conacri e do Senegal se tornarem a breve prazo independentes, “adubou” o terreno e chegou a pensar-se que, à semelhança do que estava a acontecer com os vizinhos, também a Guiné-Bissau se iria tornar independente sem necessidade do recurso à luta armada.
A partir de 1958, numerosos jovens guineenses foram para o Senegal e para a Guiné-Conacri, em busca de melhores condições de vida.
Numa primeira fase, em Conacri, o médico são-tomense Hugo Azancot de Menezes acolheu-os e enquadrou-os.
Com o acordo das autoridades de Conacri, Azancot funda o Movimento de Libertação dos Territórios sob a Dominação Portuguesa em 1959. Mais tarde, essa autorização viria a ser-lhe retirada, com o argumento, pensa-se, de manter uma estratégia errática.
Logo nesse mesmo ano, a Rádio Nacional da Guiné-Conacri pôs ao dispor do Movimento uma hora semanal de emissão. O programa emitido em crioulo e em algumas línguas locais, para além do português, ganhou rápida audiência. Era um programa cujo conteúdo se baseava em informações que provinham do próprio território da Guiné, transmitidas principalmente por Rafael Barbosa a Domingos Pina Araújo, na altura residente em Koldá (Senegal), que as fazia chegar a Conacri.
Entretanto, em Bissau, movidos pela expectativa do acesso a uma rápida independência, Rafael Barbosa e Epifânio Amado transformaram o MLG em MLCG (Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde), a que aderiram Inácio Semedo, Fernando Fortes a outros elementos já pertencentes ao MLG.
Os incidentes do Pindjiguiti acabaram por reforçar o sentimento nacionalista. Aproveitando esse acontecimento, Amílcar Cabral passou uns dias em Bissau, entre 14 e 21 de Setembro, tendo acordado com Aristides Pereira, Luís Cabral, Fernando Fortes, Rafael Barbosa e João da Silva Rosa, que largaria tudo e seguiria para a República da Guiné, de onde enviaria directrizes.
A unidade foi difícil desde o início. Os primeiros sinais de desconfiança do hegemonismo dos cabo-verdianos na luta de emancipação, traduziram-se na ruptura entre o PAI e o MLGC protagonizada por José Francisco Gomes “Maneta”, na altura principal dirigente do MLGC, que interditou as actividades de Rafael Barbosa, acusando-o de vender a Guiné aos Cabo-Verdianos.
Nessa altura, o cruzamento de informações falsas é impressionante.
Aristides Pereira escreve: “Na altura, Maneta chegou a abdicar das funções de presidente em favor de Fernando Fortes, tendo novamente chamado a si a presidência quando se deu conta de que Rafael Barbosa e Fernando Fortes estavam sintonizados. (…) Maneta foi informado por carta da ida de Rafael Barbosa a Dacar e dos contactos que aí manteve com Amílcar. Nessa mesma carta, Vicente Có informa falsamente Maneta que o PAIGC já tinha formado um governo só de cabo-verdianos para mandarem numa Guiné independente…”
Entre 1958 e 1961, alguns dirigentes do MLG e do PAI partilharam o mesmo espaço político e alguns acreditavam mesmo que, a curto prazo, as negociações para a independência iriam ter lugar. No entanto vários acontecimentos levaram a uma onda de repressão por parte das autoridades coloniais: a mobilização crescente no interior da Guiné, as mensagens ao governo português exigindo o início das conversações, as primeiras acções armadas do MLG de François Mendy no norte da Guiné e o assalto às prisões de Luanda por nacionalistas angolanos.
As detenções efectuadas pela PIDE em 1961 e 1962 obrigaram o PAI à clandestinidade e ao desmantelamento do MLG em Bissau, levando à dispersão de alguns destacados dirigentes, que se fixaram no Senegal e na República da Guiné.
Entretanto, em Conacri, Amílcar estruturava o PAI e fazia-o crescer. Criou o Lar dos Combatentes (3) para receber os jovens enviados de Bissau por Rafael Barbosa, que depressa ficou sobrelotado.
Depois de alguns esforços de elementos do MLG, nomeadamente por parte do “Maneta”, tentando desacreditar Amílcar Cabral junto das autoridades da República da Guiné-Conacri, tarefa que se revelou infrutífera, o PAIGC acabou por convencer Sekou Touré da seriedade da sua luta.
“Maneta”, impedido de regressar a Bissau, acabou por se estabelecer em Dacar, juntando-se aos elementos do MLG aí residentes, continuando a combater mais o PAIGC que o colonialismo português.
Em Abril de 1961, deu-se a primeira grande onda de prisões feita pela PIDE. José Lacerda, João da Silva Rosa, Paulo Fernandes, Tomás Cabral de Almada, Alfredo d’Alva, Elisée Turpin, Paulo Gomes Fernandes, Nicandro Barreto, Epifânio Souto Amado, Ladislau Justado, Fernando Fortes, entre outros, foram detidos.
Rafael Barbosa entrou na clandestinidade, vindo a ser preso em Fevereiro de 1962, juntamente com outros, durante um assalto da PIDE à sede clandestina do PAIGC, para os lados de Bissalanca, ficando desmantelada a rede clandestina do partido, tendo ainda sido apreendidos numerosos documentos e algumas armas.
Uma segunda vaga de prisões atingiu Momo Turé, Jorge Monteiro, Constantino Lopes da Costa e outros. Alguns foram desterrados para o Tarrafal. Ao Rafael Barbosa, a troco de colaboração, ao que se diz, foi-lhe fixada residência em Bissau, com a obrigatoriedade de se apresentar diariamente à polícia.
Em 1964, Arnaldo Shultz, desaconselhou a restituição à liberdade dos arguidos, acabando por lhes serem fixadas residência em colónias penais durante quatro anos, uns na Ilha das Galinhas, outros em Mocâmedes, Angola, no campo de S. Nicolau.
Em 3 de Agosto, é criada a FLING, enquanto Amílcar Cabral prosseguia a tarefa de consolidação do PAIGC em Conacri, ganhando dia a dia a confiança das autoridades da República da Guiné.
Em 1962, sob a influência de César Alvarenga, é formada a UNPG (União dos Povos da Guiné). Enquanto o PAIGC se decide pela acção armada no sul da Guiné, interrompendo estradas e cortando os fios telefónicos, a UNPG dirigiu uma carta ao governo colonial, pedindo autonomia e soberania.
O Presidente do Conselho Português recebeu em Lisboa, em 1963, Benjamim Pinto Bull, como dirigente da UNPG.
Salazar, de início disponível para o diálogo, acabou, posteriormente, por o inviabilizar. Assim, enquanto a UNPG perdia credibilidade, o PAIGC, interna e externamente via reafirmada a sua.
Lendo Aristides Pereira fica-se com uma ideia bem mais clara desse conturbado período, em busca da unidade da luta pela independência do território sob dominação portuguesa:
“ (…) é difícil, senão mesmo impossível, a reconstituição do ambiente em que se moviam, na década de 60, os movimentos de libertação tanto na República da Guiné como no Senegal, na medida em que, por ali pulularam inúmeros partidos e movimentos que a pretexto de tudo e de nada eram fundados e refundidos. Ainda mais difícil é a análise do verdadeiro alcance das acções desses movimentos, devido ao seu elevado número e à sua divisão em “raças” ou “religiões”. Acresce ainda o facto de que vários dirigentes desses agrupamentos aparecerem referenciados em várias formações políticas ao mesmo tempo e às vezes até em formações políticas rivais.
Esse ambiente de desorientação foi agravado quando, em face do avanço da luta, a 29 de Setembro de 1964, as autoridades de Senegal reconheceram o PAIGC como o único movimento representante do povo da Guiné, dando-lhe a facilidade de desenvolver actividades políticas no Senegal, proibindo, no entanto, terminantemente o trânsito e a permanência de material de guerra no seu território”.
Numerosos foram os elementos recrutados, que pela influência de Rafael Barbosa, em muito influenciaram o trabalho de mobilização do PAIGC, permitindo alargar a rede clandestina a outros pontos do território.
Grande parte desta gente acabou, no entanto, por ser presa, formando o primeiro grupo de nacionalistas a ser enviado para a Ilha das Galinhas.
Gerações posteriores de combatentes tiveram sempre por detrás a mão de Rafael Barbosa, afirma Aristides Pereira.
Assim aconteceu com o grupo de jovens do grupo musical “Cobiana Djazz” (4) (José Carlos Schwartz, Aliu Bari, Duco Castro Fernandes, Isaac Dias Ferreira, Firmino Cabral, Januário Sano e João Saul de Carvalho Neves), que, de forma subtil, foi consciencializando as populações através das suas criações musicais.
A afirmação internacional do PAIGC
Em Dezembro de 1960, realizou-se em Londres uma conferência na qual participaram pela primeira vez as organizações anti-colonialistas – MPLA, PAI e Goa League – representadas por Mário de Andrade, Viriato Cruz, Américo Boa Vida, João Cabral e Aristides Pereira.
Após a extinção do Movimento para a Independência dos Territórios sob Dominação Portuguesa, Amílcar Cabral com outros camaradas criou em Conacri o MLGCV (5).
No Lar dos Combatentes, em Conacri, finda a formação ideológica e política, os voluntários eram enviados para o interior da Guiné, com o objectivo de mobilizar os camponeses.
Foi sob a responsabilidade de Malan Sanhá que entraram no território a quase totalidade das armas que o PAIGC fez sair clandestinamente do porto de Conacri, as mesmas que serviram para o ataque ao quartel de Tite em 23 de Janeiro de 1963. Diz Aristides Pereira, que nesta transferência de armas, houve baixas de importantes responsáveis do PAIGC, como foi o caso de Vitorino Costa, que “encontrando-se cercado pelo exército colonial e na tentativa heróica de salvar os camaradas que com ele agiam na região de Quinara, sucumbiu perante as balas inimigas” (Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta,…pág. 148).
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Fotos e notas de rodapé extraídas ou resumidas do "Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países", de Aristides Pereira, Editorial Notícias
(*) Fernando Fortes, ao que se sabe, envolveu-se em tudo o que fosse partido ou movimento contra a presença portuguesa na Guiné.
(**) Destaque para o trabalho que Leopoldo Amado tem vindo a desenvolver como historiador da Guiné e de Cabo Verde, em especial sobre os anos recentes.
(1) Escritor e africanista inglês
(2) Martinho Ramos, Isidoro Ramos, João Vaz, Elisée Turpin, José M. Davyes, Godofredo de Sousa, Crates Nunes e Estêvão da Silva
(3) “Para a luta de libertação, eu enviei mais de 500 pessoas. Quase toda a malta que saiu daqui de Bissau eu é que mandei. Umaro Djaló, Constantino Teixeira, Buscardini, Chico Mendes, Malan Sanha, Rui Djassi, Vitorino Costa, Domingos Ramos, Osvaldo Vieira, Tiago Aleluia Lopes, Juvêncio Gomes, etc….”
(4) José Carlos Schwartz (1949/1977), considerado o pioneiro da música moderna guineense, esteve preso na ilha das Galinhas. Após a independência dirigiu o Departamento de Arte e Cultura do Comissariado da Juventude e Desportos e, mais tarde, foi encarregado de negócios da Guiné-Bissau em Cuba, onde morreu vítima de um acidente de aviação.
(5) “Movimento para a Libertação da Guiné e Cabo Verde”, 1960
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Nota de vb:
(1) Vd. post de 18 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - P2114: Bibliografia de uma guerra (17): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte I)
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