segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2127: História de vida (5): Sérgio Neves, meu irmão, um homem bom (Tino Neves)

Moçambique > 1968 > Sargento Miliciano Sérgio Neves (esteve anteriormente na Guiné, na CCAÇ 674, como furriel miliciano (Zona Leste, Fajonquito, 1964). Trabalhou no Arsenal do Alfeite. Morreu em 1997.

Foto: © Tino Neves (2007). Direitos reservados.



1. Texto do Tino Neves, ex-1º Cabo Escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego (Gabu), 1969/71). Enviado em 11 de Setembro de 2007:

Camaradas da Tabanca Grande:

Aqui vai mais umas pequenas histórias sobre o meu irmão Sérgio Faustino das Neves, Furriel Miliciano na Guiné (Fajonquito, 1964/66), e 2º. Sargento Miliciano em Moçambique (Lourenço Marques, Mueda, Vila Cabral, Nampula, 1968/70) (1).

Não diria que são histórias, mas sim uns pequenos apontamentos, sobre as suas qualidades como homem.


(A)Começo por pela mais recente, cá em Portugal nos anos 90.


Estava o meu irmão a viver no Algarve, em Luz de Tavira, com os meus pais, e tendo nessa altura muita dificuldade em arranjar trabalho, pois como eu já devo ter dado a entender numa história atrás contada, o meu irmão tinha um grande problema com o álcool, não podia beber sequer um dedal do mesmo, que ficava logo grogue mas quando trabalhava ou estava a fazer alguma coisa com responsabilidade, conseguia aguentar várias semanas ou até meses sem beber.

Em dada altura, surgiu a oportunidade de trabalhar numa conhecida empresa de construções de Abrantes, que estava na construção de estradas naquela zona, e como o meu irmão tinha a carta de condução profissional, para todos os veículos, conseguiu arranjar para andar com um camião de combustíveis para abastecer as máquinas a operar.

Estava a correr tudo bem, estava todo o mundo contente com ele, até que um dia o meu irmão assistiu a uma discussão entre o encarregado das obras, o responsável, (o Big Boss) ou lá quem era, com um preto da Guiné, pois ele tentava-se exprimir através do crioulo da Guiné, que o meu irmão sabia falar muito bem.

E o que ele ouviu, não gostou nada, por isso no final do dia foi procurar saber mais a fundo o que se teria passado, e procurou primeiro junto do Guineense, tendo constatado o seguinte: (i) que era um grupo de cerca de 12 guineenses, (ii) que estavam hospedados nuns contentores sem condições algumas, e (iii) que o Big Boss só lhes pagava aquilo que queria e quando queria, (iv) que era precisamente isso que o guineense estava a pedir, o seu dinheiro, porque estava sem patacão, assim como ele e todos os outros (que na maioria deles não falavam português nem sequer crioulo, e eram todos eles jovens).

O meu irmão, em face disso, resolveu ir pedir explicações ao Sr. Big Boss, e dizer-lhe que ele não podia tratar assim aqueles homens, e que devia pagar todo o dinheiro em falta a todos eles, se não… E como o Sr. Big Boss era o Big Boss, respondeu à letra, e a partir dali gerou-se uma forte discussão em que o meu irmão lhe chamou todos os nomes, menos de Santinho.

Não tenho presente quando, mas passados poucos dias o Sr. Big Boss arranjou um pretexto para despedir o meu irmão.

Conclusão: O meu irmão, mesmo sabendo que poria em risco o seu emprego, não hesitou em defender os pobre guineenses de serem explorados daquela maneira. Quando ele via uma injustiça, ele não pensava duas vezes, para ir em socorro do injustiçado.


(B) O segundo apontamento, foi em Lourenço Marques, no período em que ele deu instrução militar aos mancebos de lá.


Num determinado dia em que esteve de Sargento de Dia, ao passar junto das celas dos presos, ouviu o som de alguém que estava a soluçar (chorar), e foi ver o que se passava. Era um soldado recruta, que tinha recebido um recado a dizer que a mulher estava na Maternidade, para ter o filho, e que ele gostava muito de estar presente nesse momento inesquecível, e não podia por estar preso.

O meu irmão, resolveu o assunto, fazendo um trato com ele, de estar de volta às 00:00 horas (meia noite).

Promessa cumprida e agradecida, mas chegou aos ouvidos de um tenente, que não gostou do que o meu irmão fez, e resolveu fazer queixa do meu irmão.


(C)E por última, numa povoação chamada Meponda, perto de Mueda (julgo eu), onde ele esteve aquartelado.


Perto de Meponda há ou havia uma ponte, que tinha que ser protegida, e iam para lá destacados durante um mês, não sei se um Grupo de Combate ou Secção ou Pelotão, só sei que era a vez dos homens do meu irmão.

Pelo facto de a ponte ficar num sítio isolado, os homens andavam à vontade, de tronco nu, só de calções.

Um determinado dia aparece lá um Major que, ao ver os homens naquele estado, deu logo ordem de prisão ao meu irmão.

Nesse mesmo dia à noite, alguém bate à porta do Sr. Major, e este ao abrir a porta depara com um inesperado espectáculo, à sua frente:

Todo o pessoal fardado à maneira e armado até aos dentes, de tudo o que havia e mais potente, apontando para a porta do Sr. Major, e um dos elementos gritava:
- Solta já o nosso sargento da prisão ou arrasamos já isto tudo!

Escusado será dizer, qual foi a opção escolhida pelo Sr. Major.

Conclusão: Não tenho comentários.

Um Abraço

Tino Neves
Almada

__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

6 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2032: Estórias de vida (4): Ainda sobre o meu irmão, o Srgt Mil Sérgio Neves, que foi amigo em Moçambique de Daniel Roxo (Tino Neves)

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1933: Questões politicamente (in)correctas (30): os cordeiros e os lobos de Mueda ou a adrenalina da guerra (Luís Graça)

6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1928: Estórias de vida (3): Sérgio Neves, meu irmão: em Moçambique, o Mercenário, amigo do lendário Daniel Roxo (Tino Neves)

14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1367: Concurso O Melhor Bagabaga (3): Fajonquito (1964) (Tino Neves)

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