terça-feira, 17 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5288: Memória dos lugares (55): Pontes do Rio Corubal (Carlos Silva)

1. Mensagem de Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, 1969/71, com data de 13 de Novembro de 2009:


Amigos,

Já que estamos em matéria de pontes. Agora somos engenheiros de pontes, aqui vai um texto mais ou menos esclarecedor sobre a Ponte Carmona, que gostaria que publicassem, para os nossos tertulianos ficarem melhor informados.

Gostaria de ouvir a opinião do Mário Dias. Pois estou admirado com a resposta dele.

É certo que os factos que invoco neste documento são anteriores à estadia dele na Guiné.

Mas como esteve por lá tantos anos, nunca ouviu falar em qualquer desastre, desabamento da referida ponte? E se houve ou não mortos ou feridos?

Ainda tenho mais 3 pontes para tratar de per si.

Pontes no Rio Corubal


O rio Corubal nasce nos montes do Futa-djalon na Guiné-Conakri, percorre uma grande extensão do território da Guiné-Bissau, passando pelo Che-Che, [onde se deu o grande desastre, gravado na nossa memória, 47 mortos das NT]; Saltinho, Xitole, indo desaguar no rio Geba próximo da Ponta do Inglês, Ponta Varela.

1ª - Ponte Carmona que fica situada a 5 ou 6 kms a Sudoeste da povoação do Xitole.

2ª - Ponte Submersível a montante da Ponte Carmona e localizada nos rápidos do rio Corubal no Saltinho junto à povoação e posteriormente durante a Guerra Colonial junto do aquartelamento-destacamento militar, cuja construção foi iniciada em 1947, terminada e inaugurada em 1948.

3ª – Ponte Craveiro Lopes, a 80 ou 100 metros a jusante da Ponte Submersível, iniciada em 1955, terminada e inaugurada em 1958.

Apenas vamos falar da Ponte Carmona, que foi a 1ª ponte a ser construída, embora eu não tenha ainda descoberto a data da sua construção.

Há dias, dizia eu que segundo informações recolhidas no local aquando da minha passagem por lá, a ponte a obra não fora concluída talvez por deficiência de construção. Como não andei por aquelas paragens em 1969/71 e porque não era portador de informações fidedignas, assim passei a mensagem para o meu Site e para o Blogue do Luís Graça.

Foram publicados alguns Postes algo confusos, [P5227; 5228; 5237; 5249; 5260 e outros antigos há que nada esclarecem sobre as nossas dúvidas] misturando informação das outras 2 pontes que a seu tempo falaremos de forma mais segura.

Assim não me conformando com as informações obtidas, foi por intermédio do meu amigo Rui Fernandes, Médico, também tertuliano, que falei com a D Fátima Calvet Magalhães que se encontrava em Portugal, filha da D. Helena Calvet Magalhães, [falecida] ex-proprietária do Aldeamento Turístico “Chez Hellene” de Varela, por sua vez filha de Vasco de Sousa Calvet de Magalhães.

Se tiverem curiosidade de conhecer a simpática D. Helena vide o meu Site na página referente ao Batalhão de Cavalaria 2876, onde tenho fotografias publicadas.

Nessa conversa telefónica com a D Fátima, ela informou-me que a construção da Ponte Carmona era da autoria ou foi construída por determinação do seu avô materno e que tinha sido concluída e que as pessoas passavam por lá para se deslocarem para Buba e que não havia dúvidas sobre tal facto.

Não estando ainda conformado com as informações obtidas, como ainda não estou, hoje dediquei-me a folhear vários livros antigos que para aqui tenho, os quais ainda não me respondem a todas as minhas curiosidades, designadamente:

Quando foi iniciada a obra e inaugurada e quando é que se deu o desabamento dos pilares e porquê?
Há com certeza livros e documentos que nos esclarecerão as dúvidas, mas será necessário fazer alguma pesquisa.

Na verdade, consta no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa – Número Especial - Outubro 1947, de que sou titular:

Pág. 88 - 14-3-1913, por decreto foi o administrador Vasco de Sousa Calvet Magalhães agraciado com a medalha de prata de serviços distintos no Ultramar.

Pág. 103 – 28-5-1937 - Foi inaugurada com toda a solenidade a ponte sobre o rio Corubal.

[Contudo não refere a localidade e a designação da ponte, mas podemos concluir com clareza que não se trata das outras duas pontes acima referidas, que foram construídas mais de uma década depois e ainda não havia estrada do Xitole para aquelas bandas].


Será esta a Ponte Carmona no Xitole? presumo que sim.

Donde, me parece ter sido iniciada antes de 1937.

Pág. 123 – 5-06-1946 - …. O Governador visitou ainda o local dos rápidos do Saltinho, no rio Corubal, a fim de estudar a construção de uma passagem submersível para ligação das duas margens na época da estiagem…

Pág. 145 – 1-10-1947 - O Governador da Colónia, em Lisboa, propôs uma operação de crédito, para as seguintes obras:

…. Construção das pontes de Bafatá, Alferes Nunes [trabalho que tenho em mãos] e Braia, e reparação da do Corubal….

Donde, me parece ter havido derrocada de algum dos pilares antes de 1947.

Teria acontecido algum desabamento e posteriormente ter havido reparação com a construção de pilares diferentes? Tal como resulta das fotos do nosso amigo Rui Fernandes tiradas de montante para jusante?

E se houve essa reparação, posteriormente houve outra derrocada? Quando?

A partir daí não houve mais reparações e a ponte ficou no estado actual que se vê. Inoperante?

Creio que não é necessário alongar-me mais, sobre esta situação.

Se alguém souber responder a estas perguntas. Agradeço desde já, porque tenho curiosidade.

Para mais desenvolvimentos, consultem www.carlosilva-guiné.com
Sobre as outras pontes brevemente apresentarei para além de dezenas de fotos, um trabalho devidamente documentado sem margem para dúvidas.

Com um grande abraço amigo
Carlos Silva
Fur Mil CCAÇ 2548/BCAÇ 2879

Fotos: © Carlos Silva (2009). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P5287: Notas de leitura (34): As Lágrimas de Aquiles, de José Manuel Saraiva (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos, (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Novembro de 2009:

Luís e Carlos,
Foi uma agradável surpresa conhecer este livro do José Manuel Saraiva.
Aqui fica uma recensão que talvez desperte a vontade de o conhecer melhor, por inteiro.
Um abraço do
Mário



As lágrimas de Aquiles
Beja Santos

Por mais voltas que demos, por mais elaboradas as nossas justificações, escrevemos sempre sobre nós, mesmo que reposicionemos toda a gama de sentimentos na boca de outros. O jornalista José Manuel Saraiva, autor de dois documentários para a SIC sobre a Guerra Colonial (Madina do Boé – a Retirada e De Guilege a Gadamael – o Corredor da Morte) é nosso camarada da Guiné e decidiu ficcionar-se em “As Lágrimas de Aquiles” (Oficina do Livro, 2001). Nuno Sarmento regressa à Guiné, percorre os lugares onde combateu, é esta a trama clássica para viajarmos dentro de nós próprios, faz-se a incursão por onde existiu a guerra, encontra-se uma criança (neste caso, o Dez, aliás Aliú, cujo pai foi morto por um oficial português). Esta viagem não é um acto de contrição nem o exorcismo de velhos fantasmas, como observa Manuel Alegre no prefácio. Como ele também diz, muitas vezes a ficção ultrapassa a realidade. O que é mais impressivo nesta obra é a serenidade nos registos: a candura e a crueldade; a inocência e a dúvida; a fidelidade aos valores e a sua contestação em lume brando, na voragem em todos os sofrimentos ao longo de uma comissão.

Nunca conheceremos, ponto por ponto, por onde combateu José Manuel Saraiva/Nuno Sarmento. O território do calvário chama-se Bolanha da Cruz, constava que tinha sido ali, logo no início da guerra, que tinha caído, morto, um dos primeiros jovens oficiais portugueses. As lágrimas que se vão chorar ao longo da narrativa obedecem a essa mesma trama clássica de um Nuno Sarmento que deixou uma carta ao amigo, quando desistiu de viver. É um maço de cartas e fotografias, está ali tudo, a aprendizagem da guerra, a formação do batalhão, as recordações de Coimbra, o amor por Catarina, as minas e as emboscadas, a sólida personalidade do capitão Silveira, as primeiras baixas, os aerogramas, a inspecção da tropa, tudo se mistura no tempo e no espaço, até porque na guerra voltamos ao local de nascimento, aos amores perduráveis, aos estudos interrompidos, aos cuidados das nossas mães. O escritor, sabe-se lá se o jornalista que foi à Guiné fazer reportagens, recorda o seu passado de guerreiro transitório, Aliú traz-lhe a reconciliação para todas as barbaridades vistas e perpetradas. Porque houve morte violenta, um guerrilheiro que se estropiou, que se negou a dar informações e a quem o alferes manda executar. Se essa recordação é dolorosa, a das férias não é menos. É aqui que ele descobre que os vínculos com a Catarina se enfraqueceram, irremediavelmente. É uma dor incurável que vai ficar para a segunda parte da comissão, tempo de dificuldades, de mais mortes, de dúvidas políticas, de algumas tragédias na Bolanha da Cruz. Durante uma emboscada, um pelotão em pânico abandona o seu alferes que só será recuperado no dia seguinte. Será um drama que irá atravessar de alto a baixo a vida da unidade, todos ficarão mudados por aquele momento de fraqueza. Nuno nunca fora militante coisa nenhuma, a sua revolta contra o Estado Novo fora mais emocional do que apostólica, agora só se preocupa com a solidão e com a passagem dos meses. A chegada do alferes Mendes Vicente, que viera substituir outro alferes morto, é um bálsamo na vida de Nuno.

A viagem à Guiné termina, Nuno despede-se de Aliú, assim caminhamos para o fim de um livro triste de um homem que perdeu âncoras, afectos, auto-estima. “As Lágrimas de Aquiles” é o retrato de um combatente que perdeu a bússola e que não aceitou o absurdo. Tal como alguém escrevera na Bolanha da Cruz “uma morte para nada”, Nuno Sarmento deixou de se interrogar porque e por quem valera a pena combater. Onde a sua memória não cedera foi nos afectos a todos os camaradas sofridos e leais. É esta a literatura da guerra colonial: falarmos do que vivemos, pois tocar no mais fundo absurdo permite prosseguir de olhos abertos, mesmo no olvido das outras gerações.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5215: Notas de leitura (33): Em Nome da Pátria, de João José Brandão Ferreira (Beja Santos)

Guiné 63/74 – P5286: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (27): As pescarias em Buba

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 27ª estória:

Camaradas,

Do meu baú lá tirei mais um texto cheio de poeira, que, depois de lhe ter sacudido o pó, deu origem a este conto ainda bem vivo na minha memória, a que dei o título:

AS PESCARIAS EM BUBA

Quem de LDG, ou outro tipo de embarcação, subia o rio grande de Buba, encontrava o aquartelamento local, sobe uma pequena encosta, com a sua ponte de madeira (a que chamávamos cais).

Este local, que parecia calmo e bem situado aos "Piras" que ali chegavam para cumprir as suas comissões, não passava de uma ilusão já que, como vinham a constatar ao longo do tempo, por amargas experiências de guerra, se tornou numa armadilha feroz.

O quartel de Buba era sede do COP4, onde o mítico Major Carlos Fabião era o seu comandante.

Era, por isso, a fonte dos abastecimentos de todo o tipo de equipamentos, combustíveis, munições e alimentos, aos aquartelamentos de Nhala, Mampatá e Aldeia Formosa, que, periodicamente, organizavam colunas a Buba para esse fim.

Era nessas idas a Buba, em colunas para reabastecimento, que eu e outros camaradas, aproveitávamos para nos dedicarmos à pesca e nos deliciarmos com uns peixinhos grelhados daquele imenso rio.

Tínhamos formas de pesca inauditas, uma delas era percorrer a margem do rio à procura de cardumes e lançar granadas de sopro ofensivas, para o meio dos pegos, onde se concentrava o maior número de peixes.

Do resultado das explosões, surgiam manga deles mortos à tona da água. Depois era só escolher os maiores e apanhá-los.

Seguíamos para o aquartelamento, onde preparávamos deliciosos banquetes com a restante malta da coluna.

Às vezes tínhamos o Major Carlos Fabião á perna, que não queria o pessoal exposto fora do arame, mas o pessoal lá contornava a situação e como ele gostava muito de peixe, tínhamos o cuidado de lhe guardar o maior exemplar que apanhávamos.

Pena, era não termos meios e condições para levar as pescarias para Mampatá, porque seria um ronco chegarmos lá com tais petiscos.

Buba tinha grande riqueza natural naquele braço de mar, que era muito rico em peixe e marisco; camarão, ostras, peixe-gato, tainhas, pargos e outros, de que eu apanhei variadíssimos e bons exemplares.

Como sempre fui adepto da pesca, às vezes dedicava-me a pescar à linha e, era com este processo, que conseguia peixes de maiores dimensões.

Assim ocupávamos o nosso descanso e passávamos o tempo livre, nos dias em que tínhamos de permanecer em Buba, para os necessários e habituais reabastecimentos.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: © Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5285: Os nossos médicos (9): Preocupações com a saúde do Dr. Rogério Leitão, CCAÇ 557, 1963/65 (J. M. Ferreira / J. Augusto Rocha)

João Carlos Celestino Gomes > Presépio, 1930, óleo sobre tela 106,7 x 127 cm, Museu de Ílhavo
Celestino Gomes (1899-1960) é um ilhavense ilustre, médico, artista, pintor, poeta. Ílhavo era, por sua vez, a terra das mulheres de xaile preto, de forte personalidade, verdadeiras matriarcas, cujos maridos andavam embarcados na pesca do bacalhau ou na marinha mercante... Terra de pescadores, navegantes, marinheiros. Terra também do nosso amigo e camarada Jorge Picado que aos 32 anos, engenheiro agrónomo e pai de quatro filhos, foi capitão miliciano na Guiné...

O Dr. Rogério Leitão, cujas melhoras de saúde desejamos ardentemente, era médico da CCAÇ 557, que esteve do Cachil, depois da Op Tridente (1964). É também um ilustre filho da Ria de Aveiro, cidadão aveirense, vizinho do nosso Jorge Picado.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do José Manuel Ferreira, ex- Sold Apontador de Armas Pesadas, CCAÇ 462, Ingoré (1963/65) (**):

Meus caros camaradas MR e Luis Graça

Este mail está a ser redigido e vai ser-vos enviado pelo facto de ter visto (finalmente, mas a culpa não é toda nossa) o Dr. Rogério Leitão, insígne médico cardiologista e aveirense com lugar próprio (***).

Falo nele, para vos confirmar o que já sabem. É pessoa das minhas relações, por outras razões. Mas sempre me falava com algum interesse e entusiasmo no seu Catió e outros locais.

Todos sabemos também que interveio no programa do Joaquim Furtado, passado na RTP1, há tempos.

Um dia não muito distante, como pessoa cumpridora e organizada que é, telefonou-me propsitadamente para informar que sua esposa tinha sido vitimada por um AVC. Recebi o seu telefonema com alguma surpresa, preocupação e incomodação. Lá me desenrasquei com as palavras que o momento originava. Um telefonema para resolver uma questão de um grupo organizado de que ambos fazíamos parte e que, assim, sua esposa não poderia estar presente.

Após isto dei conhecimento a todos os membros do grupo. Mas o Dr. Rogério Leitão deixou de aparecer, o que se compreendia.

Mas hoje, ao visitar o nosso blogue, vejo algumas fotografias dele e da esposa que ali foram postadas. Só que, segundo notícias um tanto baralhadas ainda, indicam também que o Dr. Rogério Leitão não anda bem, mas não sei em que condições, mas parece que também com qualquer coisa do foro cardiológico.

Fazendo bem ou mal, penso que devia partilhar connvosco esta informação, a tempo ou destempo. Neste fim de semana, espero poder obter mais indicações. E se elas interessarem, direi qualquer coisa.

Até lá vamos aguardar as evoluções... e que sejam favoráveis e de recuperação.

Um Ab

Do camarada
J. M. Ferreira
(Aqui junto do Rio Vouga)

2. Mensagem de L.G. (c/c José Augusto Rocha):

Camarada Ferreira:

Transmite ao nosso camarada, Rogério Leitão, as nossas preocupações pela sua saúde, e também os nossos votos de melhoras, para ele e para a esposa... Quando as coisas estiveram melhores, queremo-lo aqui no nosso blogue, no meio de nós, na Tabanca Grande... Este lugar pertence-lhe por direito... Tens alguma foto dele, actual ? Dá-nos (boas) notícias, logo que puderes... Luís

3. Resposta de José Augusto Rocha, advogado, ex-Alf Mil, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) (****)

Luís Graça

Infelizmente, os anos passam por nós e levam aquilo que melhor temos da vida: a saúde! Pelo que vejo, a traição do organismo também está a chegar ao Rogério Leitão… o que lamento, mas é mesmo a inexorável lei da vida!

Como previa, o Rogério Leitão não se quis comprometer em ceder as fotografias… nunca compreendi esta sua aversão, melhor, talvez até compreenda…

Lá vi o poste da minha crónica, que como sempre está competentemente contextualizado e cartografado… quase me dá vontade de escrever “Breve Memória da Guerra da Guiné II”, mas o seu conteúdo que seria pouco ortodoxo para a sensibilidade geral, aconselha a que não fira susceptibilidades… dos valorosos combatentes da guerra, em que, aliás, historicamente me incluo.

Pelos comentários que vi, foi muito didáctica a citação do Che Guevara. Eu também andei por esses colégios religiosos, no caso concreto, o Colégio de Lamego dos monges beneditinos, onde, por acaso, também em épocas mais remotas andou o Aquilino Ribeiro!

A minha aversão a comemorar (memorar em comum) acontecimentos de triste memória, conduziu a que sempre tenha rejeitado os encontros desse Colégio, que também merecia uma boa crónica, ainda nunca feita, para se saber o que é essa triste e hipócrita realidade do internato em instituições religiosas… e mais não digo!!!

Escrevi ao Colaço, que corrigiu – e bem - alguns pormenores da minha crónica da Guiné, mas que não a desfiguram e são de mero pormenor.

Espero que um dia possamos fazer um almoço para cavaquear estas coisas e outras que surjam.

Um abraço

José Augusto Rocha

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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

28 de Setembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3248: Eu, capitão miliciano, me confesso (1): Engenheiro agrónomo, ilhavense, 32 anos, casado, pai de 4 filhos... (Jorge Picado)

9 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2736: Tabanca Grande (60): Apresenta-se o Jorge Picado, ilhavense, ex- Cap Mil, CCAÇ 2589, CART 2732 e CAOP 1 (1970/72)


(**) Vd. último poste do J. M Ferreira > 11 de Novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5252: Estórias avulsas (57): Funeral na Guiné – Refeição melhorada

(***) Vd. poste de 13 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5264: Os nossos médicos (8): O Dr. Rogério da Silva Leitão, aveirense, cardiologista, CÇAÇ 557, Cachil, Como, 1963/65 (José Colaço)

(****) Vd. poste de 14 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5267: História de vida (17): Um homem no Cachil, Ilha do Como, CCAÇ 557, 1964 (José Augusto Rocha)

Guiné 63/74 - P5284: Dando a mão à palmatória (24): Os editores do blogue têm que ter rigor e espírito crítico em relação às suas fontes (Luís Graça)

1. Luís Graça deixou este comentário no poste 5261*:

Os editores deste blogue não são jornalistas e, muito menos, profissionais. Têm, no entanto, que ter a mesma preocupação de rigor e espírito crítico em relação às suas fontes...


Alguém nos induziu em erro dizendo que só vinham duas ossadas em vez de três... Resultado: houve logo reacções em cadeia, de protesto, perfeitamente legítimas e expectáveis... De facto, seria intolerável que, hoje, em 2009, os restos mortais de um camarada nosso, devidamente identificados, exumados, levados de Guidaje para o Cemitério de Bissau, não pudesse finalmente chegar a casa por dificuldades financeiras da família...

Acabámos, involuntariamente, por publicar um boato no nosso blogue, e isso não é bom para a nossa seriedade e credibilidade...

Não somos um órgão de comunicação social, mas temos que ser sérios ou parecer sê-lo, como a mulher de César... Se começarmos a trilhar o caminho de outros blogues (a via do boato, insulto, demagogia, atoarda, sarcasmo, manipulação, etc.), corremos o risco de provocar fracturas entre nós, destruindo trabalho de mais de cinco anos...

Publicados os relatos (objectivos) e as fotos do José Martins e do Virgínio Briote sobre o dia de ontem, houve uma acalmia geral...

Nós próprios, editores, temos que ser comedidos e inteligentes na escolha dos títulos... Bom, tudo isto já foi matéria discutida internamente por nós, editores, enriquecendo o nosso Livro de Estilo...

Aprende-se com os erros. Estamos a aprender, sempre... Comunicar não é fácil, é tramado... Mas eu, pessoalmente, continuo muito orgulhoso da equipa que temos. Obrigado aos meus/nossos editores que fazem o melhor que podem e sabem. E fazem-no galharda e generosamente, sacrificando muitas vezes horas ao sono, ao convívio, à família e até ao seu trabalho profissional (os que ainda estão no activo).

Aos nossos leitores, aos nossos amigos e camaradas da Guiné, pedimos desculpa por, involuntariamente, termos dado cobertura a uma falsa notícia que provocou reacções emocionais negativas...

Uma última palavra, para os nossos críticos: para eles vão sempre os nossos aplausos, independentemente da sua razão ou falta dela. São eles que nos interpelam e estimulam a fazer sempre mais e melhor.

Um Alfa Bravo.
Luís
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5261: Efemérides (29): Às custas dos seus familiares (Magalhães Ribeiro)

22 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4853: Dando a mão à palmatória (23): Verdadeira causa da morte de três camaradas açorianos da CCAÇ 2444 (Carlos Cordeiro/Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P5283: Carta aberta ao António Lobo Antunes: que p... é essa de ter talento para matar ? (Amílcar Mendes, 38ª Cmds, 1972/74)

1. Mensagem do Amílcar Mendes , membro da nossa Tabanca Grande (foto à esquerda; o primeiro, de camisa branca, boina e crachá dos comandos, ao lado do nosso co-editor Virgínio Briote, também ele um ex-comando da Guiné(*)

Assunto - Ter talento para matar ou morrer: Carta aberta ao Sr. Lobo Antunes


Luís Amigo, nos intervalos da minha actividade na praça de Lisboa, vou me deliciando a ler algumas pérolas literárias de ex-combatentes (?) acerca da ex-guerra do ultramar, em especial daqueles que, evocando as suas memórias, as vão editando em livro, o que fazem muito bem, até para que a geração actual possa avaliar o que passaram os pais, avós, etc….

Por esse motivo devem aqueles que escrevem ter o cuidado de transmitir tudo o que se passava na guerra. Vejamos: actividade operacional, social, relações com a população, falar se foi justa ou não, sequelas deixadas, os camaradas mortos, as saudades, tudo, mas tudo aquilo que passou deve ser deixado em escrita. Sem nunca sair da realidade, porque estivemos lá milhares e sabemos avaliar a verdade e a mentira e, se a mentira exceder a verdade,. o escritor arrisca-se a cair no ridículo.

Um caiu ! Ó Sr. médico, escritor combatente, Lobo Antunes. Por favor, Sr. Lobo Antunes, apenas peço que me explique a mim, ex-combatente que repetidas vezes olhou a MALVADA nos olhos, que A viu por uma dúzia de vezes levar nas garras os seus camaradas de COMPANHIA, eu que por uma vez A iludi mas ficou a SUA marca,a mim que dormi em bolanhas noites a fio, que em emboscadas intermináveis mijava no camufulado (e que bem sabia o quente) sem me poder mexer, que sentia um medo danado a cada vez que ia para a mata, a mim que comi marmelada com capim, a mim que bebia o mijo dos animais nas raras poças de água na mata, e finalmente a todos os milhares que lá estivemos, gostaria por favor que me respondesse a esta simples pergunta:

- Mas que porra é essa de ter talento para Matar? É como ter talento para Mentir ? Vou pensar que o Senhor é um ficcionista da escrita e como tal inventou tudo o que escreveu. Se é esse o seu caso está perdoado, mas quando escrever mais alguma coisa sobre guerra, peça aconselhamento a alguém sério que lá tenha estado e tenha realmento conhecimento do que foi a guerra e combater nela, não invente demasiado se não ninguém o vai levar a sério.

Bem, mas a pergunta mantem-se para quem souber responder, talvez o Sr. João Silva (**). Mas que raio é ter talento para matar? Uma pista: Os HÉROIS acontecem por acaso,os cobardes vivem com convicção. Desculpe a minha ortografia mas sou um pobre inculto sem pretensões a escritor.

Amílcar Mendes, [taxista na praça de Lisboa,] ex-1ª cabo COMANDO da 38ºCOMPANHIA DE COMANDOS, em 72, 73 e 74 na ex-Guiné Portuguesa.

[ Revisão / fixação de texto / bold a cores / título: L.G.]

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Notas de L.G.:

(*) Vd., por exemplo, os seguintes postes de Amílcar Mendes sobre Guidaje, 1973:

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje

24 de Outubro de 006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...

(**) Referência a João Céu e Silva, autor do Uma Longa Viagem Com António Lobo Antunes (Porto Editora, 2009)

Parece que o pomo da discórdia, as declaarações feitas por A. Lobo Antunes, no México, em Agosto de 2008, está na página 391... Escreve o autor de Uma Longa Viagem..., João Céu e Silva:

(...) Nas várias entrevistas que deu durante a deslocação a Guadalajara [em Agosto de 2008, para receber o Prémio Literário Juan Rulfo], António Lobo Antunes fez uma declaração inédita, que poderá ser parte da solução do mistério sobre um certo episódio em África que se recusou revelar-me:

"Eu tinha talento para matar e para morrer. No meu batalhão éramos seiscentos militares e tivemos cento e cinquenta baixas. Era uma violência indescritível para meninos de vinte e um, vinte e dois e vinte e três anos, que matavam e depois choravam pela gente que morrera. Eu estava numa zona onde havia muitos combates e para mudar para uma região mais calma tinha de acumular pontos. Uma arma apreendida ao inimigo valia uns pontos, um prisioneiro ou um inimigo morto outros tantos pontos. E para podermos mudar, fazíamos de tudo, matar crianças, mulheres, homens. Tudo contava, e como quando estavam motros valiam mais pontos, então não fazíamos prisioneiros" (...).


É preciso recordar que A. Lobo Antunes foi Alferes Miliciano Médico, entre 1971 e 1973, no Leste de Angola, e não na GUINÉ... O tema da guerra colonial é recorrente nos livros e nas entrevistas do escritor... Cite-se, por exemplo uma entrevista dada o ano passadado ao Público... É, quanto a mim, que sou seu leitor (de longa data, mas nem sempre regular - não gosto da palavra 'fã', procuro ser um leitor crítico), uma notável entrevista do escritor de Arquipélago da Insónia (o seu penúltimo livro, acabado de sair), e em que se fala dos temas que lhe são caros e obsessivos: a literatura, a escrita, a infância, a figura do pai, a psiquiatria, as mulheres, a vida, a doença, a morte…

Havia duas referências à guerra colonial nessa entrevista... O escritor tinha passado recentemente por uma situação, bem dura, de combate contra a doença, uma neoplasia. Tudo se relativiza quando um homem ganha este round e se prepara para o próximo… A vida é um combate de boxe contra a morte...

Aqui vai um pequeno excerto:

Lobo Antunes: Como posso eu, cristal, morrer? Entrevista por Anabela Mota Ribeiro. Público. 12.10.2008

(…) [Público: ] Quando digo que tresanda a morte, não digo que me apeteça morrer ou matar-me, ou matar.

[António Lobo Antunes:] Não queria falar sobre isso, mas eu estive na guerra. Matar é muito fácil. Quando o Melo Antunes estava doente, nunca tínhamos falado sobre a guerra e ele começou a falar; a mulher aproximava-se e ele dizia: "Não podemos falar mais." Perguntava-lhe: "Ernesto, porque é que não sentimos culpabilidade?" Assisti e participei em coisas horríveis. E ainda hoje não sinto culpabilidade. Porquê? Ele também não soube responder. É estranho. Porque sinto culpabilidade por ter ferido uma pessoa verbalmente, por ter sido injusto para alguém.

[Público:] Sente culpabilidade por que pensa que vai sobreviver àqueles que estão na mesma sala, à espera da radioterapia.

[António Lobo Antunes:] Sentia-me culpado porque eu ia viver e eles não. Eles eram melhores do que eu. Tinham coragem. Eu estava todo borrado. Li um bocadinho das cartas da guerra, cartas que me oferecia para ganhar o meu respeito; cheguei a ir sentado no guarda-lamas dos rebenta minas. Porque me achava um cobarde e me enojava a cobardia física. Assisti uma única vez ao espectáculo da cobardia física, e é repelente. Os nossos soldados eram miúdos, de 19, 20, 21 anos. Admiráveis. Agora vão para a discoteca, naquela altura iam dar tiros. Iam matar e morrer. Voltando ao livro: o que eu queria era meter lá a vida toda, e não acho que seja triste. Acho que sou agora mais alegre do que era. (…)

Há já mais de duas dezenas de comentários (alguns destemperados, contrários ao espírito do blogue, onde o chamado direito à indignação não pode levar, por seu turno, ao incitamento à violência...) sobre este famigerado tópico do "talento para matar"...

Vd. poste de 6 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5058: In Memoriam (33): Alferes Henrique Ferreira de Almeida, morto em combate em 14JUL68 em Cabedu (J.A. Pereira da Costa)

Ainda sobre o António Lobo Antunes, vd. os seguintes postes publicados no nosso blogue:

6 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2161: Pensamento do dia (12): Camarada, uma palavra que só quem esteve na guerra entende por inteiro (António Lobo Antunes)


(...) "Não morreste na cama mas morreste entre lençóis de metal horrivelmente amachucados na auto-estrada de Cascais para Lisboa e a gente ali, diante do teu caixão, tão tristes. Eras meu camarada, que é uma palavra da qual só quem esteve na guerra compreende inteiramente o sentido: não é bem irmão, não é bem amigo, não é bem companheiro, não é bem cúmplice, é uma mistura disto tudo com raiva e esperança e desespero e medo e alegria e revolta e coragem e indignação e espanto, é uma mistura disto tudo com lágrimas escondidas" (...).

9 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2169: Antologia (63): Zé, meu camarada, eras um dos nossos e cada um de nós um dos teus (António Lobo Antunes, Visão, 4 Out 2007)


30 de Junho de 2008 >Guiné 63/74 - P3003: Blogoterapia (58): Que o País os beije antes de os deitar fora, e lhes peça desculpa (António Lobo Antunes / A. Graça de Abreu)

28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3375: (Ex)citações (5): Os nossos soldados eram miúdos, de 19, 20, 21 anos. Admiráveis. Iam matar e morrer (A. Lobo Antunes)

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5282: Gabriel Telo e José Carlos Machado, CCAÇ 3518, Guidaje, 1973: Presentes ! (Juvenal Candeias)




1. Mensagem do Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cacine, Guileje, Cameconde, 1971/74, membro da nossa Tabanca Grande desde Maio último (*)


Caros amigos,

O passado sábado, no Monumento aos Mortos do Ultramar, foi de muita emoção com a chegada dos restos mortais do Gabriel Telo e do José Carlos Machado (**), que pertenceram a uma companhia - CCaç 3518 - "irmã gémea" da minha - CCaç 3520.

Formámos as companhias no BII 19, no Funchal, donde saímos para a Guiné na madrugada do dia 20 de Dezembro de 1971, no Angra do Heroísmo.

Depois da IAO no Cumeré, viajámos novamente juntos para o Sul, eles com destino a Gadamael, nós a Cacine.

Estava também presente na cerimónia alguém que eu não via desde a Guiné. O Daniel Matos, Furriel Miliciano da CCaç 3518, que estava no mesmo abrigo em que o Telo e o Machado morreram. Foi ele que tratou de todo o trabalho fúnebre seguinte! Naturalmente que ele estava ainda mais emocionado e não conseguiu suster as lágrimas.

Desculpem lá este assunto, mas tinha que desabafar com alguém!

Assim sendo, hoje não há história com tiros e flagelações! (***)

Vai [, depois,] uma história breve e soft para desanuviar! E podem gozar-me à vontade! Eu quero é que vocês riam e sejam felizes! Nem que seja à minha custa!

Um grande abraço.

Juvenal Candeias

_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 6 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4294: Tabanca Grande (136): Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cacine, Cameconde (1972/74)

(...) Como eu já tinha dito ao Luís, os meus textos têm normalmente algumas especificações desnecessárias para os antigos combatentes, mas a realidade é que eu os escrevo, primeiro que tudo para os meus filhos e a seu pedido! Portanto, se quiseres corrigir... estás à vontade! (...)

(**) Vd. poste de 14 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5272: Efemérides (31): Regressaram os restos mortais de mais três heróis de Guidaje, Maio de 1973 (José Martins)

(...) (ii) 1º Cabo GABRIEL FERREIRA TELO, mobilizado no Batalhão Independente de Infantaria nº 19, no Funchal, integrando a Companhia de Caçadores nº 3518, solteiro, filho de João de Jesus Telo e Maria Flora Ferreira Telo, natural da freguesia de Paul do Mar, concelho de Calheta - Madeira:

Morreu em Guidaje em 25 de Maio de 1973, vítima de ferimentos em combate durante um ataque inimigo ao aquartelamento. Foi sepultado no cemitério de Guidaje.

(iii) Furriel miliciano JOSÉ CARLOS MOREIRA MACHADO, mobilizado no Batalhão Independente de Infantaria nº 19, no Funchal, integrando a Companhia de Caçadores nº 3518, solteiro, filho de Manuel achado e Delta de Jesus Moreira, natural de freguesia de Ervões, concelho de Valpaços:

Morreu em Guidaje em 25 de Maio de 1973, vítima de ferimentos em combate durante um ataque inimigo ao aquartelamento. Foi sepultado no cemitério de Guidaje. (...)


Vd. também os postes de:

22 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2785: Ninguém Fica Para Trás: Grande Reportagem SIC/Visão (3): Sabemos ao menos quem foram e onde estão ? (Luís Graça)

24 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1546: Lembrando a CCAÇ 3518, os Marados de Gadamael, retidos no inferno de Guidaje (Daniel de Matos)

(...)Como estive 22 dias cercado em Guidaje (Maio/Junho de 1973), gostaria de deixar também um testemunho. Tal como o posto de transmissões, nas fotos referidas também não aparece o abrigo do obus, destruído a 25 de Maio, onde me encontrava no momento do rebentamento da morteirada, com mais 15 camaradas, metade dos quais que ali se refugiaram durante um ataque do IN. Desses, morreram logo 6 (que dias mais tarde fui incumbido de enterrar nas imediações) e apenas eu não fui ferido (todos os outros se feriram com diferentes gravidades).

A maioria pertencia à minha companhia, independente - a CCAÇ 3518, Marados de Gadamael - que ali viu retidos 2 pelotões durante um abastecimento de cibe vindo de Bissau, fazendo segurança à coluna que inicialmente se destinava apenas a Farim.

Não percebo por que razão esta Companhia nunca aparece referenciada nos acontecimentos de Guidaje e nos efectivos que lá permaneceram nesses dias fatídicos. Aliás, o número de mortos em combate que muitas vezes é mencionado, parece-me incorrecto. Lembro-me de enterrar camaradas envoltos em lençóis, por já se terem esgotado os caixões...

Cordiais saudações
Daniel de Matos
(ex-Furriel Miliciano) (...)


(***) Vd. postes da série Histórias de Juvenal Candeias:

16 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5113: Histórias de Juvenal Candeias (5): Vicente, o Piu

16 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4961: Histórias de Juvenal Candeias (4): Há periquitos no Quitafine

1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4623: Histórias de Juvenal Candeias (3): Um Manjaco em chão Nalú

12 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4323: Histórias de Juvenal Candeias (2): Incêndio no Rio Cacine

7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4299: Histórias de Juvenal Candeias (1): Pirofobia ou a mina que não rebentou por simpatia

Guiné 63/74 - P5281: Pensar em Voz Alta (Torcato Mendonça) (20): (Im)possível regress(ã)o

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça > Duas Fotos falantes... do seu álbum. A (im)possível regressão...


Fotos: © Torcato Mendonça (2009). Direitos reservados.


1. Mensagem do Torcato Mendonça, Fundão, 26 de Outubro de 2009 :

Caros Editores

São inquietações, dúvidas e outros temores de uma manhã de domingo. Muda a hora e a madrugada e nós vivemos duplamente a hora. Como, e porque não no relato do facto há muito passado? Com que direito ou quem me deu o direito a esse relato?

Ontem fui 'garatujando'... hoje para não me desiludir com o meu Benfica, erro meu, fui teclando e aí vai esta inquietação.

Ah, o Benfica ganhou 6-1 (1 foi fora de jogo) e eu creio não estar louco.

Abraços fortes e fraternos do,
Torcato



2. Blogoterapia > REGRESSÃO PROIBIDA
por Torcato Mendonça

Sento-me, na manhã ensolarada de fim de Outubro, domingo de mudança de hora e não sei se estou no antes ou no depois. Estou.

Entretenho-me, lentamente, a tomar o pequeno-almoço, a sentir o calor outonal a vir da varanda fechada, a ver a encosta da Gardunha a desmaiar o verde e lá no alto, as nuvens ralas a deixarem-se atravessar pelos traços rectilíneos dos poucos aviões que passam. São poucos hoje, porventura como eu perderam a hora. Não perdem certamente o destino; uns para Lisboa, outros para essa Europa de minha saudade. Há tempo, há tanto tempo, demasiado até que não cavalgo o céu num voo qualquer.

Mesmo sem o querer, sem sentir volto à Europa e logo regrido mais e estou em África. Não queria lá voltar e volto. E estou, sem o querer num passado longínquo. Trago ao presente o que queria ser o vazio, o nada, o esquecimento. Volta sempre e vivo-o como a hora da madrugada de hoje que se finou para, de pronto, recomeçar a ser ela de novo. Vêm-me ao presente os ontem de há muito. Este não se passa logo ali. Não, este cristalizou num recanto bem fundo da memória, num pequeno espaço e volta sempre.

Porquê? Não sei. Ficou lá e foi desvanecendo, esvaziando e um dia começou a encher, a vir cada vez mais forte, violento e claro. Protestou por tanto tempo ter sido reprimido e acabou por ser aceite.

Mas questiono-me: como me atrevo hoje a relatar essas vivências passadas sem pudor, sem ter certezas absolutas do correcto relato desses factos. Porquê e para quê? Porque o faço?

Ainda há dias, depois de muito tempo sem nada relatar, o fiz: escrevi, relatei o facto vivido há muito e depois, mais abertamente até dele falei.

Pior ainda, foi lido por não sei quantas pessoas e até falei com uma: a personagem do relato e ele foi ler.

Depois ligou e falamos, falamos e revivemos esse passado e outros por nós vividos, jovens estudantes, jovens a viver a vida alegremente ou, mais tarde mais tristemente e de verde vestidos. Dizia ele:
- Como te lembras de ditos tão meus ? Onde escreveste isso?
- Não escrevi. Guardei num recanto da memória. Parece que ficou marcado com ferro em brasa. Género ferra de gado, lembras-te?

E continuamos a recordar e a esperar pelo encontro da Companhia. Este ano em Évora. Talvez antes, talvez antes o abraço na Pax-Júlia da nossa juventude (*).

Mas temo cada vez mais em escrever, em contar esse passado. Ainda por cima de forma tão intimista.

Será que temporal, factualmente, está correcto e não incomodo ninguém? Que direito tenho eu? Porque e para que escrevo então?

Já nem sei o porquê de trazer ao presente esse passado, essa parte de meu passado, não tão agradável assim e nada digo, nem me atreveria a contar outras partes de um passado que, sem vaidade, valeu a pena viver.

Trago ao presente o momento. O presente não é mais que o breve momento, o instante e logo passa a passado. E esse relato interessará a alguém? Fica a dúvida, o vazio, o nada e a incerteza. Então porque torná-lo presente?

Ah porque não esqueces? Descrevendo-o deixa de ser vazio, alivia e, mesmo não vivendo duplamente a hora como a de ontem, encontro mais tranquilidade. Será? Não sei. Talvez seja um regredir proibido.

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 22 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5140: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2330) (9): Mistura 79 ou quando tive que mandar o Manel a Moricanhe...

domingo, 15 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5280: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (21): Uma visita ao Oio...


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos a sua 21ª história, com data de 11 de Novembro de 2009:

Uma visita ao Oio...
30 de Agosto de 1964

Vinte e cinco dias depois do dia fatídico em que foi ferido com gravidade, voltou ao seio da «675» o nosso Comandante de Companhia, sendo recebido por todos, desde o oficial até ao soldado mais humilde, com a mais sincera alegria.

Numa manifestação espontânea de consideração e estima, isenta no entanto daquela rigidez militar ou medo pelos galões, que deve ser para o Chefe a melhor prova de respeito e disciplina, todos o rodeavam dando-lhe mais uma vez a certeza de ter em cada subordinado um colaborador leal e um amigo que o seguem com dedicação e confiança totais.

Mais magro, pálido, com sinais evidentes do mau bocado porque acabava de passar e ainda com o estilhaço no ombro, o nosso Capitão era acompanhado pelo Sr. Comandante de Batalhão (fez a viagem Farim–Binta em barco a motor) visitou demoradamente o aquartelamento, correspondendo sorridente a todas as saudações que lhe eram dirigidas, tendo para todos uma palavra amiga que sensibiliza e que torna intimo o Chefe e o Homem.

Já inteirado sobre a actividade da Companhia durante a sua forçada ausência, não perdeu tempo em reiniciar uma actividade caracterizada por uma ideia permanentemente ofensiva, e poucas horas depois da sua chegada, partia, comandando a companhia para uma visita ao já lendário OIO, numa operação de envergadura em que colaboravam mais duas companhias.

O seu estado de saúde, ainda precário, não o impediu de estar presente á frente dos seus homens, nesta operação que se adivinhava difícil, pedindo alta ao hospital numa altura em que era recomendável passar mais alguns dias de convalescença.

Pouco depois da meia noite, três grupos de combate estavam prontos a sair.

Ordenadamente, cada secção embarca numa LDM que passará a companhia para a margem contrária.

O transbordo decorreu na melhor ordem e com o mínimo de barulho possível, seguindo a LDM ao longo de Cachéu logo que terminou o desembarque para despistar o inimigo, caso este se tenha apercebido do movimento desusado no rio.

A «fama» dos terroristas da OIO e o desconhecimento da zona onde se ia actuar – sem guias conhecedores da região – fazia com que desta vez uma indisfarçável expectativa, que criava um «aperto mitral», nos levasse a iniciar a marcha nocturna com redobrados cuidados.

Golpe de Mão a tabancas do Oio: Tambato Mandinga, Gebacunda e Fátima in PORTUGAL. Estado Maior do Exército. CD-ROM nº série 798.

Seguiu-se através de um caminho, que sobrelevava a bolanha inundada, numa longa fila indiana que progredia lentamente.

Devido á completa escuridão utilizava-se uma corda para ligação.

Percorridos uns 3 kms penetrou-se na selva muito densa começando aí as dificuldades para atingir o objectivo – a tabanca de Gebacunda habitada pelo inimigo – pois a bolanha indicada na carta parecia prolongar-se mais para o interior.

As dificuldades avolumavam-se com as características da floresta cerradíssima e começamos ás voltas sem saber onde nos encontrávamos.

Amanheceu, e embora estivéssemos atrasados, o aparecimento da luz do dia vem facilitar um pouco a orientação embora se tornasse quase impossível continuar a missão com a vantagem dos factores surpresa e silêncio.

Avistámos, dentro em pouco, gente a trabalhar na bolanha e, como já prevíamos, fomos detectados por um pequeno grupo que deu o alarme através de uma trompa.

Perseguimos imediatamente esses elementos inimigos até próximo de Tambato Mandinga, inflectindo depois resolutamente para o objectivo que atacámos e incendiámos sem encontrar resistência do inimigo, que se pôs em fuga fazendo apenas um tiro de pistola. Da tabanca o pessoal fugiu antes do ataque, tendo parte seguido em direcção ao rio e outro para SO, pelo que conseguimos fazer só um prisioneiro - um Padre Mandinga.

Comunicado o facto ao navio patrulha, que apoiava a operação, este fez imediatamente fogo na direcção provável da fuga do primeiro grupo referido.

Capim em chamas. Agosto de 1964. Fotografia do autor.

As explosões contínuas das granadas e os grossos rolos de fumo que se elevaram da tabanca em chamas davam um aspecto « dantesco» á zona onde actuávamos, chegando-nos ao nariz um cheiro acre a queimado e a pólvora que nos galvanizava na perseguição do inimigo que, desmentindo a sua fama de «maus», sprintavam velozmente á frente da tropa de Binta que desde aquele momento passavam a não conhecer só de nome.

Perdido o contacto com este grupo, que fugiu para SO, iniciou-se o regresso, avistando-se num pontão frente a Gebacunda um grupo inimigo, de uns 20 indivíduos, que corriam na margem da bolanha provavelmente com o intuito de nos emboscar á saída da mata.

Abrimos fogo imediatamente e arrancámos para o grupo inimigo que, vendo aquela tropa gritando como possessos na sua direcção, fez uma travagem brusca invertendo rapidamente a marcha, a toda a velocidade, para a mata mais próxima, fazendo umas atabalhoadas rajadas de pistola-metralhadora.

Mais uma vez os «valentões» do OIO nos desiludiram e alguns levaram «recordações» de Binta, já que vimos alguns rastos de sangue depois de perdermos o seu contacto na mata muito densa, por onde fugiram.

Reiniciámos o regresso pelo mesmo itinerário depois da missão ter sido dada como terminada pelo PC aéreo.

Os últimos 2km na bolanha foram particularmente penosos, ressentindo-se bastante o nosso Capitão do esforço despendido após um período de inactividade devido ao seu ferimento de 5 de Agosto último.

Com 12 horas de «trabalho» Binta estava de novo à vista e a perspectiva apetecida de um banho, de um almoço e de uma sesta de algumas horas animavam a moral das nossas tropas.

A LDM passou-nos para a outra margem do Cacheu e, minutos depois, contávamos aos que tinham ficado como é que os «turras do OIO» tinham fugido a sete pés frente à malta
da CCaç 675.

E depois do banho falou-se mais no almoço que se atrasou do que no OIO e dos seus mitos.

Na foto Ten. Coronel Fernando Cavaleiro e Capitão Tomé Pinto

Mais uma missão cumprida com honra e proveito para a tropa do Capitão de Binta.

Facto a destacar foi a vinda do Comandante de Batalhão, Ten. Coronel Fernando Cavaleiro, para acompanhar o nosso Capitão, regressado do hospital, protagonizando ambos uma acção temerária numa vinda de Farim a Binta durante a noite.

Com efeito viajar pelo rio Cacheu num barco a motor barulhento e lento, com uma pequena escolta de quatro militares, terá sido verdadeiramente arriscado, para não dizer uma loucura.

O esforço permitiu-lhes chegar antes da tropa partir para a operação, onde intervinham outras forças militares da região.

O exemplo de dois grandes chefes sempre presentes quando era preciso junto dos seus homens.

«Mais do que pela bandeira o soldado bate-se pelos seus Chefes»

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675

Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: