sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7131: Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (J. L. Mendes Gomes) (3): Oficial e cavalheiro: Cruzeiro até à Madeira, no paquete Funchal



O paquete Funchal, da Companhia Insulana de Navegação. Era uma das jóias da coroa  nossa Marinha Mercante. Inaugurado em 1961, levava caerca de 400 passageiros.  Luís Miguel Correia recorda-o aqui, com saudade, no seu blogue. E o nosso camarada  L.J. Mendes Gomes fez nele o primeiro cruzeiro da sua vida, antes de ser mobilizado para a Guiné. Foi comprado por um armador grego.  

Foto: Postal da época. Fonte desconhecida.



1. Continuação da série Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (*). Autor: Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, repartindo actualmente o seu tempo entre Lisboa, Aveiro e Berlim e, por fim, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Como, Cachil e Catió) nos anos de 1964/66.




OFICIAL E CAVALHEIRO: Cruzeiro até à Madeira, no paquete Funchal


por J.L. Mendes Gomes




Depois da viagem nocturna de comboio até Lisboa, Santa Apolónia, os felizardos tinham o paquete Funchal, na Rocha de Conde Óbidos, à espera. A saída seria às 12h.


Lisboa nunca lhe pareceu tão bonita. Parecia adivinhar o contentamento que o tomava, a si e seus camaradas, todos na casa dos 22/23 anos, coberta de um radioso dia de sol. O Tejo imenso e azul à esquerda e o casario esbranquiçado da cidade mourisca, à direita, em escadinha, até aos cumes altaneiros do Castelo de São Jorge. O Terreiro do Paço, imponente, voltado para o além …-…Tejo, num abraço fraterno. O Cristo Rei, lá em cima, a tocar as nuvens brancas do céu azulíneo. Tudo parecia associar-se à alegria que parecia envolver o mundo inteiro.


Largados do táxi que os levou até à beirinha do esbelto barco, todo de branco, ali ancorado, subiram, leves, a escada, de mala na mão, até ao portaló, onde os aguardavam, risonhos e garbosos, os oficiais da marinha mercante. 

Mais parecia um sonho. Um verdadeiro palácio se franqueava, no seu ventre. Salas imponentes, de ricos riposteiros e muitos sofás harmoniosamente distribuídos  pelo chão ricamente alcatifado, à volta de mesas de madeira luzente, com  vasos de plantas viçosas; vários bares, recheados de uma profusão de garrafas, sobre as prateleiras de madeira lustrosa como o mel, copos em vidro refulgente.


Longos corredores desaguavam em escadarias que davam para o imenso labirinto de fidalgas suites sobrepostas, nos diversos pisos que enchiam aquele enorme vaso, poisado nas águas mansas do Tejo, muito maior do que parecia, visto de fora.

Não tardou muito que um rugido cavo se fizesse ouvir, vindo lá das profundezas do  bojo, seguido de um grosso e forte silvo de corneta, atirado para os ares.  O barco começou a baloiçar levemente e o cais a afastar-se dele, saudoso. Mais uns minutos e as gentes, buliçosas, já pareciam distantes e minúsculas, a afastar-se, mais e mais…

Lisboa surgia deitada sobre as encostas suaves, ao longo das sete colinas, enquanto o paquete deslizava à tona das águas frescas do Tejo, como se fora uma larga avenida azul, à vista das margens ridentes de casario, à direita e altas escarpas amareladas de barro nú, à esquerda, em cortejo lento.

Mais um pouco e o oceano imenso aparecia à frente, sedutor, convidando-os para uma aventura, no segredo da suas ondas mansas, tecidas pela brisa branda, que vinha dos longes, da cortina de céu pendente do infinito. Dentro, uma população de pessoas desconhecidas para conhecer. O barco estava ao serviço das carreiras habituais de transporte marítimo, em trabalho e em recreio,  para quem o preferia à rapidez e às alturas dos voos em aeronaves…

O almoço aguardava-os num faustoso refeitório, com largas janelas pintadas pelo  azul natural do céu exterior, sempre renovado. Muitas mesas redondas, largas, cobertas de toalhas de brancura alvinitente. Ricos serviços de loiça e talheres prometiam uma cozinha deliciosa, nas breves horas que se iriam passar.

E foi verdade. O almoço mais parecia um banquete de reis e princesas. Empregados vestidos a rigor, de elegantes fatos brancos, bem brunidos, giravam graciosos, por entre as mesas, deixando os pratos a fumegar diante dos olhos regalados, enquanto outros iam enchendo os copos finos de dourado vinho branco ou de fogoso tinto, puro.

O navio sulcava já o largo oceano e um ligeiro baloiçar fazia desaparecer das mesas, ora nesta, ora naquela, alguns dos comensais mais desafortunados. Foi o caso do camarada Teixeira Lima, antigo colega, bexigoso, de Arouca e do pequeno Ribeiro Gonçalves, alentejano ratinho, das raias de Campo Maior. Ali seguiam com ele, na mesa dos que iam para o Funchal. De repente, levantaram-se e desapareceram porta fora… antes que fosse tarde, disseram-no depois. Felizardos os que aguentaram. Deles foi o reino dos … céus!
Ao jantar, já as coisas correram bem. Com todos à mesa, foi a desforra.


A tarde foi passada na amurada ampla, como largo terreiro, onde toda a gente ia aparecendo, curiosa e repetia os mesmos gestos de plenitude, perante o surpreendente deslumbramento da  vastidão das águas, sob a abóboda azul. Predominavam os nórdicos, lácteos, de meia idade, sedentos de sol e, de vez em quando, flausinas pintalgadas, de olhar indiferente, aparentemente, distante e castigador. Estratégias…

O barco seguia no seu ritmo certo, de manso alazão, rasgando a mole ingente de águas profundas e um largo manto revolto de espuma ficava-lhe atrás, perdurando em rendilhados brancos, cada vez mais ténues, até se perderem, desfeitos, na ondulação esverdeada.

Algumas gaivotas acompanhavam-no, teimosas, talvez à procura dos peixes batidos ou estonteados pelo rodar potente da hélice… Durante a tarde, cada um entregou-se, naturalmente, ao que mais preferia desfrutar. À noite, no jantar, já havia  histórias desmedidas de aventura amorosa, na boca de alguns camaradas…difíceis de encaixar em tão curto pedaço de tempo.

Ao Quim Luís, nada disso interessava, para já. Sorver a frescura da brisa carregada de iodo que se desprendia daquele caldeirão refervente, em salpicos de espuma, olhar para os longes do mar infinito, imaginar o que iriam ser os próximos tempos nas imaginárias paragens da ilha bela e desconhecida, era tudo o que lhe perpassava por detrás dos olhos, a partir da amurada alta da nave baloiçante. Só a meio do dia seguinte estariam defronte da ilha. Se tudo corresse bem.

Faltava pouco, pensando que a maior parte do tempo seria passado a dormir numa das suites de 1ª classe, reservada para os oficiais… Antes, porém, de se irem deitar, ainda haveria o serão festivo e dançante, ao ritmo da orquestra especial de bordo, no amplo salão, iluminado por faustosos candelabros e lustres faiscantes de luz irizada.

Toda a gente que ali seguia irradiava satisfação, nos rostos, em troca gratuita de sorrisos, como se se conhecessem há muito tempo…Foram poucos os que não deram o seu contributo de dança, tão descontraída, quanto possível, naqueles tempos. Sem saberem, estavam a despedir-se dos ventos ingénuos do romantismo…

Os Beatles endiabrados já tinham lançado os primeiros lagidos de revolução no seu imprevisto de sons e de ritmo. As primeiras horas do 2º dia de viagem já eram passadas, quando o nobre salão ficou deserto e o barco, em silencioso baloiçar, conseguiu adormecer a miríade de hóspedes aconchegados no seu ventre...

Era um enxame  de destinos desconhecidos e separados que seguia ali. Uma teia entrelaçada de sonhos. Sonhos a nascer, sonhos a crescer e sonhos a  cumprir-se… Antes de ir deitar-se, não resistiu à tentação de subir à proa do barco. Nunca vira coisa assim.   Sublime e esmagadora solidão. Debruçado e cotovelos na grade húmida, apoiou a cara nas mãos em concha e caíu em êxtase, irresistível.

Aquela visão não lhe parecia deste mundo. Um espelho imenso resplandescente reflectia a chuva densa e transparente de um luar banhado de leite que caía de uma enorme bola, inesgotável, recortada no firmamento longínquo, profundo e escuro, salpicado de luzinhas trementes.

Apenas ouvia o borbulhar, lá em baixo, da água cortada pela quilha do barco que seguia afoito, logo abraçado por abundantes madeixas  de espuma e a frescura da brisa a entrar pelas narinas. Só a baforada de fumo negro que se desprendia da gorda chaminé, saliente da crista do navio e as pálidas janelas iluminadas da torre de comando, davam sinal de vida.

Para trás, ficava um imenso ermo coberto pelo mesmo manto diáfano e fosforescente. Ficaria ali a noite inteira, inebriado, não fosse um súbito arrepio de frio que lhe percorreu a espinha da cabeça aos pés. Em passos lentos, deixou o deslumbramento e dirigiu-se para o seu quarto nº 444. Fácil de fixar, ao meio do corredor, do lado esquerdo    (a bombordo, como se dizia na língua dos mares). Acendeu a luz do quarto e ficou dentro de uma verdadeira suite, de hotel de 5 estrelas. Estava saciado e certo de que o seu caminho passava por aquelas horas de encantamento.

O roncar soturno que vinha da casa das máquinas até ao travesseiro fresco onde poisou a cabeça e o embalar suave e ritmado,do barco, para cima e para baixo, ajudou-o a desprender-se, feliz, daquele dia tão intenso de vivências.A Madeira não lhe aconteceria, também, por mero acaso. Amanhã, já estaria a pisar de novo, terra. Terra estreita, cercada de água por todos os lados, assim se aprendia na 4ª classe. Madeira, Porto Santo e Desertas, formam aquele arquipélago onde a gente se sente e é português. Com todas as vastas possessões ultramarinas, espalhadas pelo mundo inteiro, recordou as horas passadas, com os colegas, vaidosos, diante do mapa, na escola primária.No dia seguinte, ia sentir ao vivo essa experiência mítica. Depois, ainda viria certamente, a mesma sensação por terras de África. Oxalá, não. Naquelas circunstâncias. Não. Não queria pensar nisso. Cada dia, no seu dia…Era o lema de vida que elegera.

 
[Continua]



[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7130: (Ex)citações (101): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Vasco da Gama / José Brás)

1. Continuação da publicação dos comentário do Grupo do Cadaval, a propósito do Poste 7117 do nosso camarada José Manuel Matos Dinis

Chegou a vez dos camaradas Vasco da Gama e José Brás


2. Vasco da Gama

Quando recebi o comentário do Hélder ao teu texto, de pronto lhe disse desconhecer do que se tratava pois não havia recebido nada vindo da tua parte.
Estava errado e peço desculpa pois descobri, perdido não sei onde, o teu escrito sobre "A Formação do Conhecimento".

Recebi também os comentários do Zé Brás e do Belarmino, trazendo este último apenso o teu texto, o que facilita imenso a análise.

Eu li o texto apenas e só sob o ponto de vista teórico, como ponto de partida para uma troca de impressões sobre um assunto altamente interessante e de grande complexidade para o qual gostaria de contribuir, mas repito, como forma de aprendizagem no âmbito do que a Ciência Cognitiva pretende explicar, já que na prática a linguagem ou o raciocínio ou a inteligência ou a Lógica ou a Epistemologia ou mesmo a inteligência artificial e a cibernética terão de ser tidas em conta para a abordagem da "questão".

Vejo agora, caro JD, que pretendias que o eco do teu escrito bem como os comentários dos camaradas chegassem à Tabanca Grande. Não me parece que aproveite à esmagadora maioria dos nossos camaradas que, tal como temes, vão achar na "coisa" intelectualidade a mais e Guiné a menos, para além de não teres o direito, no sentido de obrigação, de impor o "caminho aos que não querem aprender", obviamente neste contexto.

Sei bem que para crescer como pessoa e como cidadão do mundo tenho de ter acesso ao conhecimento, tenho de ter essa consciência, esse querer, essa vontade, como sei que o conhecimento não dá poder a ninguém, mas sim a utilização do que dele fazemos.

Que sorte eu tive em ter sempre quem me transmitisse informação paralela à que a escola me fornecia, mesmo na universidade onde a aprendizagem e a consequente aprovação em qualquer que fosse o curso era tão só o "decorar" o que se ouvia, sem necessidade de qualquer interpretação ou raciocínio, duas palavras perigosas para a altura; também quase todos os universitários do meu/nosso tempo não passávamos de netos do Zé Dinis.

Querer entrar no Blogue por esta porta, parece-me perigoso e de duvidosos resultados.

Não vou passar os olhos pelo que escrevi.
Fi-lo com o coração de vosso amigo.
Vasco da Gama


3. José Brás

Meus amigos
Já dizia o outro… “penso, logo existo”, tentando acabar com a velha discussão do ovo e da galinha, perdão, do corpo antes da alma; da existência antes da consciência, está visto que em tentativa frustrada para além da profundidade eloquente da afirmação.

E se não pensar? Quer dizer, se eu não tiver uma réstia de consciência que existo porque penso?

E se não fosse mais do que uma célula que, sem cérebro nem consciência, contém em si o sinal claro da organização da vida?

Nem sei, juro, nesta semi-insanidade que já me vai ocupando, nem sei se o papagaio do Belarmino pensa ou não pensa sobre o que diz e o que faz.

Se o compararmos a uma criança quase bebé, começamos a meter os pés pelas mãos e acabamos às voltas com as nossas próprias contradições.

Pensar por si próprio, pela sua cabeça, sem manipulações nem interferências do dito saber acumulado, isso o que é?

Será que é verdade mesmo que homem alfabetizado é homem livre, como em tempos se quis (honestamente) convencer o povo?

Voltando à criança, sei que a maior parte, na casa dos dois, três anos, tem crises de existência tremendas, parecendo horrorizados com qualquer coisa que nos escapa e não conseguimos, nem controlar nelas, nem entender.

Dizem que são restos de memórias que carrega quem nasce no centro da natureza que é o ventre de mulher; do encontro dos fluidos de homem e de mulher, sem compromissos, ainda, com a informação organizada pela sociedade; instinto puro de ser novo de nascença e velho de milénios não-mortos.

A partir daí, começa a aprendizagem, a moldagem dos sentidos e da memória. Memória sensorial, base de dados, memória curta, memória longa, centro de decisões e feed back

Seremos pela vida fora o que a sociedade organizou para sermos, quer dizer, seremos o que pensarmos… e pensamos o que somos uns sacanas, uns santos, e uns nem sim nem sopas, dependendo, está visto, das capacidades diferentes de ser para ser, e mesmo isso, mesmo isso… não sei, não.

Com isto, ainda me apanharão a defender a ideia de que melhor mesmo, seria não ter recebido qualquer informação da cidade e ter atravessado a vida apenas com a soma das experiências milenares dos antecessores, como os pássaros ou como os elefantes.

E aí, bem sei, sugerindo isso, constituo-me de imediato o objecto privilegiado da vossa chacota e riso.

Pensar pela minha cabeça, a sério, não acredito que pense porque, nascido em aldeia atrasada, num sítio onde os paisanos batiam no burros e nos filhos, ainda assim, nela saquei sintomas de pensamento, de conceitos sobre burros e filhos; sobre galinhas e canja; sobre cerejas e melros.

Há uma coisa que sempre me intrigou e para a qual não tenho qualquer explicação. Desde que me conheço (lá estou eu a dar na burra), sem ter tido alguma vez, dos que me rodeavam, qualquer indução sobre a arte das aves, sempre me fascinou a possibilidade de voar; sempre me prenderam as luzinhas a acender e a apagar que via no horizonte cruzando o lusco-fusco do fim de tarde, evoluindo num sentido qualquer que me escapava e me encantava.

Agora, quanto à corrente anti-pensamento que, de quando em quando, perpassa com maior ou menor vigor na Tabanca… é chão que para mim já deu uvas, sobretudo depois da edição daquele trabalho que mandei ao Carlos e foi editado (Colonização Portuguesa – Particularidades), porque concordando ou discordando, não abandono na picada quem comigo a suporta, embora continue a rejeitar convictamente os ecos, conscientes ou não, do General Mola.

Nunca conseguiria afirmar que aquela gente não pensa pela sua cabeça. Acho, isso sim, que cresceu no pensamento que o é, com uma cabeça que talvez nem seja (que grande embrulhada), de resto, como a minha que o é e não é.

Naturalmente que aceito a ideia de que anda por aí muita gente que discorda de mim radicalmente, a uns, reconhecendo-lhes cabeças brilhantes (e não perigosas apenas porque sem tempo), e a outros apenas… o não porque não.

A uns e a outros desejo o melhor da vida e aos que, mesmo discordando, me respeitam, o meu abraço sempre disponível.

Desculpem qualquer coisinha pelo imediatismo desta, e recebam abraços
José Brás
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Notas de CV:

Vd. postes de:

12 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7117: (Ex)citações (97): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (José Manuel Matos Dinis)

13 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7123: (Ex)citações (98): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Hélder Sousa / Belarmino Sardinha)
e
14 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7126: (Ex)citações (99): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Carlos Cordeiro)

Vd. último poste da série de 14 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7129: (Ex)citações (100): Do alto dos poilões da Amura, séculos de história nos contemplam... (Nelson Herbert)

Guiné 63/74 - P7129: (Ex)citações (100): Do alto dos poilões da Amura, séculos de história nos contemplam... (Nelson Herbert)







Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > 100 anos separam estas duas fotos, 1908-2008... O poilão até podia  ser o mesmo, mas seguramente não  é. A foto mais antiga, proveniente do Arquivo Histórico Militar, é de 1908 (*). A foto mais recente foi tirada em 7 de Março de 2008, junto ao mausoléu Amílcar Cabral, aquando da minha visita a Bissau, no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008). O poilão da foto de  hoje poderia estar  "mais enterrado": de facto, a base da árvore, em 1908, parece ser maior, e o tronco mais largo... De qualquer modo, há ainda  bastantes poilões seculares na Amura, seguramente contemporâneos das "campanhas de pacificação" da Guiné e do capitão Teixeira Pinto (1913-1915)... Este foi apenas o único que fotografei e que me inspirou um poema (*)... E a propósito, dizem que o maior poilão é de Maqué, no Oio, e o mais tristemente famoso o de Brá, em Bissau...(LG).


Foto (de cima): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados




1. Comentário do nosso amigo Nelson Herbert, ao poste P7125 (**)


A longevidade ! E que longevidade ! O poilão (polon) que serve de fundo/cenário a algumas das fotos deste post... fotos essas por sinal datadas de 1908... Será a mesma robusta árvore que ainda hoje, de ramos longos e multiformes qual tentáculos de um polvo gigante, se espraia, sob o Mausoléu  Amilcar Cabral e dos heróis nacionais, no forte da Amura...uma aprazível e fresca sombra !


Da minha última visita ao local ainda retenho a imponência de uma árvore similar "prostrada" sobre o mausoléu...


Um poilão com pelo menos um século de contemplação da história ?


Mantenhas


Nelson Herbert
Washington DC,USA (***)
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Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 25 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3669: Blogpoesia (27): A velha Amura dos tugas (Luís Graça)


(...)


A velha Amura dos tugas
agora cercada de guinéus
por todos os lados.
Ilha de areias movediças
num mar de belugas,
foi rampa de lançamento de lançados.
Dizem que aqui nasceu Bissau.
De linhas tortas,
as ruas direitas da capital.

Saúdo os ilhéus,
figuras de museu de cera,
de faces mortiças:
à frente, o capitão-diabo,
o bigode farfalhudo,
espadeirando a torto e a eito,
de peito feito
ao fogo do canhangulo.
Mais os seus soldadinhos de chumbo,
que eram uma ternura:
em linha,
em formatura,
nas suas fardas multicolores,
coloniais,
do tempo dos Cabrais.
Davam vivas à Pátria
e à Rainha.
Aqui como em toda a parte,
onde o Império tinha engenho e arte.

Ah! A velha Amura,
inútil baluarte,
com os seus canhões
de bronze,
incandescente...
Casamata,
prisão,
dormitório,
agora panteão,
nacional,
coberto de poilões.

Eram onze
os soldadinhos,
como no jogo de matraquilhos.
E combatentes da liberdade da Pátria,
contei-os pelos dedos da mão.

Que fazes aqui, Amílcar,
que já te mataram, Cabral ?
E de que traições podias falar,
se fosses vivo,
tu, Osvaldo ? E tu, Vieira ?

E quanto a ti, Titina,
que incendiavas paixões
pelo Oio ?
Que fazes também aqui,
jazida entre os poilões,
debruados de branco,
da triste Amura ?
Cuidado, Silá,
que os tugas montaram-te a cilada
na cambança do Rio Farim.

Vejo mais à frente o Domingos,
O valente Ramos,
herói de banda desenhada,
que irá morrer de morte matada
em Madina do Boé.

E tu, Rui Demba Djassi,
de quem eu não sei nada,
a não ser que morreste em 1964,
depois do mítico Congreso de Cassacá ?
Sei ainda que tens nome de rua,
suja e esburacada,
na capital da tua terra...

E o camponês balanta,
Pansau Na Isna,
herói do Como,
guerrilheiro-cowboy,
enfrentando as naves loucas dos tugas
com a sua Kalash de contrafacção ?

Na Amura fez-se história,
diz-me o guia.
Ou a história dos vencedores
que contam a história
de como venceram
os vencidos.

Luís Graça
Bissau, 7 de Março de 2008 (...)



(**) Vd. poste de 14 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7125: Historiografia da presença portuguesa (38): António Silva Gouveia, fundador da Casa Gouveia, republicano, representante da colónia na Câmara dos Deputados, na 1ª legislatura (1911-1915) (Parte IV) (Carlos Cordeiro)


(**) Último poste da série (Ex)citações >  14 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7126: (Ex)citações (99): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Carlos Cordeiro)

Guiné 63/74 - P7128: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (28): Notícias da nossa amiga do Xitole, Maria Augusta Antunes


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > Rio Corubal > Cusselinta >  Cusselinta, na época das chuvas, Agosto 2005 > Foto de Rui, membro da Associação Humanitária Memórias e Gentes, com sede em Coimbra, presidida pelo nosso camarada José Moreira.

Foto: Picasa > Rui > Cusselinta (2005) (com a devida vénia...)



1. Da nossa leitora (e "amiga do Xitole") Maria Augusta Antunes, com data de 14 do corrente, comentário ao poste P6549 (*):



OBRIGADA! O meu muito obrigada. Na verdade só agora consegui digerir tantas emoções! Obrigada ao vosso extraordinário Blogue. Através dele e do livro do sr. Estácio sobre a Dª Carlota de Nhacra, tomei conhecimento do paradeiro da Senhora Dª Margarida Toscano de Almeida e do seu esposo sr. Luís, padrinhos do meu irmão Luís Manuel. Já os contactei em telefonicamente, e nem consigo descrever tantas emoções. Conto estar pessoalmente com eles em breve. Aí tentarei encontrar resposta a algumas perguntas que ficaram por fazer por pensar serem os meus pais eternos...

Mais uma vez muito obrigada (**)
___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 27 de Julho de 2010 >
 Guiné 63/74 - P6794: O Nosso Livro de Visitas (96): Quem se lembra do Dr. Noronha (de Bafatá), Toscano de Almeida, madeireiro, do Dias Saboeiro, figuras que povoam a minha infância ? (Maria Augusta Antunes, que cresceu no Xitole, na década de 1950)
  


Vd. também 7 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6549: O Nosso Livro de Visitas (92): O Xitole que eu e os meus pais conhecemos até 1962 (Maria Augusta Antunes, filha de Henrique Martinho, antigo madeireiro) 

(**) Último poste desta série >  5 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7081: O mundo é pequeno e o nosso blogue é... grande (27): Manuel Lopes, há 34 anos nos EUA, procura camaradas da CCAÇ 3414, mas já encontrou o Joaquim Peixoto

Guiné 63/74 - P7127: Descoberta do Senegal e da Guiné, pelos Portugueses (1) (Arménio Estorninho)

1. Mensagem de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381,Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 22 de Agosto de 2010:

Caro amigo e camarada Carlos Vinhal, saudações guinéuas.

Escrevendo sobre o Infante D. Henrique, enaltecendo o homem que, vencendo o poder da superstição e dai advêm o iniciar das tentativas dos seus navegantes dobrarem o Cabo Bojador, assim como, as pretendidas chegadas ao Senegal e à Guiné.

Arménio Estorninho



Descoberta do Senegal e da Guiné, pelos Portugueses (1)

Parte 1

Em Novembro de 1960, presenciei na Baía de Lagos as Comemorações Henriquinas, o qual constou de um grande desfile naval (com navios mercantes e de armadas de imensas nacionalidades, e, em que se destacou a Esquadra Inglesa com o seu Porta-Aviões). O encerramento deu-se com um espectacular lançamento de fogo de pirotecnia. Das entidades oficiais que estiveram presentes, realço o Presidente da República, Américo Tomás e o Presidente da República Federal do Brasil, Kubitscheck de Oliveira. A fim de se deslocarem de Lisboa para o Algarve, estava previsto que seguiriam em Comboio Presidencial e por isso para a hora aprazada muito povo deslocou-se para a estação da CP em Estombar – Lagoa.

O Presidente do Conselho de Ministros Dr. Oliveira Salazar, quedou-se por ficar em Lisboa e ninguém noticiou qual o motivo. “Atão… atão… e era necessário saber-se?”

Foto 1 > Lisboa> Belém> Monumento Padrão dos Descobrimentos> em 1971. Inaugurado aquando das Comemorações Henriquinas, em 1960.

O Infante D. Henrique, a quem Portugal deve a iniciativa que lhe deu imortal renome entre as nações que mais concorreram para a civilização do mundo, nasceu a 4 de Março de 1394, numa quarta-feira de cinzas, na cidade do Porto. Era o quinto filho do casamento do Rei D. João I e Dona Filipa de Lencastre.

Sendo o Porto o mais velho reduto burguês de Portugal, senão de toda a Península.
A cidade que sempre repeliu com energia triunfante a tutela da nobreza e sempre olhou de soslaio a suberania dos bispos… tem qualquer coisa de simbólico.

Porquanto foi ele, D. Henrique que abriu à ambiciosa e oprimida classe burguesa dessa época as maiores perspectivas de progresso dentro da Nação.

Foto 2 > Gravura da cabeça de D. Henrique, que fazia parte do projecto original para a feitura do Monumento Padrão dos Descobrimentos. Fora extraída do Almanaque Bertrand, de 1939, e com a devida vénia.

Não deixa de ser curioso que tivesse sido o Porto o berço do Infante D. Henrique, que morreu em Sagres, na noite de 13 Novembro de 1460, no seu posto de gerência da obra comercial e industrial dos descobrimentos, antes de terem sido dados os seus frutos de ouro.

Foi D. Henrique bravo, generoso, perseverante, homem esclarecido e de muita alta inteligência. Foi o primeiro que, mergulhando a vista de águia nas profundezas do horizonte, descortinou, para além do Oceano, desconhecidos Mundos.

Deixou os negócios bem encaminhados, perfeitamente definido o objectivo máximo a atingir e de forma que os seus sucessores, apetrechados com a sua fecunda experiência.

Foto 3 > Lagos> Av. das Descobertas> Monumento do Infante D. Henrique> em 1973. Inaugurada aquando das Comemorações Henriquinas, em 1960.

Surge-me agora a oportunidade para comemorar também os 550 anos da morte do Infante D. Henrique, que foi o maior impulsionador das descobertas.

As minhas pesquisas circunscrevem-se ao período que abrange as navegações dos Portugueses, a partir do Bojador até aos descobrimentos do Senegal e da Guiné, e os primeiros contactos da Europa Branca com a África Negra. Que melhor assunto dada a próxima efeméride (13 de Novembro de 2010), senão transmitir alguns resumos de “estórias” vividas, assim como acontecimentos trágicos que agora são apresentados de forma sintética, com base em crónicas ordenadas de fontes narrativas, as quais querem dizer contadas em segunda mão.

Todos os anos se dava mais um pequeno passo no rumo desejado, de saber o que havia depois do Cabo Bojador, mas esses passos eram tímidos devido aos terrores dos rudes navegantes.

Foto 4 > Sagres> Fachada da Fortaleza de Sagres> em 1973. Paisagem agreste e comum no Promontório de Sagres.

Havia mais de dez anos que D. Henrique pretendia que os seus mareantes passassem para além do Cabo Bojador, começando a perder a paciência.

Chamou Gil Eanes, de Lagos, homem culto, que frequentara estudos universitários, em Lisboa, e experimentado nas lides do mar. Encarregou-o de levar a bom termo essa tarefa, tendo partido em 1433, velejou até às Canárias, não tendo ido mais longe.

Ignora-se que tipo de desculpa teria dado, talvez a mesma do costume o do temor de coisas diabólicas que iriam encontrar naquelas paragens inexploráveis.

Foto 5 > Lagos> Monumento de Gil Eanes e Fortaleza de Lagos;
Extraída da Colecção História de Portugal – Publicações Alfa, com a devida vénia.

D. Henrique teve uma conversa grave com Gil Eanes, antes de mandá-lo repetir a tentativa que parecia ter-se malogrado por culpa do navegador.

Com novos alentos, voltou Gil Eanes a partir no ano de 1434. Desta vez quando regressou trazia um punhado de plantas rasteiras e secas, chamadas de rosas de Santa Maria. O Infante mostrou-se mais contente com esta insignificância, por Gil Eanes ter dobrado o Cabo Bojador e ter navegado um pouco mais para além, por um mar calmo ao longo de uma costa desolada.

Foto 6 > Sagres> Fortaleza de Sagres> Rosa dos Ventos de 32 rumos, iniciada a sua utilização em 1434> Obtida em 1973.

D. Henrique não afrouxara as pesquisas no Atlântico, agora, que vencera a barreira da superstição. Queria malhar o ferro enquanto quente.
Logo no ano imediato, 1435, enviou Gil Eanes mais para Sul. Desta vez o mareante partiu alegremente, parece que a pedido seu acompanhado de António Gonçalves Baldaia. Mais ousados navegaram cinquenta léguas para lá do Bojador, descobrindo na areia de uma praia vestígios de homens e de camelos. O facto provocou-lhes enorme alvoroço. Grande notícia a dar a D. Henrique que vieram a todo o pano, trazer-lha.

Repare-se que, de começo, não era muita a iniciativa dos navegantes, que não sabiam que resolução tomar perante cada problema que se lhes deparava. Guiavam-se pelo cérebro do Infante e por vezes bem timidamente. Porque não decidiram logo explorar a região onde desembarcaram? Por temor de cometerem algum erro, certamente. Sobre cada facto era D. Henrique, no seu posto na direcção em Sagres, que raciocinava.

Foto 7 > Sagres> Gravura extraída de uma antiga História de Portugal, com narração até 1910; O Infante D. Henrique avista no horizonte a caravela de Gil Eanes.

Ao receber a boa nova de se encontrarem vestígios de homens e de camelos, deduziu:

Pois que assim é… bem parece que a povoação não é dali muito afastada ou porventura será gente que atravessa com as suas mercadorias para algum porto de mar… Porém é minha intenção de vos enviar lá outra vez em aquele mesmo “barinel” (barco à vela).

Vos encomendo que vades o mais avante que poderdes e que vos trabalheis de falar com essa gente, “filhando” (apanhando) algum porque certamente possais saber, que não seria pequena coisa e segundo o meu desejo disto possa tomar conhecimento.

Com as recomendações anteriormente dadas, a Gil Eanes e a António Gonçalves Baldaia, navegaram cento e vinte léguas mais para Sul do Cabo Bojador, encontrando uma baía onde se abrigaram (estamos no ano de 1436). Então dois moços de menos de vinte anos, foram enviados a terra, a cavalo, em missão de reconhecimento. Internaram-se sete léguas no deserto arenoso, até que “enxergaram” (descortinaram) dezanove negros armados de lanças. Em vez de tentarem falar-lhes, os rapazes de sangue na guelra atacaram-nos com as suas armas. Parece que menos receosos destas, que daqueles homens de rosto alvo que nunca tinham visto e os negros fugiram.

Na manhã seguinte, procuraram os homens, mas inutilmente porque se tinham sumido na vastidão do deserto e levando muito que contar daquele primeiro encontro da Europa Branca com a África Negra.

Partiram, acharam a foz de um rio a que chamaram rio do Ouro, supondo tratar-se do rio Senegal, a que os mercadores mouros davam esse nome e nesse local conseguiram apanhar muitos lobos-marinhos.

Regressaram com estas provas da sua aventura, com a novidade da existência daqueles negros e dos quais nada mais sabiam.

O Infante confiava em que o futuro havia de responder a todas as interrogações, desde que continuasse a procurar sempre com tenacidade e fé.

O Infante D. Henrique interrompera os seus trabalhos de exploração marítima em 1436, recomeçando com felicidade as explorações no Atlântico, em 1441.

Foto 8 > Lagoa - Praia da Marinha> Réplica de uma Caravela Portuguesa;
Extraída do Boletim Municipal de Junho de 2010, da C. M. de Lagoa, e com a devida vénia.

Recomeçaram no Atlântico as viagens de estudo, chamemos-lhes assim:

A primeira capitaneada pelo jovem Antão Gonçalves, levava uma missão específica de trazer do rio do Ouro óleo e peles de lobos-marinhos.

A segunda comandada por Nuno Tristão, cavaleiro de comprovada valentia, devia cumprir uma das ordens predilectas do Infante e ultrapassar o mais possível o último ponto Sul da costa de África até então atingido.
Mas a embarcação deste último era diferente de todas que, até essa data, haviam sulcado os mares, e ao seu modelo dera-se o nome de caravela. Não se parecia com a caravela veneziana nem com a mourisca, filiava-se mais no tipo de grandes barcos de pesca que se utilizavam na costa portuguesa e que, provavelmente, os antigos pescadores lusitanos, ainda sob o domínio árabe, tinham colhido dos barcos tradicionais mouriscos.

Esta que Nuno Tristão comandava, fazia a sua primeira viagem de experiência e logo provou maravilhosamente. O cavaleiro recebera ordem de, “se encontrar gente, fizessem paz com ela.” O Infante queria evitar o erro cometido pelos tripulantes de Afonso Gonçalves Baldaia, que, em vez de tratarem chegar pacificamente à fala com os negros que toparam no rio do Ouro perseguiram-nos às laçadas.

Nuno Tristão foi encontrar Antão Gonçalves, que partira primeiro, na praia do “Sara,” (Saara) perto do rio do Ouro e já com dois prisioneiros indígenas. Antão Gonçalves tinha desembarcado e, de noite, dando uma batida pelo deserto em redor no rasto de camelos, nada descobriram. Mas já de regresso ao navio deram com uma velha e um homem nu. Aprisionaram-nos para os levar ao Infante. Nuno Tristão que ia prevenido com um intérprete mouro, tentou por intermédio deste interroga-los e foi em vão, porque não se entendiam.
Contudo pretendiam era apanhar os primeiros homens que aparecessem. Juntaram forças dos dois navios, de noite foram até junto de uma praia descobrindo um acampamento de nómadas e pela manhãzinha viram uns homens que vinham a um poço para tirar água, alegres caíram de surpresa sobre eles, fizeram prisioneiros e levaram-nos para bordo.

Foto 9 > África> Um mouro> Cópia de um quadro de Fortuny, foi extraída do Almanach Bertrand, datado de 1933, e com a devida vénia

Tratava-se de dez berberes do Sara Ocidental, negros de vários tons, uns mais claros e outros mais escuros, uns vestindo túnica e calças de couro, outros nus, e as mulheres por pudor, usavam o rosto tapado mas deixavam todo o resto à mostra. Entre esta pobre gente, porém, destacava-se a figura imponente de um homem, em que os Portugueses julgavam reconhecer um nobre cavaleiro e trataram-no como tal. Chamava-se Adahu, era pessoa viajada e, por felicidade, falava o arábico, entendendo-se perfeitamente com o interprete mouro que Nuno Tristão levava de Portugal. Era exactamente o que o Infante tanto desejava, alguém daquelas paragens com quem se pudesse entender.

Nuno Tristão achou tão valoroso o feito que, ali mesmo na praia, armou cavaleiro Antão Gonçalves que não parecia muito convencido da importância do seu acto. Partiu imediatamente Antão Gonçalves, para Portugal, com a sua preciosa carga, enquanto Nuno, varando a sua caravela no areal, a calafetou e preparou para continuar a viagem, conforme ordens de seu amo. Percorreu ainda muitas léguas, cerca de cento e cinquenta, para Sul, até que encontrou um promontório estéril e esbranquiçado, ao abrigo do qual lançou ferro. Deu aquele local nu e “alvacento” o nome de Cabo Branco. Desembarcou, para todos os lados que a vista abarcava, apenas se descortinava o deserto desolado.

Receando que se lhe acabassem os mantimentos regressou Nuno Tristão a Portugal, trouxe ao Infante algo de muito valioso, o conhecimento de mais um ponto, a Sul, a acrescentar no mapa do contorno de África, que se ia esboçando no seu laboratório em Sagres.

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6918: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (18): Encerramento do mês do Ramadão

Guiné 63/74 - P7126: (Ex)citações (99): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Carlos Cordeiro)

1. Comentário do nosso camarada Carlos Cordeiro* (ex-combatente em Angola, onde fez a sua comissão como Fur Mil Inf no Centro de Instrução de Comandos, nos anos de 1969/71) ao poste Guiné 63/74 - P7123: (Ex)citações (98): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Hélder Sousa / Belarmino Sardinha):

Caros amigos,
Li com atenção os textos e comentários sobre as questões levantadas por José Dinis.

Reconheço que são preocupações legítimas, mas devo também dizer que tenho uma "opinião" muito optimista sobre o que se publica no Luís Graça & Camaradas da Guiné. Note-se que uma parte muito substancial dos postes (e ainda bem) é constituída por memórias.

E é evidente que a memória, por muito boa que seja, não é uma "fonte rigorosa". Mistura coisas que aconteceram em tempos diferentes, é selectiva, etc. Mas daí não vem mal ao Mundo. Haverá sempre algum camarada que, correctamente, chame a atenção para isto ou aquilo. Ou até nem chame, por se tratar de pormenor sem importância.
Um outro aspecto que é importante é que não se assiste, no blogue, a fanfarronices despropositadas. Os camaradas contam as suas experiências, manifestam as suas opiniões, muitas vezes com vigor apaixonado. Significa que estamos vivos e espera-se que de boa saúde.

Resolvemos, de facto, no quotidiano os nossos problemas com o senso comum e não com o conhecimento científico das coisas.

Um exemplo demonstra o que quero dizer: dois camaradas pilotos-aviadores apresentaram as estatísticas dos seus voos antes e depois dos Strella. Através de gráficos demonstravam que depois dos strella tiveram actividade de voo superior aos tempos anteriores. Conclusão minha e de muitos camaradas, certamente: fica demonstrado que quem disse que a FAP tinha deixado de voar pós-strella não tem razão. E, para mim, ponto final.

Só que esta minha opinião não é mais do que isto: "opinião". Outros camaradas, e com o mesmo direito à opinião, podem pôr em causa esta minha conclusão: onde está o documento oficial? São só dois, não sabemos se não foram excepções. No minha zona a experiência não foi esta... e por aí fora. Por acaso, ninguém (que me lembre) comentou neste sentido. Mas podia ter acontecido. E estaria muito bem.

Um outro exemplo: falando com um amigo, fiquei surpreendido com a sua opinião, contrária à da esmagadora maioria de todos os participantes no blogue. Dizia-me que era um erro afirmar que as NT estavam mal preparadas. Em países muito mais ricos e em guerras mais ou menos do mesmo tipo, a preparação era idêntica e o nosso comportaqmento nos diversos TO demonstrava que tínhamos tido a preparação adequada. Nem ele nem quem defende, aqui no blogue, o contrário têm conhecimentos profundos da ciência militar. Têm experiências de vida (e da guerra), sensibilidades, talvez até leituras mais ou menos especializadas diferentes.

O Torcato, aliás, levanta questões bem pertinentes: como se chega ao conhecimento se quem o tem e podia partilhar se fecha em copas? E os esquecimentos, nem sempre propositados?

Ainda há dias um camarada publicou o original do relatório de uma operação. Li-o com atenção e fiquei com dúvidas: parecia-me haver incongruência entre a "fraca intensidade" da acção como vinha relatada e o exageradíssimo gasto de munições. Veja-se só: que conhecimentos tinha eu do combate e que percebo eu de guerra? Mas não me coibi: opinei: ou o relatório estava mal engendrado e a acção teria mesmo sido muito violenta, o havia falta de munições na unidade e daí o relatório ter indicado aquela quantidade para reposição. Com muita simpatia, o camarada respondeu-me: o relatório não condiz com o que se passou na realidade.

Já foi rebatido numa opinião que manifestei. Um camarada, correctamente, corrigiu-me informando-me que no livro x vinha a informação y, que contrariava os pressupostos em que baseava a minha opinião. Fiquei eu e os restantes leitores mais esclarecidos.

Na minha perspectiva, desde que haja correcção e o cumprimento do livro de estilo, a opinião a partir de conhecimento profundo ou "ligeiro" ou do senso comum é salutar aqui nesta Tabanca.

Abraço,
Carlos Cordeiro
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6934: Memória dos lugares (88): Tavira, Quartel da Atalaia, CISMI (Carlos Cordeiro / Manuel Maia / Pereira da Costa)

Guiné 63/74 - P7125: Historiografia da presença portuguesa em África (39): António Silva Gouveia, fundador da Casa Gouveia, republicano, representante da colónia na Câmara dos Deputados, na 1ª legislatura (1911-1915) (Parte III) (Carlos Cordeiro)




Guiné > Bissau >  Fortaleza da Amura >  1908 > Expedição enviada pela metrópole em 1908 . Foto do Arquivo Histórico Militar, Lisboa.  Fonte: Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira (ed. lit.), Nova História Militar de Portugal, Vol. 3.  Lisboa, Círculo de Leitores, 2004, p. 266

(Foto editada e reproduzida por L.G. , com a devida vénia... Digam lá se não parecem mesmo uns soldadinhos de chumbo, estes camaradas que combateram forte e feio no Oio, em 1908; estive em 7 de Março de 2008 na fortaleza da Amura, em Bissau,  e juro ter reconhecido o fabuloso poilão que aparece aqui na foto de 1908...).

Da cronologia constante da obra acima citada (e cuja leitura se recomenda), retira-se a seguinte informação: 

17 de Junho de 1913: "A campanha do Oio termina vitoriosa com a implantação de um posto militar em Mansabá e a captura de elevado número de armas!" (p.450)... 

Em relação ao ano de 1908, pode ler-se,  p. 490:  

(i) "O capitão José Carlos Botelho Moniz parte de Cacheu contra os felupes de Varela que se  negavam a pagar impostos, atacando e destruindo a povoação, quebrando o mito de os Brancos não entrarem em território felupe e desarmando os de Jufunco e Egim (10 a 16 de Março)";

(ii) "O governador Oliveira Muzanty, obtendo reforços da Metrópole, organiza a maior expedição efectuada na Guiné até 1963. vencendo a resistância biafada emcabeçada por Unfali Soncó em Cuor e Ganturé e restabelece as comunicações entre Bissau e Bafatá (5 a 24 de Abril)";

(iii) "A expedição enviada à Guiné no tempo do governo Muzanty regressa à metrópole (15 de Maio)".

Sobre o Arquivo Histórico Militar convirá dizer que é o fiel depositário do principal património documental do Exército, incluindo valiosos fundos e colecções, relativos às campanhas militares em Portugal, na Europa e nos territórios coloniais e ultramarinos, em especial dos séculos XVIII a XX. Para mais informações consultar Actividades/Serviço de Atendimento Público e também o Guia de Fundos. Horários: Seg a Sex: 10h30-18h (requisições até às 16h30h). Endereço: Largo dos Caminhos de Ferro, 2, 1100-105 Lisboa / Telefone: 218 842 563 / Fax: 218 842 514 / E-Mail: ahm@mail.exercito.pt. / Acessos: Autocarros: 9, 12, 28, 35, 39, 46, 90, 104, 107, 203, 206, 210. Metro: Santa Apolónia. (LG)
 














Lisboa > Câmara dos Deputados > Intervenção do deputado António Silva Gouveia, representante da Guiné  > Sessão de 19 de Junho de 1913  (Com a devida vénia... 

Fonte:  Direcção de Serviços de Documentação e Informação da Assembleia da República, a quem, na qualidade de ex-combatentes na Guiné,  estamos reconhecidos pelo trabalho de digitalização efectuado e pela sua divulgação na Net).


1. Continuação da publicação de excertos de intervenções do deputado António Silva Gouveia, empresário, fundador dsa Casa Gouveia, representante da Guiné na Câmara dos Deputados, na legislatura de 1911-1915.  Pesquisa de  Carlos Cordeiro, membro da nossa Tabanca Grande, Professor de História Contemporânea na Universidade dos Açores, São Miguel, Região Autónoma dos Açores  (foto à esquerda). 





Nota de CC

Nesta sua nova intervenção, também curta e directa como é timbre de um “prático”, como por vezes se autodefinia, o deputado Silva Gouveia trata de três assuntos. As dúvidas, que convosco partilho, dirigem-se sobretudo ao caso dos “grumetes”.

Os grumetes eram nativos mais ou menos cristianizados, de diversificadas origens étnicas. Como tinham familiares nas povoações, eram óptimos intermediários no comércio de Bissau e Bolama, além de servirem nas diversas tarefas ligadas ao comércio e à navegação. Viviam em Bissau, fora das muralhas, e em Bolama, misturados com a população local. Variavam de alianças conforme os interesses em jogo[1]

Em 1892, nas negociações para pôr termo a sangrentos combates entre as tropas fiéis a Portugal e os papéis auxiliados pelos grumetes, estes reconheceram­‑se súbditos de Portugal, devendo obediência aos administradores. A partir daí, os grumetes foram chamados a participar em campanhas de ocupação efectiva do território.

É possível que aquela “última guerra” de que falava o deputado se referisse aos combates contra os papéis para a conquista da ilha de Bissau. De facto, nessa campanha de 1908-1909, os grumetes afirmaram-se aliados dos portugueses, sendo pois natural que daí tivesse resultado a destruição, pelos papéis, das suas casas.

Compreende-se, assim, a posição do deputado relativamente aos grumetes: no fundo, além de serem essenciais à boa marcha dos negócios, demonstravam também fidelidade aos portugueses, partilhando com as nossas tropas as agruras e os dramas de campanhas bem violentas contra diversos régulos e suas tropas. Como homem de negócios, era natural que pretendesse a poupança nos gastos públicos, sobretudo os respeitantes à Guiné. Daí, talvez, o seu pedido para que não fossem enviadas tropas da metrópole, como tinha acontecido em 1908, com o desembarque de uma força metropolitana de cerca de três centenas e meia de oficiais e praças que se manteve na Guiné dois meses.

Só que… afinal nem António Silva Gouveia conseguiu antecipar o comportamento futuro dos grumetes, que tanto louvara. Em 1915, aliados aos papéis, os grumetes atacaram tropas portuguesas, comandadas por Teixeira Pinto. Com a vitória dos portugueses, dava-se por finda a “pacificação” da Guiné[2].
 


[1] Veja-se Wilson Trajano Filho, “O trabalho da Crioulização: as práticas de nomeação na Guiné colonial”, consultável em  www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/etn/v12n1/v12n1a06.pdf

[2] As informações relativas às campanhas militares na Guiné nesses anos foram retiradas de: Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira (dir.), Nova História Militar de Portugal, III vol., Lisboa, Círculo de Leitores, 2004, pp. 264-270.


[Continua]

[ Revisão / fixação de texto / título / edição de imagens: L.G.]


__________

Nota de L.G.: 


Ainda sobre a figura dos grumetes, acima referida :

"Os grumetes eram africanos que, vivendo nas povoações luso-africanas e adoptando com grande liberdade os hábitos cristãos e os modos lusitanizados de ser, operavam como remadores, construtores e pilotos de barcos, carregadores e auxiliares no comércio.

"Como categoria sociológica, eles desempenhavam um papel chave no frágil compromisso em que a sociedade crioula se fundava, sendo os intermediários que faziam a delicada mediação nos relacionamentos entre a minoria de comerciantes europeus e luso-africanos e os régulos das sociedades tradicionais africanas que produziam bens para exportação".  (Wilson Trajano Filho, da Universidade de Brasília, in Outros Rumores de Identidade na Guiné-Bissau)".



quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7124: Blogoterapia (160): É com orgulho que passo a vossa palavra, a vossa lição de vida (Cátia Félix)

1. Mensagem da nossa amiga Cátia Félix, com data de hoje, 13 de Outubro de 2010:

Amigo Luís
Venho por este meio agradecer por não se terem esquecido de mim. Acreditem que vocês estão sempre no meu coração.
Transcrevo o meu comentário, como agradecimento...

Agora é a minha vez amigos...
Todas as noites clico no link do nosso "cantinho" (blog) e delicio-me com as vossas histórias...
Como devem perceber, ontem não o fiz porque cheguei tarde a casa (ai a malandreca eheh)...

Mas, meus queridos amigos(as) se ontem tive uma tuna académica a cantar-me os parabéns, HOJE ao chegar aqui recebi o meu maior presente: a lembrança, a amizade, o carinho, o calor, o abraço de todos vocês. Tudo o que sempre recebi desde o 1.º dia.

Mas acreditem mesmo, que nunca me esqueço de vocês, de tudo o que significam para mim e deveriam significar para o nosso país, este Portugal que neste momento se encontra em "guerra" mas ninguém tem agora a vossa coragem para o defender.

É com todo o orgulho que sempre que posso, passo a vossa palavra, a vossa lição de vida. A minha mensagem não vai parar de ser transmitida, assim como vos prometi.

Um beijinhos enorme e um xiii coração apertadinho em todos vós
Cátia Félix


Beijinhos
Cátia Félix
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Notas de CV:

Vd. poste de 12 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7114: Parabéns a você (164): Jovem tertuliana Cátia Félix (Miguel Pessoa / Tertúlia / Editores)

Vd. último poste da série de 6 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7090: Blogoterapia (159): Paradoxo e uma Orquídea (Torcato Mendonça)

Guiné 63/74 - P7123: (Ex)citações (98): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Hélder Sousa / Belarmino Sardinha)

1. Incentivados pelo nosso camarada José Manuel Matos Dinis, alguns elementos do chamado Grupo do Cadaval propuseram-se a comentar o texto publicado no Poste 7117.

Vamos começar pelas contribuições dos camaradas Hélder Sousa e Belarmino Sardinha



2. Hélder Sousa

Caríssimo Zé Dinis
Enviaste-me um texto sob o título acima indicado e pedes colaboração pela leitura e apreciação do mesmo.

Não me recuso a fazê-lo, embora não alcance o que realmente pretendes.
O que escreves não tem oposição da minha parte.

No início, partes das tuas preocupações familiares para teorizares, e bem, sobre a 'formatação' das mentes, das opiniões, do sentir (ou até da ausência disso tudo), para concluíres sobre a 'perversão do conhecimento'. Nada a opor ao que dizes e te preocupa, a não ser o reforço da tua ideia referindo exemplos do dia-a-dia, até também no Blogue, o que é perfeitamente natural, pelo menos para mim, que teorizo ser o Blogue uma amostra relativamente representativa do universo nacional.

Segues depois com uma frase interessante, sendo até óbvia, e que é: Porque, na verdade, se não sabemos, não temos opinião própria. Apenas reproduzimos opinião, de sentido continuado, ou de sentido contrário. Isto depende de alguns pressupostos enquanto ouvintes, ou leitores, de opiniões. Isto leva-nos a considerar que a formação da opinião deve sempre ter por base uma sólida consistência, obtida por experiência própria ou por busca de conhecimento.

Aqui há um perigo.... que é "se não estavas lá, não podes falar, não tens conhecimento directo, não tens experiência disso que estás a falar", ou também um outro perigo que é o de se questionar sobre as "fontes" onde se vai adquirir o conhecimento 'não-directo'.

Quanto à primeira parte é muitas vezes um 'argumento' para 'calar' o interlocutor, mas é falácia. Então como se pode falar da viagem de Vasco da Gama? 'Não estavas lá'!. E da defenestração do Miguel de Vasconcelos? 'Também não estavas lá'! É claro que se pode 'falar' sobre esses assuntos, o que se tem é de ter a cautela de dizer 'segundo o meu ponto de vista', ou 'segundo a minha opinião', ou ainda 'de acordo com o que li sobre isso'. Torna-se de facto, dessa forma, uma opinião pessoalizada, mesmo tendo por base uma informação recolhida algures.

Quanto à escolha das 'fontes', pois isso é um outro problema. Uma atitude intelectualmente honesta é aquela que tenta fazer a prova do que lê, coloca a dúvida metódica e tem cautelas e reservas em 'enfileirar' desbragadamente na primeira corrente que aparece. Um pequeno exemplo: quantas vezes já lhes apareceu um pretenso (repararam? escrevi 'pretenso'!) documento 'oficial' do Rosa Coutinho a tornar 'público e notório' o seu comprometimento com o MPLA? E questionaram sobre a veracidade dele? Por um bocadinho que fosse? Pois, a tal dúvida metódica...

Calculo que os cuidados que atrás refiro podem ser aqueles que justificam a tua frase, que se segue: E como somos sociais, pode acontecer ocasiões em que, sem termos a sabedoria adquirida sobre certa matéria, apenas o conhecimento que resulta do contacto com ela, sem ocasião para reflectir interpretativamente, apesar disso, somos capazes de tomar posição, defendendo-a, ou atacando-a, com maior ou menor tenacidade. E o essencial, nessas alturas, não passará de uma treva. Mas pode-se formar correntes de opinião e conduzir as pessoas por caminhos errados, daí, que me pareça necessária alguma temperança antes de enfileirar em movimentos.

Segues depois referindo situações que frequentemente se encontram no nosso Blogue e parece-me que propões que nos documentemos o melhor e o mais possível para defender as posições que entendermos tomar.

Parece-me justo! Mas acho que, de um modo geral, é aquilo que fazemos.

Olha, há pelo menos uma questão que é bem notória e que acho se deve ter algum cuidado em abordar. Trata-se do velho 'cavalo de batalha' sobre a alegada tese da 'guerra perdida' e que tem sido sistemática e metodicamente colocado de modo a tentar ganhar cada vez mais adeptos para o combate a essa alegada teoria. Às vezes parece-me que se procura passar do combate à teoria da 'guerra perdida' para a tese da 'guerra praticamente ganha', captando as sensibilidades daqueles que conseguem convencer que estão a ser chamados de cobardes e depois....

Portanto, como vês, para comentar o teu texto acabei por me espraiar por diversas áreas pois não atinei com o teu objectivo concreto. Posso, em resumo, dizer que concordo com a sua substância, que comungo das tuas preocupações e que estou atento às tuas sugestões.

Um abraço
Hélder


3. Belarmino Sardinha

Meu caro Zé Dinis,
Respondo ao teu texto, começando por dizer que o vi já tarde e depois de ter lido a resposta que o Hélder enviou, estou assim beneficiado e mais rico na leitura que ambos me proporcionaram e mais ainda na reflexão a que fui obrigado. Ainda bem que existem amigos que nos levam a pensar, pela nossa cabeça evidentemente, caso contrário era uma vida muito menos interessante, digo eu.

Fiquei um pouco como o Hélder, sem perceber concretamente a razão ou o objectivo, mas é um desafio interessante e beneficiando da análise soberba do Hélder, com a qual concordo, parece-me compreender o que dizes e pretendes. Levantas uma questão pertinente, quando alguém fala de coisas que desconhece e/ou faz afirmações sem qualquer base de suporte, mas como já respondeu o Hélder e eu concordei, não vou aqui procurar outras palavras para dizer o mesmo.

Fazendo um pouco a comparação com o teu início de texto, sem querer fazer comparação com o teu neto, maravilhoso estou certo, tenho um pássaro “amigo” (digo amigo porque não é meu e morde ao dono, a mim não), papagaio, que responde ao que ouve, por vezes com elevada certeza, contudo não tem conhecimento, digo eu sem que o possa afirmar, falta-me a base científica para o provar, apenas o digo por que não foi à escola e não aprendeu pela cartilha em que todos aprendemos, mas, também esta afirmação me levanta dúvidas, não sei se fomos todos, afirmação que não posso fazer nem comprovar, mesmo sendo habitual e comum dizer-se isto…

Ficaríamos eternamente com exemplos de afirmações, frases feitas e tudo o mais, “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar” podemos tecer opiniões e formular juízos sem, contudo, podermos fazer prova, limitámo-nos a acreditar no que alguém escreveu ou disse e serve de ponto de partida para a intervenção que, dependendo da receptividade, variável com o estado emocional na altura, com a atenção/dedicação dispensada, com a própria capacidade de apreensão/compreensão etc. etc. etc.

Também concordo com o Hélder ao lembrar que esta necessidade de esclarecimento, a que chamo bate-papo escrito, tem como base o blogue, é nele que normalmente comentamos ou escrevemos e onde é susceptível aparecerem coisas difíceis de provar, mas parece-me ter sido mesmo essa a razão da criação do blogue, se não estou errado, cada um contar a sua história para não serem os que nada sabem a contá-la, deturpando ou moldando os factos consoante os interesses. Esse é um risco que se corre, tal como diz o ditado “no melhor pano cai a nódoa”.

Pela minha parte, subscrevendo na quase totalidade o que já havia sido escrito pelo Hélder admito não estar isento de falhas. Mas atenção, não defendo nem reconheço qualquer valor a quem diz ou escreve tudo o que lhe apetece ou vem à cabeça sem uma base mínima de conhecimento ou informação considerada fidedigna.

Finalizo lembrando que o debate de ideias é saudável e salutar, desde que feito com regras de educação, medidas que a idade e experiência de vida nos conferem, sem certezas absolutas ou decisões inalteráveis e respeitando as opiniões divergentes, se não obrigados a segui-las.

É tudo por agora,

Um abraço
BS
__________

Nota de CV:

Vd. poste de 12 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7117: (Ex)citações (97): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (José Manuel Matos Dinis)