sexta-feira, 29 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8617: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (20): Uma Grande Mulher (ou uma imagem de uma geração)

1. Em mensagem do dia 28 de Julho de 2011, o nosso camarada José Ferreira da Silva* (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta comovente memória (boa) da sua guerra:


Memórias boas da minha guerra - 20

Uma Grande Mulher
(ou uma imagem de uma geração)

Feirães, em Terras de Santa Maria, era conhecida pela relativa abundância de Padres, Médicos e Professores, e pelas suas tradições na oposição ao regime de Salazar. Depois da “vitória abafada” do General Humberto Delgado, em 1958, seguiram-se tempos de retorno à calma habitual, à política “surda”.

Recordo muito daquela época alguns serões, junto dos sapateiros que trabalhavam (à tarefa) até tarde, agrupados no rés-do-chão de algumas casas, ouvir as histórias dos mais velhos e suas discussões desportivas e políticas. Foi com alguns deles que ouvi, clandestinamente, a rádio Moscovo, que, como sabem os que viveram aqueles tempos, era um perigo enorme.

Desde a escola primária que cimentámos um núcleo de amigos que continuou ligado através das actividades na JOC, que era um grupo de forte implantação e muito bem aceite pela maioria da população.

Os rapazes que continuaram os estudos foram para os Carvalhos e para Espinho e as raparigas seguiram maioritariamente para o Porto. Mas, a maioria dos jovens seguia o caminho dos pais: fábricas de cortiça e de calçado, que proliferavam nessa região.

Não era fácil o relacionamento entre rapazes e raparigas no nosso tempo. Apenas as actividades religiosas ou afins mereciam alguma tolerância familiar na aproximação dos jovens de sexos diferentes.
Todavia, havia alguns elementos com laços familiares que facilitavam a aproximação.

A Missa da manhã e as cerimónias da tarde, na Igreja Matriz, aos Domingos, eram o ponto de partida para alimentar qualquer pontinha de relacionamento.
Em prolongamento das actividades religiosas e, sempre que possível em sua substituição, dávamos uns passeios pelo Monte das Pedreiras ou pelas Ribeiras. Desta forma, chegámos a ter um grupo de convívio bastante salutar e muito divertido.

Um dos jovens mais activos era o Neca Ribeiro que, ao contrário do seu irmão Berto, não tinha muito jeito para “conquistas amorosas”. Gostava de praticar qualquer desporto popular e não se importava nada com a roupa ou com o calçado quando jogava a bola, na posição de guarda-redes. Ao contrário do irmão, não gostava de usar gravata e desvalorizava muito o vestuário. Com eles conviviam o Zéquita, o Jalmito, o Mocas, o Lizito, os Bastos e, mais de perto, o Zénico.

No grupo das raparigas, destacava-se a Ilda, que vinha do Porto só aos fins-de-semana. Através da sua habitual boa disposição e das suas exuberantes gargalhadas, transpirava alegria permanente. Como era prima do Neca e do Berto, relacionava-se muito bem com eles desde criança. Essa aproximação com eles e com os seus amigos mais próximos, facilitava a convivência com as suas amigas Zelma, Cassandra, Nelinha, Gita, Dina e outras.

Durante vários anos, viveram-se alegres convívios, donde resultaram amizades e amores eternos.
Devido às suas constantes brincadeiras e uma certa ligação/simpatia pelos movimentos dos anos 60 (as serenatas eram sempre um fracasso e o conjunto musical não passou de acção de “fachada”), estes rapazes de cabelos compridos começaram a sentir algumas dificuldades com a geração de seus pais, especialmente quando se “abeiravam” das filhas.

A primeira grande viravolta deu-se no relacionamento do Neca com a família da Ilda. A tia dele, que o vinha tolerando dentro de casa como o sobrinho preferido, ficou ofendida com o aparente namorico. Expulsou-o de casa e passou a proibir à filha esse tipo de relação. Passou a ser evidente o amor sofrido entre ambos. Ela vivia abaixo da Boavista, no Porto, em casa de uma tia, ao mesmo tempo que frequentava o liceu Carolina Micaelis. Ele fazia tudo para se encontrar com ela. E quando isso era possível ele esquecia, frequentemente, o último autocarro de regresso. Tentava a boleia mas, por vezes, já cansado, metia-se num táxi e mostrando o dinheiro que tinha, dizia:
- Dê-me este dinheiro de táxi, na direcção de Feirães.

Entretanto, a guerra colonial havia estalado em Angola e prometia alargar-se à Guiné e a Moçambique. Mas a convicção inicial era a de que tudo se resolveria a curto prazo. Porém, o tempo ia passando e esses conflitos iam-se agudizando. Talvez por isso, todos os jovens da nossa geração acabaram por ser apurados para o serviço militar. Ressalve-se o caso do Lizito (que fez dietas incríveis) que ficou adiado, para no ano seguinte vir a ser livre da tropa com números impressionantes: 37,5 Kgs de peso 1,48m de altura. Ganhou então a alcunha do “Transparente”.

O Neca foi com o Jalmito para o quartel das Caldas da Rainha e uns meses depois o Zenico seguiu para o de Santarém. Embora a Ilda e o Neca se tenham ligado mais que nunca, era evidente que a alegria de outrora estava muito longe. Ele andava revoltado e em litígio com a tia que continuava a perseguir o amor da sua filha. Mas esta, apesar de viver triste, respeitou sempre os seus pais, mas nunca recuou perante o amor da sua vida.

Agora era o perigo da guerra que vinha ensombrar ainda mais a sua relação. E o pior aconteceu. Tanto o Neca como o Jalmito seguiram para a Guiné.

Lá longe, na perigosa ilha do Como, no sul da Guiné, o Neca vivia desesperado com a sorte que lhe calhara e com o ambiente hostil que imaginava existir junto da sua amada. Durante esses seis ou sete meses de sofrimento duplo, resolveram dar um enorme passo para a resolução parcial dos seus problemas. Resolveram casar. Ele marcou férias e viria, para casar, nos princípios de Maio (1967). Entretanto, ela já passara a viver mais junto da família dele, que a acarinhara.

Nos fins de Abril, o amigo Zenico partiu também para a Guiné. Combinaram encontrar-se em Bissau, no dia 1 de Maio. Era intenção do Zenico transmitir-lhe o testemunho de que a Ilda já parecia outra, pois que mostrava felicidade com o passo que iriam dar. Como o Zenico não chegou a conhecer Bissau, tendo desembarcado directamente para uma barcaça com destino ao interior da Guiné (Bambadinca), não teve hipóteses de se encontrar com o seu maior amigo.

No entanto o Neca também não pôde estar no Cais de Bissau. No dia 29 de Abril fora dispensado de participar numa operação militar para poder viajar para Bissau, rumo ao seu casamento.
Por azar, um colega Furriel adoeceu e o Capitão pediu ao Neca para o substituir nessa Operação nocturna, uma vez que só viajaria no dia seguinte.

Desconheço pormenores sobre o combate nessa fatídica noite. Só sei que o Neca levou um tiro na coluna vertebral, entrou em coma e foi evacuado para Lisboa.

Em Feirães seguiram-se dias muitos tristes. Ninguém ficou alheio a essa tragédia, precisamente na semana do seu anunciado casamento. Aquela paixão era conhecidíssima e o Neca era o rapaz mais benquisto de toda a população. Foram tempos dramáticos. Ele lutava pela vida prostrado numa maca em Lisboa e ela quase desfalecia de tanto sofrimento, à sua espera.

Logo que ele começou a recuperar, passou a não querer ver as pessoas que lhe eram mais queridas. Não suportava vê-las sofrer nem os lamentos à sua volta. Quanto à Ilda, esclareceu-a sobre a sua situação de paraplégico irreversível e, depois, aconselhou-a a que se afastasse.

Ela não desarmava e procurava permanentemente contactá-lo. Além de familiares e amigos, agora havia outras pessoas a aconselharem-na a abandonar aquela relação. Como ela não desistia, ele passou a rejeitá-la e a procurar que ela o detestasse.

O amigo Zenico, envolvido na guerra, no Oio, lá no norte/centro da Guiné, pouco sabia do que se passava, mas, quando ciente do drama, também teve o cuidado de escrever à Ilda, aconselhando-a a medir bem a situação para não se prejudicar ainda mais, até porque era o próprio Neca a aconselhá-la nesse sentido.

Caro amigo Zenico
Sei que os nossos amigos também vêm sofrendo com a nossa situação. Sabeis que gosto muito de vós e que vos estou muito grata. Porém, não insistam em alterar a minha determinação. Já sofri muito e não quero outro caminho: só viverei para o meu Neca.
Estou a sofrer mais porque ele agora não me quer. Mas eu não acredito nisso porque sei quão forte é o nosso amor. Ele rejeita-me porque é meu amigo mas eu nunca o largarei. Ele é o homem da minha vida e só quero estar com ele. Estávamos prometidos para o melhor e para o pior e eu sei que ele agora vai precisar ainda mais de mim. E o meu prazer será ajudá-lo.

Quase um ano se passara e o Neca ainda não fora a casa. Estava no Centro de Recuperação de Alcoitão. Foi o Zenico, vindo de férias, que o foi buscar. Foram momentos de choque retraídos, para que o Neca não sofresse. Curioso que esta dupla conhecida pela produção de boa disposição permanente, reatou relacionamentos incríveis, como se nada se tivesse passado. Brincavam até com a cadeira de rodas. Foram ao café Central e a todos os lugares que se sabia de grande valor afectivo. E a Ilda, de olhos húmidos, já soltava alguns sorrisos.

Ele regressou a Alcoitão e o Zenico a Catió (no sul da Guiné). Ninguém era feliz, mas a Ilda era a pessoa que mais se aproximava. Casaram ainda antes do Zenico voltar. O amor triunfou!

A vida da Ilda e do Neca decorreu normalmente. Foram sempre um casal exemplar dedicado à família, especialmente aos sobrinhos. Mas o Neca foi sempre um caso especial. Viveu intensamente as mudanças políticas do 25 de Abril, foi autarca de destaque e um entusiasta enorme pelas colectividades desportivas e outras associações de âmbito cultural. Teve sempre a sua vida preenchida com trabalho e obras de solidariedade social.

Lisboa no dia 25 de Abril de 1974
Foto retirada do site Olhares, Fotografia Online, com a devida vénia

Há uns anos, quando a mãe de Ilda, já viúva, adoeceu gravemente, coube à consciência desta filha maltratada, entre quatro irmãos, assumir os seus cuidados finais. Foram mais uns anos de sacrifício permanente, para amenizar o sofrimento de sua mãe. Esta, acusava o seu arrependimento e manifestava-o constantemente. Confessava-o a toda a gente.

Recentemente, num dos raros reencontros da malta daquele tempo (anda cada um para seu lado), à mesa, o Neca, sempre com a mulher ao lado, ouvia cada um falar da sua vida, da dos seus e dos seus azares. Acrescentavam ainda algumas maldades, traições e outras desgraças dos ausentes. A dada altura, o Neca, reposicionou-se a pulso na sua cadeira de rodas e interrompeu o rol de misérias:
- Ó malta..

Foi logo interceptado pelo Joca:
- Tens razão. Nós a lamentarmo-nos para aqui e tu, que hás-de dizer depois do azar que tiveste?

- Não, nada disso, retorquiu o Neca: - Quero apenas aproveitar para vos dizer que, graças aqui “à minha patroa”, sou o homem mais feliz do mundo!

E ela, envolvendo-o carinhosamente com uma mão nas alvas barbas e outra contornando os cabelos da mesma cor, exibia o seu semblante resplandecendo de alegria, dizendo-lhe:
- Obrigada “meu trengo”, sabes muito bem que tu é que me fizestes a mulher mais feliz do mundo! E, comovida, encostou demoradamente a cara à dele e deixou cair algumas lágrimas enquanto sorria de felicidade.

Silva da Cart 1689
____________

Notas de CV:

Foto do General Humberto Delgado na Praça de Carlos Alberto em 14 de Maio de 1958 retirada do site Porto Antigo - Histórias e imagens da cidade, com a devida vénia

Vd. último poste da série de 8 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8529: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (19): O alferes maluco... está tolo

Guiné 63/74 - P8616: Notas de leitura (260): Costa Gomes, o último Marechal, por Maria Manuela Cruzeiro (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Julho de 2011:

Queridos amigos,
A diferentes títulos, a análise que o Marechal Costa Gomes faz aos acontecimentos da Guiné, em 1973, são de um inquestionável interesse, tanto para o leigo como para o historiador. Pela primeira vez se ficou a saber em que consistia a alteração do dispositivo que retiraria as forças colocadas nas fronteiras, onde deixariam de ficar à mercê dos morteiros 120. Não dá para entender como os historiadores não analisam as consequências que tal dispositivo acarretaria, sobretudo para o moral das tropas. É um olhar perpassado por uma inteligência fulgurante, está aqui um registo de que mais significativo ocorreu durante a guerra e o seu depoimento sobre o turbulento período que se viveu entre 1974 e 1976 é incontornável.

Um abraço do
Mário


Marechal Costa Gomes e a Guiné em 1973

Beja Santos

“Costa Gomes, O Último Marechal” (Círculo de Leitores, 1998) é uma longa entrevista que o antigo presidente da República concedeu a Maria Manuela Cruzeiro, do Centro de Documentação 25 de Abril, é um olhar sobre toda a sua vida, desde que ingressou no Colégio Militar até às ocupações que teve depois de abandonar Belém, em 1976. Uma longa trajectória de actuação, recheada de controvérsia em que pessoas como Spínola, cuja amizade com Costa Gomes foi sólida até aos acontecimentos do Verão quente e posteriores, não tiveram rebuço em dizer que o seu papel foi determinante para evitar uma guerra civil, nem os seus adversários mais acérrimos esconderam que foi o oficial general português mais prestigiado do século XX.

A análise que faz dos acontecimentos da Guiné, em 1973, e que constam desta entrevista, é da maior importância. Começa por referir que a acção de Spínola na Guiné foi muito contraditória, ou seja, ao perceber que a guerra não se podia ganhar pela força das armas quis conquistar as populações e, em simultâneo, concebeu operações militares absolutamente condenáveis, incluindo o ataque a Conacri.

Perguntado sobre a visita que efectuara à Guiné após o aparecimento dos mísseis Strella e da resposta que dera a Marcello Caetano de que “no estado actual” a Guiné era defensável e devia ser defendida, respondeu que era defensável se se modificasse o dispositivo e se o PAIGC não utilizasse os Mig que dizia possuir. E explicou em que consistia a alteração do dispositivo: “Significava a retirada de todas as forças colocadas nas fronteiras para um espaço onde não fôssemos vítimas dos morteiros 120 e pudéssemos perseguir os guerrilheiros do PAIGC. Na altura, com o dispositivo utilizado, as forças no interior estavam muito enfraquecidas, porque demasiado concentradas nas fronteiras. E, a meu ver, com enorme desvantagem, já que não há nada pior do que combater para a retaguarda. Por variadíssimas razões, sobretudo morais, as tropas são capazes de actos heróicos quando perseguem o inimigo na direcção que elas consideram lógica, ou seja, do interior para a fronteira. A operação Mar Verde foi um desastre e a invasão do Senegal pelos Comandos foi outro. Melhor: ainda que, tacticamente, a operação levada a efeito no Senegal tenha registado algum sucesso, a questão fundamental centrou-se nas Nações Unidas, onde fomos ameaçados de sanções graves se voltássemos a violar as fronteiras dos países limítrofes. De facto, a extensão da fronteira terrestre (enorme para o tamanho da Guiné) desmoralizava as tropas e dava uma vantagem fantástica ao inimigo: é que ele atacava-nos quando queria, tinha a iniciativa das operações e nós não podíamos ripostar a não ser com armas de fogo”.

Questionado se não devia ter dado um apoio mais explícito a Spínola, que procurava a resolução do problema militar por via política e se conhecia essas intenções declarou o seguinte: “Nunca me apercebi essa intenção com a clareza que afirma. É claro que várias vezes discutimos a questão da guerra colonial, concluindo sempre que a solução não seria militar, mas sim política. Essa era, aliás, uma posição constantemente assumida por mim, como ele o sabia muito bem, nas reuniões do Conselho Superior de Defesa Nacional”. Mais adiante, quando o entrevistador lhe pede um comentário sobre a afirmação de Spínola de que considerava praticamente esgotadas as hipóteses de uma vitória militar, exactamente na sequência dos mísseis Strella, depois de tecer considerações sobre as desigualdades de armamento, as insuficiências dos contingentes metropolitanos e os erros que ocorriam na instrução dos batalhões, Costa Gomes declara ter estado de acordo com Spínola de que militarmente se tinham esgotado todas as possibilidades.

E chegamos ao derradeiro ciclo, a saída de Spínola e a chegada de Bethencourt Rodrigues. Teria havido, reflecte Costa Gomes, uma viragem no relacionamento entre Spínola e Marcello Caetano, quando este recusou novas reuniões com o presidente Senghor, em 1972. Ao chegar a admitir uma derrota militar pensando que deste modo podia salvar Angola e Moçambique, Caetano não só praticou um erro político como gerou o spinolismo. Havia, recorda o Marechal, uma profunda interligação entre os movimentos africanos, é escusado encontrar paralelos entre a queda da Índia e querer presumir que a queda da Guiné não tornaria inevitável a queda das outras colónias. Perguntado se Bethencourt Rodrigues levava como missão acabar com a guerra ou continuar com a guerra, emitiu o seguinte juízo: “Só podia ser para continuar a guerra. A primeira pessoa indicada para substituir na Guiné o general Spínola foi o general Diogo Neto, na altura comandante da Força Aérea de Moçambique. Bethencourt Rodrigues apenas aceitou lugar (disse-mo pessoalmente) por ser muito amigo do professor Marcello Caetano”. E faz a seguinte avaliação do desempenho do general na Guiné: “Ele era um oficial excelente, mas foi encontrar uma situação quase caótica. Fez o que pode. Mais de uma vez veio a Lisboa, dizendo-me que, além da situação militar ser bastante má, enfrentava ainda outras grandes dificuldades administrativas, já que não conseguia obter verbas idênticas às concedidas ao general Spínola. O facto prejudicava a parte social e um certo bem-estar das populações que o general Spínola tinha conseguido e que ele queria manter, convencido de que, numa terra como aquela, se consegue muito mais através de uma actuação junto das populações do que com acções militares”.

A seguir a conversa envereda sobre a formação do Movimento dos Capitães, tema desajustado às finalidades do blogue e por isso paramos por aqui.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8599: Notas de leitura (259): No Pincha, por Vasco de Castro (Mário de Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8615: Fotos à procura de... uma legenda (4): O Alfredo, eu e o Levezinho, álbum fotográfico de Humberto Reis



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca  > CCAÇ 12 (1969/1971) > A foto, tirada com a máquina do Humberto, veio acompanha da seguinte legenda: "O Alfredo, eu e o Levezinho"...




Foto: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.




1. Mais uma proposta para o nosso "passatempo de verão"... Mais uma foto à procura de legenda(s)... São três tugas do 2º Gr Comb, com ar de desalento ou simplesmente de cansaço, fome, sede... no regresso de mais uma operação, já que a CCAÇ 12 era pau para toda a obra... O resto fica à imaginação de cada um dos nossos leitores que queira participar no "passatempo"...


Da esquerda para  a direita, o 1º Cabo Alves (mais conhecido por Alfredo) e os Fur Mil Humberto Reis e Tony Levezinho... O Alfredo era talvez o cabo metropolitano mais bem disposto e prestável que eu conheci na CCAÇ 12... Acho que a alcunha foi-lhe posta pelo Humberto, seu comandante de secção...  (Talvez ele possa explicar quando e porquê...).


Não sei por onde pára este camarada, que era um verdadeiro camaradão, de seu nome completo, José Marques Alves. Há uns anos atrás morava em Fânzeres, Gondomar, Rua das Cruzes, 107 R/C, 4510-542 FANZERES / Telef 2 2480 1560.


Se alguém souber dele, que nos dê notícias e lhe mostra este foto, com cara ainda de menino e moço... Com o Tony Levezinho e o Humberto Reis, a gente vai-se vendo, telefonando... e amparando.


O edíficio que aparece na foto parece-me  ser o depósito de engenharia, identificado na foto aérea de Bambadinca como o edifício nº 15, à direita das instalações de oficiais e sargentos (6, 7).


By the way, aqui fica a composição da 2ª secção do 2º Gr Comb da CCAÇ 12:

 Fur Mil Op Esp 05293061 Humberto Simões dos Reis;
1º Cabo 17626068 José Marques Alves;
Soldado Arvorado 82116569 Mamadu Baldé (Fula);
Soldado 82101469 Udi Baldé (Futa-fula);:
Sold 82101069 Sajo Candé (Fula);
 Sold 82108069 Alfa Jaló (Fula);
Sold 82116469 Iéro Juma Camará (Ap Mort 60) (Futa-fula);
Sold 82111969 Mamadú Jaló (Mun Mort 60) (Fula);
Sold 82111069 Adulai Baldé (Fula);
Sold 82117269 Adulai Bal (Fula).


______________


Nota do editor:


ÚLtimo poste da série > 23 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8594: Fotos à procura de... uma legenda (3): Cais do Xime, o "princípio da autoestrada do leste"... Álbum do Arlindo Roda (campeão de damas, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)


Postes anteriores:


19 de Julho de 2011 >Guine 63/74 - P8569: Fotos à procura de... uma legenda (2): Carlos Miguel (Fininho), e Carlos Alberto Maravilhas Soares, do Comando de Agrupamento nº 1980 (Bafatá, 1967/68): Álbum de Amaro Oliveira António


17 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8565: Fotos à procura de... uma legenda (1): Álbum de Torcato Mendonça (CART 2339, Mansambo, 1968/69)

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8614: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (20): Rezando pela chuva, lá, no tempo dela; imprecando contra o vento, estival, cá... (Luís Graça)





Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > Título da foto: Aí está a época das chuvas de 2011 > Data de Publicação: 10 de Julho de 2011 > Data da foto: 26 de Junho de 2011 > Palavras-chave: Segurança alimentar > Legenda:

"Já começou a época das chuvas na Guiné-Bissau com grandes tornados e ventos muito fortes, mas ainda com …pouca chuva, para os agricultores ficarem satisfeitos e iniciarem as suas lavouras e sementeiras.

"Este começo,  atrasado e muito irregular, tem levado a uma diminuição notória do ritmo da lavoura dos planaltos e encostas onde se produzem as culturas de sequeiro (milho, sorgo, milheto, arroz, mancarra, batata doce, mandioca e feijão), o que faz temer uma má colheita este ano. 

"Quanto às bolanhas salgadas, a situação é ainda mais grave, uma vez que é necessário chover muito e de forma concentrada, para diminuir a salinidade e acidez dos solos, pondo a salvo qualquer interrupção brusca do fim do ciclo das chuva".

Foto:  Cortesia de  © AD - Acção para o Desenvolvimento  (2011). Todos os direitos reservados.





1. Cada vez mais a expressão "segurança alimentar" faz sentido e nos põe em sentido... Como alimentar 9 mil  milhões de seres humanos, em 2050, com o planeta azul a "rebentar pelas costuras" ? 


Há muito a ONG AD - Acção para o Desenvolvimento tem um discurso e uma prática neste domínio, dando o exemplo ao Estado, à sociedade civil, ao povo e às elites da Guiné-Bissau... Através da série "foto da semana", no seu sítio institucional, e agora também no Facebook, a sua mensagem chega mais longe. 


Os agricultores guineenses, esses,  esperam a chuva, no tempo dela, como um milagre do céu. Nós, que queremos sol e praia, rogamos pragas ao vento... Para os antigos combatentes que conheceram a Guiné do tempo das chuvas abundantes e milagrosas - ainda não se falava em " mudanças climáticas" nem de avanço do Sara - esta foto tem uma forte carga simbólica, poética e emocional... 


Se é verdade que nem no tempo das chuvas as armas se calavam, também é certo que abrandava a actividade operacional, de um lado e do outro, por imperativo da natureza... As picadas transformavam-se em rios. As colunas logísticas, um inferno. As minas e armadilhas eram arrancadas do chão pela força das águas... As viaturas atascavam-se... Entretanto a savana arbustiva tornava-se uma imensa "seara de capim", verde que rapidamente cobria tudo, homens, animais, arbustos...


Quem não se lembra do tempo das chuvas ? E das medonhas trovoadas tropicais ? E das moranças queimadas por raios, com pessoas e gado calcinados ?... Quem não se lembra dos milhões de insectos, de todos os tamanhos e feitios, que nos "bombardeavam" o prato da sopa, ao jantar, logo que acabava a chuvada da tarde ? Quem é que não veio para a rua, feito criança, com as primeiras chuvadas, apanhar a molha monumental, da cabeça aos pés, um  ritual obrigatório naquelas paragens, para todos os viventes ? Quem, enfim, não estremece de emoção ao rever este  céu carregado, a prenunciar borrasca, algures na Guiné-Bissau de hoje, a "nossa terra verde e vermelha" de ontem  ? 


Entretanto, a guerra recomeçava, com outro vigor, e violência, no tempo seco... Em Dezembro, no leste, tiritava-se de frio, à noite, nos postos de sentinela ou nas emboscadas no mato,  quando as temperaturas baixavam até aos 15 graus...


2. Por outro lado, recebi há dias notícias do nosso amigo Pepito, anunciando a sua chegada à terra da sua mãe (Lisboa), dos seus filhos e da sua esposa Isabel, nestes termos sempre bem humorados e telegráficos, levemente irónicos: 


"Chegada à Metrópole de Graciosa: 16 de Julho de 2011. Amigos Alice e Luís: Estou em Lisboa. Vim tratar da vistoria do veículo de transporte... Vamo-nos encontrar. Abraço. Pepito".


Recorde-se que os funcionários públicos do Ultramar (se não todos, pelo menos algumas categorias, como professores, médicos, militares, etc.), ao fim de 4 anos de serviço, tinham direito a uma licença dita graciosa, cuja duração podia ir até aos seis meses, com viagens pagas no todo ou em parte pelo erário público... Continuavam a receber o seu vencimento, não sei se na totalidade ou em parte... 


Os pais do Pepito, ele jurista, ela professora no Liceu Honório Barreto, beneficiavam naturalmente deste "privilégio" do funcionalismo público ultramarino... Fixaram-se na Guiné em 1949, mas mantendo casa em Lisboa. O Pepito e os seus irmãos, enquanto crianças e adolescentes, devem ter acompanhado os pais, numa ou mais viagens à Metrópole, em gozo de licença graciosa... Enfim, deve ser esse o sentido (figurado) do título da mensagem...


Aproveito o ensejo para desejar ao Pepito, à Isabel e ao resto da família, incluindo a nossa Clara Schwarz, a decana da nossa Tabanca Grande, a caminho dos seus corajosos e maravilhosos 97 anos de vida, os mais ardentes votos de boa, prazenteira, descontraída, feliz e saudável estadia na Tabanca de São Martinho do Porto, com muito sol e a brisa q.b., que refresca a casa e faz cantar os pinheiros que a protegem, tornando ainda mais fantástica e poética a vista que se desfruta desse lugar mágico (uma das mais belas vistas do Portugal litoral, ao fim da tarde: de um lado, o Atlântico, as Berlengas; do outro, a baía de São Martinho do Porto)... 


Espero poder em breve ir lá dar-vos um abraço, a vocês e ao vizinho JERO, outro  apaixonado de São Martinho do Porto (e residente de verão)... Claro, eu, a Alice, se possível a Joana (entretanto, em viagem por Itália), e obviamente o João, se os Melech Mechaya deixarem, passe a publicidade  (...Nesta noite, ele está a tocar, com os Melech Mechaya, em Alcains, Castelo Branco; no dia 13, vai estar em grande, em Sagres, no Superbock Surf Fest, na praia do Tonel, a tocar para um público esperado de mais de 10 mil; e depois a 21 e 28, em Espanha...). Em suma, vamos ter que gerir muito bem, como acontece todos os anos em Agosto, as nossas "agendas sociais"... Brincadeira aparte,  aquele xicoração lusoguineense! Luís Graça

___________


Nota do editor:

Último poste da série > 28 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8480: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (19): Em louvor da Ajuda Amiga e do Carlos Fortunato, divulgador de tecnologias simples e amigas do ambiente



Guiné 63/74 - P8613: Agenda Cultural (147): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974: história e memória(s) (Carlos Cordeiro) (5): Apontamento e fotos do dia 22 de Julho de 2011

Ponta Delgada / S. Miguel > Terceira sessão do ciclo de conferências “Os Açores e a Guerra do Ultramar (1961-1974): história e memória(s)”. 
Os dois conferencistas: o ex-1.º Tenente Fuzileiro Especial António Vasconcelos Raposo, de pé, no uso da palavra;  o ex-Alf. Mil. CMD Valdemiro Oliveira, sentado.


Mensagem de hoje, 28 de Julho de 2011, do nosso camarada Carlos Cordeiro (ex-Fur Mil At Inf CIC - Angola - 1969-1971), actualmente Professor na Universidade dos Açores, dando-nos notícia do rescaldo de mais uma conferência integrada no ciclo conferências-debates Os Açores e a Guerra do Ultramar – 1961-1974: história e memória(s)*, que ocorreu no passado dia 22 de Julho, sendo conferencistas, António Vasconcelos Raposo, antigo combatente em Angola como oficial Fuzileiro Especial e Valdemiro Correia, antigo combatente também em Angola como alferes miliciano Comando:

Caro Carlos,
Como estamos na “estação calmosa” própria para “vilegiatura” mas, como se vê, o blogue não foi veranear, envio umas fotos e um pequeno texto sobre a conferência da última 6.ª feira aqui na Universidade (pólo de Ponta Delgada, S. Miguel, Açores) para veres se “cabe” no blogue*.

Já agora aproveito para te contar que, no dia da conferência, de manhã, encontrei um amigo e antigo camarada da recruta no CISMI. Disse-me logo: Carlos, logo não posso ir à sessão, pois não estarei em Ponta Delgada. Um camarada de Lisboa, que esteve comigo na Guiné, telefonou-me a alertar para a conferência e disse-lhe então que não podia ir. Como é evidente, o camarada do meu amigo só pode ter lido a notícia publicada no Luís Graça & Camaradas da Guiné, ou então no Ultramar-terraweb.

No mesmo dia, o Tomás disse-me que tinha recebido um e-mail de um amigo do Canadá a pedir-lhe informações sobre a conferência, etc. Interessante isto. Ou será que “o Mundo é pequeno…”?

Um abraço amigo do
Carlos


Apontamento e fotos do dia 22 de Julho de 2011

Na última sexta-feira, lindíssimo dia de Verão, convidando a uma ida à praia ao fim da tarde, mais de quatro dezenas de pessoas quiseram marcar presença na terceira sessão do ciclo de conferências “Os Açores e a Guerra do Ultramar (1961-1974): história e memória(s)”, como que a incentivar os organizadores a prosseguir com o projecto de partilha de memórias e debate de estudos e investigações sobre tão marcante período da nossa História (e das nossas vidas).

A sessão, coordenada pela Prof.ª Doutora Susana Serpa Silva, membro da Comissão Científica, constou da apresentação da conferência “A Guerra Colonial: do emocional à exigência histórica do racional, a visão de dois oficiais da tropa de elite”, a cargo dos antigos combatentes em Angola (1973/75) António Vasconcelos Raposo, ex-1.º Tenente fuzileiro especial e Valdemiro Oliveira, ex-alferes miliciano “Comando”.

Como não tenho ainda na minha posse as comunicações escritas (estamos a pensar reunir todas as conferências em livro, se for possível), prefiro não tentar resumir os discursos de cada um dos oradores, pois podia desvirtuar os seus pontos de vista. Posso, no entanto, dizer que apontaram sobretudo para o segundo termo do subtítulo do ciclo: “memória(s)”. Por isto mesmo, foram comunicações emotivas e contagiantes, que despertaram um debate acalorado, sobretudo a propósito da complexidade das situações vividas no TO de Angola no pós-25 de Abril, tendo sido destacado o facto de, após o 25 de Abril, ainda terem morrido mais de cinco centenas de camaradas nos três TO.

Um dos camaradas da assistência relembrou, emocionado, a raiva que sentiu ao desembarcar no aeroporto de Figo Maduro em data posterior ao 25 de Abril, no termo da comissão. A sua companhia foi insultada com epítetos como fascistas, colonialistas, traidores, etc., tendo sido difícil conter a reacção dos soldados que se sentiam ultrajados depois de terem sofrido, na carne e no espírito, tamanhos sacrifícios no cumprimento do que consideraram ser o seu dever patriótico.
A sessão decorreu entre as 17H30 e as 20H00.

Panorâmica da assistência

Outra panorâmica da assistência. Note-se a significativa presença de senhoras.
____________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8576: Agenda Cultural (144): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974: história e memória(s) (4) (Carlos Cordeiro)

Vd. último poste da série de 25 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8602: Agenda cultural (146): Reportagem, na TVI, em data a anunciar, sobre a expedição Latitude Zeroº - Rota Ingoré 2011 (24 de Fevereiro / 4 de Março de 2011)

Guiné 63/74 - P8612: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (12): Louvores e condecorações

1. Mensagem do nosso camarada Belmiro Tavares, (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com data de 20 de Julho de 2011:


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (12)

Louvores e Condecorações

Em texto anterior – o soldado Milhais ou soldado Milhão – abordei parcialmente este tema,... a talho de foice.
Para facilitar dou aqui como reproduzida a minha abordagem naquele texto ao tema em epígrafe.

Não será demais lembrar que este interessante assunto vai aqui ser tratado por um ex-oficial miliciano – já era! Se o autor fosse um oficial do Q.P. ele veria os factos por um outro prisma e a conclusão seria, óbviamente, mais ou menos diametralmente oposta à minha.
O certo é que eu fui miliciano e via as coisas com os meus próprios olhos – apenas isso – não tendo em conta o interesse dos profissionais.
Não quero que entendam que eu era indisciplinado, o mau da fita, ou que fazia tábua rasa dos regulamentos, actuando por minha conta e risco. Nada disso!
Uma coisa é a disciplina; outra é o que eu entendo sobre louvores e medalhas e o por quê da sua atribuição ou não.

Aqui e agora eu sou o autor e transmito a minha própria experiência – apenas isso.

Em Janeiro de 1967 fui galardoado com o Prémio Governador da Guiné e no dia 10 de Junho do mesmo ano fui condecorado com uma Cruz de Guerra fruto dum louvor muito especial, digo eu.

Qual terá sido, para mim, o galardão com maior significado?

Embora se trate de prémios diferentes, um “encherá mais e melhor as medidas” que o outro, independentemente do seu valor real ou subjectivo que cada um possa atribuir-lhe.

Muito raramente eu deixo de ter em conta a face pragmática das coisas.

Assim sendo, considero que o Prémio Governador da Guiné foi o mais importante porque me proporcionou uma vinda ao “Puto” e consequentemente uma “saída do inferno”, durante 35 dias com viagens pagas; até porque em Janeiro de 1966 eu já não podia ausentar-me da Guiné porque o tão desejado fim da comissão já se aproximava, embora com uma indolência difícil de tolerar.

A Cruz de Guerra, por outro lado, possibilitou que eu continuasse os estudos sem pagar proprinas; esta benesse era extensiva também à minha estimada prole caso algum viesse a frequentar o ensino público. Não era mau de todo! Mas...

Reverso da medalha: quando “recebi” a Cruz de Guerra eu já estava colocado no Colégio Militar. Havia ali muitas e variadas festas e nesses dias tínhamos de colocar as condecorações ao peito o que não era de todo agradável; ao deslocarmo-nos, por vezes em corrida, lá ia a medalha a badalar agressivamente e desconfortávelmente no tórax.

Um dia, estando de serviço, fui com um capitão fazer a costumeira apresentação ao General Director do Colégio; era o Gen. Luis Deslandes; quando ele entrava no Colégio os telefones grilavam logo em todos os locais anunciar: “chegou o Homem”; nunca vi uma coisa assim! Os alunos apelidaram-no de “Ajax, o mais poderoso”!

Por ser oriundo de Cavalaria, gostava de ser assiduamente inconveniente, usando e abusando de vocábulos mais ou menos grosseiros – mais ou menos é favor!

O Capitão e eu entrámos na antecâmara do seu gabinete; abeirámo-nos da porta e o capitão, depois de pedir licença, declarou respeitosamente:
- Apresenta-se o capitão F. que vai entrar de serviço!

O Director olhou (eu estava atrás) e respondeu secamente:
- Não aceito a apresentação!

O Capitão pediu licença para se retirar e colocou-se frente a uma espelho grande que eli havia; olhou com atenção e perguntou-me se havia algum motivo perceptível para que a apresentação não fosse aceite.
Eu respondi:
- Nada vejo de anormal; se o senhor não está em condições... eu também não estou!

O capitão fez nova tentativa; a resposta foi mais completa... mais contundente:
- Não aceito a apresentção porque... está mal fardado!

Dizer isto a um capitão, era uma autêntica afronta; muito mais grave era asseverá-lo na presença dum misero subalterno... mas o General tinha “pelo na venta” e ninguem ousava recalcitrar, qualquer que fosse a situação.

O capitão mirou-se de novo; o General aproximou-se e, dirigindo-se a mim, disparou:
- O senhor também está mal fardado!

Agora já doía mais!... porque se referia à minha pessoa.

De seguida o General perguntou aos dois:
- Os senhores não foram condecorados com a Cruz de Guerra? Onde estão os “indicativos”?

Referia-se a uma pequena placa metálica revestida com um nobre tecido com listas verticais verdes e vermelhas e uma minúscula cruz metálica sobreposta.
Senti um profundo desconforto, autêntica frustação até porque eu não sabia que era obrigatório usar “aquilo” mesmo na farda de serviço.

Fiquei convencido que, na verdade, aquela condecoração me provocava demasiados dissabores atrozes; Deixava de ser um louvor (fruto dum) para ser quase... um castigo severo.
Afinal qual dos dois galardões devia eu preferir? Sem dúvida o que escolhi acima.

Conheci casos em que os louvores eram dados... a metro; como quem lança milho às galinhas para não usar ternos mais agressivos e isultuosos.

Ainda no C.M. um Major, ao saber que ia sair para outra Unidade, decidiu louvar meio mundo. Ele era Comandante do Corpo de Alunos; quatro capitães do Q.P. e outros tantos alferes milicianos dependiam dele.

O senhor Major louvou os 4 oficias do Q.P. De seguida distribuiu louvores aos sete professores de Educação Física de quem não era chefe. Engrossou a lista: o capitão instrutor militar, o mestre de esgrima, o mestre de equitação e o capitão chefe de secretaria. Distribuiu também louvores a uns tantos professores civis e militares. Só não louvou patentes superiores à sua porque... a Lei não o permitia.

O seu lema, penso eu, seria: “eu dou um louvor a ti para que outro dê um louvor a mim; quanto mais louvores eu distribuir... mais imponente será o meu”.

Nesta altura do campeonato, alguém lhe sugeriu que não seria de bom tom louvar apenas oficiais do Q.P. esquecendo os milicianos de quem era chefe.
O major, incrivelmente, aceitou a recomendação e eu... fui a vítima. Fiquei profundamente aborrecido, furioso mesmo, porque fui louvado... “por ser cumpridor”. Se não fosse cumpridor haveria lugar a uma admoestação – e já gozas!

Só pode ser verdadeira e justamente louvado aquele que faz algo mais (bastante mais) do que aquilo a que está minimamente obrigado... ser louvado por ser cumpridor... nem ao careca lembra!

Na manhã do dia seguinte dirigi-me, apressado, à secretaria do C.M. e, perguntei, angustiado, ao capitão o que poderia eu fazer para que aquele elogio hipócrita não fosse transcrito para o minha “Folha de Serviço” de certo modo brilhante... pelo menos para mim era e é!

- Nada pode fazer!, informou o capitão; louvores não se discutem; além disso não foi o Sr. Major que o louvou; foi o nosso General por proposta, que o senhor considera injusta e injuriosa do Sr. Major.

Meti a viola no saco, inglóriamente... mas aguardei pela hora da “terrível vingança” que haveria de chegar mais cedo do que eu podia imaginar.

O Major saiu do Colégio; um sábado à tarde passou por lá; entrou na sala de oficias; eu estava de o oficial de dia; encontrava-me ali sozinho a dar umas “cacetadas” nas bolas de bilhar; ele estendeu-me a mão – a tal que redigiu aquele louvor fantasma e estúpido – eu, sem boina na cabeça, pus-me em sentido... esquecendo aquela vil mãozinha marota; ele virou as costas com o “rabo entre as pernas e... nunca mais o vi. Senti-me plenamente vingado,... mas aquele autêntico escarro lá foi parar à minha Folha de Serviço.
Que vergonha!

Por vezes as condecorações estão na base da “bronca”. Há muitos casos inéditos e insólitos (uns mais que outros). “Consta” que um antigo ministro raro de Salazar se deslocou a Angola no longínquo ano de 1961 por altura da “tomada” da Pedra Verde (conquista).

Visitava um qualquer quartel algures no Norte de Angola; eis que um grupo de soldados “cagados” de lama e de sangue entra na unidade; logo ali o ministro “apenduricalhou” aqueles “bravos” (!?) rapazes que – pasme-se! – vinham duma... monumental caçada!

Um dia em Farim, um alferes miliciano comandava, interinamente, a 1ª C.C.

Todos os dias, ao fim da tarde, o alferes ia de jeep até ao centro da vila para se encontar com os oficiais do Batalhão ali aquartelado.

O Alferes aproximava-se da “porta d’armas” quando o 1.º Sargento da Companhia, correndo, gritou, que esperasse para assinar a O.S.; o incauto alferes assinou... “de cruz”; naquela O.S. estava inscrito um louvor estrondoso e não merecido àquele 1.º Sargento – diga-se que se tratava dum bom “vendedor” daquilo que não lhe pertencia; lá ia auferindo umas boas “massas” traficando géneros que se destinavam aos soldados africanos e não só.

A dita O.S. chegou ao comando do BCav 490 cujo comandante a mandou anular, e substituir por outra, excluindo apenas o tal “auto-louvor”. Ele conhecia bem aquela “peça”!

Deve haver muita cautela, profunda ponderação para que louvores e condecorações... não sejam banalizados, abandalhados ou venham a causar situações embaraçosas ou mesmo... ridículas!

Acima de tudo... respeito, muito respeito pelas condecorações e pelos que abnegadamente as mereceram... até mesmo por aqueles que, merecendo-as, por juízos incógnitos de um qualquer “Deus” injusto, não foram condecorados.

Julho de 2011
Belmiro Tavares
Ten. Mil.
____________

Nota de CV:

Vd. poste de 26 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8605: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (11): O Soldado Milhais ou O Soldado Milhão

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8611: Parabéns a você (293): Agradecimento de António Dâmaso

1. Mensagem do nosso camarada António Dâmaso (Sargento-Mor Pára-quedista da FAP na situação de Reforma Extraordinária) com data de 27 de Julho de 2011:

Camaradas
Fiquei muito sensibilizado com as manifestações de amizade, porque as considerei de amizade e não como um mero formalismo. Agradeço a todos que se dignaram enviar-me uma palavra amiga no dia do meu aniversário, quer através do Blogue, quer directamente para o meu endereço. Assim até dá gosto fazer anos, fico à espera do próximo*.

Permitam-me que faça referência a alguns, para já ao camarada Miguel Pessoa que continua a surpreender-me pelo grafismo e não só, trouxe-me à memória tempos áureos da minha infância, dos aniversários nunca festejados nem prendados por falta de verba. Eu pertencia a uma geração desenrascada, comecei a ganhar para a bucha aos 6 anos de idade.

Depois da minha infância feliz, hoje em dia estou muito preocupado com alguns dos "infelizes" da geração de enrascados. São obrigados a viver na casa dos pais, sustentados e vestidos por estes, com direito a carro, mesada e outras mordomias, são obrigados a fazer licenciaturas e mestrados à conta dos papás e do erário público. Muitos deles dizem que estão preocupados porque não têm emprego, será que alguma vez se preocuparam em procurar trabalho?
Estamos numa sociedade de doutores, em detrimento de cursos técnico-práticos, de onde saíssem bons mecânicos, electricistas, carpinteiros, trolhas e outras profissões hoje julgadas menores.

Claro que existe muita gente que gostaria de ter trabalho, que foi o que eu tive aos seis anos de idade e não fui menos feliz por isso. Imaginem um puto de 6 anos atrás de uma charrua puxada por uma junta de bois, com um cestinho na volta do braço, com a sua pequena mão cheia de bagos de milho, preocupado em deixar cair um bago à frente do pé a cada passo, porque se fossem dois, tinha de se dobrar para apanhar um. Mas não era só isso, como pertencia à patuleia, tinha de ir atento às pedras pontiagudas, aos liconços e aos lacraus que iam surgindo no fundo do rego.

Considerei-me muito maior e talvez mais realizado do que aqueles da mesma idade que hoje em dia com os jogos de vídeo se entretêm a matar tudo e todos que se atravessam na frente.

A Sociedade de hoje exige mais atenção por parte dos pais e dos governantes.

Manuel Maia, sou leitor assíduo das tuas intervenções que considero de excelência.

Fernando Gouveia, na tenho nada Kontra, devorei os episódios do teu livro quando publicados no Blogue. Acerca das datas por ti mencionadas, fui para Bafatá a 8 ou 9 de Julho de 1960, o infeliz acidente da queda do Heli-canhão foi mesmo no dia 12 de Julho de 1969.  Acrescento que no mesmo dia eles tinham caçado um javali, não sei se alguém o chegou a comer. Por exemplo,  lembro-me que os melhores bifes de cebolada que comi, foi precisamente lá no Esquadrão Fox [, em Bafatá,] onde estava aquartelado, também não esqueci o belíssimo frango de churrasco que me deram em Galomaro, quando cheguei cansado e faminto de uma operação.

Luís Dias, tens tido um trabalho meritório, vê-se que és um homem de armas, vou pedir para usar algumas fotos tuas, fazendo referência à autoria das mesmas, também te digo que o primeiro ataque nocturno que sofri, foi precisamente em Dulombi, que se não estou em erro foi entre 24 e 30 de Julho de 19609. Estava também lá nessa noite um pelotão ou bigrupo de uma Companhia de Madeirenses, sofreram um morto no ataque, não sei se era a CCAÇ 2405 ou CCAÇ 2406.

Vasco Ferreira, estivemos em Cadique no início, eu era do 3.º Pelotão da CCP 121, adjunto do Alferes Ferreira que para miliciano era “teso”,  o que lhe valeu trazer de lá uma Cruz de Guerra pela actuação em Gadamael Porto. Se não estou em erro o teu pelotão saiu com o meu, havia na tua CCAÇ 4540 um cabo enfermeiro que era da minha terra Odemira, o nome é Augusto Correia Gonçalves.

Na Guiné apanhei do Bom, do Mau e do Pior, mais de uma vez tive de cavar o meu próprio abrigo, só não passei por Gandembel. Para mim não há Tropa Especial, mas sim militares com mais ou menos preparação e voluntariado, isso faz a diferença. Fiz quadrícula por isso sei dar o valor ao que todos por lá penaram e têm a minha solidariedade e admiração.

Tenho um familiar que fez anos a 14, a família reuniu neste fim-de-semana e festejamos 2 em 1. Parece que a história se repete, no meu tempo não havia prendas para ninguém e agora é só para as crianças. Nessa altura ergui a minha taça à vossa saúde e em memória daqueles que precocemente foram obrigados a nos deixar e aos que seguindo a lei da vida nos têm deixado.

Bem hajam, um abraço amigo
Dâmaso
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8543: Parabéns a você (289): António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista Reformado (Tertúlia / Editores)

Vd. último poste da série de 17 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8563: Parabéns a você (292): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492/BART 3873 e José Manuel Pechorro, ex-1º. Cabo Op Cripto da CCAÇ 19 (Tertúlia / Editores)

Guiné 63/74 - P8610: Efemérides (73): 27 de Julho de 1970: Amélia teve um menino (José Marcelino Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70) [, foto à direita, no seu escritório,] com data de 27 de Julho de 2011:

Bom dia a todos

Não sei como, algo me recordou que o penúltimo Presidente do Conselho de Ministros de Portugal, Prof António de Oliveira Salazar, faz 41 anos que morreu.

Houve muitas anedotas, incluindo aquela que perguntava em que posição, no cortejo fúnebre, ocupava o sucessor,  Marcelo Caetano... Obviamente que ocupava o lugar "atrás das coroas".

Bem, segue um texto do [meu] livro não publicado, REFREGA, sobre os antecedentes, desta efémeride.

Um abraço
José Martins


AMÉLIA TEVE UM MENINO
por José Martins

Se na metrópole algumas notícias levavam tempo a chegar ao conhecimento das pessoas, lá longe, em plena África, só chegavam as notícias triviais que os familiares e amigos enviavam aos militares, cientes de que não haveria problemas, quer para uns quer para outros, se fossem interceptadas.

Por isso, era sempre ansiado o regresso dos companheiros que tinham vindo gozar os seus dias de férias à metrópole. Nessas alturas, além dos petiscos que era normal levarmos, havia noticias frescas, isto é, noticias mais recentes, ou com menos antiguidade, daquelas que os jornais que nos chegavam através do correio levavam, e, sobretudo, aquelas que corriam à boca pequena, e que eram transmitidas quase em surdina.

A uma distância de mais de trinta anos, já não me recordo bem como a notícia da queda do Presidente do Conselho, Doutor Oliveira Salazar, enquanto passava férias na Forte de S. João do Estoril, chegou ao nosso conhecimento nas matas da Guiné. Recordo-me, isso sim, de que pouco ou nada sabíamos.

O acidente tinha acontecido no dia 6 de Agosto de 1968. Muito provavelmente a notícia chegou através de alguém que, depois dessa data, regressou ao nosso convívio.

Naturalmente, especulámos o que se poderia seguir, já que nos encontrávamos numa zona bastante activa, e, entre nós e a fronteira da Guiné-Conacri,  só havia terreno sem controle das nossas tropas.

Como outros, este assunto era tabu e apenas comentado em “círculo” muito restrito. Com as praças europeias, e nessa altura estava connosco a Companhia de Artilharia n.º 2338, não havia comentários e, se alguma tentativa houvesse, decerto que seria desviada; para as praças africanas Salazar era apenas o “Homem Grande de Lisboa”.

Passou, então, a haver um acordo para que, assim que o falecimento do ex-presidente ocorresse, já que tinha sido exonerado em 27 de Setembro de 1968, quem estivesse na metrópole enviaria, para o capitão da CART [2338] , que era o autor da ideia, um telegrama com o texto “Amélia teve um menino”.

É evidente que, quando vim de férias em Novembro de 1968, não deixei de comentar o facto com pessoas de confiança, no caso o meu pai, e dei-lhe a “senha” para o caso de ser tempo de a usar.

E o tempo foi correndo. A CART [2338] saiu de Canjadude em Março de 1969 para Nova Lamego e daí para Buruntuma em Maio, passando por Pirada até ao seu regresso em Novembro de 1969, pelo que nunca mais tive contacto com qualquer elemento da unidade. Eu próprio viria a terminar a comissão em Maio de 1970 e regressado à vida civil, tudo “voltou ao normal”.

Estava a findar a mês de Julho de 1970, era dia 27, e pouco mais de um mês tinha passado desde o meu regresso. Como habitualmente fazia, depois de ir buscar a Manela, minha noiva, ao emprego e deixá-la em casa da mãe, fui para casa para jantar.

O meu opai, com ar de caso, chamando-me à parte, disse:
- “Amélia teve um menino”.
- Amélia ? Que Amélia ?...

A resposta veio rápida, pausada e em voz baixa, como convinha à época:
- Quando cá vieste de férias em Novembro de 68, não me pediste que, caso acontecesse algima coisa na política, em resultado da queda da cadeira do então Presidente do Conselho, para te mandar um telegrama com esta frase para a Guiné...?

Realmente a frase não me era estranha, mas nesse dia ainda não tinha ouvido noticias que, decerto, já corriam de boca em boca.

E concluiu:
- Este telegrama é falado! Salazar morreu!

5 de Setembro de 2002
____________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8538: In Memoriam (84): No dia 5 de Maio de 2011 morreu o último combatente da I Grande Guerra (José Martins)

Vd. último poste da série de 18 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8441: Efemérides (51): A nossa malta no 10 de Junho, em Belém (2) (Arménio Estorninho)

Guiné 63/74 - P8609: (Ex)citações (144): O Google Maps é agora quem mais ordena ? A confusão de topónimos: A Bissorã do nosso tempo chama-se agora Califórnia ?!... Piada de mau gosto, erro técnico, distracção, estupidez etnocêntrica... ? (Manuel Joaquim, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã, Mansabá, 1965/1967)


Guiné- Bissau > Região do Oio > Bissorã > Mapa 1/500 000 (detalhe) > Bissorã, capital da Região do Oio... Em 2004, o sector de Bissorão teria mais de 50 mil habitantes. A cidade tinha uma população estimada em cerca de 12 mil (em 2008) e está geminada (ou tem um protocolo de acordo) com a cidade de Braga

A Região  do Oio com mais de 200 mil habitantes é composta pelos sectores de Bissorã,  Farim, Mansabá, Mansoa e Nhacra.   

Fonte: Guiné-Bissau, Mapa, 1/500 00, 1ª edição. Paris: Instituto Geográfico Nacional de França. 1981. (Reproduzido com a devida vénia...) 

1. No Google Maps, certamente por lamentável e involuntário engano,  o topónimo Bissorã aparece substituído por California.  [Sobre Bissorã temos mais de 100 referências no nosso blogue].

Este erro, que está a gerar alguma confusão entre os camaradas que estiveram em (ou passaram por) Bissorã,   poderá ter ter sido provocado ou, melhor, agravada por um vídeo, de 2009, da autoria do jornalista espanhol Luis de Vega ,com a duração de 4' 44'', e que tem justamente como título California, un pueblo africano e como legenda o seguinte: "Visita del periodista Luis de Vega a la región (sic) de California en Guinea Bissau. Inauguración del nuevo colegio que se financio gracias a la subasta de sus fotos"... 

No vídeo, o  jornalista é conduzido de jipe  ao "pueblo" de California, onde foi construída uma escola (Escola de California, em português, e não em espanhol...), graças à cooperação espanhola (não sei de que origem, religiosa, laica...).  Braima Sanhá é o condutor e o guia. Fala fluentemente espanhol, e fica-se a saber, pelas fotos do seu álbum,  que esteve em tempos alistado na Legião Estrangeira, possivelmente nalguma cidade espanhola do norte de África.

No final do vídeo, depois de agradecer a ajuda espanhola, fica claro, das  palavras de Braima Sanhá, que ele está a falar a partir de California (aldeia), Bissorã (sector), República da Guiné-Bissau (país). Não pode portanto haver confusão entre os dois topónimos...  

Bissorã é, de resto,  um topónimo gentílico, que já vinha do tempo dos portugueses, e que portanto não foi (nem faria sentido ser) mudado pelas novas autoridades do país, contrariamente aos casos de Canchungo (antiga Teixeira Pinto), Quebo (antiga Aldeia Formosa) e  Gabu (antiga Nova Lamego), três nomes que me ocorrem assim de repente (mas tambem não haverá muitos mais)...

Sobre este assunto, o nosso querido amigo Carlos Fortunato, presidente da Ajuda Amiga, e ex-Fur Mil da CCAÇ 13, os Leões Negros (1969/71) e que tem Bissorã no coração, talvez nos possa adiantar mais alguns esclarecimentos. Ele volta sempre a Bissorã, quando vai à Guiné-Bissau, no descurso das expedições da Ajuda Amiga. 

Aliás, o Manuel Joaquim, também membro da direcção da  ONGD Ajuda Amiga, está melhor posicionado do que eu para falar directamente com o Carlos sobre esta aparente confusão... Infelizmente, não conheço o Oio (o mais longe que fui, a norte de Bissau, foi a Mansoa, em 2008...) e muito menos Bissorã que, tudo indica, terá crescido bastante depois da independência.

De qualquer modo, quando se procura Bissorã no mapa da Guiné-Bissau, o Sr. Google (Maps) espeta-nos logo com ... a Califórnia... que deverá ser apenas um aglomerado populacional na periferia da cidade de Bissorã...

Segundo o Google Earth,  há uma Ponta California perto de Bissauzinho,  Quinhamel, Biombo, Guiné-Bissau... Mas também nos mostra, de maneira inequívoca, a cidade de Bissora (sic) no Oio, em 3D... 

Na verdade, gosto deste sítio, o maplandia.com [ google maps world gazetteer]:

(...) "Maplandia.com provides the searchable world gazetteer based on Google Maps, the most comprehensive online satellite imagery ever available. More than 2 000 000 places all over the world are divided into many geographical categories according to continents, countries and administrative regions. Coloured region contours, direct Google Earth links and other no elsewhere to find features make exploring the world easy as never before. Maplandia.com is here for you. Don't wait, explore the world today!" (...).

Parece, em todo o caso, haver um conflito, a respeito da denominação de Bissorã, no Google Maps, por oposição ao Google Earth... (LG).



 2. Comentário do Manuel Joaquim [, foto à esquerda,] ao poste P8593, com data de 25 do corrente: Olá, Zé Rodrigues, meu grande camarada da CCaç 1419! Que prazer em "ver-te" por aqui! Um grande abraço!

Anda lá, decide-te e entra cá na Tabanca! Ando por aqui sozinho a representar a CCaç 1419!

Olha,  Zé, acerta os tempos da 1419 na Guiné:

(i) em Bissau - dois meses e 20 dias;
(ii) em Bissorã - 12 meses;
(iii) em Mansabá - seis meses.

Chegámos a Bissau no início de Agosto de 1965, saímos para Bissorã a 24/10/65 e daqui saímos para Mansabá no fim de Outubro de 1966 onde estivemos até quase ao fim de Abril de 1967. Essa memória!

E agora... a CALIFÓRNIA! O Rogério Cardoso até acha que pode ser brincadeira, mas não é! Ó Rogério, é assim que o GOOGLE MAPS identifica Bissorã!

Não sei a razão, deve ser erro ( que existe já há muitos meses) porque não me consta que Bissorã tenha mudado de nome. É verdade que já vi um video no Youtube referente a uma ação missionária para a construção de uma escola em que está uma pequena construção com uma placa "Escuela de California" e onde um dos intervenientes fala de California, Bissorã.

Alguém por aqui pode ajudar a entender isto?

[ Revisão / Fixação de texto / legendas / título: L.G.]

Guiné 63/74 - P8608: In Memoriam (85): No dia 23 de Julho de 2011 faleceu Joaquim Vicente Silva, 1º Cabo At, 3ª CCCAÇ / BCAV 8323, Pirada, 1973/74, natural de Mafra (António Graça Abreu / Eduardo Magalhães Ribeiro)


1. O nosso Camarada António Graça de Abreu (ex-Alf Mil, no CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), ao Poste 7381, enviou-nos um texto com mais uma lamentável e triste notícia para todos nós:

Na morte de Joaquim Vicente Silva, 1º Cabo Atirador da 3ª CCAÇ do BCAV 8323, Pirada, 1973/74


Através de mail do António Rodrigues, um dos bravos de Copá da 1ª Companhia do BCAV 8323, acabo de receber a triste notícia do falecimento do 1º cabo  Joaquim Vicente Silva, nosso camarada, o dono do talho de Alcaínça, Mafra. Durante os anos em que tive casa na aldeia mafrense (, até 2009), mantive com o Joaquim Vicente infindáveis horas de inteligente e entusiasmante conversa sobre a nossa Guiné, sobretudo o que aconteceu no Leste nos últimos meses de guerra, pouco antes do 25 de Abril de 74.

O Joaquim Vicente Silva [, foto à direita, ] era um homem por demais honesto e bom, amigo do seu amigo, sempre dedicado aos seus companheiros da Guiné. Organizou vários almoços do seu batalhão (o mesmo do António Rodrigues e do Amílcar Ventura) em Mafra e na Ericeira, e tinha, orgulhosamente, na montra do talho umas tantas placas comemorativas da passagem pela Guiné e desses mesmos convívios.

Não o via há uns bons meses. Há duas semanas atrás passei por Alcainça e reparei que o talho do Joaquim Vicente, à saída da aldeia, estava fechado e com um letreiro VENDE-SE. Imaginei o Joaquim no ripanço, a preparar a reforma, incapaz de resistir como pequeno empresário das carnes à avalanche de hipermercados que inundam Mafra. E prometi a mim próprio, numa próxima ida a Alcainça, procurá-lo e dar-lhe um fortíssimo abraço. Não o sabia doente, um cancro no pâncreas detectado em finais de 2010.

No nosso blogue, poste P3995 – recomendo que leiam - escrevi sobre o Joaquim Vicente Silva, assim:

“Mês e meio depois, a 31 de Março de 1974, partia de Bajocunda para Copá, a pé, -- quase trinta quilómetros de jornada --, uma grande coluna de tropas portuguesas. Era uma operação de quatro dias da responsabilidade do BCav 8323. Seguiram dois pelotões da companhia de Pirada, dois pelotões de Bajocunda e um pelotão de milícias, cerca de cento e trinta homens.Um dos soldados que participou nessa operação chamava-se, chama-se, Joaquim Vicente Silva. É o meu camarada e amigo dono do talho de S. Miguel de Alcainça, Mafra, aqui a quatrocentos metros da minha humilde casa na aldeia.

"O Joaquim Vicente contou-me toda a história. Avançaram com dificuldade e algum receio, havia minas na picada, dormiram no mato, mas chegaram em paz a Copá. Para sua surpresa verificaram que os guerrilheiros não haviam entrado no destacamento. Continuava tudo armadilhado, os homens do PAIGC não haviam tocado em nada. Patrulharam a região em volta de Copá e não só não encontraram ninguém como não tiveram qualquer contacto com o IN.

"Três dias depois, já no regresso, perto de Bajocunda foram flagelados com tiros soltos de Kalashnikov, disparados a partir de uma bolanha, sem quaisquer consequências”.


Honra à sua alma, que descanse em paz. O Joaquim Vicente Silva já não está entre nós.
Partiu para Deus, para o grande vazio. Tinha 60 anos.

António Graça de Abreu

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Pirada > 3ª CCAV / BCAV 8323 (1973/74) > O 1º Cabo Joaquim Vicente Silva, em 26 de Abril de 1974, com os restos das lembranças do ataque do dia anterior (Neste caso parte de um foguetão 122 mm).

2. Comentário do editor:


É nossa vontade expressa que o o 1º Cabo Joaquim Vicente Silva (1951-2011), que não tinha email nem computador,  passe a integrar formalmente a nossa Tabanca Grande, com o nº 509,  e a figurar na lista dos "amigos/as e camaradas que da lei da morte se foram libertando"... Infelizmente, com ele, já são treze.


A sua apresentação, por ele próprio,  aos amigos e camaradas da Guiné já tinha sido feita em 30 de Março de 2009, através do poste P4106 (O dia 25 de Abril de 1974, em Pirada, a ferro e fogo)


(...) Apresenta-se o 1º cabo atirador 045385/73, Joaquim Vicente da Silva (na foto, à esquerda), da 3ª companhia do BCav 8323, comandado pelo coronel Jorge Matias, estacionada em Pirada, Guiné, 1973/1974.

Vivo em S. Miguel de Alcainça, a terra onde nasci, perto de Mafra e da Malveira, e sou o dono do talho de Alcainça. No blogue, o António Graça de Abreu, que tem casa aqui na terra, já falou em mim e entusiasmou-me a escrever para o blogue do Luís Graça e dos camaradas da Guiné.

Junto três fotografias minhas, a primeira em Pirada a 26 de Abril de 1974, com os restos das lembranças do ataque do dia anterior, outra de como sou hoje e a última de uma bateria anti-aérea que foi montada por nós, em Pirada, já depois do 25 de Abril. (...)

Foi no dia 25 de Abril de 1974, à noite, através da BBC, e depois de um violentíssimo (e mortífero) ataque de morteiros e foguetões 122 mm a Pirada, que o Joaquim Vicente Silva soube dos acontecimentos em Lisboa:Por lapso ou distracção nossa, o nome do Joaquim Vicente Silva nunca chegou a integrar a lista (alfabética) dos amigos e camaradas da Guiné, reunidos à sombra do poilão da Tabanca Grande, e que consta da página principal do nosso blogue (coluna à esquerda). Uma pequena injustiça que a morte veio agora reparar.


(...) Nesse dia nós, cabos e soldados não sabíamos nada do que estava a acontecer cá na Metrópole. Só à noite, através da BBC é que tivemos conhecimento do golpe de Estado. Foi uma grande alegria para todos nós porque pensámos logo que a guerra acabava naquele dia. Festejámos com muitas cervejas. No dia seguinte na telefonia, começámos a ouvir a Grândola, Vila Morena e outras músicas do Zeca Afonso. A guerra ia acabar, que alegria! (...).

À família enlutada, aos amigos mais próximos, desolados, ao António Graça de Abreu que com  ele privou em São Miguel de Alcainça, ao António Rodrigues, ao Amílcar Ventura e aos demais camaradas do BCAV 8323 com que ele lutaram, sofreram, conviveram e/ou privaram,  expressamos a nossa tristeza pelo desaparecimento (físico) de mais um camarada e um bravo da Guiné, comprometendo-nos a honrar a sua memória, como é obrigação nossa (EMR).
 ____________

terça-feira, 26 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8607: Convívios (364): 2º Almoço-Confraternização do BCAÇ 4610/73, 3 de Setembro de 2011 em Pombal (José Romão)

1. O nosso Camarada Jaime Calado Mendes, ex-1º Cabo Escriturário da 2ª CCAÇ, do BAÇ 4610/73, Camajabá, 1973/74, enviou-nos o programa da próxima festa do seu batalhão, com pedido de publicação.

Camaradas,

Antes de mais quero enaltecer o vosso excelente trabalho em prol deste blogue.

Sou um pira de Camajabá, viajei com o Magalhães Ribeiro e muitos outros camaradas no Uíge, no regresso de Bissau a casa.

Agora quero pedir que publiquem a seguinte nota.

2º Almoço-Confraternização do BCAÇ 4610/73
3 de Setembro de 2011

Camaradas do Batalhão de Caçadores 4610/73, vai realizar-se no dia 3 de Setembro deste ano, o 2º Almoço-Confraternização no restaurante Manjar do Marquês, EN nº 1, em Pombal.

Os contactos para a inscrição no evento são:

Jaime Calado Mendes (1º Cabo Escriturário) da 2ª CCAÇ. Telef. 212 536 691 ou Telemóvel: 966 459 752.

Custódio Rodrigues (1º Cabo Escriturário) da 1ª CCAÇ. Telef. 263 853 567 ou Telemóvel: 965 766 536.

P.S. - Ainda me encontro a trabalhar e tenho pouco tempo para me inscrever na Tabanca Grande.

Jaime Mendes
1º Cabo Escriturário da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4610/73
____________
Nota de MR: