quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10833: Mi querido blog, por qué no te callas?! (3): A moral da história, cada um que a tire; e quanto ao mural, cada um que o pinte... Relembrando o velho blogue-fora-nada, com amor, com humor, e votos de festas felizes para tertulianos de ontem e grã-tabanqueiros de hoje... (Luís Graça)



Página do nosso blogue, I Série,ã com o último poste, de 1 de junho de 2006


1. Para quem é "pira"  na Tabanca Grande, convirá aqui dizer que o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné chamava-se,  originalmente, Blogue-Fora-Nada. Nasceu em 8 de outubro de 2003. O primeiro poste publicado, às 15h03, não tinha nada a ver com a Guiné e  intitulava-se Estórias com mural ao fundo - I: Ter ou não ter...e-mail.

Eu, na altura, tinha acabado de redigir e de entregar a minha tese de doutoramento, tinha  ido pela primeira vez a Angola... Precisava de "desopilar", de escrever coisas mais ligeiras, mas não pensei imediatamente nas minhas/nossas memórias da Guiné. É certo que os blogues também estavam na moda... como está hoje o Facebook e outras redes sociais. Aliás, as redes sociais começam com os blogues... Depois de vários "toques e retoques", esta era a apresentação do meu blogue:

blogue-fora-nada. homo socius ergo blogus [sum]. homem social logo blogador. em sociobloguês nos entendemos. o port(ug)al dos (por)tugas. a prova dos blogue-fora-nada. a guerra colonial. a guiné. do chacheu ao boe. de bissau a bambadinca. os cacimbados. o geba. o corubal. os rios. o macaréu da nossa revolta. o humor nosso de cada dia nos dai hoje.lá vamos blogando e rindo. e venham mais cinco (camaradas). e vieram tantos que isto se transformou numa caserna. a maior caserna virtual da Net!

Esta primeira série do nosso blogue vai de 8 de outubro de 2003 a 1 de junho de 2006. Neste espaço de tempo publicaram-se 825 postes, numerados de I a DCCCXXV (Numeração romana, que estopada!)... E, no final, contadas as  cabeças, éramos exatamente 111 os amigos e camarada da Guiné. Tratávamo-nos por "tertulianos", ou sejam, membros de uma tertúlia...  Aqui vai essa lista, já histórica...  Atenção que a lista está ordenada, por ordem alfabética, não por antiguidade...( Aproveito o ensejo para lembrar com saudade o nosso camarada Zé Neto, que a morte levou em 2007):

(1) A. Marques Lopes, 
(2) A. Mendes, 
(3) Abel Maria Rodrigues, 
(4) Afonso M.F. Sousa, 
(5) Aires Ferreira,
(6) Albano Costa
(7) Amaro Samúdio, 
(8) Américo Marques, 
(9) Ana Ferreira, 
(10) Antero F. C. Santos, 
(11) António Baia, 
(12) António Duarte, 
(13) António J. Serradas Pereira, 
(14) António (ou Tony) Levezinho, 
(15) António Rosinha, 
(16) António Santos, 
(17) António Santos Almeida, 
(18) Armindo Batata, 
(19) Artur Ramos, 
(20) Belmiro Vaqueiro, 
(21) Carlos Fortunato, 
(22) Carlos Marques dos Santos, 
(23) Carlos Schwarz (Pepito), 
(24) Carlos Vinhal, 
(25) Carvalhido da Ponte, 
(26) David Guimarães, 
(27) Eduardo Magalhães Ribeiro, 
(28) Ernesto Ribeiro, 
(29) Fernando Chapouto, 
(30) Fernando Franco, 
(31) Fernando Gomes de Carvalho, 
(32) Hernani Acácio Figueiredo, 
(33) Hugo Costa, 
(34) Hugo Moura Ferreira, 
(35) Humberto Reis, 
(36) Idálio Reis, 
(37) J. C. Mussá Biai, 
(38) J. L. Mendes Gomes, 
(39) J. L. Vacas de Carvalho, 
(40) João Carvalho, 
(41) João S. Parreira, 
(42) João Santiago,
(43)  João Tunes,
(44)  João Varanda,
(45)  Joaquim Fernandes,
(46)  Joaquim Guimarães, 
(47) Joaquim Mexia Alves, 
(48) Jorge Cabral, 
(49) Jorge Rijo,
(50)  Jorge Rosmaninho,
(51) Jorge Santos, 
(52) Jorge Tavares, 
(53) José Barreto Pires, 
(54) José Bastos, 
(55) José Casimiro Caravalho, 
(56) José Luís de Sousa, 
(57) José Manuel Samouco, 
(58) José Martins, 
(60) José (ou Zé) Teixeira, 
(61) Júlio Benavente, 
(62) Leopoldo Amado,
(63)  Luis Carvalhido,
(64) Luís Graça
(65) Luís Moreira (V. Castelo),
(66)  Luís Moreira (Lisboa), 
(67) Manuel Carvalhido,
(68)  Manuel Castro, 
(69) Manuel Correia Bastos, 
(70) Manuel Cruz, 
(71) Manuel Domingues, 
(72) Manuel G. Ferreira, 
(73) Manuel Lema Santos, 
(74) Manuel Mata, 
(75) Manuel Melo, 
(76) Manuel Oliveira Pereira, 
(77) Manuel Rebocho, 
(78) Manuela Gonçalves (Nela), 
(79) Mário Armas de Sousa, 
(80) Mário Beja Santos, 
(81) Mário Cruz, 
(82) Mário de Oliveira (Padre), 
(83) Mário Dias (ou Mário Roseira Dias), 
(84) Mário Migueis, 
(85) Martins Julião, 
(86) Maurício Nunes Vieira, 
(87) Nuno Rubim, 
(88) Orlando Figueiredo, 
(89) Paula Salgado, 
(90) Paulo Lage Raposo, 
(91/92) Paulo & Conceição Salgado, 
(93) Paulo Santiago, 
(94) Pedro Lauret, 
(95) Raul Albino, 
(96) Renato Monteiro, 
(97) Rogério Freire, 
(98) Rui Esteves, 
(99) Rui Felício, 
(100) Sadibo Dabo, 
(101) Sérgio Pereira, 
(102) Sousa de Castro, 
(103) Tino (ou Constantino) Neves, 
(104) Tomás Oliveira, 
(105) Torcato Mendonça, 
(106) Victor David, 
(107) Victor Tavares, 
(108) Virgínio Briote, 
(109) Vitor Junqueira, 
(110) Xico Allen, 
(111) Zélia Neno.

Em rigor foi em 1 de junho de 2006 que o Blogue-fora-nada passou a chamar-se simplesmente Luís Graça & Camaradas da Guiné, continuando "a ser o sítio (virtual) onde nos encontramos, sempre que quisermos e pudermos". Era descrito como  "um blogue colectivo que tem por missão ajudar a reconstituir o puzzle da memória da guerra colonial (ou do ultramar, ou de libertação, como queiram) na Guiné, hoje República da Guiné-Bissau, nos anos quentes de 1963 a 1974".

E acrescentava o blogador-mor, nessa altura, ainda sozinho: "É um blogue, em português, para tugas, turras e nharros, sem discriminação de alguma espécie (sexo, idade, nacionalidade, etnia, orientação sexual, estado civil, religião, clube, hobby, lobby, escolaridade, título, profissão, situação na profissão, posto na tropa, estatuto sócio-económico, idiossincrasia, etc.)". 

Mas voltando ao nosso primeiro blogue, foi só em 23 de abril de 2004 que criámos a série Guiné 69/71 e publicamos um primeiro poste: Guiné 69/71 - I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra... Ou seja, seis meses depois... Na realidade, o primeiro poste do Blogue-fora-nada, foi este que a seguir se reproduz...Ao relê-lo, vejo que tem uma inesperada atualidade, por diversas razões, que não vou aqui esmiuçar; em todo o caso, tenho pena que haja ainda muitos camaradas nossos - antigos combatentes - que não chegam até nós por, não por falta de um computador em casa, mas por falta de literacia informárica... Segundo os dados do estudo Bareme Internet da Marktest, em cada 10 lares portugueses há 7,3 lares que têm pelo menos um PC - computador pessoal, com utilização; e em 4 em cada 10 lares têm mais do que uma máquina...O número de lares onde existe computador aumentou três vezes mais, de 1997 (25.8%) para 2012 (73.4%). Em 2003, era de 42,7% e em 2006 de 52,9%. O problema está utilização diferencial do PC em função da idade e da escolaridade: é um domínio onde os mais novos estão muito  mais à vontade do que os mais velhos... E nalguns casos - refiro-me ao nosso blogue - são os filhos e netos que trazem pais e avós, antigos combatentes, até nós... Acho que é um ternura, e deve ficar aqui registado, para que esse exemplo floresça.

Bogue-fora-nada > 8 de outubro de 2004 > Estórias com mural ao fundo - I: Ter ou não ter...e-mail

[por Luís Graça, revisto hoje]

Tenho por (mau) hábito perguntar às pessoas que vou conhecendo "se têm e-mail"... Mas depois de ler a história a seguir, não vou ter mais lata para o fazer: (i) é indelicado; (ii) pode ser embaraçoso; e (iii) até pode dar azar...

Um dia houve alguém que me respondeu, com agressividade mal contida (mas compreensiva):
- Não tenho... e tenho raiva a quem tem ... Ou será que já é obrigatório por lei ?...

Nós, os ex-clérigos (durante séculos o pessoal universitário, incluindo os estudantes, estavam sujeitos ao direito canónico e só com o triunfo do liberalismo é que o reitor de Coimbra passou a ser um leigo!), temos dificuldade em imaginar um mundo sem livros, sem escrita, sem cátedras, sem professores e, agora, sem Internet, sem blogues,  sem Facebook, sem e-mail...

Não sei se é obrigatório ter e-mail (ou se vai sê-lo em breve), mas a verdade é que todos os dias nos ameaçam com a infoexclusão, uma espécie de upgrade das labaredas do inferno. Há muito boa gente que hoje em dia teme ser acusada de infoanalfabeta e pensa que, "pelo sim, pelo não, sempre é bom ter e-mail, não vá o diabo tecê-las"... E quem diz e-mail, diz outras buzzwords horríveis tais como url, password, username, nib...

Já assim pensavam, noutro contexto, os cristão novos de Trancoso que assinalavam, com uma cruz, as suas casas, não fossem os cristãos velhos desconfiar que eles eram judaizantes, logo ignorantes e inimigos da fé cristã (a única, a verdadeira, a dominante)... A cruz era a password e o e-mail daqueles tempos em que os portugas sucumbiram à tentação totalitária...

Por isso, "ter ou não ter e-mail: eis a questão" é uma história com moral... E com mural ao fundo. Bem ao fundo.  Ponderei seriamente se havia de a pôr a circular entre @s car@s ciberamig@s... Há sempre o risco de uma leitura demasiado literal, apologética, direi mesmo...primariamente neoliberal !!! Mas, pensando bem, o que conta são os factos, a narrativa (digna do melhor do Reader's Digest, diga-se de passagem). A moral, cada um que a tire. E quanto ao mural, cada um que o pinte... 

Moralistas e grafiteiros do meu país, divirtam-se! A minha (moral) é apenas a da filosofia baseada na evidência. E quanto ao mural, sempre preferi o branco-da-cal-da-parede. Com aviso, como comvém: (i) pintado de fresco; (ii) por favor não encostar à parede; (iii) é expressamente proibido fuzilar (contra o muro).

Por azar o meu, recebi esta mensagem por e-mail, através de um amigo angolano (J.D.) que, coitado, também ele tem o azar de ter e-mail, o mesmo é dizer, terminação em branco. Mesmo jogando no Euromilhões,  tanto ele como eu temos praticamente 100% de probabilidades de nunca virmos a ser milionários, como o herói desta história.

Dei à história o meu toque pessoal. Vocês usem-na (e socializem-na)... para os devidos efeitos. Não posso evitar eventuais tentativas de branqueamento da história. A história é para se usar e branquear, dizem os historiadores oficiais dos vencedores. Mas esse não é o meu ofício. No fim, não se esqueçam do nosso trato: Ciber-humor com ciber-humor se paga...

Ter ou não ter e-mail: eis a questão!

Um homem respondeu a um anúncio da MicroDura com uma generosa oferta de emprego para desempregados de longa duração. O lugar era para empregado de limpeza. Um adjunto do Gestor dos Recursos Humanos (GRH) entrevistou-o, fez-lhe um teste, tão simples como (i) varrer o chão, (ii) apanhar o lixo e (iii) enfiá-lo num saco...  No fim,  disse-lhe:
- Parabéns, o lugar é seu. Dê-me o seu e-mail para eu lhe poder enviar a ficha. Depois de preenchida e devolvida, aguarde que a MicroDura lhe comunique a data e a hora em que se deverá apresentar ao serviço nos nossos headquarters.

O homem, subitamente embaraçado e nervoso, respondeu que não tinha casa, e muito menos computador, e muito menos ainda Internet, endereço de correio electrónico e essas coisas todas. Era um sem-abrigo.

Aí o valente adjunto do GRH da MicroDura ficou branco como a cal da parede... Por essa é que ele não estava à espera!... Um cidadão norte-americano sem e-mail, o que era uma aberração sociológica, bloguissimamente falando !... O que iria pensar o Mr. Bill Gaitas ?!... Por fim, recompôs-se e disse, de maneira assertiva como tinha aprendido nos cursos da empresa sobre comunicação assertiva::
- Lamento muito, mas se eu o senhor não tem e-mail, isso quer dizer que virtualmente não existe; e, não existindo, não pode ter o privilégio de pertencer ao admirável mundo novo dos colaboradores da MicroDura.

O homem saiu, envergonhado e, pior ainda, mais desesperado e desempregado que nunca. Tinha apenas 10 dólares no bolso. Em vez de ir ao McSandocha’s matar a malvada, resolveu entrar num Bigmarket e comprar uma caixa de 10 quilos de tomate para revenda. Em menos de duas horas vendeu a mercadoria, porta à porta, num dos bairros mais próximos, habitado por negros e porto-riquenhos, tendo assim conseguido duplicar o seu capital. Repetiu a operação mais três vezes e obteve um lucro de 60 dólares. 

No fim do dia, concluiu que podia sobreviver dessa maneira, pelo menos por uns tempos. Passou a trabalhar mais horas por dia. Rapidamente aumentou o seu pecúlio, e em breve comprou a sua primeira carrinha, em segunda mão. Uns meses depois trocou-a por uma camião.

O resto da história é fácil de adivinhar: ao fim de um ano e meio já era dono de uma pequena frota e ao fim de cinco estava milionário, ao tornar-se o principal accionista de uma das maiores cadeias de distribuição alimentar nos Estados Unidos... Como podes imaginar, caro leitor, esta história de sucesso só podia ter acontecido na Terra Prometida e já se tornou um casestudy nos mais famosos cursos de MBA de todo o mundo. E em tempos de crise

Pensando no futuro da sua nova família, o nosso homem resolveu fazer um não menos milionário seguro de vida. Chamou um corretor ao seu escritório e acertou um plano. Quando a reunião estava praticamente concluída, o corretor de seguros pediu-lhe o e-mail para lhe poder enviar rapidamente a proposta de contrato. O homem-que-se-fez-a-si-próprio, afinal um herói americano, respondeu, com a maior naturalidade deste mundo, que simplesmente não tinha nem nunca tivera nem nunca provavelmente viria a ter um endereço de e-mail. O corretor não queria acreditar e comentou, em tom de brincadeira:
- Você não tem e-mail e construiu todo este império!... Imagine até onde poderia ter chegado, se tivesse e-mail!... Quem sabe se não poderia ter chegado inclusive até à Casa Branca!

O homem ponderou as palavras do corretor e respondeu-lhe, com a mais fina das ironias:
- Olhe, se eu tivesse e-mail, ainda hoje andaria, feito cão, a lamber o chão do escritório do Bill Gaitas!!!

Moral da história:

(i) Ter ou não ter e-mail, eis a questão;
(ii)  Se queres ser empregado de limpeza da MicroDura ou doutra grande empresa, procura antes de mais ter um e-mail. 

(iii) Se não tens e-mail, gostas de trabalhar e és empreendedor, ainda podes vir a ser milionário;

(iv) Se por acaso recebeste esta mensagem por e-mail é por que estás mais perto de ser empregado... de limpeza do que ser milionário...

(v) Se és antigo combatente da Guiné, se não tens PC, nem sabes usar a Internet, e queres vir a ser grã-tabanqueiro (leia-se: membro da nossa Tabanca Grande), não tens desculpa: pede ao teu filho ou teu neto que nos mande... um email, em teu nome... para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com...

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10822: Mi querido blog, por qué no te callas?! (2): (i) A guerra também é capaz de revelar o que há de mais sublime nos seres humanos (Hilário Peixeiro); (ii) ... E eu estou nesta bela caravana há quase 9 anos (David Guimarães)...

Guiné 63/74 - P10832: Conto de Natal (6): Natal na Guiné, As Capelinhas e os Quincons (António Estácio)



1. Mensagem de Natal do nosso amigo tertuliano António Estácio, natural da Guiné-Bissau, com data de 18 de Dezembro de 2012:

Caras Amigas e Amigos.
Num fraterno laço de muita amizade, a todos saúdo e endosso os melhores votos de Boas Festas, cantando a beleza dos tempos distantes da Guiné.

António J. Estácio



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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10830: Conto de Natal (5): Papagaio Verde Versus Estrela do Norte (4) (Armor Pires Mota)

Guiné 63/74 - P10831: Tabanca Grande (374): Bom dia! Aqui estou! Fui ali e já voltei! (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73), com data de 18 de Dezembro de 2012:

Meus caros camarigos
Chegou o tempo do Natal, e eu lembrei-me de um sem número de situações.

Mas aquela que de mais me lembrei é a situação daqueles que andam por fora, (por tantas e tantas razões), e nestas alturas de festa, (sobretudo as da família), regressam a casa, para juntos gozarem a união de sentimentos.
É que afinal eles nunca saíram verdadeiramente de casa, apenas se ausentaram por uns tempos, sem importar verdadeiramente a razão ou necessidade que os levou a ausentarem-se.
Muitos até gostam de fazer surpresas e sem avisarem ninguém, um dia batem à porta, e dizem a quem abre: Bom dia! Aqui estou! Fui ali e já voltei!

São normalmente recebidos com grande regozijo por uns, outros sentem-se incomodados, mas de um modo geral a festa faz-se, porque é sempre bom rever aqueles que se tinham ausentado.
Vêm sempre mais velhos, com outros modos de lidar com “as coisas”, mas nem por isso deixaram o seu feitio e o seu modo de ser pelas paragens por onde andaram. Apenas, de um modo geral, aprenderam a lidar melhor consigo próprios e a responder às diversas solicitações com que são confrontados, com uma calma e uma serenidade que lhes advém do “curtido” da vida!

Já são velhos para mudar, e por isso mesmo aquilo de que não gostavam, continuam a não gostar, mas arranjaram maneira de lidar com isso, com um “afastamento” emocional, que os deixa mais imunes às coisas a que são avessos.

Por isso mesmo me lembrei, neste tempo das festas natalícias, festas eminentemente familiares, de regressar ao “lar” dos “antigos” combatentes da Guiné, de onde aliás nunca tinha partido, mas apenas ausentado, para uma viagem curta a fim de desanuviar o espírito.

Por isso mesmo bato à porta da Tabanca Grande, e a quem me abrir, digo: Bom dia! Aqui estou! Fui ali e já voltei!

E esta vontade de regressar é ainda maior, quando ouço vaticínios de que “um dia a casa vem abaixo”, e isso eu não quero, porque também trabalhei um pouco nos seus caboucos!

Continuo a não gostar do que não gostava, mas como estou mais careca, o “fervilhar” dos sentimentos escapa-se com mais facilidade pela “moleirinha”, vulgo cabeça!!!
Hei-de comentar, hei-de rir e hei-de chorar, mas não mais me hei-de deixar incomodar!

Um Santo e Feliz Natal para todos e um Novo Ano ligeiramente melhor do que este que está acabar, e apenas ligeiramente, porque é sempre bom não “abusar da sorte”!

O grande e sempre camarigo abraço do
Joaquim Mexia Alves

Marinha Grande, 18 de Dezembro de 2012


2. Comentário de CV:

Caro Joaquim, camarigo
Chega-se aqui pelo Natal, conta-se uma história de alguém que sai e um dia volta, batendo à porta, para entrar, dando uma desculpa esfarrapada de que foi ali e já veio.

Pois é, mas o teu caso, mesmo no Natal, época em que os homens se sentem mais irmãos, não é fácil resolver. Sabes que tenho o pelouro de "abrir" as "portas" da Tabanca Grande aos novos tertulianos, camaradas ou não, estando portanto à vontade para tentar tratar da tua gravíssima situação.

Analizemo-la.

És um dos tertulianos mais antigos, fazendo já parte da mobília. Podemos até dizer que és uma peça muito pesada para ser removida. É que, quem tem 197 (cento e noventa e sete) entradas no Blogue e um número enorme de comentários publicados nos postes, não sai de ânimo leve. Pode dizer que saiu, mas a obra, leia-se colaboração, ficou e é património do Blogue e dos outros camaradas.

Posto isto, já viste a minha situação? Como posso abrir-te a porta se ela nunca se te fechou, melhor dizendo, se nem portas temos?

Para não perder mais tempo, nem te dou as boas-vindas. (Re)ocupa o lugar que foi sempre teu e faz de conta que não se passou nada. A propósito, de que estamos a falar?

Muito obrigado pelos teus votos natalícios, que a tertúlia agradece e retribui.

O teu camarigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10821: Tabanca Grande (373): João Manuel Pereira Rebola, ex-Fur Mil da CCAÇ 2444 (Guiné, 1968/70)

Guiné 63/74 - P10830: Conto de Natal (5): Papagaio Verde Versus Estrela do Norte (4) (Armor Pires Mota)

1. Quarto e último capítulo do conto de Natal "Papagiao Verde Versus Estrela do Norte", um original do nosso camarada Armor Pires Mota (ex-Alf Mil Cav da CCAV 488/BCAV 490, Guiné, 1963/65):



CONTO DE NATAL

PAPAGAIO VERDE 
Versus ESTRELA DO NORTE 


A dois combatentes lucidamente
apaixonados pela Guiné-Bissau,
Drs. Mário Beja Santos e Carlos Silva

A velha aldeia de Lala…

Quando as flores secaram e acabou o stock, o Azambuja nunca mais enviou folhas de manjerico e a noiva perguntava constantemente por elas, segundo me confidenciava, e se ele… já tinha mudado de sítio. Ou se já a tinha trocado por uma negra. Nunca me descosi. Depressa, o jardim foi a antítese da paz e da harmonia, uma trincheira.


4.º Episódio

Quando acabámos de fazer o Papagaio Verde, que íamos dizendo, entre goladas de vinho do Porto, bem saboreadas, e alguns sorrisos breves, que era para o Menino Jesus, mas era, na verdade, para o menino negro, caminhava para a meia noite e nem uma voz longínqua, pelos quintos do inferno, ou leve restolhada acordavam a solidão que pasmava pelas profundezas da mata além.

Mas nasceria, simbolicamente, Deus naquela noite como na aldeia, no presépio, um pouquinho em nós? Mistério de Deus. Uma coisa todos sabíamos: é que nem o capelão viera. Fora para Guidage, sempre muito assediada pelo IN, dissera o radiotelegrafista. Disse e todos ficaram tristes como qualquer poeta de sonhos de menino. Àquela hora, ao rés-do-chão do Senegal, talvez até tivesse dado já a beijar a imagem, que levara em mala de mão, entre paramentos e estampas. Nós, só ao outro dia. Se o Menino Jesus não se deixasse apanhar pelos guerrilheiros cujo número crescia, brincava eu…

A mulher do capitão, sentada em cadeira com breve espaldar de madeira, soprava-se, agitando um leque, de jornal feito. Ou era um leque de palha? Olhe, já não me lembro bem! Para o efeito literário tanto faz. O ar fazia forno e, via-se, vadiava os olhos por longe, em terra nenhuma. Como nós. Imensas vezes.

– Ser mãe de soldado ou mulher de capitão, hoje, não é fácil. É princípio de lágrimas. A desgraça pode bater-lhes à porta pelas cinco da tarde, como diz o poeta – desabafou, voz corrida, a professora.
– Tens medo de quê, Mónica? – Era o capitão a questioná-la.
– Nem sei bem, mas cheira a coisa estranha, ruim.

Mónica, muito pensativa, como se, antes de dizê-las, penteasse as palavras, os pensamentos:
– Aqui não se pode falar em medos, pois não?
– Olha, hoje é noite de Natal. Querida, não se fala mais nisso… que dói. E, ponto final!

E muito menos se falaria no caso do Pônas.

Para a missa erguemos um arco triunfal de palmas, arrancadas às jovens palmeiras da beira do rio, ao lado da mesa da messe, onde a gente comia bifes de vaca velha, de anos e anos. Por vezes, regados com um carrascão de se lhe tirar o chapéu. Até dava para escrever nas paredes palavras obscenas, que alguns se lembraram de disfarçar para o padre capelão não se escandalizar, e muito menos o Menino. Em face disso, ainda chegámos a pensar em pedir ao almany permissão para a missa ser celebrada na mesquita, que o pelotão do alferes Cunha Matos decidira erguer, com a aprovação de negros e brancos, no centro da aldeia. Distinguia-se do comum das casas. Mas era seguramente um longínquo arremedo da bela mesquita de Bafatá que pousava no meio da povoação. Fora construída sobre o comprido e tinha porta voltada para Meca. Como se fosse a ábside. Tinha também, a anteceder o edifício, se é que posso dizer assim, um alpendre amplo, também coberto de chapa de zinco. Contornava o arremedo do templo ainda outro alpendre, este mais estreito. Isto, depois de construída uma tabanca de raiz, com os mesmos materiais: adobes feitos de terra negra, misturada com algum capim e calcada pelos negros. Com uma diferença: era coberta a chapa de zinco. Uma e outra coisa tiveram eco nas aldeias em volta, embora distantes. O chão, que era atapetado de esteiras, velhas e novas, onde os negros rezavam, curvando-se muito até tocar o chão na direcção de Meca, todos os dias, era varrido pelas meninas (hoje, mulheres feitas, foram as primeiras a reconhecerem-me, logo a seguir ao Abdul) com toscas vassouras, feitas de folhas de jovens palmeiras. Eram também elas que, entre uma algaraviada de vozes e uma nuvem cariciosa de sorrisos frescos, limpavam o terreiro em frente de suas casas e também da caserna e da messe (que nome pomposo, não é!) dos oficiais e sargentos.

Levava-se para lá, para a mesquita, o arco de palmeiras, a mesa do bar para servir de mesa de altar, e pronto, dizia eu. Acabámos por não ir, já não sei por que motivos ou ponderosas razões. De guerra talvez.

Quanto à nova tabanca de Algures, daí a pouco, Papagaio Verde, era importante dar uma casa a cada uma das famílias, recolhidas à nossa sombra. Era raro tal acontecer, mas a verdade é que aconteceu.

Para o bom relacionamento entre nativos e a tropa, foram definidas algumas regras de sã convivência: muito respeito para com todos, sobretudo em relação às raparigas, suprema tentação dos soldados, e para com os idosos. O respeito era muito lindo, dizia o capitão, e o mais recomendável é que nada de relações sexuais. Brincar, sim, mas… À maior parte, sabe como era, custou a cumprir tais recomendações. Quem ultrapassou todas as marcas foi o António Pônas, castiço alentejano, que estava agregado à cozinha. Viram-no sair, mais do que uma vez, da arrecadação dos abastecimentos, com a mulher mais velha da população, mulher garandi, boca desdentada, que passava muitas tardes fumando seu longo cachimbo de cana e de paz. Vida mansa! Quase sempre com um ou mais cães à volta das canelas, lambendo o sol ou a sombra, mordendo a sarna do tempo velho.

De um modo geral, de mãos escanifradas, fumava de olhos fechados, ou melhor, com um ar adormecido ou enigmático, e lançava o fumo, se o vento estava de feição, para o lado do sul, de onde retinha a primeira memória, o sul. Outras vezes, para o ar, acima de sua cabeça. Ficava pasmada, de quase nenhum lugar, pairava num mundo longe, quem sabe, voava, aos poucos, enrolada nas espirais de fumo. Tinha uma idade indefinida e um número incontável de rugas. Um rio de solidão, que lhe nascia nos olhos pequenos e curvava no peito seco, atravessava-lhe, sem dúvida, o corpo todo e desaguava na sua sombra monótona e estilizada. Era quase nada. Uma ilhota sem barcos nem cais.

Quando falava, coisa rara, era um fio de voz resignada que ia resistindo à ameaça de um esquecimento que parecia aproximar-se, sempre mais para o fim das tardes cansativas de tanto calor.

Isto acontecia (ou melhor aconteceu, uma vez) quando a companhia saiu para o mato. Ao certo, nunca se soube como as coisas se passaram. Dizia-se que, a pretexto de ir buscar alguns pães e leite, sobretudo café, de antecipada combinação, a mulher se enfiava na arrecadação. A mulher adorava café sobre todas as coisas. Ainda fez parte de grupos de alguns guinéus que embarcaram, noutros tempos, para suar as estopinhas e os nervos nas roças de S. Tomé. Era então uma rapariga. Sobrou-lhe o vício, também a penúria. Embora evitasse queixar-se.

Por recato, não desço a pormenores que soube mais tarde. Por inverosímeis, não confirmo. Mas houve espanto e escândalo de todos, negros e brancos, quando se rompeu o propalado desaforo. Ele sempre negou tudo, a pés juntos, com um riso breve e malandro. Quase sempre dúbio. Ainda hoje, falar-lhe nisso, nos nossos encontros do 490, é moer-lhe o miolo. Mas não se livrou de severa punição. O acto foi considerado uma afronta ao chefe da aldeia de Algures e também ao capitão Varela. Foi o único momento (dias) em que subiu a tensão entre a tropa e a população. Embora para a mulher fazer sexo por ali fosse a coisa mais natural do mundo. Tão natural que os homens grandes, como bem sabe, é dos livros, quando, anos antes, recebiam homem branco, de algum estatuto, lhe ofereciam a mais nova e bela mulher do seu harém para uma noite. Era um gesto de amizade e hospitalidade. Nunca teve essa cortesia, esse sinal de paz e amizade? Se não teve, olhe, esqueça, que eu faço o mesmo.

 – Cheiras a catinga! – diziam, trocistas, os soldados, na cara deslavada do Pônas, que ia negando e também rindo.

Claro, o capitão que não admitia desobediências às ordens, aplicou-lhe um castigo exemplar. Mesmo sem levantar auto, que dava trabalho e chatices. Evitava os papéis. O Pônas começava a sair para o mato, para as emboscadas, mesmo nocturnas, para as operações. Para o pior. Mas o 314 houve-se de tal modo que depressa foram esquecidos os casos e lembrados os feitos, dignos de louvor. Mostrava que os tinha. Não quis mesmo voltar à cozinha. Ficou a substitui-lo o Benjamim, rapaz de Vouzela, que andava esgotado e a ameaçar loucura. Ao subir para os unimogues chorava que nem uma virgem; ao sair para as emboscadas, o raio da mesma cantilena.

Ganhámos todos com a troca. Já ninguém prescindia do Pônas.

Quando se soube que a esposa do capitão ia passar ali o Natal, todos prometeram não levar à conversa este caso, chocante para uma senhora, que até era professora universitária, embora ainda muito jovem e belíssima. Sob todos os ângulos. Docemente angulosa era toda ela, como todos concluíam, nus, retorcendo-se em pensamentos e actos lascivos, no calor da caserna, mas, evidentemente, só o capitão lhe tirava as medidas no quarto maior da casa de habitação, onde funcionava também o emissor-receptor, que, nesses abrasados e cansados dias, alfa, ómega, rómio, teve de mudar para a caserna. Contra o despeito e a raiva do telegrafista, alfa, ómega, rómio… Ora merda!

À meia-noite, a todos apeteceu a cama e, como não havia Menino Jesus nem Nossa Senhora, tão pouco S. José, figuras que não eram lá muito da família dos soldados alentejanos, todos se despediram de Mónica Azevedo, com um beijo de um bom Natal, e do capitão Varela Pinto com um aperto de mão ou um abraço, conforme maior ou menor proximidade.

Por mim, fiquei-me para ali a conjecturar coisas. Se calhar, nada. Mas uma coisa que pensei foi que poderia suspender o papagaio dos dois seguros ramos de palmeira que ladeavam o altar, para, no outro dia, nele deitar o Menino, que pesava bem menos do que o nosso olhar, carregado de insónias e sinistras imagens de guerra, destruição, mortos e feridos, e que viria de avioneta com o capelão. E ainda cogitei uma outra: desenhar as figuras da Senhora e do Menino sobre o corpo dos aerogramas. Tinha algum jeito para desenhar. Desde miúdo. Tanto assim que a minha professora disse que dava engenheiro. Dei advogado. Busquei um marcador, para ali esquecido, e desenhei aquelas sempre simpáticas figuras. Só que a mão fugiu-me, Deus me perdoe. Agora, imagine para quem e para onde… para o perfil da belíssima Fatumata e para o intumescido umbigo do garoto. Para mim, naquele momento e naquela terra, ficava tudo mais a condizer com a paisagem humana. Ficou bonito, todos disseram, a começar por Mónica.

E assim foi, depois que o padre capelão deu a imagem a beijar, até que, na tarde do dia de Natal, entreguei o papagaio ao garoto, que o deixou voar, voar, voar… por cima do aquartelamento. Ou sobre o rio. Em boa hora o fiz. Já verá por quê.

À medida que o capelão, voz bem timbrada e gestos convincentes, foi dando o Menino a beijar, depois da missa, começou a entregar a cada um dos presentes, poucos, uma estampa, ilustrada pelas figuras do presépio, Nossa Senhora, São José, o Menino. Até aqui, nada de especial. E todos os presentes gostaram. Especial era a legenda que aditara, além das palavras, já banais, já gastas, se calhar mesmo hipócritas e hipotecadas à rotina, Boas Festas, Feliz Natal. Em letra geométrica, bom recorte, acrescentou: “esta família ama a paz”. Para quem soubesse ler, o que aquela mensagem queria dizer é que aquela família de Nazaré não queria a guerra. E nós, bem lá no fundo das nossas consciências, também não. A Mónica e o capitão, que resmungou, souberam ler muito bem. O Bretão, nem se fala. Era açoriano. De todos nós era o oficial mais politizado. Os comandos em Bissau não gostaram e o padre José Azevedo, voz bem timbrada e gestos convincentes, pagou caro por essa ousada dedicatória de Natal. Foi recambiado. Não posso garantir que a Pide, que tudo sabia ler e tresler, não o tenha incomodado. Consta que sim.

Como ia dizendo, já lhe contei que o papagaio começou a voar em boa hora, e com razão. Enquanto o Papagaio Verde voou, preso das mãos do menino negro, o Abdul, agora feliz avô, ou do telhado da mesquita, que também foi demolida, e foram, no mínimo, duas semanas, entre nuvens e sol, entre azul, brisas e pássaros, e ainda lá mais em cima, entre as pegadas de Deus na brisa e, cá em baixo, os venenos da terra, ronceira e pesada, às vezes permissiva aos feiticeiros que chamavam os espíritos para nos tramarem nestas remotas terras - vá lá saber-se por quê, nem mo pergunte - nesse período, nunca mais fomos atacados, nem houve emboscadas pelos caminhos abrasadores e perigosos do Oio. Mas, depois dessa paz podre, pagámos bem caro o estranho sossego.

Por quê?

Bela pergunta. Olhe, não sei. Para mim, que, por vezes, nem acredito muito na grande proximidade de Deus com os homens, muito menos em milagres ao desbarato, ainda hoje desconfio que houve por ali, naquelas três semanas, a mão do Menino.

Não acredita?
Olhe, que há coisas, meu tenente-coronel!

Foi, então, a partir daí, que a aldeia começou a mudar de nome, aos poucos, sobretudo nas conversas entre militares, Papagaio, Papagaio Verde, que tinha tudo: casas de adobe, rectangulares ou quadradas, assistência médica diária, personalizada, até uma mesquita para as orações a Alá, Nosso Senhor, o respeito da tropa. E, olhe, foram exactamente estas imagens de Natal a primeira coisa que logo me veio à folha azul ou sombreada da lembrança, quando ontem cheguei a Alguresm, suava a alma… a Fatumata, a Usita, o Papagaio Verde, o Abdul, o João, o Bassiro, o Gibril, até a belíssima Mónica e o friso simpático das raparigas negras, que, naquele remoto Natal, vestimos com blusas novas, muito garridas, ainda a mesquita, porta voltada para Meca, a tabanca por nós construída com adobes, com ruas e nomes portugueses, a aldeia que tinha realmente tudo.

As raparigas, que bem acabo de reconhecer mulheres, mais ou menos com a minha idade, de seios flácidos, caídos e chupados pelos filhos, estavam, (como me lembro…), naquele inesquecível Natal, um doce e mitigador encanto e pareciam voar nos panos e blusas novas, soltos os bandós. O seu esplendor de olhos e seios está, agora, esmorecido. Não admira: já se passaram umas boas três décadas.

Papagaio Verde (ou fosse Algures) é que, então, ainda não tinha um céu limpo de nuvens sobre um país novo. E tão pouco voava nas asas do sonho das acácias vermelhas… como, agora, também ainda não voa, ainda que brinque nas brisas de um céu mais límpido, tocado pelo rumor da paz, a “Estrela do Norte”.

(FIM)

Armor Pires Mota
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Glossário:
alfero – alferes
morança – casa
tabanca – aldeia
almany – padre muçulmano, líder espiritual
Puto – Portugal
bajuda – rapariga
jagudis – abutres
mama firme – seio rijo e direito
cabaço – hímen (virgindade = catota)
irã – ser sobrenatural que vive na floresta
corpo di bó? – como vai de saúde?
mim cá sibi – eu não sei
partir ou falar mantenhas – apresentar cumprimentos e considerações
passadas – histórias
mulher garandi – mulher considerada importante pela idade
guardas de corpo – mezinhos contra os males
chuvas – anos
Alah, uquibaro – Alá seja louvado!
malilas (dialecto balanta) – braceletes (pulseiras) feitas de fibras vegetais
trabalho cansado – trabalho que exige bastante esforço
peso – um peso correspondia a um escudo: trata-se de uma reminiscência da denominação espanhola nos séc. XVII/XVIII, quando ampliou a sua administração à antiga Guiné, onde mandava os seus barcos negreiros arrancar braços para a agricultura na América espanhola, segundo Alexandre Barbosa, em “Guinéus”.
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Notas de CV:

Vd. postes anteriores do conto Papagaio Verde versus Estrela Polar de:

17 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10812: Conto de Natal (1): Papagaio Verde Versus Estrela do Norte (1) (Armor Pires Mota)

18 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10817: Conto de Natal (2): Papagaio Verde Versus Estrela do Norte (2) (Armor Pires Mota)
e
19 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10824: Conto de Natal (3): Papagaio Verde Versus Estrela do Norte (3) (Armor Pires Mota)

Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10828: Conto de Natal (4): Era uma vez tantos soldados na guerra (Armando Pires)

Guiné 63/74 - P10829: Parabéns a você (513): José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp da CCAV 8350 (Guiné, 1972/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10823: Parabéns a você (512): Humberto Reis, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71) e João Melo, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAV 8351 (Guiné, 1972/74)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10828: Conto de Natal (4): Era uma vez tantos soldados na guerra (Armando Pires)

1. Mensagem do nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70), com data de 16 de Dezembro de 2012:

Meu Caro Luís Graça.
Amigos e Camaradas Editores.
Quando enviei o meu ultimo relato, o 4º da série "Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista", despedi-me até depois do Natal.
Tanto bastou para que, pelo telefone, me chegassem dois remoques - Olha lá, então não falas da noite em que as barbas do Pai Natal arderam?

Reconhecendo a razão de quem assim protestou, escrevo, mas decidi fazê-lo em forma de conto.
Dedico-o a vós, meus editores, e a todos os camaradas que sentiram essa dolorosa experiência de um Natal em guerra e sem família.

Reitero aqui o meu desejo de que esta Festa seja o continuar da Glorificação da vossas Famílias.
Abraços.
Armando Pires


Breve Conto de Natal

Era uma vez tantos soldados na guerra

Por Armando Pires

E foram tantos sem saber bem porquê nem para quê.
Foram, simplesmente.

Alguns ainda meninos de coração inquieto e peito alvoraçado, outros homens feitos de vida dura e mãos calejadas, uns e outros quando tinham os sonhos iluminados por resplandecentes sóis de vida e amor, depois povoados de saudades e medos.

Uma manhã, o despertar foi ao som da algazarra nas casernas, anunciando a chegada do Natal. Mas aquele seria um Natal estranho e diferente dos que antes haviam tido.

Sem neve, sem frio, sem árvore de mil luzes a brilhar, sem lareira, sem chaminé, sem o calor da casa, sem o amor da família que ficara lá tão longe.

Eram pais, mães, irmãos, mulheres, filhos, que amargavam agora a tristeza daquele lugar vazio à mesa, disfarçando a dor em filhoses ensopadas de lágrimas, em fatias de peru que sabiam a fel, partilhando desesperadas orações ao menino que nessa noite havia de chegar, para que depois protegesse o outro menino, o seu, que estava na guerra, sabe Deus em que sofrimentos metido.

Lá onde eles estavam, bem que dispensavam as peúgas de lã, a camisa de linho puro, as luvas de pele forradas, tudo o que naquelas noites o Pai Natal lhes deixava no sapatinho.
Por isso, no correio militar, mandaram-lhes chouriços e queijos, nacos de presunto e broa, figos secos e nozes, e até um chocolate, Santo Deus, para adoçar a boca do menino.

Foi uma festa pegada, lá na guerra, quando chegou a hora de desfazer os embrulhos. Nem faltou um Pai Natal para dar mais verdade à noite.

O Meneses, beirão de Viseu, ali a fazer de furriel, irrompeu no quarto dos seus pares exibindo umas fartas barbas brancas, feitas do algodão que na enfermaria lhe deram. Por entre aplausos celebrando a chegada de tão significativa personagem, ele a todos foi distribuindo mangas e cajus frescos, que tirava da saca que trazia às costas, enquanto ia desejando um Bom Natal.

Foi então que um outro furriel, o Gesteiro, vindo do mar de Peniche, chamou o Meneses a dar a volta pela festa dos outros homens, a começar pelos seus, que eram os das transmissões, e a acabar nos do Meneses, que eram os mecânicos das viaturas. E saíram prometendo voltar.

Mas que diferentes vieram.

O Gesteiro gritou ao Pires que acudisse ao Meneses. Tinham ardido as barbas de Pai Natal.

Levados pelo Pires, que era o enfermeiro, de um lado o Meneses sofrido com a pele do rosto queimada, do outro o Gesteiro a contar que o Meneses lhe pedira lume, que o cigarro tinha a ponta mesmo à flor do algodão, e que foi um repente para que o lume tomasse conta das barbas.

Lá na enfermaria, pensando como havia de tirar o algodão da cara do Meneses, o Pires ficou estarrecido quando ele lhe disse que para prender as barbas usara um pouco de cola lá da sua oficina.
Foram momentos de grande aflição os que aqueles três homens passaram.

O Meneses de olhar vítreo e temendo a dor. O Pires procurando a forma de, com mil cuidados, tirar o algodão da cara do Meneses sem trazer a pele atrás. O Gesteiro, todo ele era uma aflição.

De um lado para o outro, vagueando pela enfermaria, culpabilizava-se pelo sucedido, pedia desculpas ao Meneses dizia ao Pires, “tem cuidado oh amigo, tira isso devagar”.

No fim, o Pires, mostrando ao Meneses, num espelho, como a pele do seu rosto tinha sido salva, avisou-o:
- Olha pá, para prevenir vou já injectar-te com um anti-inflamatório.
- Oh Pires, e isso não vai doer?
- Dada por outro, ia, dada por mim vai doer mas poucochinho. Mas tem que ser.

Vai o Gesteiro, num desvario, agarra com firmeza o braço do Pires e determina:
- Oh amigo, não pode ser. Quem teve a culpa fui eu, dás-me a injecção a mim.

Em Bissorã, uma estrela voou no céu, e em Belém, a sorrir, nasceu o Deus Menino.

Bissorã, 24 de Dezembro de 1969.

Bissorã, 1970 > À esquerda, de pé, o Gesteiro, fur. mil. de transmissões, ao seu lado o Meneses, fur. mil. mecânico auto, à direita, em primeiro plano, o Pires, ao seu lado um civil que era vedor e ali fazia prospecção de águas.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10824: Conto de Natal (3): Papagaio Verde Versus Estrela do Norte (3) (Armor Pires Mota)

Guiné 63/74 - P10827: À volta do poilão da Tabanca Grande: Boas Festas 2012/13 (3): Natal, mas para quando? (José Martins)

1. Mensagem de Natal do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 13 de Dezembro de 2012:

Meus caros Editores
Não sei se, sabendo que dizem que o blogue “é um cadáver adiado”, este manterá a tradição de publicar mensagens natalícias. No entanto, aqui vai a minha mensagem, antecedida de um pequeno comentário, ficando, obviamente, a vossa consideração.

José Martins


Todos necessitamos de um “Amós”

Amós, que significa “aquele que ajuda a carregar o fardo”, é também nome de um profeta da antiguidade, que escreveu o livro que tem o seu nome e está incluído no Antigo Testamento.
Os textos da Bíblia, no meu entender de cristão dos menos informados, têm de ser “actualizados” à luz dos novos tempos, pelo que, até o nome de povos e povoações, não devem ser tomados pelos que hoje, mas deve-se fazer “uma actualização para o que hoje se passa”.
Ao escrever o texto que anexo, “como mensagem de Natal”, lembrei-me do Profeta Amos, e num texto sobre o mesmo, encontrei os sete pecados de “Israel”. Uma “pequena fotografia dos tempos actuais:

• "Vendem o justo (tsaddîq) por prata": desprezo ao devedor
• “O indigente ('ebyôn) por um par de sandálias": escravização por dívidas ridículas
• “Esmagam sobre o pó da terra a cabeça dos fracos (dallîm)": humilhação/opressão dos pobres
• “Tornam torto o caminho dos pobres ('anawim)": desprezo pelos humildes
• “Um homem e seu filho vão à mesma jovem": opressão dos fracos (das empregadas/escravas)
• “Se estendem sobre vestes penhoradas, ao lado de qualquer altar": falta de misericórdia nos empréstimos
• “Bebem vinho daqueles que estão sujeitos a multas, na casa de seu deus": mau uso dos impostos (ou multas).

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Livro_de_Am%C3%B3s


Natal, mas para quando?

Pensei, por muitas e variadas razões que a “todos nós” dizem respeito, não enviar votos de Boas Festas a ninguém. Achei que não devia fazê-lo.
Porém, mudei de opinião. Se em 1968 e 1969, em plena guerra na frente Leste do território da Guiné, não só enviei esses desejos aos familiares e amigos, assim como distribuí esses desejos a todos os camaradas de armas, mesmos aos soldados que professam a Fé Islâmica, porque não fazer o mesmo?

Desejar PAZ, na GUERRA cruel em que nos colocaram.

A foto, retirada de um postal que me “caiu” nas mãos, foi o mote. Reparem:
Não há “Sagrada Família”. Há a “Mãe e o Filho”. Onde está o PAI?
Não se vê, mas adivinha-se:


Partiu, procurando trabalho noutro local/país; partiu porque se tornou impraticável a reconciliação em penúria; partiu porque roubou para dar de comer ao filho, e agora está preso; partiu porque cumpriu a lei da vida; partiu, porque simplesmente partiu…

A mãe mostra o seu filho ao poder reinante. Mostra o desamparo do seu filho, sem sequer ter abrigo ou um pequeno conforto. Mostra o seu filho aos grandes desta terra, que se baixam, sentando-se no chão, procurando uma zona de conforto.
Faço votos de que a posição que assumem, na foto, não seja uma posição de observação da cena que se lhes apresenta. Faço votos de que, finalmente, se apercebam do que vai pelo mundo, do que sofrem as crianças e adultos, despojadas de tudo, até de um sorriso.

Para todos os amigos, conhecidos e desconhecidos, votos do Natal possível, lembrando as palavras de Lucas, Evangelista (Lc 19:45-46) “Então, entrando ele no templo, começou a expulsar os que ali vendiam, dizendo-lhes: - Está escrito: A minha casa será casa de oração; vós, porém, a fizestes covil de salteadores”.

José Marcelino Martins
12 de Dezembro de 2012
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10825: À volta do poilão da Tabanca Grande: Boas Festas 2012/13 (2): um abraço fraterno a todos quantos formam esta grande família, a que me orgulho de pertencer (Felismina Costa)

Guiné 63/74 - P10826: A minha CCAÇ 12 - Anexos (II): Quem se lembra destes camaradas guineenses da 1.ª Secção do 3.º GComb? (António Mateus / Luís Graça)


Foto nº 1 


Foto nº 2


Foto nº 3

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > junho/julho de 1969 > uma secção do 3º Gr Comb da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), em frada nº 3, durante a instrução de especialidade do pessoal de recrutamento local. (*)

Em primeiro plano, na foto nº 1, da esquerda para a direita,  os 1ºs cabos Carlos Alberto Alves Galvão [, vive na Covilhã, foto nº 2], que  irá integrar mais tarde a 1ª secção ; e  António Braga Rodrigues Mateus [, durante muito tempo sem morada conhecida, hoje sabemos que vive em Guifões,  Matosinhos] , que irá pertencer à 2ª secção (**).

A 1ª secção era comandada pelo saudoso Fur Mil Luciano Severo de Almeida, natural do Montijo, enquanto a 2º secção tinha comandante o nosso querido amigo Arlindo Teixeira Roda [, natural de Pousos, Leiria; professor em Setúbal, reformado, e grande damista, e um dos nossos fotógrafos de Bambadinca ]... A 3ª estava entregue ao madeirense, fur mil José Luís Vieira de Sousa.

O comandante do 3º Gr Com era o alf mil inf Abel Maria Rodrigues, Passei por este grupo de combate, como aliás passei por todos, tapando "buracos" (feridos, doentes, desenfiados, de férias...). Mais pelo 3º e pelo 4º do que pelo 1º e pelo 2º. Eu era o furriel "pião das nicas", dizia-me o capitão, e eu nunca soube se, na boca dele, a expressão  era elogio, se era gozo... Foi no 2º Gr Comb que tive o meu batismo de fogo (setembro de 1969), e no 4º que apanhei com uma anticarro (janeiro de 1971). Enfim, não vem ao caso, agora, a minha história...

Os soldados africanos das fotos acima reconheço-os a todos, mas tenho dificuldade, de momento, em identificá-los pelos nomes. Uns eram mais putos e brincalhões, outros mais sérios e reservados, com mais dificuldade em falar português. Tenho hoje uma pena enorme de não ter muitas mais fotos dos nossos camaradas guineenses (da CCAÇ 12 e de de outros unidades africanas), e de não poder identificá-los um a um. O mais provável é que apenas um destes seis meus camaradas guineenses estejam ainda vivo,  talvez o mais jovem (o terceiro a contar da esquerda, na foto nº 2), ainda com cara de criança, jovial, alegre, reguila, de quem me lembro tão bem, e com saudade. Seria o Sambel ?

Os que constam das fotos acima (vd. em detalha, as fotos nº 2 e 3) parecem-me ser os da 1ª secção que era constituída pelos seguintes elementos (***):

Fur Mil Luciano Severo de Almeida [, viva no Montijo, já falecido]
1º Cabo 02920168 Carlos Alberto Alves Galvão [, vive na Covilhã]
Soldado Arvorado 82108769 Totala Baldé (Fula)
Sold 82108569 Sambel Baldé (Fula)
Sold 82108969 Mauro Baldé (Ap LGFog 8,9) (Fula)
Sold 82110369 Jamalu Baldé (Mun LGFog 8,9) (Fula)
Sold 82109169 Malan Baldé (Fula)
Sold 82109569 Iéro Jau (Ap Dilagrama) (Fula)
Sold 82110969 Samba Baldé (Ap Metr Lig HK 21) (Fula)
Sold 82109969 Malan Nanqui (Mamdinga)


O 1º cabo.metropolitano,  da secção era o Carlos Galvão, que eu vejo desde 1992, e que não nos lê... nem nos ouve. O mesmo se passa com o Arlindo Roda (que vive em Setúbal). Talvez o nosso camarada e grã-tabanqueiro, transmontano, Abel Rodrigues, ex-Alf Mil, e comandante deste 3º Gr Comb nos possa dar uma ajuda...

 Quanto ao Carlos Galvão, já tem sido aqui por diversas recordado como o homem que cometeu a proeza de ser ferido duas vezes no decurso da mesma operação (Op Boga Destemida, Fevereiro de 1970). Penso que não haverá muitos casos destes ao longo da guerra...


Já aqui apresentei, em abril passado, o meu camarada da CCAÇ 12, António Mateus , de seu nome completo António Braga Rodrigues Mateus, de quem não tinha notícias desde 1971... Depois de ter estado emigrado em França. fixou-se em Guifões, Matosinhos onde é vivizinho do Albano Costa, e tem hoje o seu negócio próprio.  [, foto à esquerda].

Nasceu em 18 de novembro de 1947. É casado com a Laura, tem uma filha. E fez-nos chegar, através do email do seu genro, Emanuel Azevedo (mais conhecido por Tito), as fotos da praxe, bem como as que publicamos acima.

O António Mateus foi gravemente ferido na Op Pato Rufia, em 7 de setembro de 1969, e evacuado para o HM 241. No meu caso, foi o meu batismo de fogo. Eu estava perto dele.



Já falei com o António ao telefone, duas ou três vezes, recordando os nossos velhos tempos da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, e finalmente pude revê-lo e abraçá-lo em Monte Real, no dia 21 de abril de 2012, no nosso VII Encontro Nacional.

Depois de regressar do hospital, em data que já não posso precisar (talvez finais de 1969, princípios de 1970), o António Mateus foi integrado na força que defendia o destacamento do reordenamento de Nhabijões, composto por militares da CCAÇ 12, da CCS do BCAÇ 2852 (e depois do BART 2917) e outros. Creio que ficou lá o resto da comissão.

Estava lá quando acionámos duas minas A/C à saída de Nhabijões, no fatídico dia 13 de janeiro de 1971.

Fotos: © António Mateus (2012). Todos os direitos reservados.
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Notas do editor

(*) Primeiro poste da série > 3 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10615: A minha CCAÇ 12 - Anexos (I): Sansacuta, tabanca fula em autodefesa no sul do regulado de Badora, onde estive em março de 1970 e onde um dia recebi, do vaguemestre, um lata 5 kg de fiambre dinamarquês... que tive de consumir e repartir pelos putos em escassas horas (Luís Graça)

(**) 20 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9775: Tabanca Grande (331): António Mateus, de Guifões/Matosinhos, ex-1º Cabo At Inf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), nosso tabanqueiro nº 550

(***) 21 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6447: A minha CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971) (1): Composição orgânica (Luís Graça)

(...) 2ª Secção
Fur Mil 07098068 Arlindo Teixeira Roda [, natural de Pousos, Leiria; professor em Setúbal]
1º Cabo 17625368 António Braga Rodrigues Mateus [, morada actual desconhecida];
Soldado Arvorado 82108369 Mamadú Jau (Ap Dilagrama) (F)
Soldado 82109369 Malan Jau (Ap Mort 60) (F)
Sold 82100769 Amadú Candé (Mun Mort 60) (F)
Sold 82108869 Quembura Candé (F)
Sold 82109769 Sherifo Baldé (F)
Sold 82115369 Ussumane Jaló (FF)
Sold 82110169 Madina Jamanca (F)

3ª Secção
Fur Mil 06559968 José Luís Vieira de Sousa [, natural do Funchal, agente de seguros]
1º Cabo 12356668 José Jerónimo Lourenço Alves [, morada actual desconhecida];
Soldado Arvorado 82108469 Sajo Baldé (Ap Metr Lig HK 21) (F)
Soldado 82109669 Cherno Baldé (Mun Metr Lig HK 21) (F)
Sold 82109469 Sanuchi Sanhã (Ap LGFog 3,7) (F)
Sold 82109269 Sori Jau (Ap Dilagrama) (F)
Sold 82110569 Mamadu Embaló (F)
Sold 82110769 Chico Baldé (F)
Sold 82115169 Demba Jau (F)
Sold 82108669 Cutael Baldé (F)

Guiné 63/74 - P10825: À volta do poilão da Tabanca Grande: Boas Festas 2012/13 (2): um abraço fraterno a todos quantos formam esta grande família, a que me orgulho de pertencer (Felismina Costa)

1. Mensagem de Natal da nossa amiga Felismina Costa com data de 11 de Dezembro de 2012:

Caríssimos "Camarigos"
Uma vez mais estamos no Natal! Apesar de todos os contratempos, de dias cada vez mais difíceis para a maioria de nós, o tempo passa célere e diria mesmo, que na nossa idade, ele voa! Parece que foi ontem, que sentada no mesmo lugar, frente ao mesmo computador, procurei um bocadinho, para vos desejar umas Festas-Felizes. Entretanto, já se passaram cerca de trezentos e sessenta e cinco dias, e aqui estou novamente com o mesmo objectivo.

Que o vosso Natal vos traga momentos inesquecíveis, para recordar para sempre com muita alegria.
Há momentos maravilhosos, em que a alegria que sentimos por ter à nossa volta os que nos são queridos, superam toda e qualquer situação.

Por isso, para além de muita saúde, vos desejo uma reunião familiar, baseada nos alicerces da Paz, do amor, do respeito e da Solidariedade, que nos deve acompanhar todos os dias da vida.

Segue um abraço fraterno, extensivo a todos quantos formam esta grande família, a que me orgulho de pertencer.

Segue em anexo, um poema meu, que é um obrigada por existir... e conhecer-vos

Vossa amiga de sempre:
Felismina


Era Dezembro mãe

Era Dezembro mãe!
Tão Dezembro!
Tão perto do Natal…
E eu quis vir à festa,
Trazendo como prenda
o meu eu, que me ofereceste…
e que ficou tão meu, tão unicamente meu
que, sem ele… não sou eu…
Às vezes, querem que eu, não seja eu,
mas eu, não sei ser outro, senão eu!
E talvez, porque recordo os teus afagos,
os teus beijos, sublimados,
os teus braços e abraços
a tua voz cristalina,
eu… sou ainda uma menina!

Lembro Março, florindo sem cansaço
inundando o largo espaço de poesia,
enquanto no teu regaço, eu sorria e crescia.

Lembro Abril, de luz dançante
quando as nuvens com o vento se fragmentam
e desenham alegria esvoaçante.

Lembro o Maio das novas aves
dos chilreios coloridos, exultantes…

Lembro, os Agostos escaldantes e longuíssimos
que queimavam apenas os dias que passavam…
E à noite, o luar trazia mensagens de outras galáxias,
Contava-me histórias que ouvia encantada,
ao som de orquestras, que não divisava.

Lembro os Outonos que amavas e me ensinaste a amar
nas cores dos poentes que namorávamos
em êxtase total,
absorvendo aromas que retenho ainda, como se o tempo
tivesse parado, ali à esquina…

E eis que regresso ao Dezembro de então,
Trazendo na mão o presente teu…
que era somente… a luz do que é meu.
Sorrindo me olhaste, sabendo que eu era
a pequena magia desse teu Natal,
Que juntas vivemos, e fomos cantar
A essa Belém, onde, de outra Maria,
um outro Menino…
Nascia também!

Felismina Mealha
Agualva, 24 de Outubro de 2012

______________

Nota do editor CV:

Primeiro poste da série > 18 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10820: À volta do poilão da Tabanca Grande: Boas Festas 2012/13 (1): Flor de sal para purificar e perfumar o chão das gentes boas da Guiné-Bissau (AD - Acção para o Desenvolvimento)

Guiné 63/74 - P10824: Conto de Natal (3): Papagaio Verde Versus Estrela do Norte (3) (Armor Pires Mota)

1. Terceiro capítulo de "Papagiao Verde Versus Estrela do Norte", um original do nosso camarada Armor Pires Mota (ex-Alf Mil Cav da CCAV 488/BCAV 490, Guiné, 1963/65):


CONTO DE NATAL

PAPAGAIO VERDE 
Versus ESTRELA DO NORTE 

A dois combatentes lucidamente
apaixonados pela Guiné-Bissau,
Drs. Mário Beja Santos e Carlos Silva

A velha aldeia de Lala…

A rapariga deixava, de quando em vez, desprender-se um sorriso breve, talvez receoso. Sorria, e eu também. Era nessa língua universal e doce que nos entendíamos naquela manhã. Diferente. Mas também senti que, ao canto do seu sorriso, cor da manhã de fogo, espreitavam enigmáticas palavras. Talvez incómodas e violentas, se as deitasse fora da boca. O mais certo era de revolta. Jogava pelo seguro. No silêncio. Talvez com a presença de João se abrisse… Não andaria em sua busca?


3.º Episódio

Ah, o João! O Queta!

Neste ponto, outra tristeza, uma imensa tristeza, veio habitar-me, de assalto. A lembrança de João plantou-me um remorso na palma da mão, ou uma lâmina de fogo no peito, não o posso negar. Doeu-me não ter feito algo mais para levá-lo para Lisboa, como ele tanto desejava. O João (parece que ainda estou a vê-lo…), um exímio contador de histórias, de sorriso largo, que gostava de usar óculos escuros, e o Queta, destemido e de grande capacidade de sacrifício, pescoço sempre adornado de amuletos e fetiches (os indispensáveis guardas de corpo), supõe-se que vieram a ser fuzilados, após a independência. Era a caça, a vingança desproporcionada, aos que, milícias ou comandos, haviam combatido do nosso lado. Iam buscá-los ao fundo dos esconderijos, às aldeias mais remotas e mais fechadas.

João e Queta, soube ao outro dia, andaram clandestinos por algum tempo, viveram no Senegal e por muito outro chão, até que vieram parar à aldeia de Algures que bem conheciam, julgando que a fúria assassina que levava aos fuzilamentos e enterramentos em valas comuns, Cumeré, Porto Gole, Mansabá, de antigos militares, cipaios, antigas autoridades gentílicas, já havia passado. Sabiam que ali tinham amigos e que todos, sobretudo, as mulheres, iriam rezar certamente a Alá pela sua protecção, à noitinha de todos os dias. Aos irãs de todos os entardeceres. E no seu coração de todas as horas.

Erraram em seu julgar.

Descobertos, de mãos amarradas atrás das costas, os cubanos queimaram-lhes o peito, as mãos e os pés com lume de cigarro ou de charuto. Moeram-lhes o corpo de punhadas, tatuaram-lhes sinistros vergões, as costas ficaram em sangue vivo. Chegavam a desmaiar. Nessa altura, enfiavam-lhes com a cabeça em baldes de água. Quando acordavam, os carrascos (não se sabe também por que foram entregues aos cubanos para o vergonhoso calvário…) repetiam a cena, entre cínicas gargalhadas, vezes sem conta, insultando sempre. Até ao cansaço e ao esgotamento. E gritavam-lhes, de raiva e sarcasmo: “não chorem, traidores, as lágrimas podem fazer falta para amanhã”. [Amanhã era o dia do fuzilamento, pensavam João e Keta, com mais insultos, mas sobretudo com uma alegria enorme e aberrante, quase cantante]. “Aos traidores nunca se perdoa, não valem um morrão de cigarro, estão vendidos ao imperialismo, ao colonialismo! Lutaram contra os interesses do país e do povo. Não são dignos de viverem à sombra da bandeira e do sangue dos outros.”

Segundo uma mulher, peles já amarrotadas como papel de almaço velho e carregado de arabescos, não sei qual, mas com toda a certeza a de mais de meia-idade – não, não fora aquela cuja pele vestia panos, mas sobretudo muitas rugas e anos, e cujas feições, até pela cor, me lembraram logo uma índia, já sei que isso é um rotundo disparate… – segundo essa mulher, os cubanos haviam-nos também proibido de falar ou gritar. Por cada palavra ou grito, uma intempestiva chicotada zunia no espaço e vergastava-lhes os músculos, reduzia-lhes as defesas. O ódio sempre foi, em todo o mundo, a força dos medíocres.

Ao mesmo tempo, atacavam o imperialismo americano e os colonos brancos com um palavreado revolucionário, e de punho esquerdo no ar. Também não esqueceram, fazendo forçadas comparações, os cubanos anti-castristas que haviam fugido para a Florida, chamando-lhes muitos nomes, como “puercos, cabrones, hijos da puta” e às mulheres “unas cabras”… e soltavam, pois claro, gritos de vitória: “viva Amílcar Cabral; viva Luis Cabral; viva Nino; viva “Guiné libre” e “tambien Fidel, el comandante”; viva a revolução popular!”; “viva o povo”, “viva…viva”.

O povo estava finalmente livre, “gracias a la guerra”. Povo que não tardava a ser esquecido, e alguns combatentes também, como, aliás acontece em todas as revoluções, com as patentes superiores a puxarem a si os galões e o mando, às vezes, férreo, de algemas. É a luta de facções, com os comandantes sempre muito nervosos.

João e Queta tiveram o azar de muitos, muitos outros. Era a hora das trevas e do ódio. Depois, desapareceram. Foram fazer estrume em valas comuns ou voaram nas asas dos terríveis jagudis? Ninguém sabia exactamente como tudo se havia passado longe dali, como num açougue. Tudo o que sabiam chegava, aos poucos, através de conversas curtas, cochichadas no bentabá, entrecortadas de medos. Pequenos pormenores apenas.

Ao terceiro dia, falaram-me de um antigo paiol do exército, situado em Farim. Um buraco onde não entrava um raio de sol, tão pouco uma réstea de ar, mas onde couberam dezenas de milícias. Passado pouco tempo, haviam morrido todos por asfixia, à excepção de um a quem deram um copo de água e um pouco de ar, mas, solidário no fim, foi juntar-se ao amontoado de dezenas de mortos. Os corpos desapareceram e nem tinham a certeza de que tudo fora assim como a notícia chegara a Algures.

Eram, sem dúvida, perguntas incómodas. Ou, o mais certo, poucos queriam recordar. Lembranças, mais do que dolorosas, eram também aborrecidas. Evitavam, a todo o custo, a memória, o dia ou os dias da grande ira, porque não foi uma só a hora nona das trevas e da morte, do terrível ajuste de contas. Era a hora do ódio que restava da guerra; cresciam a dor e o desassossego e faltava o amor. Isso era notório, ninguém assumia falar na situação política do país, por vezes, com o futuro armadilhado. Povo pasmado. A revolução já não era do povo, como tanto haviam proclamado os novos senhores de Bissau, entendia-se no seu entreabrir cuidadoso de palavras breves.

(Aqui está uma teia de casos e pistas a seguir e a desbobinar por atento investigador, que não eu, pelos difíceis carreiros da verdade. Decifrados todos os enigmas e paradoxos, isso daria, estou certo, material bastante para um bom romance).

Mentiria se não dissesse que deixei correr algumas lágrimas sobre um farrapo de esteira de bambu, desfeita como aquelas vidas. Recolhi mesmo em meu peito espantado uma pequena flor de silêncio e rezei-lhes por alma, ao mesmo tempo que prometi, já que não sabia em que vala comum foram lançados os corpos (e jamais alguém saberia?) sem choro, orações e batuque, ir lançar-lhas, em sua memória, nas brisas ou nas canoas dos rios Corubal ou Geba. E por que não em ambos ou em todos? Ou, pensando melhor, até pode ser no talhão dedicado aos ex-combatentes no cemitério de Bissau. Ali até faz mais sentido. Aliás, todo o sentido! Ou no cemitério de Bafatá, ainda que exiba a maior degradação Aqui se misturam em correrias de inocência crianças, cabras, cabritos e galinhas. Os cabritos são quem mais salta e cabriola sobre as campas brancas ou verdes. Também as de alguns soldados negros, de recrutamento local, lado a lado, tanto na vida partilhada de medos e risos como no silêncio derradeiro e inútil. Se quer saber, o de Bambadinca não está em melhor estado. Vedação escassa de esteira de cana de bambu, é uma lixeira aberta. Decidi-me pela primeira opção.

Um pouquinho mais de sorte teve o V. Seabra. Já ouviu falar neste nome? Só não foi encostado ao muro e fuzilado, embora a morte o rondasse como abutre, porque os maus-tratos, esses foram iguais, se não piores. E prolongaram-se. Vagomestre de uma companhia do meu batalhão, resolvera ficar. Casara em Bissau com uma bonita libanesa, locutora da rádio. Montou empresas, empregou homens de cor. Uma delas foi responsável pela limpeza da capital, durante muitos anos. Aproximou-se de Nino. Mas nem esse cartão lhe serviu de nada. Os cubanos estavam em alta, achavam-se também vencedores. Conheceu a perseguição feroz, a confusa e infecta masmorra, o lume dos cigarros ou dos “habanos”, queimando-lhe as costas, as mãos, os dedos, os ombros, partes íntimas do corpo. Já em carne viva, mais para morrer do que para viver, não tentou a fuga sequer. E tinha amigos para isso. Mudou várias vezes de actividade, mas o pior é que não mais mudou o hábito da “sagrada libação” do uísque, que o levou à degradação, quase um farrapo de homem, garrafa sobre garrafa, dia e noite sobre noite e dia… como os maus-tratos o haviam levado à quase loucura!

Como é a puta-da-vida, meu tenente-coronel! De bruços sobre as mesas, enfrascava-se para esquecer. Respirava os restos da vida nos vapores dos copos para sentir-se vivo. Tremiam-lhe as mãos, cheias de marcas, grandes cicatrizes, por sob as palavras tensas, no mínimo nervosas, na margem agreste da memória. Tremiam imenso. Vi-as tremer, desamparadas, um dia, como cordas esfarrapadas de violino. No Gambrinus ou no Arcádia. Tanto faz. Sei que foi em Lisboa. Doeram-me como dentadas na carne. Hoje, felizmente, está a recuperar. Tentou até criar a Associação de Amizade Portugal-Guiné/Bissau com o cantor Alcindo Antunes (que, de vez em quando, enfia na cabeça um chapéu de palha, aba larga, e uma pistola no alto cinturão, virando, de um momento para o outro, cantor mexicano, o El Cindo, que canta canções sul-americanas, também de Cuba, por acaso já o ouviu? Foi também como nós combatente no chão da Guiné).

Quero ver se, além de amanhã, (já tentei a difícil ligação por telemóvel), me encontro com ele num dos cafés da Avenida Amílcar Cabral, para partir mantenhas, matar saudades e revisitar com ele a cidade, tanta coisa! Pela amostra rápida que me foi permitida, a cidade está envelhecida, de muitas e escusadas rugas. O Hospital Militar, esventrado, dói. As acácias, essas magoam-me no seu vermelho explosivo. As casas sujas adormecem melancolias indizíveis. Os passos são lentos como os carreiros do mato. O Copilão é um labirinto de gente sofrida. Havemos de percorrer-lhe, com calma, as veias da vida possível. As cores e os aromas andam sobressaltados. Tanto como a alegria que corre, por vezes, no fio de uma navalha. Não é necessário que ninguém no-lo diga. Vê-se, pressente-se. Tarda a manhã definitiva, aureolada de sol, sementes, sonhos e frutos, a qual vai nascendo nos olhos dos meninos e morre, sem sentido, nas rugas dos combatentes ou nas mãos dos mais velhos. Pode dizer-se que é uma manhã adiada, ou dito de outro modo, um futuro combalido, apenas anunciado por palavras de circunstância.

Iremos, se nos sobrar tempo do Copilom de Baixo, até Cobom de Bandé, ou seja Bandim. Quero conhecer o lugar de onde saíram os primeiros guerrilheiros e a nata dos dirigentes do PAIGC, que semearam ideias e valores em que o povo acreditou e estão longe de cumprir-se.

Adiante!

Retomemos, afinal, de novo, o voo do Papagaio Verde de há trinta e tal anos atrás. O outro, do neto de Abdul, lançado ontem nos céus de fogo de algures, lá vai brincando com as brisas.

Chegados ao quartel, sem outros problemas para resolver, passei parte da tarde e parte da noite da véspera de Natal a fazer o papagaio. De jornais, por acaso, “O Século Ilustrado” e “A Bola”, que chegavam às mãos do médico, com muitos dias ou semanas de atraso e eram folheados com uma espantosa avidez, para saber novas do Puto. “A Bola”, recordo, falava do Benfica, que então andava na roda alta do futebol. Por ser bem maior, utilizei “O Século Ilustrado”. Nas três pontas coloquei, para reforço das cruzetas, outros tantos aerogramas de amor, que a minha namorada me enviara, dias antes, com um sabor muito especial a Natal e a palavras de uma luminosa ternura, eu diria a saber a carne e beijos escaldantes. Natal é amor, dissera, no Natal do ano passado, o capelão. Escrevera isso também nesse Natal a minha namorada, Amazilde Matos. Mas Natal ali naquele “cu do mundo” eram sobretudo lágrima e saudade da casa paterna. Era uma maneira de fazer com que aqueles desejos voassem e chovessem como uma bênção. Depois, o garoto deveria delirar, ao encolher o fio ou a dar-lhe guita.

Achei graça ao que fizera com os aerogramas e fui pedir outros, também de cor verde. Pedi mesmo aos soldados, cabos e furriéis, que escrevessem uma mensagem, uma frase, alguns desejos. Decentes, lembrei-lhes. Depois, com eles, forrei por dentro o papagaio. Com o garoto do Abdul, hoje tranquilo avô, sempre por perto, de olhos arregalados.

Após o recolher, fiquei na messe com os cabos do meu pelotão, luz quase sombra, difusa; também com os outros alferes e o capitão Varela e a mulher, a bela Mónica, que o fora visitar, conversando sobre um Natal longe, comendo uns bolos secos e esvaziando uma última garrafa de Vinho do Porto, que sobrara da nossa nostálgica, apressada e curta ceia de Natal. Um ou outro ajudavam-me a cumprir aquela promessa, quase ingénua, mas voando de ternura.

Dali a uns escassos vinte metros, ficava a caserna.

Era um velho armazém de um madeireiro, de nome Brandão, natural das Ilhas de Cabo Verde, onde os soldados, os mais, dormiam um sono de pedra, fatigados de uma semana diabólica. No armazém àquela hora, os retardatários, à luz mortiça de feios candeeiros, pés entrelaçados e dorso encostado à parede, cuja frescura naturalmente apetecia (um calor sufocante e pegajoso trazia aos lábios um leve cheiro a beatas pelo chão, suor ou até sexo) ficaram-se para ali a jogar cartas, os menos, a escrevinhar umas mal anotadas regras, outros, utilizando os aerogramas para as mães, as noivas, as namoradas, as madrinhas de guerra. Com desejos de Natal que já havia passado, quando os recebessem, ou de Bom Ano Novo, que vinha a caminho. Um deles, claro, era o Azambuja (quem mais podia ser?), de bom costado, mas o soldado mais romântico que eu tive ocasião de conhecer em África.

Quer ver?

Chegava a mandar em muitas cartas, senão em todas, que, para isso substituíam os inconfidenciais aerogramas, uma ou duas folhinhas secas de manjerico, que ia arrancar ao magro jardim, de sabor beirão, com que o madeireiro enfeitara, antes da fuga, a alpendrada do que era então residência do capitão e do médico, que era uma jóia de homem. Ao contrário do capitão, que era pouco humano com os prisioneiros. Ou mesmo nada. Não lhe entendia nem o sangue nem os sonhos. Ali estava instalada igualmente a secção das transmissões.

Infelizmente, esse jardim, sem mão feminina que o cuidasse e com o calor do tempo e da guerra, ali à mão dos soldados, pouco tempo durou. Secara, mas o Azambuja, amoroso prevenido, arrecadara algumas. Ainda que a menina de olho de pássaro azul o regasse ao anoitecer de mais uma tarde incendiária. – Como pode haver aqui flores, se o ódio as seca? – Questionava o poeta Castro Maçãs, nortenho, de Vermoim, também terra do meu furriel Carneiro, que, não sei se já sabe, faleceu, há largos anos. Doença ruim, disseram-me na reunião do batalhão na Figueira da Foz. Olhe, na sua cidade. – Aqui só as flores que gerarmos por dentro de nós podem vingar, e tão poucas vingarão… – respondia-lhe o médico, homem alto, desengonçado, mas alma direitinha, ansiosa da paz entre os homens, de qualquer cor, sempre solícito, que já não sei se disse, lembro-me, sentava, ao sol-pôr, às vezes, no seu joelho, a pequena Usita, afiada de corpo, vestindo panos coloridos ou de tronco nu, a menina que tinha os olhos de pássaro azul. Ao cair da tarde ou no sossego das horas e dos mistérios que corriam pelos matos em volta. – Isso até parece, ó doutor, prédica de padre em véspera de Natal… – intervim.

Quando as flores secaram e acabou o stock, o Azambuja nunca mais enviou folhas de manjerico e a noiva perguntava constantemente por elas, segundo me confidenciava, e se ele… já tinha mudado de sítio. Ou se já a tinha trocado por uma negra. Nunca me descosi. Depressa, o jardim foi a antítese da paz e da harmonia, uma trincheira.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10817: Conto de Natal (2): Papagaio Verde Versus Estrela do Norte (2) (Armor Pires Mota)

Guiné 63/74 - P10823: Parabéns a você (512): Humberto Reis, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71) e João Melo, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAV 8351 (Guiné, 1972/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10807: Parabéns a você (511): António Paiva, ex-Soldado Condutor do HM 241 de Bissau (Guiné, 1968/70)

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10822: Mi querido blog, por qué no te callas?! (2): (i) A guerra também é capaz de revelar o que há de mais sublime nos seres humanos (Hilário Peixeiro); (ii) ... E eu estou nesta bela caravana há quase 9 anos (David Guimarães)...

1. Mensagem do Hilário Peixeiro, acabada de enviar (19h09), em comentário (off record) ao poste P10813 (*)

Caro Luis

Haverá várias razões para atitudes contra o que nos une no e ao blogue:

(i) uns porque "fugiram" à mobilização;

(ii)  outros porque fugiram depois dela;

(iii) outros ainda porque tiveram a sorte de nascer depois da nossa geração;

(iv) etc;

Já assisti a comentários, semelhantes aos por si referidos, de camaradas meus que só conheceram a paz (graças a Deus) como se as nossas vivências os incomodassem ou os responsabilizássemos por as não terem vivido.

Uma guerra nunca é boa e é sempre uma tragédia para muitos. Mas quanta solidariedade, quanto do mais sublime que tem o ser humano, se manifesta só (infelizmente) nestas situações de sacrifício que pode ir até ao extremo?

Por isso o blogue irá viver por uns bons anos, se Deus quiser

Um forte abraço

Hilário Peixeiro

[Dx-comandante da CCAÇ 2403/BCAÇ 2851, Nova Lamego, Piche, Fá Mandinga, Olossato e Mansabá, 1968/70; atualmente, coronel na reforma]



2. Mensagem do grã-tabanqueiro nº 3, o David Guimarães, camarada da primeira hora, com data de 17 do corrente:

Caros amigos, caro Luís...

Tenho andado muito calado,  mas sempre atento - naturalmente que coisas que vejo escritas com umas concordo, com outras afirmo "eu fui ator" e noutras vejo escritos romanceados.

No entanto tenho visto sempre respeito e curiosamente vejo efectivas correcções a eventuais escritos com certas imprecisões... Ainda bem que assim é, sinal da atenção e qualquer rectificação a um escrito feito só entra em benefício para que a história na circunstância fique mais precisa...

Muitos mais comentários possivelmente seriam de se colocar por aí mas contudo nota-se o receio de alguns, e serão milhares que nos lêem, e não escrevem (sei que gostarias que escrevessem). Torna-se evidente que quem não escreve,  vai reparar na monopolização de artigos escritos,  e bem,  por outros nossos camaradas...

Certo é que há zonas, na circunstância, que são mais  referidas do que outras, mas que fazer? Escrevam, a Guiné não está toda contada, a proposta inicial finalmente continua a ser cumprida e sei que pelo sacrificio de uns mais que outros... Refiro-me a editores e co-editores que fazem o favor de verem milhares e milhares de escritos que depois colocam em devido sítio... NÃO INVEJO O SEU TRABALHO MAS ELOGIO-OS POR TAL

... E cumpre-nos a todos ser uma coisa - camaradas, amigos...

Mas há gente que vive constantemente no "bota abaixo",  coisa mais simples - e usando a adrenalina de quem não constrói nada e pouco sabe,  pelos vistos, escreve coisas como essas que escreveu esse dito cujo anónimo... Se desse a cara,  teria uma resposta,  não a dando acho que ignorá-lo totalmente seria o melhor, pois não tem relevância o que diz nem fere em nada gente de bem como nós que andamos por aqui há tanto tempo a cruzarmos dados e batalhas,  a contar a guerra que existiu e de que somos protagonistas. Esse às tantas nem lá andou ou às tantas, coitado, atingiu a senilidade antes de mim, paciência, isso é só de lamentar...

Assim passaria eu na minha opinião por cima disso, nem lhe teria dado resposta porque gente de boa fé não recorre ao anonimato.... Se estiver bem de saúde,  ótimo,  e então usaria o velho termo grosso popular: "Os cães ladram e a caravana passa"...  Pois eu estou nesta bela caravana com 9 anos de existência,  olha que bem... e vamos em frente!

Com um abraço,
David Guimarães

[Comentário de L.G.: Se a Tabanca Grande fosse uma empresa, e estivesse cotada na bolsa, o David Guimarães era um dos sócios fundadores, juntamente com o Sousa de Castro, o A. Marques Lopes, o Humberto Reis, e outros tertulianos da primeira hora, e hoje poderia estar... rico;  foi fur mil, c/ a especialidade de minas e armadilhas, CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72].
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Nota do editor: