1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Maio de 2016:
Queridos amigos,
Tomei a maior parte destas imagens num dia muito especial, dia ensolarado de um Maio florido em que tive a felicidade de no cineteatro Paraíso descobrir a belíssima música do grupo Melech Mechaya.
Andava pelo centro histórico, parei diante da montra onde se anunciam os eventos do cineteatro e alguém recomendou à minha beira: "Se não conhece, é uma boa oportunidade para conhecer um grupo português que procura novos caminhos".
Esse alguém era o João Graça, e não foi necessário nova insistência. Foi uma alegria ver aqueles jovens talentosos premiados por uma sala em delírio, uma assistência que se iluminava com o vigor e a positividade daquela juventude em marcha.
Hoje acaba esta série sobre Tomar, mas estejam descansados que não me encosto às boxes. Tomar é merecedora de olhares poliédricos.
Um abraço do
Mário
A pele de Tomar (12)
Beja Santos
Com esta Primavera em flor, sinto-me revigorar, vou à cata de tecido celular desta cidade evanescente, de ventos uivantes, frios repentinos, calores desabridos. É hoje que ponho o termo a um modo de vistoriar detalhes, fulgências da história, parcelas patrimoniais que a rotina só deixa ver sem olhar. Olhem só esta tarde ainda ensolarada em que fui à Mata do Sete Montes, o passeio só tinha o firme propósito de ver floração, e ali perto de um daqueles tanques, agora vazios, dei-me com este pináculo de outras eras. É viajando na mira de encontrar estes detalhes preciosos que ganhamos para as surpresas. Vejam só outro sinal de outras eras embutido numa parede, quase em frente ao Mouchão, é preciso parar e para ler o que ele assinala. Esta Tomar é uma cidade de rincões ancestrais e, como o hábito faz o monge, não nos apercebemos deste benefício que são as pedras do Tempo.
Desculpem-me a insistência, mas este convento de Santa Iria anda a bulir com os meus sentimentos e, depois de o ter visitado e visto o escombro mas também as potencialidades que ele oferece, ali mesmo a beirar o Nabão, quero também incomodar-vos a consciência pespegando a sua imagem maquilhada, um disfarce para não se verem as mazelas, felizmente que quem escolheu as imagens tem brio tomarense, por ali anda um povo em marcha, vale a pena parar e imaginar o que pensariam estes nossos avoengos que olhassem esta beleza em derrocada.
Pergunto-me muitas vezes por que abrando o passo a namorar tanta porta e portada, não tenho resposta, não sou antropólogo nem urbanista, mas olho para estas portas com imenso elevo, a evidência de uma Tomar habitada, considerada, lugar de orgulho. Repito estas imagens à exaustão, são sempre diferentes, de acordo com a minha imaginação os seus proprietários são curadores, zeladores de um bonito passado indigno de maus tratos.
É por andar com o nariz no ar que ali, à esquina da Várzea Grande, topei com esta bela varanda, a alvura da parede onde se pousou um contrastante gato preto, uma varanda com garbo, diga-se de passagem, e, mais adiante, depois de idas e vindas uma janela bem recuperada um tanto ao jeito daquela urbanização henriquina, que deixou marcas. Digo e repito que me pespego muitas vezes frente a estes edifícios, medindo a largura das frontarias, o volume das janelas e como estas se equilibram harmonicamente com as portas de entrar e sair. Às vezes, noutras paragens, quando quero que Tomar me reacenda a memória tenho a dita de me aparecerem estas janelas, e logo sinto o imperativo de regressar.
Quando por aqui passo, assalta-me a nostalgia e a cobiça, convém esclarecer porquê. Estas gráficas e tipografias são hoje esqueletos, cavernas abandonadas, sinais de naufrágio. Como é que se pode ficar insensível a uma azulejaria tão viva, sabendo depois que é o derradeiro sinal de um cemitério ou barco abandonado? E cobiça, encho-me de amores por aquele prédio Arte Deco, tão discreto e tão pronto a receber obras e ser habitado.
Hoje despeço-me recordando que são os viajantes que acabam, a viagem é intemporal, porque os lugares como estes estão cheios de pele viva, a despeito de alguns sinais de que Tomar é uma cidade cabisbaixa. Despeço-me com uma imagem símbolo, como se estivesse a sair de Tomar e saudasse património mundial, a matriz fundadora da nossa pátria, a morada dos guerreiros monges, vilipendiados e execrados cujos bens reverteram para as naus do sonho henriquino. Por tudo quanto me dás, Tomar, num dia inesperado hei de voltar.
(FIM)
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Nota do editor
Último poste da série de 29 de junho de 2016 >
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