quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20249: Brasões, guiões ou crachás (8): A nossa bicharada de estimação ou o bestiário da nossa guerra... dava uma tese de doutoramento em antropologia!


































Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


1. Não sei se algum camarada, com espírito de colecionador, tem a lista completa com os "nomes de guerra" das nossas unidades e subunidades, nomeadamente as que passaram pelo TO da Guiné entre 1961 e 1974. (E também os seus lemas ou divisas...)

A mim, particularmente, interessava-me conhecer e analisar o "bestiário da Guiné": pelo breve apanhado que fiz (ver acima alguns brasões, crachás e/ou miniguiões,trata.se de  um amostra de conveniência...) , temos todos e mais alguns nomes da bicharada da arca de Noé, dos Tigres do Cumbijã (CAV 8351), aos Leões Negros (CCAÇ 13), passando pelos Falcões (CART 1525) e os Abutres (CCAÇ 3545) ... Os Lacraus (CART 11) também eram/são criaturas de Deus e temidos pela sua peçonha. E, para não parecermos racistas, é até criámos umas Águias Negras (BART 645), umas Onças Negras (CCAÇ 6) e uns Gatos Pretos (CCAÇ 5).

Não sei se alguém já teve a ideia de fazer um apanhado desta bicharada, ou do nosso "bestiário"... Do céu à terra, e se calhar ao mar, há cá de tudo,dos Répteis de Contuboel (CCAÇ 3547), dos Jagudis (CCAÇ 3, ou pelo menos, de um grupo de combate da CCAÇ 3, comandado pelo nosso camarada e amigo A. Marques Lopes). Os camaradas da CCAÇ 3325, por sua vez, eram os Cobras de Guileje.

Temos muitos animais, dos felinos às aves de rapina, há cá tudo como no Jardim Zoológico, dos Gaviões (Pel Caç Nat 52, mas também  CCAÇ 2796) aos Leopardos (38ª CCmds), sem esquecer os Jacarés (CCAÇ 1586) e os Panteras, em duplicado (CCAÇ 3538 e CART 1742)., uns talvez mais "astutos e ferozes" do que outros.

Será que havia ratos, sapos, doninhas... ? Ninguém gosta de ratos...E símbolos de paz, como os pombos ou as aves do paraíso  ou as borboletas ? Não deveria haver. Até cães havia...Mas os Elefantes, ainda não os encontrei...em os Hipopótamos, os Tubarões ou as  Baleias...

Em boa verdade, seria ridículo as Baleias ou as Avezinhas do Paraíso iram para o mato...Os "nomes de guerra" são isso mesmo, são para impressionar e intimidar o inimigo... Ou servem tudo para reforçar a identidade e o espírito de corpo dos militares e do seu grupo ?

De qualquer modo, também aqui os bravos da Guiné não se mediam aos palmos: veja-se o caso  dos Lassas (CCAÇ 763), um formidável exército de formigas ("lassas"), guiadas por cães e comandadas por um "leão", o Leão de Cufar...

O Leão (mais o Milhafre ou o Açor ?) aparece no brasão da CCAÇ 2726, mobilizada pelo BII 18 (Açores). E quem também não podia faltar era o patriótico Galo de Barcelos, a "mascote" dos Magriços de Guileje (CCAÇ 2617). De igual modo,  a CCAÇ 4143 tem o Leão (Jubas) , o rei dos animais, no seu guião, leão que também  aparece no brasão dos bravos da CCP 121 / BCP 12.

Ah!, também os Vampiros (CCAÇ 2367) fizeram a guerra da Guiné... sem esquecer os veteranos da CCmds da Guiné (Brá, 1965/66): o alferes António Vilaça  comandava  o Gr Cmds Vampiros,  de que faziam parte entre o Jamanca e o Justo (, integrarão mais tarde  a 1ª Companhia de Comandos Africanos, tendo sido executados pelo PAIGC, já depois da independência).

Nessa época. a nossa imaginação era mais limitada, bem como o próprio bestiário: ainda não havia a mania dos Dinossauros nem o T. Rex, o Tyrannossaurus, tinha chegado às salas de cinema... Mas já era popular o King Kong, o Gorila Gigante, desde os anos 30...

De resto, na Guiné, não havia gorilas, só em Angola, em Cabinda, na floresta do Maiombe. O BCAÇ 11 (Cabind, Angola, 1970/72) foi buscar a figura do Gorila de Maiombe para sua mascote. Na Guiné havia o chimpanzé (o "dari", em crioulo), mas não creio que alguém tenha aproveitado a ideia de o meter num brasão militar...

2. Não tenho espírito de colecionador, mas admiro os colecionadores. Não sou persistente o suficiente (nem obsessivo, perfeccionista, metódico, muito menos rico...) para fazer uma colecção do que quer que seja (borboletas, caricas, notas e moedas, caixas de fósforo, livros raros, obras de arte, ...até às loiras e aos carros!).


Minto, tive em tempos uma colecção de recortes de jornais e revistas, devidamente tratada, com os artigos ou notícias recortados e colados em folhas de papel A4... Isto muito antes da era dos computadores e da Internet. 

Cheguei a ter, no "escritório" do meu sótão, .largas e largas dezenas de arquivadores, de A a Z, com alguns vinte mil recortes (incluindo coisas, poucas, da "guerra colonial",  já que naquele tempo, antes e depois do 25 de Abril,o tema era tabu) ...

Um dia deu-me uma fúria danada e fiz um "auto de fé" (neste caso, acabou tudo ingloriamente, anos de trabalho, não no "papelão" (ainda não havia o "papelão" nem "vidrão"),  mas no caixote do lixo indiferenciado... Tal como o Zé Manel, o nosso Josema, da Régua, fez com os poemas que ia compondo religiosamente, todos os dias, nas patrulhas de segurança, à nova estrada em construção Mampatá, Nhacobá, Colibuia, Salancaur, etc. O seu suplício de Sísifo!

Um dia o mesmo vai acontecer (ou já com aconteceu, infelizmente, acontece todos os dias, sempre que um ex-combatente morre) com as nossas fotos, álbuns, objectos, aerogramas, cartas, diários, poemas, agendas, rascunhos, segredos, fardamento, roncos, estatuetas, e por aí forma... 

Um dia vai acontecer o mesmo com o nosso corpinho (1 metro e 72, 75 quilos): sete palmas de terra, um caixão, umas pasadas de terra e cal... Ou então, crematório, com ele, que é para não ficar cá a feder...e a roubar espaço aos vivos...

Os vivos, em todas as culturas e em todas as épocas, apressam-se a queimar os pertences dos mortos, depois de queimarem ou enterrarem o seus corpos... Com uma única excepção: o ouro, a prata, o vil metal, as notas de banco e os títulos de propriedade dos bens imobiliários... Dizem que é para os "purificar" dos "pecados terrenos"...

Por isso eu só posso aplaudir a iniciativa dos nossos camaradas António J. Pereira da Costa (, o "Tó Zé"), do Eduardo MR, do Carlos Coutinho e dos demais coleccionadores da nossa Tabanca Grande e demais tabancas... Guardemos o que pudermos para um futuro museu da(s) Guerra(s) de África... Simplesmente por "dever de memória"!... Ou por respeito por nós!... Sobretudo por respeito por nós!...

Eu até já tenho, sem querer,  um pequeno núcleo, desde uma espada de régulo (mandinga, creio eu) que me ofereceu o Juvenal Amado até alguns emblemas e sobretudo livros, até as cartas e aerogramas (centenas) que o Beja Santos escreveu à Cristina e que eu estou incumbido de entregar, um dia, ao Arquivo Histórico-Militar...

Mas podemos pensar melhor: talvez um dia possamos mesmo ter um museu (ou núcleo museológico) dedicado à Guiné (1961/74)... Tem é que haver uns carolas com sentido de missão e capacidade organizativa para esta missão, se possível com alguma formação museológica...

Com a idade em que estamos e com os problemas de saúde que aí vêm, é difícil arranjar alguém que lidere esta iniciativa... Se calhar é preferível optar por soluções mais expeditas: doar o corpo ao departamento de anatomia de uma faculdade de medicina (, como fez recentemente um amigo que morreu de cancro) e os nossos pertences (de guerra) ao Arquivo-Histórico Militar...

A lista dos objectos pode ser publicada no nosso blogue, para saber onde param os itens, qual a a sua origem, significado, dono ou fiel depositário, etc.

Antes que tudo acabe, tristemente, na feira da Vandoma (no Porto) ou na Feira da Ladra (em, Lisboa)... E depois vá parar à estranja (Américas, Alemanhas, Inglaterras, China etc.) para estudo dos historiadores dos conflitos geo-estratégicos que nunca molharam o cu numa bolanha nem apanharam um balázio no ombro ou ficaram sem um pé numa mina ou tiritaram de frio com paldudismo...

Camaradas, amigos, camarigos: TUDO ISTO É PATRIMONIO e, embora imaterial, tem um valor incalculável... Porra, tenhamos orgulho nas nossas coisas, grandes, médias, pequenas ou micro... Até nas nossas ninharias!... A começar pelos brasões, crachas e guiões...

Um dia, estes gajos todos, dos pipis aos fanfarrões, que nos sucederem, ainda vão olhar para a nossa geração e dirão:

- Fogo!, gente do carago!

3. Esta matéria já foi abordada neste blogue pelo nosso camarada de armas Carlos Coutinho, que é um dos maiores coleccionadores nacionais desta temática. Muito dedicado, possui, segundo me disse, há uns anos atrás,  cerca de 2 mil emblemas e mini-guiões de Unidades que cumpriram as suas comissões no Ultramar (, não sei se em suporte físico ou em formato digital)... [Hoje são mais de 3 mil!).

Aliás o Carlos Coutinho ofereceu-nos já, em tempos,  um CD com centenas desse emblemas, que temos vindo a usar em diversos postes no blogue.

O Carlos inclusivamente já solicitou, num anterior poste do blogue, que quem tivesse algum emblema (brasão, guião ou crachá)  em casa, e nunca os tivesse ainda visto no blogue, fizesse o especial favor de o mandar para nós, editores, para publicação. Assim, o Carlos, posteriormente, faria a respectiva recolha e juntaria as novas peças no dito CD.

Quanto à criação no blogue de um banco de dados sobre brasões, crachás e guiões (, sugestão do António. J. Pereira da Costa, no poste P7513, de 27 de dezembro de 2010), penso ser interessante e importante conhecer a experiente opinião do Carlos Coutinho, que já tem muito trabalho desenvolvido sobre esta matéria na Internet e nos poderá informar de tal viabilidade neste blogue e a quem vou enviar uma cópia deste poste.

Para eventuais contactos, aqui fica o e-mail do Carlos: ccbitton@gmail.com

Os "emblemas" acima reproduzidos são de várias fontes, a começar pela  coleção do incontornável Carlos Coutinho, grande parte da qual está publicada no portal UTW, Dos Veteranos da Guerra do Ultramar, trabalho esse (do Coutinho e da valorosa equipa dos nossos camaradas do Ultramar TerraWeb) de se lhe tirar o chapéu (neste caso o boné, a boina ou o quico!)... Só da Guiné são mais de 900  fichas completas.

A todos, o nosso obrigado. E continuem alimentar esta série... que tem estado parada desde 2009 (*)

PS - Em suma, temos material para uma tese de doutoramento em antropologia, com a indispensável colaboração do... Carlos Coutinho 3 da equipa do UTW.. A coleção está feita, falta-nos são as histórias do "making of" de cada brasão, guião e crachá, a ideia, o design, a inspiração, a heráldica, etc. E, naturalmente, uma análise exaustiva por categorização temática, a começar pelo "bestiário"...
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Nota do editor

(*) Vd. postes desta série:

10 de novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3429: Brasões, guiões ou crachás (1): CCAÇ 2797, Pel Caç Nat 51 e Pel Caç Nat 67, Cufar, 1970/72 (Luís de Sousa)

14 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3453: Brasões, guiões ou crachás (2): CCAV 678, 1964/66 (Manuel Bastos)

22 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3501: Brasões, guiões ou crachás (3): CAOP 1: BCAÇ 2885; CART 2732 e CCAÇ 5 (Jorge Picado/Carlos Vinhal/José Martins)

1 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3551: Brasões, Guiões ou Crachás (4): CCAÇ 728; CCAÇ 2617; CCAÇ 3566; PEL CAÇ NAT 63; CCAV 677 e CCAÇ 2402 (José Martins)

7 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3580: Brasões, guiões ou crachás (5): BCAÇ 2893, CART 730 e 23339, CCAÇ 726, 1426, 2406, 2636, 2701 e 3477 (José Martins)

14 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3622: Brasões, guiões ou crachás (6): BART 2917 e 2924, BCAÇ 507 e 512, CCAV 1484, Pel Caç Nat 52 e Pel Mort 4574 (José Martins)

25 de fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3938: Brasões, guiões ou crachás (7): Pelotão Independente de Morteiros 912 (Santos Oliveira)

Guiné 61/74 - P20248: Efemérides (312): Mina anticarro em Canturé, regulado do Cuor, 16 de Outubro de 1969 (Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,

Quando soube que o nosso camarada António Carlão partira para as estrelinhas, veio a lume no blogue a sua imagem junto da viatura destruída em Canturé, em 16 de outubro de 1969.

Hoje, neste meu dia de luto, detive-me diante da fotografia em que o meu camarada, o 1.º Cabo António da Silva Queirós, conhecido no nosso meio por o 81, era ele que metia a braçadeira enquanto eu manejava o morteiro, revela espanto diante de um buracão onde jaz o Unimog 404.

Por tudo ser verdade, por ter havido incúria da minha parte e múltiplo sofrimento alheio, aqui guardo lembrança. Porque quanto a penitência e consolação o assunto é íntimo.

Um abraço do
Mário


Efeméride: Mina anticarro em Canturé, regulado do Cuor, 16/10/1969

Beja Santos

Confronto-me com aquele destroço e a estupefação tão espontânea do Cabo António da Silva Queirós, quem captou esta imagem não sabia se havia feridos e mortos, o Queirós está de mão estendida, jamais saberemos o sobressalto em que se encontra, saíram de manhã cedo de Missirá, deparou-se esta viatura esventrada mesmo à esquina da picada em direção a Canturé, por aqui se podia rumar, para sul, até Mato de Cão, e em tempos de paz, umas horas depois, chegava-se a Bissau, depois de Enxalé, Porto Gole, Jugudul; para norte, rumava-se para Gambiel, a ponte fora destruída no início da guerrilha, em tempo de paz por aqui se prosseguia até Geba e Bafatá.

Vivia-se então tempos muito ásperos. O comando de Bambadinca sangrava efetivos de milícias, uma secção de Finete para Demba Taco, uma outra secção de milícias de Missirá para a região de Galomaro. Ia-se praticamente todos os dias a Mato de Cão, é pura coincidência este frenesim a que estávamos a ser submetidos, as obras do porto do Xime estão à beira da conclusão, o arrebol de idas e vindas para patrulhar Mato de Cão diminuirá significativamente a partir de novembro.

Efetivos esgotados, uma grande parte do contingente do Pel Caç Nat 52 formara-se no CIM (Bolama) em 1966, passaram por Porto Gole, Enxalé, Missirá, sonham com o meio urbano, o que irá acontecer em novembro, não percebo porque é que ficaram desapontados, sabiam de antemão que não haveria descanso nas tarefas de toda a ordem, sete dias sem descanso, o que mudava era viajar para uma operação, para uma coluna de reabastecimento, para uma patrulha nos Nhabijões ou emboscada noturna no Bambadincazinho ou na estrada para Mansambo. O que se passou naquele dia 16 de outubro decorreu de um estado de derrisão, de quase inconsciência, na perda da noção das precauções básicas, de quem liderava a coluna, eu.


Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné

Ao amanhecer, viera-se até Bambadinca com uma lista farta para suprir carências na comida, nas munições, nos materiais de construção e na manutenção de viaturas. No regresso, viatura ajoujada, efetivo mínimo, doentes com pernas entrapadas. Com incrível displicência, com o dia já a declinar, ainda fui vistoriar obras em abrigos em Finete. O condutor, Manuel Guerreiro Jorge, de Monte da Cabrita, Santana da Serra, Ourique, suplica-me para partirmos imediatamente, acedo quando vejo o céu plúmbeo, o Unimog trepa a ladeira de Finete, temos a reta de largos quilómetros pela nossa frente, anoitece. Mandaria o bom senso que ficássemos em Finete, não se viaja dezasseis quilómetros na noite escura. Respondo sempre que não se pode perder tempo, há muitos afazeres para o dia seguinte, peço ao Manuel Guerreiro Jorge para ir na gáspea, o piso está bom, a picada não tem quaisquer reentrâncias, é uma reta colossal até Gã Gémeos, daí até Sansão e depois Missirá é que é altos e baixos.

Mas houve um momento de inquietação, exatamente quando no fim da ladeira de Finete fomos acolhidos na picada por um pesado silêncio, era uso e costume haver chilreios, macacada de galho em galho, tive uma premonição de presença humana, coisa de segundos, vamos seguir. E o Unimog partiu à desfilada, faróis coruscantes atravessavam as trevas da noite. Caminhava para as seis e meia da tarde.

Conheço a palmo a picada, por aqui andámos centenas de vezes, é um deslumbramento com as suas áleas de poilões, simetricamente colocados, só encontrei coisa parecida na estrada para o Enxalé. Suspiro quando já estamos bem perto de Canturé, mais uma hora e descarregamos todos estes bidons, sacos e fardos e caixas de munições. E o fragor da explosão toma conta de tudo, o Unimog parece levantar voo, silvam os curto-circuitos, Cherno Suane, que seguia no guincho, parece o homem-canhão, vai disparado até ao fundo, junto de um morro de bagabaga. O instinto leva-me a saltar com a G3 na mão, uma rajada até despejar por completo o carregador varre aquela margem direita, onde há gente que nos espera, deu para sentir uma fuga precipitada. Desapareceram-me os óculos, não vejo do olho esquerdo, sinto queimaduras na cara, no pescoço, um potente zumbido no ouvido esquerdo. Mas são os gritos de Manuel Guerreiro Jorge que tomam conta da nossa atenção, tem o corpo desarticulado, a mina anticarro explodiu sobre o seu rodado.

Fecho os olhos enquanto recordo tudo isto, quando os abro é para ver o espanto do António Silva Queirós. Tudo se passou há cinquenta anos, meio século não é nada quando sei que foi uma noite que mudou a minha vida, que por displicência se perdeu uma outra vida, houve feridos graves, contei com a generosidade dos camaradas de Bambadinca que vieram sem um gemido pela noite fora, atravessando aos tombos a bolanha de Finete, veio o médico, David Payne Pereira, tudo fez por aquele moribundo, a quem fechou os olhos em Finete.

Levantei-me cedo, tirei a fotografia emoldurada e pu-la numa mesa, faço questão de vos mostrar que retenho todo este filme e para todo o sempre. Tratei os olhos, descurei alguns dos feridos que foram para Bissau, um deles perdi-lhe o rasto, o meu devotado amigo Alcino Barbosa, que regressou com fratura de calcâneo.

Dir-me-ão que são coisas da vida, que o cansaço nos leva por vezes a comportamentos ligeiros, às tais displicências que depois matam e ferem. São os tais momentos que nos afundam ou nos fazem crescer. Olhando esta fotografia que gravou há meio século um sinistro, guardo o dilema que esta efeméride comporta. Só que a vida continua, haja o que houver de amarguras na alma.

E peço perdão por tudo quanto aconteceu naquela destemperada corrida noturna, em 16 de outubro de 1969.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20214: Efemérides (311): Convite para a cerimónia do Dia Municipal do Combatente, a realizar no 11 de Outubro, às 11 horas, na Praça dos Heróis do Ultramar, em Fânzeres - Gondomar (Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2548)

Guiné 61/74 - P20247: Consultório militar do José Martins (48): Das leis do Reino e da República, às leis da Igreja, com influência nas Forças Armadas (4)

 

Quarto poste de uma série de cinco com mais um trabalho do José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), desta vez dedicado aos Capelães Militares, com um enquadramento histórico, como só ele sabe fazer, fruto de muita pesquisa e paciência.

Desde já o nosso obrigado ao Zé Martins por mais esta preciosa colaboração que vem enriquecer o espólio deste Blogue.




(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 16 de Outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20244: Consultório militar do José Martins (47): Das leis do Reino e da República, às leis da Igreja, com influência nas Forças Armadas (3)

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20246: Episódios da minha guerra (Manuel Viegas, ex-fur mil, CCAÇ 1587, Empada, Catió e Ilha do Como, 1966/68) - Parte I: O ataque ao destacamento avançado, "Rancho da Ponderosa", na tabanca de Ualada, subsetor de Empada


Guiné > Região de Quínara > Empada > CCAÇ 1587 (Cachil, Empada, Bolama e Bissau, 1966/68) > Ualada > Destacamento "Rancho da Ponderosa> O soldado Jorge Patrício, à porta do destacamento. A tabanca terá sido abandonada pela população e o destacamento desativado no segundo semestre de 1968 (, facto a confirmar), na sequência da retração e racionalização  do dispositivo no CTIG, no início do "consulado" de Spínola, altura (2º semestre de 1968/ 1º semestre de 1969) em que foram abandonadas outras posições como Ponta do Inglês, Gandembel,  Ganturé, Cacoca, Sangonhá, Beli, Madina do Boé, Cheche... (Em 2009, o José Patrício vivia em Viseu, já aposentado da função pública.)

O destacamento deve ter sido construído pela CCAÇ 1423 (RI 15, Tomar), que  ocupou o aquartelamento de Empada entre janeiro de 1966 e dezembro do mesmo ano, seguindo depois para o Cachil.  [Foi comandada pelo Capitão de Infantaria Artur Pita Alves, Capitão de Infantaria João Augusto dos Santos Dias de Carvalho, Capitão de Cavalaria Eurico António Sacavém da Fonseca, de novo Capitão de Infantaria João Augusto dos Santos Dias de Carvalho, e de novo Capitão de Infantaria Artur Pita Alves. Ostentou como Divisa “Firmes e Constantes”.]


(i)  a CCAÇ 616 (RI 1, Amadora), ocupou o aquartelamento entre abril de 1964 e janeiro de 1966, quando acabou a comissão. [Foi comandada pelo nosso grã-tabanqueiro , de Ferrel, Peniche,   alf mil Joaquim da Silva Jorge,  pelo cap mil inf  Francisco do Vale,  cap inf  José Pedro Mendes Franco do Carmo, de novo pelo alf mil inf Alferes Miliciano  Joaquim da Silva Jorge e cap cav Germano Miquelina Cardoso Simões; ostentou como Divisa “Super Omnia”]M

(ii) segui-se a Companhia de Milícias n.º 6, do recrutamento local, quem ocupou o aquartelamento entre Janeiro de 1965 e Dezembro de 1971, até à extinção da força.

Por informação posterior, do nosso amigo e camarada Joaquim Jorge, ficamos a saber que "quem "fundou e construiu a 'Ponderosa' foi a CCAÇ 616 da qual eu era comandante em 17 de Março de 1965."
Fonte: Cortesia do CM - Correio da Manhã, edição de 4/10/2009. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Bolama > Nova Sintra > 1972 > Entrada do quartel dos Duros de Nova Sintra, a CART 2711, 1970/72... É possível que este pórtico, "!Rancho dos Duros", tenha sido inspirado pelos vizinhos,  mais antigos, do "Rancho da Ponderosa", destacamento de Ualada, subsetor de Empada,  ao tempo da CCAÇ 1587 (1966/68).

Foto (e legenda): © Herlander Simões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagen complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


[Foto à esquerda: Manuel Rosa Viegas, ex-Furriel da Companhia de Caçadores, nº 1587, Empada , Catió e ilha do Como, entre 1966 e 1968; vive em Faro; é o mais recente membro da Tabanca Grande, nº 798 (*)]


Episódios da minha guerra (Manuel Viegas, ex-fur mil, CCAÇ 1587, Empada, Catió e Ilha do Como, 1966/68) - Parte I:  O ataque ao destacamento avançado, "Rancho da Ponderosa", na tabanca de Ualada, subsetor de Empada.


É com profunda nostalgia e tristeza que irei narrar algumas das operações em que colaborei e ataques e flagelações que sofri.

O episódio que irei transcrever em 1º lugar, não é o que mais me marcou psicologicamente, mas sim fisicamente.

Estava colocado em Empada e calhou a primeira vez, juntamente com o meu pelotão , que estava no destacamento avançado,  a cerca de cinco quilómetros de Empada, de nome "Rancho da Ponderosa" (**).

Tinha como finalidade fazer a segurança a uma pequena tabanca [, Ualada, a sudoeste de Empada,]   e ao mesmo tempo servia para resguardar a retaguarda da companhia de Empada.

O Rancho tinha uma circunferência de duzentos metros aproximadamente , e era ladeado de abrigos . Ao aproximar-se o sol posto e após os soldados terem jantado , aproximei-me deles e disse-lhes para iram para os abrigos , mas alguns deles não gostaram muito e um deles ainda disse “ o furriel Viegas é sempre o mesmo” , e três ou quatro por represália foram para a capelinha que lá tínhamos.

Acabei por me dirigir a eles diplomaticamente e fazer-lhes ver que estava na hora do inimigo atacar, a muito custo abandonaram a capelinha , tendo ficado para trás o Manuel dos Santos , que por coincidência era dos que com quem eu me dava melhor . A capelinha ficava junto ao abrigo do morteiro 81, passados alguns minutos dos soldados se retirarem para os abrigos , quase simultaneamente, atacaram-nos de norte para sul com canhões sem recuo , talvez tenha sido a primeira vez que utilizaram os mesmos.

Entretanto eu saltei para o buraco do morteiro , e o Manuel dos Santos rastejou até ás granadas que estavam próximas do morteiro , mas tanto ele como eu não tínhamos experiência de mandar as morteiradas , foi a nossa sorte, a falta de experiência , estas caíram próximas dos nossos abrigos onde eles estavam a alvejar o aquartelamento. Além das granadas que lhes caíram em cima, os dos abrigos responderam com todo o material que tinham.

O ataque não demorou muito, cerca de vinte minutos,  eles foram bastante flagelado, deixando algum material abandonado na sua retirada .

Uma das granadas caiu no aquartelamento , em cima da mesa do refeitório onde tínhamos acabado de jantar, os pratos, os púcaros e os tachos ficaram todos furados.

Eles estavam preparados para dar um golpe de mão, e matar-nos a todos, só que as coisas correram mal para eles, para nosso bem. Só com um senão da nossa parte que fica para toda a vida,  o Manuel dos Santos ficou surdo oito dias e eu fiquei surdo de um ouvido, e tanto ele como eu ficámos com um zumbido para toda a vida.

PS. - Supomos que eles tinham tudo planeado para dizimar o Rancho do Ualada ("Ponderosa") , porque nessa mesma noite eles anunciaram na rádio que tinham feito uma limpeza total e só se safou um cão.

Aproveito para dizer que a minha companhia até ao dia do embarque trouxe três flâmulas de ouro, salvo erro quem trouxe mais do que nós foram os paraquedistas  [, do BCP 12,] com cinco.

Manuel Rosa Viegas,
ex-fur mil, CCAÇ 1587 (1966/68)



Guiné > Região de Quínara > Carta de Empada (1961) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Empada e, a sudeste, Ualala.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)
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Vd. postes de 


(...) Houve uma Companhia que em memória da célebre série da TV, "Bonanza",  fez um pórtico com o nome "Rancho da Ponderosa" e este vingou, ficando a ser conhecida por todo o branco como Ponderosa. 

(...) Em 1969 a Tabanca [, de Ualada, a sudoeste de Empada) ] estava deserta. Tinha sido abandonada e a população recolhida em Empada. Como tinha um bolanha muito produtiva, a população ia todos os dias para lá trabalhar nos campos de arroz e a minha Companhia fazia deslocar 2 Secções para o local, no sentido de proteger a população. Algumas das fotos que te envieiforam tiradas lá (, uma em cima de um bagabaga, pro exemplo). Vou ver se consigo um foto que já vi,  com o pórtico do Rancho da Ponderosa. (...)

9 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10643: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/68) (Parte V): O subsetor de Empada

(...) Ualada era uma tabanca junto à bolanha do mesmo nome, e junto à qual existiu um destacamento defendido por 2 grupos de combate. Tendo o destacamento sido abandonado e destru[ido pelas nossas tropas, a população de Ualada refugiou-se em Empada. (...)

Guiné 61/74 - P20245: Historiografia da presença portuguesa em África (181): “Duas descrições seiscentistas da Guiné”, de Francisco Lemos Coelho, introdução a anotações históricas por Damião Peres, Academia Portuguesa de História, 1953 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Fevereiro de 2017:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo às duas descrições seiscentistas que devemos a um comerciante e traficante, comprovadamente um grande observador, que legou à posteridade relatos vivacíssimos que vão desde o rio Senegal até à Serra Leoa, um território que era conhecido, de modo vago, por Senegâmbia.
A segunda descrição, como se acentuou, muito deve à primeira, mas aparece enriquecida com detalhes da antropologia e etnografia que não podem deixar de impressionar quem estuda a Guiné deste tempo do século XVIII, da transição do domínio Filipino para a Dinastia dos Bragança, ficamos a dever a Francisco de Lemos Coelho um inestimável relato onde cabem a ferocidade, a hospitalidade e a mentalidade do tempo, oscilando entre a fé e os negócios.

Um abraço do
Mário


Francisco de Lemos Coelho, aventureiro seiscentista na Guiné (4)

Beja Santos

Francisco de Lemos Coelho é autor de duas impressivas descrições que avivam e complementam os conhecimentos e relatos de outros viajantes anteriores e contemporâneos.

Em 1953, a Academia Portuguesa de História deu à estampa, com introdução e anotações históricas de Damião Peres, as Duas Descrições Seiscentistas da Guiné. A primeira é datada de 1669 e intitula-se “Descrição da Costa da Guiné desde Cabo Verde até à Serra Leoa com todas ilhas e rios que os brancos navegam”; e em 1684 há outro manuscrito intitulado “Descrição da costa da Guiné, e situação de todos os portos, e rios dela, e roteiro para se poderem navegar todos os seus rios", feita pelo capitão Francisco de Lemos, em São Tiago. Damião Peres encontra nestes textos afinidades clamorosas e para ele não subsistem dúvidas que o capitão Francisco de Lemos e Francisco de Lemos Coelho são a mesmíssima pessoa.

Caminha-se agora para Bissau, Bijagós, Sul da Guiné, e depois em direção ao rio Nuno. Este aventureiro reserva-nos páginas interessantíssimas. Tudo começa com a aproximação de Bissau: “Passando este rio (de Bujamata), indo pelo rio acima, se dá em dois rios, um pequeno, que divide a ilha de Bissau que é terra dos Balantas, que vai sair ao mar fora, e outro mais largo que vai pela terra dentro dos Balantas, que tudo aqui, de uma e outra banda, é desta nação”.
Observador do pitoresco, vejamos o que escreve quando chega ao reino de Antula: “Têm um fruto que semeiam, que dá debaixo da terra como nabos, que chama inhames, dos quais têm muitos, e são melhores os daqui que de tudo o Guiné. Comem-se assados e são mais saborosos que cozidos. Acrescento ao texto que gostava tanto deles com leite das vacas de Bissau que parecia fruta homogénea com o leite”.
Estamos pois na ilha de Bissau, dá-nos outro pormenor de localização: “Deste porto (de Bissau) indo por ele abaixo menos de duas léguas, se dá no mar largo, se bem também fica como rio, pois da outra banda da ilha de Bissau fica a terra do rio Grande, povoada de Beafares”.
A descrição que faz de Bissau é muito semelhante à que escrevera no seu relato de 1969, e é muito positivo: “Esta ilha de Bissau é a mais formosa e alegre de todas quantas há em toda a costa da Guiné”.

E reserva-nos aqui um texto primoroso:
“Em toda esta ilha, quando morrem os reis e fidalgos grandes lhe matam escravos que, dizem, os vão lá servir na outra vida; e em meu tempo, morando eu ali, morreu o Rei Grande, muito amigo dos brancos, em cuja morte me certificaram se mataram 104 pessoas entre machos e fêmeas, cuja matança dura um ano, que no cabo dele se fecha à boca da cova; e estes todos que matam é gente formosíssima e mancebos, os quais são tão bárbaros que vão ao suplício muito alegres, cantando e bailando, se bem os embebedam; e a morte que lhes dão é que nós damos aos porcos em Portugal. Mas tirando esta barbaridade, em tudo o mais são negros de muita razão, e se eu tivera voto nesta matéria, se a povoação de Cacheu se houvesse de mudar, como já por vezes se intentou, só por aqui fora acertado, porque a terra é muito sadia e muito lavada dos ventos, e nunca aqui se viu ar corrupto, nem doenças contagiosas nem herpes, por cancerosas que sejam as chagas, muito abastecida de mantimentos e carnes, e das melhores e mais baratas que há em todo o Guiné, muito bom peixe e muito”.

Procede depois à descrição do porto de Bissau até ao porto da povoação de Geba e respetivo rio, é muito semelhante à de 1669. Segue a descrição do porto de Bissau para as ilhas dos Bijagós e porto delas, seus povoadores e religião que têm. Fala deles assim: “Os homens são muito valentes e atrevidos. As suas guerras são de assaltos. As armas que usam são adarga (escudo) e azagaia, a qual é grandíssima, e todo o seu exercício é a guerra e, na paz, nas suas terras, pescam e tiram vinho, que comem logo ao longo do mar e bebem ao pé das palmeiras, sem levarem nada para casa”.
E sobre as ilhas que visita: “Muitas coisas podia dizer destas ilhas como quem faz a elas mais de 25 viagens, não ficando nenhuma a que não fosse a seus portos e passasse suas terras; e em muitas aos mais dos seus portos, descobrindo caminhos por entre elas, que nenhum branco andou nem nunca foram descobertos, sucedendo-me sempre muito bem nelas e vindo as mais das viagens muito bem despachado, tirando delas, no decurso destas viagens, o melhor de mil negros”.

Procede à descrição da viagem do porto de Bissau para o rio Grande, vê-se que ficou encantando com Bolama e mais ainda com o porto de Guinala. É na descrição da região de Guinala que nos oferece outro magnífico texto:
“Neste porto sucedeu aquele admirável caso que se não viu outro em Guiné, e foi que indo um fidalgo desta ilha de Santiago de Cabo Verde, por nome João Vaz de Siqueira, por capitão de um navio a este porto, matou aleivosamente sobre matéria de negócio a um irmão de Diogo Henriques, já morto, ao qual chamavam João Henriques de Sousa, o que vendo os negros do morto, deram em todos os brancos do dito navio, e sem ninguém os poder defender mataram 17, e ao mesmo João Vaz de Siqueira que se ia já livrando metido em uma caixa; à borda da água quebraram os negros a caixa, suspeitando que ia nela, e achando-o foi tanta a sua ferocidade que a sepultura que lhe deram foi as suas barrigas deles, coisa que nunca se viu em Guiné, negros ladinos comerem carne humana: mas aqui obrou o ódio e vingança, a fonte de toda a ferocidade”.

Mais observa sobre a importância de Guinala que antes de Cacheu foi a primeira feitoria, e que devido à morte destes irmãos, Diogo Henriques e João Henriques de Sousa, desfez-se a feitoria. E a descrição vai prosseguir na viagem do rio Grande para o rio de Nuno e Serra Leoa.
Para nós, aqui finda a viagem admirável que nos proporcionou Francisco de Lemos Coelho.
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Nota do editor

Vd. postes de:

25 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20174: Historiografia da presença portuguesa em África (177): “Duas descrições seiscentistas da Guiné”, de Francisco Lemos Coelho, introdução a anotações históricas por Damião Peres, Academia Portuguesa de História, 1953 (1) (Mário Beja Santos)

2 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20197: Historiografia da presença portuguesa em África (178): “Duas descrições seiscentistas da Guiné”, de Francisco Lemos Coelho, introdução a anotações históricas por Damião Peres, Academia Portuguesa de História, 1953 (2) (Mário Beja Santos)
e
9 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20220: Historiografia da presença portuguesa em África (179): “Duas descrições seiscentistas da Guiné”, de Francisco Lemos Coelho, introdução a anotações históricas por Damião Peres, Academia Portuguesa de História, 1953 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20244: Consultório militar do José Martins (47): Das leis do Reino e da República, às leis da Igreja, com influência nas Forças Armadas (3)

 

Terceiro poste de uma série de cinco com mais um trabalho do José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), desta vez dedicado aos Capelães Militares, com um enquadramento histórico, como só ele sabe fazer, fruto de muita pesquisa e paciência.

Desde já o nosso obrigado ao Zé Martins por mais esta preciosa colaboração que vem enriquecer o espólio deste Blogue.




(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20242: Consultório militar do José Martins (46): Das leis do Reino e da República, às leis da Igreja, com influência nas Forças Armadas (2)

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20243: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (112): Notícias do Fernando Jorge Gonçalves, o "Spinolazinho", mascote da CCAÇ 3373 (Empada, maio de 1971/ maio de 1972), filho da professora da escola primária local, e amigo do alf mil Quintas, infelizmente já falecido


Foto nº 1A > Guiné > Região de Quínara > Empada > c. 1971/3 > O "Spinolazinho", a mascote da CCAÇ 3373 (que esteve aqui entre maio de 1971 e maio de 1972).


Fotoi nº 1> Guiné > Região de Quínara > Empada > c. 1971/72  > O "Spinolazinho", a mascote da CCAÇ 3373 (que esteve aqui entre maio de 1971 e maio de 1972).


Foto nº 2A > Guiné > Região de Quínara > Empada > c. 1971/1972 > CCAÇ 3373 > O "Spinolazinho", a mascote da companhia, no jipe do alferes Quintas, mais a mãe, professora da escola primária e que na foto transporta um bebé ao colo


Foto nº 2 > Guiné > Região de Quínara > Empada > c. 1971/1972 > CCAÇ 3373 > O "Spinolazinho", a mascote da companhia, no jipe do alferes Quintas, mais a mãe, professora da escola primária. Ao fundo, aspeto parcial de Empada, "pequena mas bonita vila"


Foto nº 3A > Guiné > Região de Quínara > Empada > c. 1971/1972 > CCAÇ 3373 > O alferes Quintas, um berço com um bebé,  e a mãe do "Spinolazinho", a professora da escola primária local


Foto nº 3 >  Guiné > Região de Quínara > Empada > c. 1971/1972 > CCAÇ 3373 > O alferes Quintas, mais a mãe do "Spinolazinho", e  professora da escola primária.

Fotos (e legendas): ©    Fernando Jorge Gonçalves (2019). [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Recebemos a seguinte mensagem do nosso leitor Artur Araújo, em nome de Fernando Jorge Gonçalves_

Data: segunda, 30/09/2019 à(s) 21:01

Assunto: Procura-se o Alferes Quintas da Companhia de Caçadores 3373 que esteve em Empada (ex-Guiné Portuguesa) entre 1971/1973.


Procura-se um grande amigo da família,  em Empada (Antiga Guiné Portuguesa) no ano 1971/73, o alferes Quintas, que fazia parte da Companhia de Caçadores 3373"...

Por favor contactar pelo e -mail [...] pelo telemóvel [, com indicativo de Portugal]

Sr. Luís Graça, caso saiba do paradeiro do Sr. Alferes Quintas que pertencia à Companhia de Caçadores 3373 que estava em Empada(Guiné-Bissau) entre 1971/73, espero que ainda esteja de vida. agradeço que entre em contacto com ele e informe-lhe que gostaríamos muito de ter notícias dele.

Aguardo a sua resposta.

Melhores cumprimentos.

Artur Ataújo , colega do Sr. Fernando Jorge Gonçalves que quer saber do paradeiro do Alferes Quintas.

Envio fotos em anexo.


O Fernando Jorge Gonçalves, em 2013.
Foto de cronologia do Facebook
2. Mensagem do Fernando Jorge Gonçalves, a partir de Bissau, com data de 3/10/2019:

Prezado Senhor Carlos,

Antes de mais espero que esteja a gozar de uma óptima saúde ao lado dos teus familiares e amigos.

Eu sou um rapaz que pretende encontrar um senhor de quem tenho memórias e algumas fotos, de quando esteve na Guiné Portuguesa. Era o então Alferes Quintas, da Companhia de Caçadores 3373, no Aquartelamento militar de Empada, sul da Guiné.

Eu na altura tinha 3 anitos, sendo filho duma professora de quem esse senhor foi muito amigo e até namorava uma colega da minha mãe de nome, Fátima...Até fui mascote dessa companhia e tenho algumas fotos que poderão provar este facto e, quiçá muito útil para os vossos arquivos históricos. Até me chamavam de "Spinola".

Se por acaso esse Alferes Quintas estiver vivo, o que rezo que sim, ainda irá recordar perfeitamente. Por isso, por via de algumas pesquisas,por parte do senhor Carlos, gostaria de poder ter alguma notícia deste homem que, decorridos quase 50 anos,  nunca mais soubemos dele.

Eu, ao arrumar um velho baú da família,  descobri algumas fotos que me fizeram voltar a esse tempo e ter alguma curiosidade em conseguir ao menos saber deste homem que muito gostava de mim.

Espero não ser muito chato em lhe pedir este favor,  o que, na verdade estou lhe a roubar o seu precioso tempo. Agora sou um homem e com a minha família e gostava mesmo de saber desse senhor Quintas...Os meus contactos são: [dois números de telemóvel,  com indicativo da Guiné-Bissau...]

Sem mais assunto de momento queira aceitar os meus mais respeitosos cumprimentos e, na esperança de boas notícias....

Atentamente Fernando Jorge Gonçalves



Guiné > Região de Quínara > Empada > c. 1971/1972 > CCAÇ 3373 >  O "Cadaval", à esquerda, mais o João Arenga, algarvio de Faro, à direita.

Foto (e legenda): ©    João Arenga  (2019). [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


3. Resposta do nosso coeditor Carlos Vinhal, com data de 3/10/2019:

Caro Fernando Jorge.

As notícias não são as melhores.

Encontrei um antigo condutor auto da CCAÇ 3373, o João Arenga, que me informou que o ex-Alferes Quintas faleceu, vítima de acidente ferroviário, terá sido atropelado por um comboio.
Esse mesmo camarada deu-me o contacto do ex-furriel Ribeiro [, telemóvel nº ..] que vive em Vila Real e que saberá mais pormenores.

Lamento desapontá-lo.
Fico ao dispor,
Abraço,
Carlos Vinhal


4. Resposta do nosso leitor Fernando Jorge Gonçalves

Prezado Carlos Vinhal

É com muita tristeza e consternação que fiquei a saber de que afinal, por ironia do destino, o "Alferes Quintas" tenha tido aquele fatídico acidente e que lhe ceifou a vida...Ontem, por via do seu apoio, recebi a chamada do Sr Arenga, que me deu esta notícia mas, enfim,  é o percurso da vida.

Pese embora, teria muito gosto de o ter encontrado para ver o quão contente estaria em ver o seu " Spinolazinho", que foi mascote dessa companhia. Mas, mesmo assim gostaria de um dia ter um convite da vossa confraternização, podendo-me dirigir a essa plateia e, que com certeza muitos vão recordar de mim como, foi o caso do Sr Arenga,  que logo se lembrou de mim e até da minha mãe que, na altura, era professora [da escola primária].

Aproveito desde já lhe agradecer por me ter dado um momento de felicidade, que me fez voltar no tempo.

Já agora algumas fotos desse tempo.

Esse miudo era eu, de fardas feitas com o resto de tecido (foto nº 1). o alferes Quintas e a minha mãe [. foto nº 3] , e também o Jeep que ele usava [, foto nº 2], e que  era o meu carro preferido para dar voltas naquela pequena e bonita vila de Empada onde passei a minha infância e, tanto assim eu era o miúdo disputado por todos pra quem tinha que ficar comigo pra ser levado a comer no messe dos oficiais.

Os meus cumprimentos
Fernando Jorge Gonçalves ("Spínola")


5. Comentário do nosso editor LG:

Respondendo a uma dúvida do nosso coeditor, Carlos Vinhal, sobre "proteção de dados", não vejo qualquer inconveniente em publicar este material, o alferes Quintas não vem identificado pelo  seu nome completo, nem é referido o seu concelho de naturalidade,  nem sequer o seu último local de residência.

De resto, estes factos são "públicos"... Tudo o que se passou durante a guerra colonial é público, ou deve sê-lo. Neste caso, são também as memórias de uma família. O nosso leitor Fernando Jorge Gonçalves vive na Guiné-Bissau (de acordo com o nº do telemóvel), tem página no Facebook,  tem memória de infância que quer partilhar com a malta que esteve em Empada, em 1971/72... O alferes Quintas, esse, infelizmente já não já está entre nós. É uma história bonita, mesmo sabendo agora que o nosso camarada já morreu...

O Fernando Jorge Gonçalves fica desde já convidado para integrar a nossa Tabanca Grande, tendo ele manifestado  interesse em manter o contacto connosco... Gostaríamos de saber se a mãe ainda é viva, Percebe-se, pelas fotos, que a senhora tinha outro filho-bebé em 1971/72, à  data das fotos.

Presume-se que a professora, mãe do Spinolazinho, fosse cabo-verdiana. Em Bambadinca, também tínhamos uma senhora cabo-verdiana, professora... Os/as  professores/as da metrópole não se ofereciam para vir para a Guiné... As condições de trabalho eram duras, o clima não ajudava nada e muito menos a guerra...

Esta história tem muito interesse documental: também em Bambadinca, no meu temnpo (1969/71) tínhamos um puto desta idade, que era a nossa "mascote"... Andava fardado. comia connosco, era o "Tchombé", era nosso protegido... Não temos aqui falado muito destes "djubis" que eram  mascotes nalguns aquartelamentos do mato...

As nossas saudações para o João Arenga (, nosso camarada da CCAÇ 3373, a quem também convidamos para integrar a Tabanca Grande), para o Fernando Jorge Gonçalves e para o o seu amigo Artur Araújo.


PS  - A CCAÇ 3373 não tem nenhum representante na Tabanca Grande. Tinha até agora 2 referências no nosso blogue. Sabemos que: (i) foi mobilizada pelo RI 1 (Amadora); (ii) partiu para o TO da Guiné em 31/3/1971 e regressou à metrópole em 25/3/1973, com 24 meses de comissão de serviço;  (iii) esteve em Empada (entre maio de 1971 e maio de 1972) e em Brá; (iv) ostentou como Divisa “Os Catedráticos” e “Por Uma Guiné Melhor; e (v) foi comandada pelo Capitão Miliciano de Artilharia Adérito Assis Cadório.


6. Mensagem que seguiu hoje para o Fernando, em Bissau:

Fernando: Aqui estás um poste com algumas memórias do "Spinolazinho"... Infelizmente, o ex-alferes Quintas já não está cá, entre nós, para poder usufruir este momento, conforme notícia (triste) que já recebeu do Carlos Vinhal e do João Arenga.

Aceite o nosso convite para integrar a Tabanca Grande, temos o lugar nº 799 par o Fernando se sentar, à sombra do nosso poilão, com uma vasta comunidade (quase dois batalhões...) de amigos e camaradas da Guiné. Onde quer que ele esteja, o Quintas vai ficar orgulhoso de ver o seu "Spinolazinho", semntad ao lado dos seus camaradas da Guiné (1961/74).

Mantenhas, Luís Graça

PS- Dou conhecimento desta mensagem ao seu amigo Artur Araújo e a alguns camaradas nossos, que passaram por Empada, em diferentes épocas, ou que conheceram Empada... Enfim, dos que me vêm à memória. Pode ser que eles tenham algo a acrescentar...

Guiné 61/74 - P20242: Consultório militar do José Martins (46): Das leis do Reino e da República, às leis da Igreja, com influência nas Forças Armadas (2)

 

Segundo poste de uma série de cinco com mais um trabalho do José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), desta vez dedicado aos Capelães Militares, com um enquadramento histórico, como só ele sabe fazer, fruto de muita pesquisa e paciência.

Desde já o nosso obrigado ao Zé Martins por mais esta preciosa colaboração que vem enriquecer o espólio deste Blogue.




(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 14 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20239: Consultório militar do José Martins (45): Das leis do Reino e da República, às leis da Igreja, com influência nas Forças Armadas (1)