segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21869: Notas de leitura (1339): “Henrique Galvão, Um Herói Português”, por Francisco Teixeira da Mota; Oficina do Livro, 2011 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
 
O nome de Henrique Galvão faz parte do rol dos malditos da oposição a Salazar, o seu nome, quando invocado, é automaticamente associado ao desvio do paquete de Santa Maria. Homem do 28 de maio, de 1926, deixou um legado impressionante: na literatura, na obra teatral, na narrativa de viagens, na etnografia; foi executante exímio de eventos ligados ao Império, nomeadamente em 1934 e 1940; o regime confiou-lhe a criação e a direção da Emissora Nacional, o seu amor a África era obsessivo, criou uma mística imperial que não se coadunava com o que ele irá ver enquanto inspetor superior de Administração Colonial. Encontrará uma oposição cerrada aos seus relatos crus em que desvela casos de escravatura e corrupção, em Angola. 

Nesse preciso instante, em 1947, ele que tantas juras de fidelidade dirige a Salazar, prepara a rutura.
Poucas figuras, fora da oposição comunista, darão tantas dores de cabeça a Salazar e ao seu regime. Mas o que será sempre incontestável e por todos reconhecido é o seu amor a África.

Um abraço do
Mário



Henrique Galvão, o feitiço do Império, a insubmissão a Salazar (1)

Beja Santos

Oficial do 28 de maio, mas antes sidonista, ginasta, publicista e epistológrafo compulsivo, exilado em África, depois do “Golpe dos Fifis”, aqui nasce uma paixão que o acompanha até ao túmulo, 

África será uma das tónicas dominantes da sua existência, Governador de Huíla, autor teatral, embaixador de feiras comerciais, figura pública após a coordenação da Exposição Colonial do Porto de 1934, deputado da União Nacional, Diretor da Emissora Nacional, Inspetor Colonial, galvanizador na Exposição dos Centenários, figura incómoda da Assembleia Nacional, caçador exímio… e a partir de 1947 uma das figuras mais incómodas do regime quando Galvão apresenta na Assembleia Nacional o “Relatório sobre o Trabalho dos Indígenas nas Colónias”, estava inoculado o vírus dos ódios que o elevado número de inimigos, dentro do próprio regime, de governantes à administração colonial. Inicia-se um processo que de afeiçoado indefetível de Salazar o leva ao completo repúdio, às prisões, ao assalto ao paquete de luxo Santa Maria, ao exílio e à solidão. 

Em “Henrique Galvão, Um Herói Português”, por Francisco Teixeira da Mota (foto à direita, acima), Oficina do Livro, 2011, temos os dados biográficos relevantes desta figura polémica de um enamorado de África que foi a primeira figura da oposição portuguesa a ser ouvida por uma Comissão das Nações Unidas, em Estados Gerais de Descolonização.

Henrique Galvão (1895-1970) levou uma vida gloriosa e trágica, publicista irreverente desde a juventude, adere entusiasticamente ao 28 de maio de 1926, é plumitivo feroz contra os republicanos, adere a um golpe do período da ditadura militar, é exilado em África, nomeado Governador do Distrito do Huíla, onde começa a ganhar notoriedade e o afeto das populações, quando é recambiado para Lisboa, a sua saída deu origem a numerosas manifestações de pesar. 

Escreve um livro polémico, “Em Terra de Pretos: Crónicas de Angola”, foi rejeitado no 4.º Concurso de Literatura Colonial, Armando Cortesão, Agente Geral das Colónias, pronunciou-se de forma arrasadora sobre a obra. 

Em 1931, acompanha o Ministro das Colónias, Armindo Monteiro, à Exposição Colonial de Paris, certamente que aqui tirou ideias para o que irá concretizar na Exposição do Porto, em 1934. Escreve o relato dos feitos do General João de Almeida na ocupação do Sul de Angola. Sempre ativo, o então Tenente Henrique Galvão ausenta-se para as colónias portuguesas na qualidade de Diretor de Feiras de Amostras Coloniais.

E chega o seu primeiro momento de glória, a Exposição Colonial do Porto. Com um orçamento extremamente reduzido, Galvão vai ser o mentor de um evento único que se espalhará pelos jardins e pelo Palácio de Cristal, com aldeias de indígenas das colónias e os seus habitantes expressamente trazidos para o Porto. 

Da Guiné virão 63 indígenas, predominam Fulas, Balantas e Bijagós, para os quais se irá construir uma aldeia lacustre. Artistas como Eduardo Malta e o fotógrafo Domingues Alvão deixam obra feita. Realiza-se o I Congresso Militar Colonial, entre outros eventos. Elege-se a Rainha das Colónias, Galvão preside ao júri composto por Amélia Rei Colaço, Aurora Jardim Aranha, Eduardo Malta e Mimoso Moreira.
 
Um jornal relata o acontecimento:

“A um sinal dado por mão forte, as concorrentes erguem-se, desnudando os bustos. Sobre o peito, em cores garridas, uma banda de cetim indicando a colónia a que pertenciam. A Guiné iluminava o maior número. Foi vencedora Maria, ‘a virgem quipungo’ que conseguiu 7 minutos de aplausos enquanto dava sucessivas voltas ao estrado”. 

O povo do Porto e do país inteiro adotara a Rosinha, uma jovem Balanta da Guiné, eleita como Dama de Honor e que provocava verdadeiras romarias à tabanca da Guiné. Relatava o Jornal de Notícias:

“Rosinha, a negra que entontece os brancos, tem sido muito visitada na sua aldeia e há, até, quem lhe leve pequenos presentes. Para todos os que a visitam revela uma pequena surpresa, um sorriso. Há quem se contente só com isso, mas outros, como um da sua cor, quis mais – e beijou-a. Hoje deve estar arrependido deste gesto – custou-lhe 800$00, e essa quantia por beijar uma negra é um pouco forte”.

Um triunfo não vem só, é eleito deputado, depois Duarte Pacheco, Ministro das Obras Públicas e de Comunicações convida-o para organizar e dirigir a Emissora Nacional, nesta época a sua correspondência com Salazar entrara na rotina. 

As suas relações com o sucessor de Armindo Monteiro nas Colónias, Francisco José Vieira Machado, serão desde logo conflituosas. Escritor incansável, não para de escrever. Abandonando a Emissora Nacional, vemo-lo em 1937 a fazer uma inspeção aos Serviços Administrativos de Angola. O que manda a Salazar é muito incómodo: 

"Tão facilmente se encontra o heroísmo que comove como a miséria que confrange como a patifaria que revolta”.

 Farta-se de caçar, e volta a Lisboa onde elabora quatro relatórios. No início de 1938 entrega, na sua qualidade de Inspector Superior de Administração Colonial, no gabinete do Ministro das Colónias, o seu relatório sobre a “Mão-de-obra de Angola para S. Tomé”. É explosivo à solta, leem-se coisas como esta: 

“Durante a minha permanência na Colónia, tive conhecimento de que pelo Governo da Província de Benguela se pensava enviar para S. Tomé um contingente de indígenas do Bailundo, com o pretexto de castigar uma presumida insubmissão dos mesmos. Não houve insubmissão de espécie alguma. Mas, ainda que a houvesse, o Código de Trabalho Indígena e o Estatuto dos Indígenas não admitem tais processos de punição, muito semelhantes a processos condenáveis de escravatura”

E refere o autor: 

“Apoiado em números, muitos deles obtidos com enorme dificuldade dos serviços da Curadoria dos Indígenas, Henrique Galvão descrevia a enorme tragédia que se abatera sobre os indígenas de Angola recrutados para S. Tomé desde o início do século XIX. Os contratos eram por dois ou três anos e, no entanto, em 1934, ainda havia um elevado número de serviçais que tinham sido levados para S. Tomé, entre 1909 e 1922, e que aí permaneciam. A política de repatriamento era uma tragédia”.

Comentando o documento, o autor observa que para Galvão, a situação que se deparara era a negação do Império que queria construir. O Estado-Novo em África não existia e a realidade com que se confrontava eram os comportamentos mais aberrantes e a maior miséria.

Embora já muito incómodo para uma facção do regime, Salazar confia nele sem nenhuma hesitação, nomeia-o Diretor da Secção Colonial da Comissão dos Centenários, a Galvão caberá um conjunto de tarefas como a dos festejos, a Secção Colonial da Exposição do Mundo Português, as Festas de Guimarães, o Cortejo do Mundo Português. 

É um incontestável artífice do efémero. Começara, em finais de 1940, o afastamento de Galvão do regime, vira o suficiente para estar profundamente desiludido. A mudança decisiva irá ocorrer na Assembleia Nacional com o polémico “Relatório sobre o Trabalho dos Indígenas nas Colónias”.
Nada ficará como dantes.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21834: Notas de leitura (1338): "Voando sobre um ninho de STRELAS", por António Martins de Matos; Edições Ex Libris, 2020 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21868: Memórias cruzadas da Região de Tombali: Factos relativos a três baixas da CCAÇ 1427 na mata de Catesse, em 20/3/1966: o caso do corpo não recuperado do Albino Martins (Jorge Araújo)





Foto 1 > Região de Tombali > Cabedú - CCAÇ 1427 (1965-1967) – Vista aérea do Aquartelamento e pista de aviação. Foto do álbum de Manuel Janes "O Violas" - P17336, com a devida vénia.




Foto 2 > Guiné >  Região de Tombali > Cabedú - CCAÇ 1427 (1965-1967) – Vista aérea do Aquartelamento. Foto do álbum de Manuel Janes "O Violas", com a devida vénia.




Foto 3 > Guiné > Região de Tombali > Cabedú >  O contingente da CCAÇ 1427 (1965-1967) - Foto do álbum de Manuel Janes "O Violas", com a devida vénia.














O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo; tem cerca de 270 referências no nosso blogue.



MEMÓRIAS CRUZADAS DA REGIÃO DE TOMBALI:

I - FACTOS RELATIVOS ÀS TRÊS BAIXAS DA CCAÇ 1427,
NA MATA DE CATESSE, EM 20 DE MARÇO DE 1966:

O CASO DO CORPO NÃO RECUPERADO DE ALBINO MARTINS 



1. – INTRODUÇÃO


Sei que já transcorreu muito tempo sobre os milhares de ocorrências que, independentemente da época, do lugar e do contexto, influenciaram as crenças, as expectativas, os comportamentos e os desempenhos de todos os actores, de ambos os lados, daquela a que chamaram «Guerra do Ultramar» ou «Guerra Colonial», de que a do «CTIGuiné» não é excepção. Sei que sobre todas elas nada podemos fazer para as alterar, pois são factos da História, de um passado cada vez mais longínquo.


Sei que alguns dos registos que constam nas narrativas históricas, quer de fonte Oficial ou de outras, deverão continuar a merecer a nossa atenção no sentido de as melhorar ou, se for caso disso, de lhes adicionarmos o que está menos explícito ou, simplesmente, omisso. 


Sei que a investigação historiográfica é, intrinsecamente, um processo em aberto, e em movimento, à qual é sempre possível juntar-lhe mais uma "peça do puzzle", uma linha ou um detalhe.


Dito isto, este meu presente contributo emerge do quadro teórico supra, onde o objecto de investigação (em título) nasceu do interesse pessoal em encontrar respostas (razões) ao facto de, durante os «Doze anos da Guerra», a literatura nos dar a conhecer casos de "camaradas mortos em campanha", onde os seus "corpos não foram recuperados" (ou "resgatados"), omitindo os fundamentos para que tal acontecesse, ou seja: o porquê (ou porquês)?


O exemplo do camarada Albino Teixeira Martins, da CCAÇ 1427, que hoje decidi partilhar convosco no fórum, será o primeiro "caso" de um conjunto de outros já identificados, na certeza de que aquilo que não foi possível saber/encontrar poderá muito bem ser de maior relevância.


2. – SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 1427

         = BISSAU E CABEDÚ (1965-1967)


Mobilizada pelo Regimento de Infantaria 16 [RI16], de Évora, a Companhia de Caçadores 1427 [CCAÇ 1427], embarcou no Cais da Rocha do Conde de Óbidos, em Lisboa, a 16 de Agosto de 1965, 2.ª feira, a bordo do N/M «Niassa», sob o comando do Capitão de Infantaria Fernando António Pereira dos Santos, tendo chegado a Bissau a 24 do mesmo mês.

 

2.1 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 1427


Após a sua chegada à capital da província da Guiné, a Companhia Independente «CCAÇ 1427» ficou instalada na dependência do BCAÇ 1857 [06Ago65-03Mai67; do TCor Inf José Manuel Ferreira de Lemos] a fim de colaborar na segurança e protecção das instalações e das populações e efectuar, simultaneamente, a instrução de aperfeiçoamento operacional (IAO).

 De 25Set65 a 11Out65, rendeu por troca a CCAÇ 555 [03Nov63-28Out65; do Cap Inf António José Brites Leitão Rito], assumindo então a responsabilidade do Subsector de Cabedú, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 619 [15Jan64-09Fev66; do TCor Inf Narsélio Fernandes Matias] e depois do BCAÇ 1858 [24Ago65-03Mai67, do TCor Inf Manuel Ferreira Nobre Silva], tendo tomado parte em diversas operações realizadas naquela área. 

Em 31Mar67, foi rendida no Subsector de Cabedú pela CART 1614 [18Nov66-18Ago68; do Cap Mil Art Luís João Ferreira Marques Jorge] e recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso ao continente, o qual teve lugar a 16Abr67, a bordo do N/M «Uge». 

Não tem História da Unidade (CECA; 7.º Vol; p. 347).


3. – AS TRÊS BAIXAS DA CCAÇ 1427, EM 20 DE MARÇO DE 1966, NA MATA DE CATESSE, REGIÃO DE TOMBALI


Ao sétimo mês da sua Comissão Ultramarina, a CCAÇ 1427 perde em combate, na mesma missão, três dos seus efectivos, ocorrência registada em 20Mar66, domingo.

Porque nada consta no 6.º Volume da CECA (Aspectos da Actividade Operacional), nem tampouco na História da Unidade, que não existe, partimos do óbito do Soldado Albino Teixeira Martins, natural de Cachopo, Tavira, localizado no 8.º Volume (mortos em campanha, p. 182), e que abaixo se reproduz, cujo "corpo não foi recuperado", para procedermos à competente investigação sobre esta ocorrência.








3.1 – FACTOS APURADOS

3.1.1 - DE TONY GRILO, APONTADOR DE OBÚS 8,8 EM CABEDÚ, CACINE E CAMECONDE (1966/1968)


Segundo Tony Grilo, em comentário enviado do Canadá em Abril de 2009 – P4220, é referido que ele, quando chegou a Cabedú, no início de Julho de 1966, "estava lá a CCAÇ 1427, uma companhia velha [ia fazer onze meses], com bastante experiência, e com algumas operações no Cantanhez, onde numa delas tiveram 2 mortos [?] e vários feridos, um deles com uma bazucada na cabeça. Por sinal tiveram que deixar o corpo na mata e fugir, pois os turras caíram-lhes em cima". 


Será que era desta ocorrência que se estava a referir, uma vez que ainda lá não tinha chegado?


Será que, porventura, quis associar as duas baixas acima ao facto de ter encontrado  igual número de sepulturas no cemitério de Catió que, segundo ele, se reportam a dois militares da CCAÇ 1427, conforme se demonstra na imagem abaixo?

 


Região de Tombali > Catió > Cemitério de Catió > Duas sepulturas de militares pertencentes à CCAÇ 1427 (1965/67), segundo informação e foto do Tony Grilo – P4220, com a devida vénia.


3.1.2 - NO TOMO II - GUINÉ - LIVRO I - DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO


Na Resenha da CECA, 8.º Volume, "mortos em campanha", pp 182/183, constam três mortos (óbitos) em combate da Companhia de Caçadores 1427, todos eles registados com data de 20 de Março de 1966, como consequência de uma operação realizada na "floresta de Catesse", conforme infografia abaixo, e que são:


  • Albino Teixeira Martins (Soldado) – natural de Cachopo / Tavira:  Corpo não recuperado
  • Adolfo do Nascimento Piçarra (Soldado) – natural de Ferradosa / Alfândega da Fé: Corpo sepultado no cemitério de Catió;
  • António Joaquim Carvalho (Soldado) – natural de Viana do Alentejo: Corpo sepultado no cemitério de Viana do Alentejo

 


Imagem de satélite da região de Tombali, com infografia da localização do Aquartelamento da CCAÇ 1427 (Cabedú) e da mata de Catesse, onde terá falecido o Albino Teixeira Martins, cujo corpo não foi recuperado.

 

3.1.3 - D(O) OUTRO LADO DO COMBATE > COMUNICADO ASSINADO PELO CMDT INÁCIO SOARES DA GAMA COM DATA DE 20-3-1966


Com a expectativa de podermos encerrar esta investigação de modo satisfatório, procedemos à consulta nos Arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973), existentes na CasaComum, Fundação Mário Soares, de algo relacionado com a questão de partida.


Depois de algumas leituras documentais, aí encontrámos um comunicado manuscrito, assinado por Inácio Soares da Gama, datado de 20 de Março de 1966, domingo, e que, tudo leva a crer, deverá estar relacionado com o episódio supra.


No documento, manuscrito num português macarrónico, ainda assim foi possível retirar as seguintes ideias:


Comunicado


Tombali, 20-3-966


No dia 13-3-66 [lapso de memória] os grupos do local Cabaceira [base de Cabaceira; Tombali] dirigido pelo camarada Sússa [?] atacaram uma companhia de soldados inimigos [CCAÇ 1427/?] das 11 horas da manhã até às 3 da tarde, donde conseguiram fazer o inimigo regressar sem tocar [entrar] no entroncamento [acampamento ou base].


  


Durante o ataque utilizaram as Bazookas que contribuíram para a fuga do inimigo, deixando ficar 7 cadáveres [?]. 6 Foram queimados [?] pelas balas incendiárias que queimaram os corpos [?]. O seu enfermeiro [?] foi apanhado à mão [ferido/?]. Tirámos-lhe o relógio, que é o que se encontra no envelope. Poucas horas depois o "enfermeiro" não resistiu, e faleceu. Peço-lhe que o manda arranjar porque ficou danificado.


Peço-lhe desculpa porque estou muito preocupado por não poder escrever bem a carta.


Do teu Inácio S. [Soares] da Gama [Comissário Político].   


 


Citação:
(1966), "Comunicado - Tombali", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40687 

 

4. – CONSIDERAÇÕES FINAIS


Para finalizar a presente narrativa podemos concluir:


1. - Confirma-se que a CCAÇ 1427 realizou uma actividade operacional, com contacto, na zona da Mata de Catesse, região de Tombali, no dia 20 de Março de 1966, domingo, durante a qual registaram três baixas, uma delas o "corpo não foi recuperado".


2. - Desconhece-se o número de efectivos que estiveram envolvidos nesta missão.


3. - A ser verdade que o "corpo não recuperado" é o mesmo que é citado no comunicado assinado por Inácio Soares da Gama, então estamos perante o "caso" do Albino Teixeira Martins, identificado como sendo "enfermeiro", uma vez que no texto não consta a captura de qualquer arma, sendo o relógio o único objecto apreendido.


4. - Aceitando-se, como verdadeiras, as informações obtidas por Tony Grilo e narradas no ponto 3.1.1, então o Albino Teixeira Martins estaria a ser assistido, por se encontrar ferido, onde junto dele, provavelmente, existiria uma sacola de primeiros socorros, daí o terem classificado de "enfermeiro". É que, face às dificuldades sentidas no decurso dos combates, "tiveram que deixar o corpo na mata e fugir"…


5. - Quanto às duas sepulturas existentes no cemitério de Catió, que o Tony Grilo afirma serem de militares da CCAÇ 1427, não foi possível confirmar, por dificuldade de identificar os nomes gravados nas respectivas lápides.


Fontes consultadas:


Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).


Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001).


Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07200.170.093. Título: Comunicado – Tombali. Assunto: Comunicado assinado por Inácio [Soares da Gama] sobre o ataque dos "grupos do local Cabaceira" a uma companhia de soldados portugueses, no Sector de Cufar. Data: Domingo, 20 de Março de 1966. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Diversos. Guias de Marcha. Relatórios. Cartas dactilografadas e manuscritas, 1960-1971. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


Outras: as referidas em cada caso.

 

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

05Fev2021

Guiné 61/74 - P21867: Histórias... com abracelos do Carlos Arnaut (ex-alf mil, 16º Pel Art, Binar, Cabuca, Dara, 1970/72)(4): O meu saudoso Xico, um "macaco verde" que comprei a um garoto de Dara



Foto nº 1 > O meu saudoso Xico ["macaco verde", um juvenil da espécie Chlorocebus sabaeus (Linnaeus, 1766),  localmente conhecido por  Macaco do Mangal (em português), Santcho di Tarafe, Santcho preto (em crioulo) ou Cula-Mela (em fula)] (*)


Foto nº 2 > Eu e o Xico, em dia domingueiro

 
Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > Dara > 16º Pel Art (1970/72)

Foto (e legenda): © Carlos Arnaut (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Carlos Arnaut, membro nº 817 da nossa Tabanca Grande, ex-alf mil art, cmdt do 16º Pel Art (Binar, Cabuca, Dara, 1970/72):


Date: domingo, 7/02/2021 à(s) 15:15
Subject: Macacadas



Carlos Arnaut


Histórias... com abracelos (4) > 
O meu saudoso Xico, um "macaco verde" 
que comprei a um garoto de Dara


Camarigo Luís

Vendo hoje os diversos depoimentos sobre a macacada que saltitava pelas matas da Guiné (*), não pude deixar de recordar o meu saudoso Xico, macaco de refinada educação, que,  embora não usando talheres, sabia comportar-se à mesa melhor que muitos primatas ditos superiores.

Este macaquito foi comprado a um garoto em Dara, que o apanhou quando ajudava a família a plantar a mancarra mas, como eu aprendi, mal os plantadores voltavam costas a macacada aparecia como que por magia e era fartar vilanagem.

Os garotos da tabanca tinham por missão afugentar os invasores e foi numa dessas acções que o meu Xico foi capturado.

Depois de várias dentadas punidas com alguma benevolência, as técnicas pedagógicas usando sobretudo a prática reiterada de subornos vários começou a resultar, dando início a uma convivência pacífica e de grande cumplicidade.

Eu vivia numa tabanca tradicional, planta circular, tecto cónico de colmo, melhorada no sentido em que o chão foi cimentado e as paredes originais de entrançado foram revestidas com uma grossa argamassa de barro e caiadas. 

No espaço ainda coberto fora da parede, onde os animais à noite se recolhiam, sendo eu proprietário de um número indeterminado de galinhas, que os meus soldados, não me perguntem como, sabiam identificar, coloquei um caixote com palha onde uma das galinhas vinha pôr os ovos e chocá-los.

Fiquei altamente intrigado quando a galinha às tantas abandonou os ovos, cujo destino foi inevitavelmente o lixo, tendo no entanto pouco depois o caixote recebido outra locatária.

Decidido a proteger a gestação desta ninhada, cujo destino seria a grelha que eu regularmente partilhava com os meus homens, descobri então a razão do anterior abandono do choco - o sacana do macaco, mal apanhava a galinha a aninhar-se para cumprir a sua função de mãe de família, embirrava com ela e escorraçava-a  dali p'ra fora (seria ciúme ?).

Perante isto, agarrei o macaco e virando-o de cabeça para baixo dei-lhe com a cabeça no tampo da mesa umas quantas vezes, mostrando-lhe de seguida o local do crime, neste caso uma caixa de palha com ovos mas sem galinha.

A lição surtiu efeito, o macaco não mais se chegou à caixa, a galinha não perdeu o choco e dali saíram oito belos pintos.

Com o aprofundamento da convivência, logo que eu vestia o camuflado o macaco ficava doido, sabia que era dia de passeio, e bastava eu abrir o bolso da perna que ele logo saltava e ali se instalava.

Dormia invariavelmente todo o caminho até Nova Lamego e, quando disse que ele se sabia comportar, era vê-lo sentado no tampo da mesa do Libanês,  a partilhar um frango de chabéu (que saudades).

Almoçarada farta, bem regada, servia-lhe um pires com arroz, alguma mancarra, fruta a rematar, adormecia de seguida ao meu lado até quase à hora do regresso.

Muito me custou deixá-lo lá, ao cuidado de um Cabo da CCav 3406,  estacionada em Madina Mandinga.

Para o trazer para o "Puto",  a hipótese mais segura era a de arranjar um "primo", mesmo que de outra espécie,  para ser vacinado, mas a carga era tal que raros eram os que sobreviviam e o adoptado viajava como tendo sido vacinado.

Quem deste "esquema" me informou também me disse, conselho amigo, que não morrendo ali iria morrer a Portugal.

Por lá ficou, menos um primata a morrer fora do seu chão.

Grande abraço de parabéns pelo teu aniversário (desculpa o atraso).

Obs.- Pode ver-se na fotografia nº 2 que era Domingo. Vd. camisa folclórica do cavalheiro em 2º plano

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 6 de fevereiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21861: Fotos à procura de...uma legenda (135): Que espécie de macaco é este ? (Foto: António Marreiros; texto: Luís Graça)

Guiné 61/74 - P21866: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (7): Receita caseira de Bourbon County, Kentucky, USA... Enquanto se aguarda a vacinação contra a Covid-19... (José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia)




Infografia: José Belo (2021)


1. Receita do José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia ( e também  agora "mezinheiro", por força das circunstâncias):

Date: terça, 12/01/2021 à(s) 15:23
Subject: Enquanto se aguarda a vacinacäo......é urgente a publicação!


Receita caseira deste Bourbon County, Kentucky, USA.

Ter-se em conta que:

a) o bacon deve ser fumado e bem frito sem queimar;

b) o bacon deve ficar toda a noite mergulhado no copo para dar "aveludamento" ao Bourbon.

Obviamente que este detalhe quanto a "toda a noite", näo torna esta receita popular na Lapónia sueca! 
Mas, e de qualquer modo, é bom lembrar: "Ao luar entre nevöes as renas quase se tornam pavöes!"

Combate garantido a todos os vírus, sejam eles passados, presentes, ou futuros.

Um abraço do J. Belo

2. Comentário do editor:

Esta receita é só para Sexas  (= ou > 60) e daí para cimana escala hierárquica..., não podendo (nem devendo) os  consumidores ser acompanhados pelos netos.  

Mais: é uma cortesia do régulo da Tabanca de Um Homem Só que fica no Círculo Polar Ártico... 

Em boa verdade, é uma receita luso-sueco-americana, o uísque é americano (Bourbon não é Scotch,  é feito à base de milho, e não de centeio, e só pode ser Kentucky, nunca de Sacavém), o bacon pode ser sueco e o consumidor final só pode ser... um puro lusitano, de barba rija, descendente do grande Viriato  com provas dadas, como combatente no teatro de operações da Guiné... 

Por outro lado, sendo uma mezinha, de produção e consumo privados, não está sujeita àa competentes  autorizações do "Grande Regulador"... E se alguém se enfrascar (e queixar), respondam-lhe com  o provérbio luso em uso nas casernas da Spinolândia:  "Quem não sabe beber, que beba  m..."

No caso de alguém apanhar a Covid-19, contra todas as probabilidades estatísticas e as melhores expectativas de todas as partes (, produtores, consumidores e autoridades de saúde), e ir direitinho para o Covidário (de que Deus nos livre!), o boticário da Tabanca da Lapónia pede, por favor,  para destruirem  a fórmula e esconderem a garrafa (que dá sempre muito jeito) para outras ocasiões... 
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Guiné 61/74 - P21865: Parabéns a você (1930): Tino Neves, ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21856: Parabéns a você (1929): José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Os Maiorais) (Buba, Aldeia Formosa e Empada, 1968/70)

domingo, 7 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21864: (In)citações (181): Em memória de José Eduardo Reis Oliveira (1940-2021) (Belmiro Tavares, ex-alf mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66)



Lisboa > Hotel Dom Carlos Park > 14 de Outubro de 2009 > Da direita para a esquerda, o dono da casa, o empresário hioteleiro Belmiro Tavares, o seu querido amigo e camarada JERO, e os editores do blogue Luís Graça e Virgíno Briote. 

A foto foi tirada, para mais tarde recordar, pelo sr. Pereira, recepcionista do hotel. A máquina era do JERO. (É assim que ele era conhecido por todo o lado, ainda ontem na Praia da Areia Branca encontrei um velho amigo do meu pai, das lides futebolísticas, e nosso antigo vizinho, na Lourinhã, Abílio Russo, que há mais de meio século foi para Alcobaça, onde casou... Vive hoje em Salir do Porto, concelho das Caldas da Rainha, mas quando lhe falei no JERO, disse-me logo quem era... Era o homem mais conhecido do Oeste, garantiu-me o velho Abílio Russo)

A foto foi publicada aquando da entrada do Belmiro Tavares, em 1/11/2009, para a Tabanca Grande (*)

Foto: © José Eduardo Oliveira (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Capa do livro "A nossa luta: dois anos de muita luta: Guiné 1964/66, CCAÇ 675)", de Belimiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira, edição de autor, il.. Lisboa, 2017,  606 pp. [Um exemplar autografado foi oferecido ao nosso editor. com a seguinte dedicatória; "Ao caro amigo Luís Graça, com enorme amizade e carinho. Lisboa, 1/2/2021, Belimiro Tavares".]


1. Texto, enviado em 4 do corrente, por  Belmiro Tavares Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com 65 referências no nosso blogue:

 

Em memória de José Eduardo Reis Oliveira (o nosso mui estimado JERO)

por Belmiro Tavares


Acabávamos de entrar no mês de maio de 1964 quando começaram a apresentar-se, no RI 16, em Évora, com destino aos quadros da CCaç. 675 os chamados “especialistas”. Até fins de abril daquele ano, a CCaç 675 dispunha apenas de “operacionais”, os homens das espingardas. 

Nos dias que antecederam o embarque e, um pouco a conta-gotas, apresentaram-se: médico, enfermeiros, telefonistas, telegrafistas, cozinheiros, condutores, pessoal da manutenção, o “cifra” (operador cripto), etc.

Entre estes especialistas, um destacava-se pelo seu porte e pela esmerada educação, o furriel enfermeiro José Eduardo Reis Oliveira que viria a ser largamente conhecido por JERO, o acrónimo formado pelas iniciais do seu nome.

Não recordo se, durante os dias que antecederam o embarque e durante a viagem, a bordo do
navio Uíge, até Bissau, houve alguma conversa entre nós, além do serviço estritamente militar. Na verdade, ele estaria assoberbado com os seus equipamentos de primeiros socorros e eu tinha a meu cargo o acompanhamento de cerca de 40 homens o que me daria água pela barba.

O primeiro contacto entre nós, fora de serviço, terá ocorrido em Bissau, quando o Oliveira me encontrou numa esplanada a escrever uma carta ou um aerograma (uma simpática invenção do MNF – Movimento Nacional Feminino ,) que circulava, sem selo, em todo o território nacional. De chofre, ele atirou:

- Ó meu alferes! Não se preocupe, porque faltam apenas 716 dias para o fim da nossa comissão!

Pretendia o nosso companheiro esclarecer que 14 dias já tinham passado… sem complicações assustadoras. Ainda não tínhamos entrado na guerra propriamente dita e 14 dias estavam já vencidos.

Entrámos na quadrícula de Binta (uma aldeia a norte do Cacheu, a 16 km de Farim e sensivelmente à mesma distância de Guidage, junto à fronteira com o Senegal) no dia 29 de junho de 1964.

Os primeiros dias foram passados a… arrumar a casa:

  • Resguardar os materiais inerentes a cada grupo (o Oliveira teria a seu cargo todo o material de enfermagem e não só);
  • Montar uma rede de arame farpado em redor do aquartelamento com alarme anti-intrusão – garrafas vazias penduradas nos arames;
  • Abrir valas em redor do quartel com picaretas mal-enjorcadas;
  • Construir abrigos para sentinelas.

Entretanto o nosso mui ilustre capitão preparava, secretamente, o nosso “batismo de fogo” e o JERO, tal como nós, meteu-se numa “camisa de sete varas”! era aquilo a que tínhamos direito!

Debaixo de bem nutrido fogo (havia ali mais de 160 armas automáticas a disparar em fúria – cerca de 80 eram nossas e as restantes pertenciam aos adversários 
 –  chamei o enfermeiro de serviço, o JERO, para socorrer um 1º cabo que levara um tiro no baixo ventre; o enfermeiro seguiu-me e cumpriu cabalmente o seu dever. Ocorreu então um diálogo trágico entre o sinistrado e o enfermeiro. O ferido desabafou:

- Ó meu furriel! Eu nunca vou ser um homem normal!

O Oliveira tentou deitar água na fervura, alegando:

- Ó rapaz! Isso não é nada de grave! Vais de helicóptero para o hospital, em poucos dias estás de volta e … pronto para outra!

O enfermeiro cumpriu o seu dever, procurando acalmar o sinistrado; ninguém sabia a extensão ou a gravidade do ferimento… só se via sangue.

Outras situações mais ou menos graves ocorreram até que, no dia 5 de agosto, o nosso capitão foi ferido. O Oliveira estava lá, embora os primeiros socorros tenham sido prestados pelo enfermeiro Martins (o Rato). Quando o avisaram do acidente, o Oliveira correu com a maca ao encontro do nosso capitão; cerca 1 km separava o grupo da frente das viaturas.

Os adversários devem ter-se apercebido que algo nos correra mal e logo se apressaram a montar uma emboscada na berma da estrada que estava pejada de abatises. Iniciado o regresso, em marcha lenta, logo sofremos uma das mais duras emboscadas de toda a comissão. Indevidamente, a coluna auto parou e os condutores saltaram das viaturas; o nosso capitão ordenou ao JERO que alertasse os oficiais para abandonar a zona de morte; mas ninguém o ouvia. 

Tudo acabou melhor do que esperávamos porque os adversários devem ter sofrido algo de tão grave que, inesperadamente, deixaram de nos atormentar e o nosso capitão lá seguiu de helicóptero para o hospital.

O Oliveira participou em muitos outros casos semelhantes mas… nem só de armas vivem os homens.

O Oliveira, além de profundamente educado e respeitador, era um cumpridor nato das ordens que recebia do seu chefe, o nosso médico, o saudoso, Dr. Martins Barata, de quem o JERO era o braço direito ou talvez mais do que isso. 
 
De seguida, sem alarde e sem dureza, convencia (principalmente pelo exemplo) os enfermeiros a cumpri-las também. Nunca foi visto a barafustar com os cabos enfermeiros porque o JERO não dava motivos para tal: respeitava para ser respeitado – os grandes chefes são mesmo assim!

Fora das horas de serviço ele não era diferente; estava disponível para tudo, a qualquer hora. Há uns anos, ele segredou-me, com certo orgulho:

 – Durante  a nossa comissão, eu estive sempre em todas as frentes!

Era a mais pura das verdades! Além de, como alegámos, ter sido um bom combatente, era um enfermeiro de alto coturno e distinguiu-se também na ocupação de tempos livres:

  • Participou ativamente na criação de nomes para os arruamentos dentro do nosso aquartelamento e na elaboração das respetivas placas: Av Capitão de Binta;  Av do Aeroporto; Av Marginal com indicação de zona de banhos e de pesca; Av Pathé Baldé, em memória do nosso saudoso guia; Av 4 de Julho – Lenquetó – destruímos aquela povoação e tivemos logo o nosso “batismo de fogo"; Largo “Tomada de Pastilha”, frente à porta da enfermaria – esta foi totalmente da sua lavra;
  • Construímos duas pistas de aterragem e ele continuou sempre na linha da frente;
  • Foi um entusiasta da construção do nosso campo de futebol – nunca se soube ao certo se se tratava de um campo de pontapé na bola onde aterravam helicópteros ou se era um heliporto onde se praticava futebol;
  • Criámos as “aulas regimentais” e o Oliveira era um dos ensinadores.

Para confirmar aquele adágio: “não há regra sem exceção” – nós pusemos a funcionar uma “horta comunitária”; o JERO não participou nessa obra porque… ele não tinha raízes campesinas. Foi o único desvio!

No pós-guerra, sempre colaborou ativamente nas nossas reuniões anuais, quer na elaboração das cartas-convite quer a escrever endereços nos envelopes quer ainda a cobrar o valor do repasto. Pela primeira vez que uma confraternização ocorreu fora da grande Lisboa, foi por sugestão sua e teve lugar em Alcobaça, a sua terra natal; na verdade ele colocou a fasquia demasiado alta, criando inibições.

Participou na colocação de lápides nas sepulturas dos nossos mortos, quer os da guerra quer na daqueles que partiram depois do regresso.

Agora temos… a cereja no topo bolo: o José Eduardo escreveu um diário de guerra onde narra com arte e engenho a nossa atividade durante o 1º ano, na Guiné. É sem sombra de dúvida uma obra extraordinária não só pelos feitos que descreve mas pela forma sublime como os narra.

Aqui, “passamos a bola” ao Dr. M. Beja Santos que fez a recensão daquela obra ímpar que, para nós, tem um valor inestimável. Vejamos o que o Dr. Beja Santos nos legou como “juiz independente”, manifestando a sua surpresa e admiração pela obra invulgar mas também pelo autor. O Dr. Beja Santos referiu:

 “O José Eduardo era um enfermeiro miliciano que foi responsável por uma singularidade histórica: escreveu o Diário da C. Caç. 675, referente ao primeiro ano de comissão. Todos os exemplares são numerados e têm carimbado o termo confidencial; o “capitão do quadrado” escreveu, em ressalva, que “este Diário contém matéria classificada que, como tal, não pode ser do conhecimento de todas as pessoas”.

“O Diário do JERO passou a ser um bem patrimonial, por mérito próprio, pelo desvelo do autor em tudo quanto escreve, refugiando-se num semianonimato, compendiando meticulosamente os atos de um coletivo que deixou memória pelo espírito de corpo e pela sua mentalidade, lá prás bandas do Cacheu”.

“O JERO, ao coligir todos os dados do seu Diário, queria apenas registar um período de uma gesta coletiva anónima; escreve para as gentes da C. Caç 675 e não para nós. Também por essa razão de pura discrição, o autor já então revelava os seus primores de carácter”.

“Nas paredes da secretaria, onde o JERO escrevia, descortinávamos vários amuletos e roupas de alguém que, um dia, teve maus encontros com a tropa de Binta e… morreu (?)… de susto; a decoração completa-se com a seguinte frase elucidativa: - Nem com mezinhos se safam!”:

“Sobre a mesa do capitão encontrava-se a seguinte frase: Vitória é sinónimo de vontade”.

“Afinal”, lembra o recensor, “as surpresas continuam a surgir nesta literatura que, durante décadas, jazeu nos arquivos dos protagonistas”.

“Gostei muito do Diário do JERO pela autenticidade e pela camuflagem da escrita. Publicitar este Diário no blogue, anunciá-lo a quem estuda e guerra da Guiné é um grato dever; surpresa mais gratificante não podia ter!”


Acontece que, já neste milénio, o Oliveira lançou um segundo livro, Golpes de Mão’s; pretendia que fosse o segundo volume do seu Diário; terá sido – com todo o mérito – mas muitos factos de elevado interesse (dizemos nós) continuavam esquecidos!

Um outro marco relevante da sua vida é uma carta que o nosso amigo escreveu à sua querida mãe – que Deus já levou! – onde ele coloca a descoberto a sua esmerada educação, o profundo amor à sua mãe, o seu puro portuguesismo e a sua profunda Fé no Deus “que tudo criou e tudo gere”!

Creio que não será necessário acrescentar o que quer que seja acerca do HOMEM que agora nos deixou; falta apenas dirigirmo-nos aos seus familiares e amigos (relevo especial para os seus companheiros da CCaç. 675) que todos perderam imenso com esta surpreendente partida inesperada. 

Eu perdi um amigo de todas as horas, o amigo incondicional; éramos “unha com carne” e, em simultâneo éramos confessor e confessando.

Malvado vírus que ceifou a vida dum amigo de quem tanto esperávamos, ainda.

Repousa em paz! O nosso bom Deus terá guardado para ti um lugar à sua direita, pois será esse o lugar dos filhos que sempre trilharam o caminho sublime que Ele lhes traçou!

Belmiro Tavares (**)

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(**) Último poste da série > 30 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21825: (In)citações (180): Fotogaleria do José Eduardo Oliveira (JERO) (1940-2021), enquanto membro da efémera Tabanca de São Martinho do Porto (2010-2012) (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P21863: Blogpoesia (718): "O que vai dentro"; "A seiva do mar" e "Suicídio", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


O que vai dentro

Só nós sabemos o que vai dentro de nós.
Tudo anda oculto.
Só, de vez em quando, assoma à superfície.
O bom e o belo habitam essas paragens.
Ali voa a inspiração.
Volta e meia, entoam poemas e telas coloridas.
Hossanas de beleza à Natureza que a criou.
Um jardim de flores.
Açucenas e miosótis.
Barrocas fundas com as bordas entapetadas de cochilos lilazes
Pequeninos cálices de suavidade e de frescura.
Só vicejam pelas aldeias onde a paz e a esperança
Têm os seus reinos.


Berlim, 31 de Janeiro de 2021
9h25m
Jlmg


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A seiva do mar

Cheira a iodo a maresia do mar.
Tingido de algas.
Horta bravia. De ondas sem conta.
Maduras de verde.
Alheias ao tempo.
Resistem sózinhas
Ao sol e ao vento.
As algas sem conto.
Nem as gaivotas se interessam por elas.
Sentiam-se inúteis.
As mèzinhas dos homens
Lhes roubam seu corpo.
Queriam voar,
Poisar nos rochedos
Como as gaivotas.
Morrem de tristes.
Depois de horas ao sol,
Só servem de húmus.
Foi para isso que vieram ao mundo.


Berlim, 1 de Fevereiro de 2021
10h
Jlmg


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Suicídio

Não creio que Lobo Antunes tenha tendência para o suicídio.
Quem como ele tem fome de escrever,
Jamais pensará nessa aberração.
Viver é um privilégio.
Ter a sorte de ter nascido.
Só uns poucos o tiveram.
Se há alguém onde essa tara não adere,
É Lobo Antunes.
A garra com que leva avante
Uma tarefa ingente de cada dia.
Crónicas. Romances.
A necessidade de comunicar.
Precisa dela. Sua razão de ser.
Não abdica dela.
Só vivendo a pode concretizar.
Um dia, quando Deus quiser,
Ele nos deixará...


Berlim, 5 de Fevereiro de 2021
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 2 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21838: Blogpoesia (717): "Como eu gosto de África" (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845)

Guné 61/74 - P21862: Fotos à procura de... uma legenda (143): "Macaco verde" [Chlorocebus sabaeus], dizem eles, depois do sueco Lineu (em 1766), que nunca esteve em Buruntuma ou em Bafatá e muito menos no Cantanhez... (António Marreiros / Fernando Gouveia / António Levezinho / Virgílio Teixeira)


Foto nº 1 


Foto nº 2

Foto nº 3

Guiné > Região de Gabu > Buruntuma > CCAÇ 3544, "Os Roncos de Buruntuma" > 1972 >  O nosso "macaco verde"... Nome científico: Chlorocebus sabaeus (Linnaeus, 1766)

Fotos (e legenda): © António Marreiros (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 4

Guiné > Região de Bafatá  > Bafatá  > Cmd Agr 2957 (1968/70) > O alf mil rec e info Fernando Gouveia com um juvenil de "macaco verde"


Fotos (e legenda): © Fernando Gouveia (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guis dos Mamíferos do Parque Nacional do Cantanhez, da autoria de Nicolas Bout e Andrea Ghiurghi (2018, 189 pp., AD - AIN - IBAP - IUCN, ISBN: 9788890894923).



1.  Os nossos camaradas e amigos estão "confinados", como os nossos editores e colaboradores permanentes estão "confinados" por causa do raio da pandemia de Covid-19... Mas não estão "tramados" e muito menos "finados"... 

Continuam, desde há 17 anos (tantos quantos existe o blogue) a ser generosos e a responder às nossas iniciativas... Por que afinal a "nossa guerra" não foi só de tiros: desconbrimos um país e um povo fantásticos... Descobrimos as suas paisagens deslumbrantes, a sua biodiversidade, a sua multicultura...E aprendemos, neste blogue, a partilhar as nossas memórias (e afetos) e até o transformámos numa fonte de informação e conhecimento. Sempre numa base de grande tolerância e respeito por tudo aquilo que nos une mas também por aquilo que nos pode separar...

Num espaço de horas, houve logo resposta ao nosso desafio (*). E eu tinha aproveitado, entretanto,  para mandar a alguns de nós que se interessam mais pela "Fauna e flora" da nossa Guiné-Bissau, um guia, em formato pdf, útil para  a observação de mamíferos do Parque Nacional do Cantanhez, na região de Tomboli, fortemente regada pelo sangue de muita gente, de um lado e do outro, nos tristes anos em que andámos lá aos tiros...


2. Mensagem para o Tony Levezinho, 

Data - 6 fev 2021, 21h10
Assunto - Material deestudo para o DI, agora "confinado"

Vê se o teu DI [, Diogo , o neto, com 14 anos]  me/nos ajuda a identificar esta espécie animal (*)...

 Como prenda de anos atrasada, segue um guia de observação de mamíferos da Guiné-Bissau, Parque Nacional do Cantanhez (que visitei em 2008; e o João em 2009)...

Pode ser que ele aprecie...embora agora seja mais ornitólogo do que primatólogo...

Grande abraço para os dois "guardiões da Ponta de Sagres".. Luís


3. Resposta do António Levezinho, meu camarada e amigo do peito, desde os tempos da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71):

Luis, 

Pede-me o Di que te agradeça o guia do parque do Cantanhez. Ao visualizá-lo disse logo que gostava de lá ir. Confesso que não lhe dei qualquer esperança em ajudá-lo a satisfazer o seu desejo.
 
Quanto à pergunta sobre a espécie do macaco,  ele disse desconhecer. A praia dele, neste momento, são mesmo as aves.
 
Um abraço cá do Sul.

4. Resposta de outros camaradas:

(i) Antonio Marreiros, 7 fev 2021, 00:26

Olá, camaradas,

Aproveitei uma aberta sem chuva para continuar a limpar o quintal porque há sinais de Primavera ...mas também uma frente ártica vem a caminho que pode ser má,  se descer a -7 C... Na pradaria Canadiana está mesmo frio, de -30 a -40 C para este fim de semana! Em Sagres são 14 positivos!!!

Encontrei duas fotos a cores do mesmo macaco que adorava dormir no meu peito quando tinha a camisa vestida e lhe abria dois botões (*).

Pelo que li no Guia, parece que é o "macaco verde"...

Coitado com certeza sentia falta do bando pois estava amarrado e só tinha um cão pequeno como companheiro...Um e outro davam-se bem e dormiam juntos,  normalmente o macaco em cima do cão!

Um abraço,
A. Marreiros

PS - Quando visitaram esse novo parque nacional conseguiram ver alguns animais ou não foi possível?


(ii) Fernando Gouveia, 7  fev 2021, 1h04  [ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, Cmd Agr 2957, 1968/70), autor de, entre outras séries notávais, "A Guerra Vista de Bafatá  (Fernando Gouveia)" de que se publicaram cerca de 9 dezenas depostes;arquitecto reformado, transmontano, vive no Porto; tem mais de 165 referências no nosso blogue]

Olá,  Luís, ai vai mais uma imagem do macaco que penso ser da mesma estirpe. Em anexo.

Abraço.
Fernando G.

 
(iii) Virgilio Teixeira, sábado, 6/02/2021,  22:40

Boa noite Luis,

Grande obra que tiveste a lembrança de me enviar. Sei muito pouco sobre fauna, quer na Guiné ou outro local qualquer. Dei uma vista de olhos e gostei, vou ler com atenção e curiosidade.

Onde estavam estes animais durante a Guerra de 61/74?

Obrigado pela lembrança, e espero que haja um bom titulo para estas curiosidades fantásticas.

Abraço, Virgilio Teixeira



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional de Cantanhez > Iemberém > 9 de dezembro de 2009 > 15h50 > Macaco fidalgo vermelho (ou fatango, em crioulo). Espécie, nome científico: Procolobus badius. Em inglês, western red colobus. 

É mais um primato em perigo,  está ameaçado de extinção, fundamentalmemte devido à caça,   à desflorestação, às mudanças climáticas, etc. No Cantanhez não haverá mais do que duas centenas de indivíduos. Vd. pp. 30/32, do "Guia  dos Mamíferos do Parque Nacional do Cantanhez". 

Foto (e legenda): © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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