Queridos amigos,
Ando a usar e abusar deste privilégio concedido pelo Cartão do Antigo Combatente, percorro os museus nacionais aos dias de semana. Desta feita, uma tarde inteira de regresso ao Convento da Madre de Deus, acompanhado de um guia elaborado por uma eminente investigadora e museóloga, Maria Antónia Pinto de Matos, de quem pirateei uns bons parágrafos. Há para aqui beleza ímpar, por isso deixo alguma cena para os próximos capítulos.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (32):
O Museu que mostra como nos transformámos na potência mundial do azulejo
Mário Beja Santos
O Museu Nacional do Azulejo está instalado no antigo Convento Madre de Deus. A sua riquíssima coleção está centrada no azulejo, peças cerâmicas revestimento e guarnição arquitetónica desde a Idade Média até a contemporaneidade – um acervo de milhares de azulejos, a maioria de origem portuguesa. O belíssimo edifício começou a ser construído no início do século XVI e conheceu muitas transformações até ao século XIX. Toda a sua fachada possui códigos da chamada arte Manuelina e do tardo-gótico.
Inicia-se o percurso na cafetaria, dotada de sugestivos azulejos referentes a cozinha e casa. Daqui se parte para uma exposição didática que ilustra a longa história da nossa azulejaria desde o século XV até à atualidade.
Nesta incursão didática evoca-se o azulejo com encontro de culturas, desde a sua origem árabe, nas técnicas e decoração saída dos jogos rítmicos do Islão, as influências ítalo-flamengas, espanholas, orientais e holandesas.
Recorda-se ao leitor que toda esta incursão didática é uma peça importante no percurso museológico que integra o conjunto monumental do Convento de Madre de Deus, da Ordem de Santa Clara, fundado em 1509 pela Rainha D. Leonor, viúva de D. João II e irmão de D. Manuel I. Dissesse acima que houve diversas alterações de tomo nesta arquitetura que começou a ser erigida no século de Quinhentos, por ordem de D. João III e sua mulher, a Rainha D. Catarina da Áustria, submetida a diferentes campanhas de obra, sobretudo decorativas, entre o final do século XVII até ao ano 1759 e, posteriormente, no fim do século XIX, isto para já não falar na campanha decorativa Joanina, que comporta um dos mais importantes presépios portugueses. Vejamos agora uma das obras mais notáveis ainda no primeiro piso, e na sequência da incursão didática que ajuda o visitante a perceber a evolução do azulejo até à identidade portuguesa. Estamos diante do retábulo denominado Nossa Senhora da Vida, é uma das peças fundamentais da produção realizada em Portugal no século XVI. Tem 1498 azulejos numa composição de 5 metros de altura por 4,65 metros de largura, apresenta ao centro uma pintura com a Adoração dos Pastores ladeado por duas colunas onde se observam duas esculturas dos evangelistas S. João e S. Lucas, que narram o nascimento de Jesus. A coroar o conjunto, a simulação da parte do medalhão que evoca as cerâmicas italianas dos Della Robbia, tendo no interior a cena da Anunciação. Observando este painel é possível perceber um dos aspetos centrais da azulejaria portuguesa. A área vazia, no topo do painel, ao centro, correspondia a uma janela, cujo sentido simbólico era o de permitir a entrada da Luz, o caminho que a Pomba do Espírito Santo utilizou para chegar a Maria. Este conceito de associar a arquitetura à mensagem que se pretende transmitir é um dos aspetos centrais da produção nacional, algo que a distingue da azulejaria produzida noutros centros europeus.
Este primeiro piso do museu chamemos-lhe rés-do-chão dá uma imensa ajuda ao visitante para ver o itinerário percorrido até se chegar ao século XVI, marcado pela produção de Lisboa, este incontornável retábulo de Nossa Senhora da Vida, já percorremos outras influências como as técnicas hispano-mouriscas, o fabrico à moda de Sevilha e Toledo, os motivos para revestimentos interiores, as grandes encomendas eram provenientes das igrejas, lembram tapetes, há igualmente temas religiosos e painéis para paramentos de altar, é um percurso de salas museológico e museograficamente sugestivas em torno do claustro de D. João III, o melhor é voltar à “cozinha de fumeiro” para tomar uma bica, visitar ainda no primeiro piso o coro baixo e a capela de D. Leonor, há grandes surpresas no piso seguinte, como veremos.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 1 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22865: Os nossos seres, saberes e lazeres (485): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (24): Lembranças sertaginenses, pedroguenses e reguengueiras (Mário Beja Santos)