quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23513: Historiografia da presença portuguesa em África (329): Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
Graças ao indefetível apoio da bibliotecária da Sociedade de Geografia de Lisboa lá vou mergulhando por mares nunca por mim navegados, cheguei a porto ignoto, o Boletim Mensal das Missões Franciscanas, sempre à busca de uma nova pérola, sei muito bem que não posso encontrar nada de mais completo daquilo que escreveu o Padre Henrique Pinto Rema sobre as missões católicas da Guiné. Mas logo me chamou a atenção este Padre António Joaquim Dias, andou em missionação mais de oito anos pela Guiné, guarda recordações inolvidáveis de Bolama e as suas impressões são dignas de ser postas em público, três quartos de século depois.

Um abraço do
Mário



Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (1)

Mário Beja Santos

A leitura do Boletim Mensal das Missões Franciscanas e Ordem Terceira, um conjunto de cartapácios que ando a folhear na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, reserva surpresas quanto à Guiné. No boletim referente a janeiro de 1943 começam a ser publicadas as impressões do Padre António Joaquim Dias. Começa por alertar quem para lá viaja, e deste modo: “Como na Guiné é verão todo o ano, o sol é fogo e o suor hábito inveterado, muna-se de roupas leves, claras e sem forros. Os casacos brancos e batinas da mesma cor, coadjuvados pelos capacetes ou chapéus coloniais, igualmente brancos, são os únicos para-raios a defender-nos das picadas terríveis do sol tropical”.

E começa a sua descrição da Guiné, não se pode dizer que não seja bom observador:
“Para quem leva os olhos feridos e a alma picada pelas penedias basálticas das ilhas de Cabo Verde, a entrada na Guiné sabe bem, enternece até ao fundo da alma. Da água do oceano, ergue-se a planície imensa, aveludada. É um alfobre, risonho e ondulado, de um quente verde-amarelo, a espreguiçar-se, convidativo, acariciador. O mangal mergulha as raízes na própria água salgada e lança outras, aéreas e robustas, a segurar melhor a Guiné, a vincá-la mais ao chão, que o mar lhe disputa. Não se sabe onde o oceano termina e a terra começa.
Aquele, atrevido, infiltra-se por todos os lados, em baías e canais, no continente fronteiro; e estende também os seus braços, numa luta titânica, a procurar arranjar mais espaço, maior domínio, mais um pedaço para o seu leito. Investe contra os próprios rios, a quem desrespeita, às vezes, por léguas e léguas, com lhes sujar e salgar a água cristalina, ósculo amoroso de terra amiga. É por isso que, na Guiné, viaja-se navegando; e, navegando, se vai a toda a parte, como dizia o outro”
.

Dá-nos a saber que andava a pesquisar sobre as antigas missões da Guiné, mas preferiu começar por crónica ligeira, continua a dar muita importância aos roteiros e viagens, acha proveitoso lermos arquivos de Geografia, de Etnografia e até de História. Promete não escrever nenhum roteiro, dizendo que foi apenas à Guiné e regressou, começou no porto de Bolama e terminou no de Bissau, por onde voltou. Ficamos a saber que embarcou para a Guiné em fevereiro de 1934, foi para África por livre vontade, ia acompanhado por outro confrade missionário, “levávamos umas roupas, uns livros, muito entusiasmo para o trabalho, muita confiança no Senhor e a saúde precisa”. Fora-lhes abonada a viagem, encontraram benfeitores em Bissau, eram missionários sem côngrua. Terá feito o seu apostolado até 1942, e confessa o seu pesar pela partida: “Não é debalde que, durante oito anos, nos afazemos a chamar nossa terra mesmo à África. Ao dobrar Caió – a porta da Guiné –, duas lágrimas, grossas e quentes, desceram rapidamente as faces”.

Confessa que está a escrever no Hospital de Jesus, com data de outubro de 1942, veio com pouca saúde, e dedica os seus textos aos obreiros evangélicos, presentes e futuros, da saudosa Guiné. Disserta sobre o trabalho de missionário, não é só o apostolado, há a instrução literária, o saber acompanhar as técnicas agropecuárias e observa que é da máxima conveniência haver missionários que saibam traçar, em escala, projetos simples de edifícios a levantar nas missões, e explica porquê: “As missões sofrem, não raro, pelo prejuízo que lhes advém da falta dos edifícios, das demoras dos traços, sujeitando-se a perder os auxílios financeiros terminado o ano económico. Os técnicos, por via de regra, gostam de delinear bonecos bonitos, alçados vistosos que, amanhã, possam despertar a curiosidade pública… Nem sempre, porém, essas belezas e devaneios artísticos se coadunam com a exiguidade de recursos das missões”. E deriva para uma outra observação: “Não são contrários à tradição missionária portuguesa os estudos e coleções de História Natural e de Etnografia, recomendados, insistentemente, e favorecidos, desde 1926, pela legislação missionária o Comandante João Belo”.

Dá-nos uma impressão de Bissau, capital da Guiné desde dezembro de 1941, parece estar a conversar connosco:
“Para além, para nascente, a parte antiga, a começar na Amura ou pequeno recinto muralhado, onde ainda se conversam em minúscula igreja paroquial e os edifícios do quartel e repartição militar; ali o centro, a este lado do poente e lá para o alto, a parte nova. Repare numa coisa: a cidade parece reclinar-se numa encosta que não existe; espreguiça-se molemente. E para dar-se tom, para roncar, como aqui dizem, ela rasgou avenidas, abriu ruas; mas esqueceu-se de levantar casas. Anda agora empenhada nisso. Entre os edifícios, novos e menos novos, sem serem velhos, avultam: a imensa Casa Gouveia, da CUF, a maior empresa comercial da Guiné; depois, o Banco Nacional Ultramarino, única entidade bancária da colónia; ainda o edifício dito das Repartições; a imponente Catedral, em românico estilizado, mas não rematada; a Companhia da África Ocidental Francesa; um dos improvisados hotéis, que são três ao todo; mais algumas casas comerciais; um ou outro chalé modesto, particular ou do Estado; os bairros dos funcionários, que há para todos os gostos; talvez também o hospital, com seus múltiplos pavilhões de um só piso, e não vejo mais nada que mereça citar-lhe, a não ser a nova Alfândega. Ao centro da Praça do Império, no alto da povoação, atira-se para os ares uma espécie de obelisco granítico de uns quinze metros de altura; um monumento ao Esforço da Raça. A vasta praça, incontestavelmente uma das mais amplas do Império Português, aguarda que adotem de edifícios condignos, entre os quais há de sobressair o Palácio do Governador, em construção. Acrescentemos a isto umas dezenas de casinhotos térreos, em paredes de barro, meia dúzia de edifícios de primeiro andar, rodeados das indispensáveis varandas, ainda algumas ruas e vielas, - e aí tem o meu amigo a ínclita cidade de Bissau”.

Deplora a desolação de Bolama: “Chorarei eternamente com quem me hospedou durante sete anos e me livrou dos mosquitos enfadonhos e venenosos de Bissau, das temíveis biliosas, perniciosas e quejando as esferas africanas". Começara a desventura de Bolama, tal como ele a descreve: “Dia e noite, as ruas mais desertas, ainda mais tristes. Muitas casas apagadas, diminuídas as luzes nas ruas, desolados os comerciantes. Bolama assemelhava-se a cemitério imenso. E, noite fora, manguços aos punhados – espécie de gatarrões, feios e fedorentos, monopolizavam os passeios do jardim público, para seu folgar ameno”.

Recorda aquele jardim, o quintal da sua casa, o adro da igreja, e pergunta-se: “Como viverá agora, esse malfadado jardim de Bolama e o burgo inteiro? A acarinhada povoação de outros tempos terá sucumbido, enfim? Os coqueiros do lado fronteiro ao hidroporto poderão continuar a distrair-se com as evoluções, os soberbos Clipper que por ali vão zumbir, despejar forasteiros, levar movimento e vida”. Suspira uma Bolama nova, pede benevolência ao leitor por exaltar a sua querida Bolama. As impressões vão continuar, as que escreveu agora datam de Lisboa, 1 de janeiro de 1943.

(continua)


R.P. António Joaquim Dias
Dançarino Mancanha da nossa Guiné
Bolama, interior da Igreja
Bolama, Câmara Municipal e Administração do Concelho
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23486: Historiografia da presença portuguesa em África (328): Bissau, 1753: Escaramuças na construção da Fortaleza de S. José (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23512: Notas de leitura (1473): Eduardo Lourenço (1923-2020): afinal, quem são os portugueses, e o que significa ser português? (José Belo, Suécia)


Eduardo Lourenço (Almeida, 1923 - Lisboa, 2020).
Foto da Agência Lusa (2020). 
Cortesia de Wikimedia Commons


1. Mensagens do José Belo:

(1) Data - 6 ago 2022 11:31
Assunto - Talvez o menos estrangeirado

Caro Luís

O nosso Eduardo Lourenço soube, talvez melhor,  que muitos intelectuais contemporâneos, pôr o dedo na ferida quanto aos nossos grandiosos mitos lado a lado com profundos complexos.

Vou enviar-te um texto resultante de leitura muito atenta a alguns ensaios do mesmo

PS - Espero sinceramente que quanto às saúdes todos nós continuemos sem estar... ”piorzinhos”!

Um abraço, JBelo

(ii) Data - 6 ago 2022, 12h39

Assunto - Estrangeirados

Francamente que não sei se o tema, e texto, terá cabimento (ou interesse) para os seguidores do blogue. Os parâmetros são distintos.

A ser publicado fico grato se indicares uma data aproximada que possa permitir um debate… caso este venha a surgir.

A fins deste mês volto para Key West e, por lá,  os meus tempos dedicados à “com-puta-gem” perdem prioridade frente ao Sloppy Joe’s Bar.

Um abraço com votos, para ti e família, de Boas Férias! JBelo

 

"Lisboa é o sítio ideal para acreditar que as Caravelas continuam a existir" (Eduardo Lourenço). Foto: José Belo (2022).

2. Eduardo Lourenço:  “As palavras que definem uma Nação “ (*)

Um dos maiores intelectuais portugueses contemporâneos que, e segundo as suas palavras… ”se afastou do País para respirar liberdade”. (**)

Nascido na pequena aldeia de São Pedro do Rio Seco, passou longo período da sua vida no estrangeiro. 
Primeiro como professor na Alemanha e, posteriormente, como professor nas universidades francesas de Grenoble e Nice.

Regressou a Portugal no período final da sua vida.

O jornal “Le Monde” descreveu-o como um intelectual liberto da rigidez política das ideologias,  que soube sempre seguir o seu próprio caminho.

As suas obras mais conhecidas foram escritas nos anos setenta, antes, durante e depois da “revolução dos cravos“: Tempo e Poesia (1974); O Labirinto da Saudade (1978). Obras que o tornaram conhecido fora dos círculos literários e académicos.

Importante parte dos seus ensaios foram dedicados a Luís de Camões e a Fernando Pessoa.

No “Labirinto da Saudade“ afirma que a literatura histórica portuguesa se pode ler como uma busca de resposta às perguntas:
  • Quem são os portugueses?
  • O que significa ser-se português?
Com início em Camões, Eduardo Lourenço identifica todo um irrealismo que engloba o espírito português. Uma mistura de grandiosidades lado a lado com profundo complexo de inferioridade.

Segundo ele, a imagem histórica de Portugal não é resultante de observações baseadas em realidades. Resulta antes de sonhos político-ideológicos criados por uma minoria urbana, como referido pelo realismo de Eça de Queiroz. Uma aristocracia (e burguesia) endinheirada sempre com o pé no estribo do "Sud-Express", arrastando-se para uma Europa onde se produz a verdadeira cultura e o conhecimento.

A existência de um mítico “povo simples” torna o diálogo literário entre estes polos opostos num… monólogo literário limitativo.

É neste espaço (ou contradição) entre a “falta” e o “regresso” que, segundo ele, surge a palavra “saudade”.

Afirma também que, em Portugal, tanto o neo-realismo como o comunismo (verdadeiros polos opostos à ditadura do Estado Novo tanto nas artes como na política) se dedicaram ao mesmo tipo de “mitologia” no modo como integraram na sua visão mundial os mesmos clichês quanto ao “Povo simples”, em tudo semelhantes aos usados por intelectuais da Direita. Mitos que serviram, e servem, como conveniente “manta de cobertura “ sobre um tipo de fragilidade histórica.

Com Salazar, o patriotismo jacobino dos convulsionados 16 anos da Primeira República, transformou-se em nacionalismo exaltado. O Estado Novo, com o seu aparelho de propaganda desde a escola aos meios de comunicação, cria uma verdadeira “Disneylândia” de portugalidades feita.

Como poderá a cultura de um pequeno país, isolado num extremo europeu, manter a sua originalidade, usar de um pensamento crítico quando a análises do passado, manter vivas as suas tradições ao mesmo tempo que se abre perante o mundo?

Segundo Eduardo Lourenço é fundamental para Portugal... ser europeu!

Um abraço do JBelo

Adenda - Talvez o menos… estrangeirado!

Abandona o país em 1953, mas recusa a condição de exilado. É apenas emigrado.

“Como é que um homem nascido em São Pedro do Rio Seco, pode ser outra coisa que não português?” Não aceita ser estrangeirado:” Não, não aceito!... Fico furioso. Fico desesperado.”

O seu método é o “de olhar de dentro mesmo estando fora”. No "Labirinto da Saudade" escreve:

“Pensar Portugal como vontade e como comunidade plural de destinos e valores, pondo em diálogo os mitos e a razão e… procurando afastar a maldição do atraso.”

“…é a hora de fugir para dentro de casa, de nos barricarmos dentro dela, de construir com constância o país habitável de todos, sem esperar de um eterno lá-fora ou lá longe a solução que, como no apólogo célebre, está enterrada no nosso exíguo quintal.

Não estamos sós no mundo, nunca o estivemos. A conversão cultural necessária passa por um olhar crítico sobre o que somos e o que fazemos.”

PS - E como Eduardo Lourenço escreveu: "Lisboa é sítio ideal para acreditar que as Caravelas continuam a existir"



José Belo, jurista, o nosso camarada luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande:

(i) tem repartido a sua vida agora entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West, Florida); 

(ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, recusando-se a jubilar-se do cargo: afinal todos os anos pela primavera, corre o boato de que a Tabanca da Lapónia morre para logo a seguir ressuscitar, como a Fénix Renascida; 

(iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); 

(iv) é cap inf ref (mas poderia e deveria ser coronel, se ele tivesse tratado da papelada a tempo) do exército português; 

(v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; 

(vi) tem 226 referências no nosso blogue.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 8 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23506: Notas de leitura (1472): "Histórias da C. CAÇ. 2533" - Os belos testemunhos da gentes da CCAÇ 2533 (1) (Mário Beja Santos)

(**) Vd. também postes de:

2 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21604: Manuscrito(s) (Luís Graça) (195): In Memoriam: Eduardo Lourenço (1923-2020), pensador maior da nossa história, da nossa cultura, da nossa identidade como povo

17 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15013: Notas de leitura (748): “Do Colonialismo como Nosso Impensado", Organização e Prefácio de Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi, Gradiva Publicações, 2014 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23511: Parabéns a você (2089): Alberto Nascimento, ex-Soldado CAR da CCAÇ 84 (Guiné, 1961/63)

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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23498: Parabéns a você (2088): Coronel Inf Ref Fernando José Estrela Soares, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2445 (Cacine, Cameconde e Có, 1968/70)

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23510: In Memoriam (445): António Júlio Emerenciano Estácio (Bissau, 1947 - Algueirão, Sintra, 2022): foi alf mil, RM de Angola (1970/72), viveu e trabalhou em Macau (1972/98) e era um apaixonado pela sua terra e as suas gentes

  

V Encontro Nacional da Tabanca Grande, Leiria, Monte Real, 2010 > 
António Estácio, 


Aos 17 anos, em 1964, em Bissau, na Guiné, onde nasceu em 3 de maio de 1947, de pais transmontanos, e fez o Liceu Honório Barreto (onde foi condiscípulo do Pepito e do Manuel Amanante da Rosa, entre outros).


1. Morreu o António Estácio, foi o António Graça de Abreu, seu amigo dos tempos de Macau, quem nos deu a triste notícia. Vivia em Algueirão, Sintra. Os seus restos mortais serão cremados hoje.  Não sabemos exatamente onde. Mas deve ser em Barcarena. (*)

António [Júlio Emerenciano] Estácio era um luso-guineense, nado e criado no chão de papel, em Bissau, em 1947. Completou os 75 anos, no passado dia 3 de maio. Era filho de  pais transmontanos, o pai funcionário público, a mãe professora primária. A família também viveu em Bolama, nos anos cinquenta.

Estudou no liceu Honório Barreto, em Bissau,  onde teve como professora a dra. Clara Schwarz (1915-2016), mãe do nosso comum amigo Pepito (1949-2014). Foi condiscípulo do Pepito e do Manuel Amante da Rosa, entre outros.

Veio para a metrópole, aos 17 anos (1964) (foto à direita), tendo-se formado como engenheiro técnico agrário (Coimbra, ex-Escola Nacional de Agricuktura, 1964-1967,  onde tirou o Curso de Regente Agrícola, e  onde foi condiscípulo do Paulo Santiago).

Estagiou no extinto Instituto de Algodão de Angola (IAA).  Entretanto, de janeiro de 1969 a maio de 1972 cumpriu o serviço militar obrigatório, tendo, a partir de março de 1970 a maio de 1972, prestado comissão de serviço na Região Militar de Angola (RMA), como alferes miliciano,  e estado aquartelado nas povoações de Luquembo, Sautar e Bessa Monteiro.

Depois de regressar de Macau (onde trabalhou e viveu de 1972 a 1998) (**), radicou-se   em Portugal, Algueirão, concelho de Sintra. 

Tinha uma forte ligação a Macau, cuja casa, em Lisboa, frequentava. Mas também conhecida toda a antiga comunidade luso-guineense que retornou a Portugal depois da independência. 

Era um homem discreto, reservado mas afável, e de fino humor. Esteve presente nalguns dos Encontros Nacionais da Tabanca Grande, o primeiro dos quais em 2010 (Vd. foto acima).  Também se reunia regularmente com os seus antigos condiscípulos de curso, entre eles o Paulo Santiago e outros (alguns oriundos das ex-colónias).



António Estácio, um homem apaixonado 
pela sua terra e as suas gentes


Sobre ele escrevi em 2010 (**): 

"Conheci-o, há dias, pessoalmente, na sessão de lançamento do livro do Amadu Djaló, 'Guineense, Comando, Português'... E hoje, de manhã (19 de maio de 2010)  estive a falar com ele ao telefone. É um apaixonado pela sua terra. E é dotado de um finíssimo humor. É uma pessoa encantadora. Convidei-o a (e ele aceitou em) fazer parte do nosso blogue. Fiz questão de sublinhar que não é apenas um blogue de camaradas que fizeram a guerra colonial na Guiné (1961/74) mas um espaço de diálogo entre todos aqueles que são naturais da Guiné ou são estudiosos da história e da cultura da Guiné, e nomeadamente que se interessam pela historiografia da presença portuguesa. E sobretudo daqueles que amam a Guiné e o seu povo."

Era (e continuará a ser)  membro da nossa Tabanca Grande desde 19 de maio de 2010; tem 64 referências no nosso blogue. Mas há mais de 2 anos que não tínhamos notícias dele. A última mensagem que publicou na sua página do Facebook data de 20 de junho de 2019. Alguém nos disse que sofria de  doença crónica degenerativa (Alzheimer). Tem, pelo menos, um filho, que foi quem contactou o António Graça de Abreu, e (se não erro) duas filhas. 

À família enlutada a Tabanca Grande, o blogue dos amigos e camaradas da Guiné,  apresenta as nossas mais sentidas condolências. Perdemos um grande amigo e um bom camarada.

2. É autor de diversas obras, de indole técnica e não técnica (*),  já aqui citadas ou em parte reproduzidas no blogue:  

(i) além de "Bolama, a saudosa" (edição de autor, 2016), dois dos seus livros mais recentes narram as histórias de vida de duas "mulheres grandes" da Guiné:

(ii) a cabo-verdiana Nha Carlota (1889-1970) ("Nha Carlota, figura esquecida da História Guineense", edição de autor, 2010):

(iii) e a guineense Nha Bijagó (1871-1959) ("Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959) (edição de autor, 2011, 159 pp., c/ ilustrações).

Publicámos também  no nosso blogue, com a sua autorização, a separata da sua comunicação "O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense, V Semana Cultural da China, de 21 a 26 de janeiro de 2002. (Referêmcia bibliográfica: Amtónio J. E. Estácio - O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense", in: Actas, V. Semana Cultural da China, Centro de Estudos Orientais, ISCSP/UTL, 2002, pp. 431‑466.)


 

Capa do livro "Bolama, a saudosa...", 
do nosso grã-tabanqueiro António Estácio, 

Excertos do Curriculum Vitae abreviado:

(...) (vi) em 28.09.1972 chegou a Macau, a fim de desempenhar funções técnicas na, então, Brigada da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar (MEAU)); neste território, conviveu com o Mário Dias e com o José Neto (1929-2007, de quem ficou grande amigo, membros da nossa Tabanca Grande

(vii) de 28 Setembro de 1972 a 2 Dezembro de 1998 viveu em Macau, onde exerceu vários cargos e funções, como:

- Técnico e Técnico Chefe dos Serviços Florestais e Agrícolas de Macau (SFAM); 

- Criador e Coordenador da “Semana Verde”, campanha de sensibilização, nomeadamente dos jovens em idades escolar, sobre a manutenção, defesa e valorização das Zonas Verdes de Macau;

- Membro da Comissão de Educação da União Internacional para a Conservação da Natureza; 

- Vogal a Tempo Inteiro da Comissão Administrativa da Câmara Municipal das Ilhas (CMI); 

- Vogal do Conselho Consultivo do Governador; 

- Secretário-Geral e, posteriormente, vogal do Conselho do Ambiente (Macau); 

- Vice-Presidente da Câmara Municipal das Ilhas; 

- Colaborador da Editora Verbo; 

- Coordenador científico da Exposição “A Aventura das Plantas e os Descobrimentos Portugueses”, promovida em 1995 pela Comissão Territorial de Macau para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 

- Colaborador no Projecto Garcia de Orta, da “Expo 98”; 

- Colaborador do Museu de Macau; 

- Membro fundador (30.04.1974) e dirigente do Centro Democrático de Macau; 

- Sócio e, em 2 mandatos não sequenciais, membro da Direcção do Clube Militar (Macau); 

- Vogal do Conselho Fiscal da Associação de Xadrez de Macau; 

- Presidente da Direcção e Vice-Presidente da A.G. da Associação de Patinagem de Macau; 

- Segundo Secretário da A. G. da Associação para a Promoção da Instrução dos Macaenses, 

Em 03.07.1997 aposentou-se da, então, Câmara Municipal das Ilhas (Macau).

- Foi Vogal da Direcção da Casa de Macau (2003-2005); 

(viii) esteve ligado a diversas  instituições nacionais, desempenhando funções como: 

- Sócio da Sociedade de Geografia,  sendo e Secretário da sua Comissão de Heráldica; 

- Observatório da China, em cujo Conselho Fiscal, foi Vogal; 

- Membro da Associação Lusitana da Heráldica; 

- Associação Cultural da Terceira Idade e Sintra (ACTIS), sendo 1.º Secretário da Direcção. 

- Sócio n.º 456 da 223ª Casa do Benfica em Algueirão Mem Martins, fundada em 28.02.2008.

(ix) participou, por diversas vezes na Semana Cultural da China e no Fórum Internacional de Sinologia. 

(x) louvores e distinções:
  • Foi louvado pelo Despacho n.º 19/SASAS/91 e pela Deliberação n.º 268/26/CMI/97;
  • Foi agraciado, em 1995, pelo Governador de Macau, com a Medalha de Mérito Profissional ; 
  • Em Março de 2006, foi distinguido com a Moeda Comemorativa, pelo Instituto para os Assuntos Cívicos de Macau, aquando da 25.ª edição da “Semana Verde de Macau”. 
  • Em 8 de Fevereiro de 2007, distinguido com Medalha de Honra atribuída pela ONG “Acção para o Desenvolvimento” (AD), da República da Guiné-Bissau.
(xi) É autor, co-autor e coordenador de diversas publicações, na sua maioria de carácter técnico e referentes a Macau tendo apresentado comunicações, artigos, folhetos, brochuras e sido responsável pela edição de Boletins Informativos da Casa de Macau, da respectiva Folha In-formativa não periódica “Qui Nova?!...” que criou e, bem assim, responsável pela edição do Boletim da Associação Cultural da Terceira Idade e Sintra (ACTIS).

Trabalhos publicados > É autor de vários folhetos, brochuras e das seguintes publicações:

Publicações de índole técnica:

- Flora da Ilha da Taipa, Monografia e Carta Temática (M. E. Cartográficos) 1978; 

- Flora da Ilha de Coloane (S.F.A. Macau) 1982; 

- Dinâmica das Zonas Verdes na cidade de Macau (S.F.A.M.) 1982;

- Arborização de Macau. Intervenção de Tancredo Caldeira do Casal Ribeiro (1883-1885) (S.F.A.M.) 1985;

- Jardins e Parques de Macau  (Macau) 1993 (Em colaboração com o Eng.º Agrónomo e Arq. Paisagista António Manuel Paula Saraiva); 

- Zonas Verdes. Particularidades da Flora de Macau (Macau) 1994 – Ed. do B.C.M.;

- Guia do Parque de Seac Pai Van (C. M. das Ilhas - Macau) 1995;

- Evolução das Zonas Verdes das Ilhas  (C. M. das Ilhas -Macau) 1999 (Em colaboração com o Eng.º Técnico Agrário Carlos Daniel de Carvalho Batalha);

- As Árvores no Brasões Municipais – Ed. da C. M. de Freixo de Espada à Cinta 2001;

- Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense (Portugal) 2002 – Ed. do autor.

Publicações de índole não técnica: 

- Em Memória de Sá Nogueira (S.F.A.M.) 1984;

- Passadas. Recordações de um aluno do Liceu Honório Barreto, em Bissau. (1958-1964) - Ed. do autor (Macau)1992;

- Na Roda de Amigos – Ed. do autor (Macau) 1973;

- Para lá do Rasgar da Ganga ... – Ed. do autor (Macau) 1997;

- Histórias Vividas e Contadas – Ed. “Livros do Oriente” (Macau) 1997.

- Nha Carlota, figura esquecida da História Guineense – Ed. do autor (Portugal) 2010

Coordenador as seguintes publicações técnicas:

- Árvores de Macau, Vol. I, de autoria do Prof. Wang Zhu Hao (Ed. C. M. Ilhas) 1997;

- Árvores de Macau, Vol. II, de autoria do Prof. Wang Zhu Hao (Ed. C. M. Ilhas) 1999.

Foi editor do:

- Boletim do Rotary Club Amagao (Macau);

- Boletim da Casa de Macau (Lisboa) (2004-2006);

- Boletim da Associação Cultural da Terceira Idade de Sintra (ACTIS).

Guiné 61/74 - P23509: (Ex)citações (412): Reflexão - Ouvindo novamente a Oração de Sapiência proferida por Ana Luisa Amaral em Março passado, fui levado a reconhecer que a razão e o pensamento são as duas maiores riquezas do ser humano (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico)




1. Mensagem do nosso camarada Adão Cruz, (ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68), médico cardiologista, pintor e escritor, com data de 8 de Agosto de 2022:

© ADÃO CRUZ

REFLEXÃO

adão cruz

Ouvindo novamente a Oração de Sapiência proferida por Ana Luisa Amaral em Março passado, fui levado a reconhecer que a razão e o pensamento são as duas maiores riquezas do ser humano.

Ser capaz de parar para pensar é um enorme privilégio. Eu tenho um escrupuloso respeito pelo pensamento, pelo meu pensamento e pelo pensamento dos outros, quando racional e honesto. Acredito que todos nós, aqueles que nunca se venderam a nada nem a ninguém, aqueles que nas questões que mais nos inquietam e mais preocupam a humanidade necessitam sempre de pensar e ouvir a voz da razão. Não conseguem sentir-se livres fora da verdade, ou pelo menos fora da procura do caminho da verdade.

Há para mim três verdades que a reflexão profunda e séria de uma vida inteira tornaram irrefutáveis. Mas são minhas, e de modo algum eu pretendo impô-las a quem quer que seja.
Uma delas é a convicção de que o conhecimento e a cultura, a verdadeira cultura, ou seja, a cultura do conhecimento e, por inerência, a cultura da verdade são os mais importantes recursos de que dispomos para encontrar o caminho da justiça e da solidariedade, os sentimentos que nos acordam para a nobreza que poderia existir e não existe no coração da humanidade.
A segunda convicção é a do nefasto papel do obscurantismo, religioso ou não, arrastando consigo a irracionalidade e a secundarização do conhecimento, os grandes inimigos da verdade.
A minha terceira convicção é o simples reconhecimento de que a intencional desinformação e ignorância impostas ao mundo pelas forças que o dominam vai deformando, de forma mais insidiosa ou mais contundente, a consciência e mesmo a inconsciência das pessoas, levando-as à gelatinosa certeza de que não há verdade mais credível do que a verdade da mentira.

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23455: (Ex)citações (411): Cuidado com o "fogo amigo", cuidado com o dilagrama, cuidado com a granada defensiva... (António J. Pereira da Costa / Luís Graça)

Guiné 61/74 - P23508: (In)citações (213): Testamento, de Ana Luisa Amaral (1956-2022)... E homenagem a uma grande voz feminina da língua portuguesa (Luís Graça / Laura Fonseca)


Ana Luisa Amaral, Matosinhos,  Leça da Palmeira, 30 de setembro de 2014. 
Foto: Rita Amaral Ribeiro, 
Cortesia de Wikimedia Commons


1. Até sempre, poetisa! (*)
 por  Luís Graça

Quando morre um poeta ou uma poetisa,
morremos todos nós um pouco.
Ou morre um pouco de todos nós,
que de poeta e louco todos temos um pouco.

Não punhamos rótulos nos poetas ou nas poetisas,
porque são inclassificáveis,
não há poet...istas,
há só poemas, poemários,
há poetas, homens, mulheres,
novos, velhos, serôdios ou retardatários,
e sobretudo artesãos da(s) palavra(s),
talvez a mais bela invenção desse primata
que é o homo sapiens sapiens,
tão besta em tantas outras coisas
como a guerra, a violência, a intolerância, a estupidez.

A poesia é pura liberdade,
liberdade livre, disse outro poeta,
e a liberdade, quando é livremente livre,
é capaz de irritar, 
tão  ou mais que uma manada de elefantes a pisar a relva do jardim,
quem só vê as coisas através do manual da sua escola
ou do muro do seu quintal.

Ana Luisa Amaral
morreste, aos sessenta e seis anos,
porque eras mortal,
e tinhas medo de andar de avião,
mas gostavas tanto da vida
e das causas e das coisas e dos outros
que fazem a vida valer a pena.

Ficam os teus poemas, 
as tuas palavras magicamente concatenadas,
e eles e elas, os teus poemas e as tuas palavras,
serão, afinal, a tua prova de vida,
permanente.

Desculpa-me ter-te descoberto tão tarde 
(ou melhor, eu é que me penitencio),
só há dias fui à biblioteca municipal
requisitar o teu último livro, "Mundo".
E não o desgostei,
numa primeira leitura, avulsa, rápida, superficial, em diagonal.
Há demasiado ruído à nossa volta,
Ana Luísa Amaral,
e tanta coisa bela e essencial que nos escapa.

Nunca falariam tanto de ti, 
a comunicação social 
(e as redes sociais que tu detestavas),
se uma rainha espanhola, Sofia,
não te tivesse chamado ao paço
para te dar um prestigiado prémio... de poesia.
Sofremos, neste pequeno rectângulo ibérico,  
da síndrome do estrangeirado.
Que tristeza!

Nunca falariam tanto de ti
se agora não tivesses morrido,
assim tão de repente,
assim tão sem jeito,
sem tempo para gozares a fama e o proveito
de seres uma grande voz, feminina, da poesia em língua portuguesa.
 
Deixa-me então, reproduzir aqui, poetisa,
o teu "Testamento",
que leste há dias, uma semana antes de morreres, na RTP 3,  
no programa Grande Entrevista, do Vitor Gonçalves.

Leste-o, o teu "Testamento",
com grande beleza interior e serenidade e encanto.
E senti que já estavas no Olimpo dos poetas.
Leste-o premonitoriamente, 
sem poderes saber ou adivinhar
que o teu coração-avião já te tinha condenado à morte,
e ia falhar ou implodir no dia 5 de agosto.

Ana Luisa Amaral,
nem a tua Ritá nem nós, teus leitores, 
te vamos esquecer.
E tu serás a primeira a concordar
que  a poesia tem de se partilhar,
e chegar a todo o lado,
sem respeito pelas fronteiras ou outras barreiras
como os semáforos vermelhos.
Precisamos urgentemente do TGV da poesia
a percorrer a autoestrada da vida
mesmo em contramão,
mesmo em contravenção,
excedendo o limite legal dos 120 km/hora de velocidade.

Mas que pachorra,  este nosso comboio 
que, no seu ramerrame, pouca terra, pouca terra, 
mal faz pela vidinha!

E foste tu a dizer, há dias,
que os futuros jovens professores,
saídos das nossas faculdades de artes e letras, 
teus alunos, afinal, 
mestres e doutores de Bolonha, 
sabem quão coisa séria e grave é a poesia
a tal ponto que têm medo de a ensinar e de a dizer....
Por vergonha.

Há fome de poesia no mundo, 'priga'
(como se diz na minha terra natal)
mas, por favor, Ana,
que não nos venham fazer crer, Luísa,
que é tudo tetras,
e que a poesia não enche barriga, 
oh poetisa  Amaral!

Luís Graça, Lourinhã, 7 de agosto de 2022

2. Testamento

por Ana Luisa Amaral (1956-2022)

Vou partir de avião 
E o medo das alturas misturado comigo 
Faz-me tomar calmantes 
E ter sonhos confusos 

Se eu morrer 
Quero que a minha filha não se esqueça de mim 
Que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada 
E que lhe ofereçam fantasia 
Mais que um horário certo 
Ou uma cama bem feita 

Dêem-lhe amor e ver 
Dentro das coisas 
Sonhar com sóis azuis e céus brilhantes 
Em vez de lhe ensinarem contas de somar 
E a descascar batatas 

Preparem minha filha para a vida 
Se eu morrer de avião 
E ficar despegada do meu corpo 
E for átomo livre lá no céu 

Que se lembre de mim 
A minha filha 
E mais tarde que diga à sua filha 
Que eu voei lá no céu 
E fui contentamento deslumbrado 
Ao ver na sua casa as contas de somar erradas 
E as batatas no saco esquecidas 
E íntegras.

In Ana Luisa Amaral - "Inversos. Poesia 1990-2010" (Lisboa, Dom Quixote, 2010, 656 pp.)  (Esgotado)

3. Mensagem da nossa amiga (minha e da Alice Carneiro),  Laura Fonseca, socióloga, especialista em Estudos sobre as Mulheres (Faculdade de Letras, Universidade do Porto), natural da Lixa, Felgueiras, a viver no Porto, que conheceu (e conviveu com) a Ana Luisa Amaral:


Laura Fonseca, Porto (by email)
8 ago 2022 20:14

Olá, Luís

Ainda não digeri a morte deste grande ser humano, poeta, colega, mulher de causas e também de algum relacionamento pessoal, feminista, académica de excelência. Partilhei com ela, nos anos 1990/2000(?), a direção da APEM - Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres. Estava ainda no início do seu reconhecimento poético e no final do seu doutoramento. O que nós partilhávamos e apreendíamos!!!

Na verdade, o teu amigo Adão Cruz (*) faz um texto belíssimo, que exprime bem o que penso e sinto em relação a esta mulher: tão culta, tão solidária, tão inquieta e subversiva perante os problemas humanos. E fazia-o sempre e tinha sempre tempo, com a sua presença, a sua poesia.

Admirava a sua cultura, o seu empenho, o caminho de maturidade poética que estava a trilhar, sem perder o pé na terra nas pequenas e grandes coisas. Ana Luisa adorava partilhar o seu trabalho, fazer e dizer poesia, divulgar o trabalho de outras mulheres e homens. Não se cansava de dizer sim e ser generosa, mesmo que crítica com tudo o que fosse errado para as pessoas e a natureza neste mundo.

É uma pessoa que nos deixa muito. Mas é também uma pessoa que nos vai fazer muita falta, ao mundo, ao país, ao Porto, à academia, à ciência, ao movimento cívico e político, aos amigos e à sua adorada filha Rita,  sempre sua companheira e sua inspiração de amor e de humanidade.

Obrigada, Ana Luísa, obrigada, Adão Cruz, pelo seu maravilhoso texto de homenagem. (**)

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Notas do editor:


 

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23507: Agenda cultural (819): No passado dia 2 de Julho de 2022, foi apresentado, na Casa Pia de Lisboa, o livro "Alfredo Ribeiro – História, Memória, Saudade - O Universo Casapiano", da autoria de Luís Vaz. Alfredo Ribeiro foi Furriel Miliciano na CCAÇ 4150/73 (Albano Costa)

1. Mensagem do nosso camarada Albano Costa (ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 4150 (Bigene e Guidaje, 1973/74), com data de 5 de Agosto de 2022:

Boa tarde Vinhal
No passado dia 2 de julho foi feita a apresentação na Casa Pia de Lisboa do livro sobre a vida de um casapiano que passou pela guerra do ultramar, na Guiné, o Alfredo Ribeiro que foi furriel-miliciano na minha Companhia.

O título do livro é:
"Alfredo Ribeiro – História, Memória, Saudade - O Universo Casapiano", por Luís Vaz.

Agradeço a publicação
Albano Costa



SINOPSE

Sobre o livro:

Alfredo Ribeiro era um homem empenhadamente trabalhador, humano e de uma honestidade rara. É recordar o período posterior - a Abril de 1974.
Estamos perante alguém que não capitulou sob as vicissitudes da vida, enfrentando-as com estudo, trabalho, dedicação e alegria, desde criança até à sua morte.

Detalhes do produto:

Alfredo Ribeiro de Luís Vaz
ISBN 9789727808144
Edição/Reimpressão 07-2022
Editor: Âncora Editora
Idioma: Português
Dimensões: 149 x 229 x 18 mm
Encadernação: Capa mole
Páginas: 312
Tipo de Produto: Livro
Classificação Temática: Livros em Português > Literatura > Memórias e Testemunhos
Preço: 16,20€

Com a devida vénia a Wook.pt

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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23490: Agenda cultural (818): apresentação, às 17 horas, em Ferrel (dia 8) e no Baleal (dia 15), de dois novos livros de Joaquim Jorge (ex-alf mil at inf, CCAÇ 616, Empada, 1964/66): (i) Versos ao Acaso; (ii) Baleal: Beleza, Encanto, Fascínio!

Guiné 61/74 - P23506: Notas de leitura (1472): "Histórias da C. CAÇ. 2533" - Os belos testemunhos da gentes da CCAÇ 2533 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
É uma edição de amigos, não tem data, nem o nome do organizador, nem de tipografia, terá sido obra a pensar nos elementos da Companhia, uns carolas juntaram-se para coligir texto e imagens, o resto foi trabalho de reprografia. E no entanto, que estupendo depoimento de uma Companhia de Caçadores que esteve em Canjambari e Farim entre 1969 e 1971 e que deixou legado, cimentou amizades. Um testemunho que merece a nossa reflexão, não há para ali nada de farronca nem bravura exaltada, contam-se pilhérias, bebedeiras e não se escondem saudades de casa. Que bom, ter descoberto esta pérola na Biblioteca da Liga dos Combatentes.

Um abraço do
Mário



Os belos testemunhos das gentes da CCAÇ 2533 (1)

Mário Beja Santos

Em 2016, o blogue deu notícia desta edição, publicando alguns fragmentos e imagens. Só agora, e graças à Biblioteca da Liga dos Combatentes, é que tive acesso à integralidade do documento. Toca-nos pela singeleza, são muitos os depoimentos, são muitas as ilustrações, e logo o então Capitão Sidónio Martins Ribeiro da Silva fala da sua nomeação, da preparação da companhia e não esconde as suas exigências: “Estava consciente da minha falta de experiência e de conhecimentos sobre uma guerra de guerrilhas. Capitão recém-promovido tinha, na prática, passado de comandante de pelotão para comandante de companhia em zona de guerra”. E tomou a decisão de dotar com a melhor instrução possível os seus homens: “Estava determinado em cumprir à risca a velha máxima: mais suor e lágrimas e menos sangue”. Os problemas começaram a surgir quando foi recebendo os quadros da companhia. Chegou um aspirante a oficial com a especialidade de minas e armadilhas, informou-o de que era Objetor de Consciência. “Aquando do julgamento, tive então a oportunidade de informar o coletivo de juízes da minha convicção de que o acusado agia por imperativo de consciência. Mais declarei que toda a sua conduta e por sua expressa vontade foi determinante para que a situação não transvazasse para o domínio público. Ainda hoje desconheço a decisão do tribunal militar. Pela coragem demonstrada e pela convicção das suas ideias, este episódio constituiu o exemplo de um HOMEM que não vacila perante uma lei que não reconhece a razão da consciência”.

A CCAÇ 2533 embarca no Niassa, o capitão vai mais tarde, tudo uma questão de vacinas. Vão rapidamente para Canjambari, de nome completo Canjambari Morucunda. Encontrou um quartel em estado lastimável, legou instalações completamente remodeladas, uma enfermaria para duas companhias, um heliporto e uma nova povoação constituída por vinte moranças e escola, tudo dentro de um perímetro de defesa anexo ao aquartelamento. Para além de pequenas obras que foram do matadouro aos paióis, tudo à custa de mão-de-obra do pessoal da Companhia. O estado das viaturas não era nada animador: das vinte viaturas recebidas apenas três estavam operacionais. Procurou manter do princípio ao fim hábitos assentes em disciplina e acuidade, as formaturas e toques de corneta nunca foram dispensados. Houve acidentes no percurso, ossos do ofício, um minitornado deixou o aquartelamento num estado desolador.

Quem diz Canjambari é só uma questão de olhar para o mapa e pensar nos riscos à volta. O Capitão Vasco Lourenço estava em Norte-Cuntima, havia Fajonquito, Farim e diferentes pontos de passagem utilizados pelas gentes do PAIGC. Toda esta área era coordenada por um Comando Operacional, um major, que apareceu no aquartelamento com obus e que se fartou de bombardear uma certa área, terminado o bombardeamento, despediu-se com uma certa ironia:
Agora aguenta! “Está claro que não demorou muito tempo que o nosso quartel fosse também bombardeado”. Ali estiveram catorze meses e depois foram transferidos para Farim. Recorda o malogrado alferes Ambrósio falecido em combate, durante uma interdição no Corredor de Lamel. Invoca os falecidos e contabiliza os ensinamentos: “Longe de mim a ideia de que a guerra foi um mal que veio por bem. Muitos foram os que ficaram a padecer de males físicos e psicológicos. Mas a guerra preparou-nos para enfrentar os problemas da vida. Aprendemos a graduar o nosso sofrimento. Ensinou-nos o que é a solidariedade vivida dia a dia”.

E prosseguem os testemunhos ingénuos, parece que arrancados à literatura oral, fala-se de praxes, há as recordações da chegada a Canjambari, tudo ressaltado por imagens concludentes; há as recordações também dos aniversários, das primeiras patrulhas e dos primeiros contatos. Ali relativamente perto, em Canjambari Praça, havia a presença do PAIGC; há lembranças de cobras e de um espetáculo com o artista Horácio Reinaldo, de alguém que escapou por pouco com uma mina antipessoal; há as pilhérias como o roubo de um galo do 1.º Sargento Pinheiro, até se fala de um porco que estava doente e foi enterrado e alguém da população foi desenterrar e se regalou com o repasto.

O Alferes Armando Mota agradece ao Capitão Sidónio por ter mantido, sem desfalecimentos, as preocupações com a disciplina. Há uma emotiva página dedicada ao Soldado Condutor Guilherme, com uma fotografia tirada momentos antes da sua morte, contado também pelo Alferes Armando Mota:
“Passados alguns quinze minutos chegámos ao Bolumbato, onde avistámos a equipa da picagem. Decidi que a coluna esperaria ali, pois era mais seguro do que seguir em andamento lento atrás do pelotão da picagem. Lembro-me de tirar uma fotografia ao Soldado Guilherme, condutor da minha viatura, a Berliet que seguia à frente. Seriam umas 9h20 quando se ouviu uma grande explosão seguida de vários rebentamentos. Percebi que os nossos camaradas haviam caído numa emboscada. O nosso pessoal subiu rapidamente para as viaturas e arrancámos a toda a velocidade.
Recordo-me do Guilherme às tantas me dizer que não se avistava a segunda viatura, mas dadas as circunstâncias disse-lhe para não se preocupar e acelerar, pois sabia que vinham logo atrás. Entretanto continuava a ouvir-se intenso tiroteio e rebentamentos. Disse ao Guilherme que quando o mandasse parar, metesse a viatura no mato fora da estrada, por segurança.
Só próximo do fim da reta que antecede a rampa para Lamel, avistei o último dos elementos do 3.º pelotão que nos fazia sinais para encostar. Pedi para parar e entrar no mato à direita, pois o IN estava a atacar do lado esquerdo.

Ouvi perfeitamente três ou quatro tiros na nossa direção, que não nos atingiram, saltei para o chão, atravessei a estrada e instalei-me enquanto o resto do 1.º pelotão tomava também posições. Íamos começar a avançar quando o Fonseca me disse que o Soldado Guilherme estava caído e ferido. Fui buscar o nosso enfermeiro que me confirmou que era muito grave. Decidi evacuá-lo imediatamente para Farim. Desloquei-me à segunda viatura para conseguir ajuda no transporte do ferido, mas ao aperceber-se do drama e para facilitar, o Soldado Solipa ofereceu-se, pois não tínhamos condutor, para conduzir a viatura dali para Farim, e corremos os dois para junto do grupo que protegia o ferido. Ainda debaixo de fogo o Solipa manobrou a Berliet e carregámos o Guilherme já inconsciente. Partimos, eu, o enfermeiro e mais três soldados rapidamente para Farim. Recordo-me de lhe segurar a cabeça para não se magoar no chão da viatura, enquanto com a outra mão me segurava à estrutura da viatura. No outro extremo, o Evangelista segurava-lhe as pernas, também deitado e agarrado ao banco com uma mão. Acreditávamos que ia valer a pena…

O Soldado Solipa foi louvado pela atitude de solidariedade com o camarada, debaixo de fogo. Enviei à família do Soldado Guilherme uma nota de sentimento com a foto que lhe tirei vinte minutos antes de falecer, descrevendo a ação onde caiu. Não obtive resposta e nunca mais comunicámos”.


(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23495: Notas de leitura (1471): "Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2022 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23505: A nossa guerra em números (21): o esforço financeiro global, de 23 mil e 900 milhões de euros (em valores de 2008), dividiu-se por Angola e Moçambique (25%) e pela Metrópole (75%)

 


Vidas, ilustração digital (Luís Graça, 1999)


1. Algum dia saberemos ao certo quanto é custou a Portugal e aos portugueses (mas também aos angolanos, guineenses, moçambicanos, cabo-verdianos, são tomenses, macaenses e timorenses) a guerra do ultramar / guerra de África / guerra do Ultramar (1961/74) ? (*)

Acho que nunca o saberemos, para mais  se, aos custos diretos, acrescermos os custos indiretos e sobretudo os custos ocultos (anos de vida perdidos com as mortes de combatentes e de civis,  encargos com o tratamento e reabilitação dos feridos, stress pós-traumático de guerra, encargos financeiros dos empréstimo contraídos, quebra no investimento produtivo, danos para a imagem internacional do país, etc.)

Mas fiquemos só pelos custos diretos, os “encargos orçamentais”, com a guerra, a parte mais propriamente financeira, a que diz respeito, afinal,  ao "vil metal"... ou pelo menos por aquilo que se pode apurar da contabilidade nacional… 

Para esse efeito, vamos revisitar um artigo que já tem mais de uma dezena de anos, da autoria do tenente-general na situação de reforma Victor Manuel Mota de Mesquita (1932-2016), publicado na Revista Militar,  nº 2511, abril de 2011, pp.  O autor foi Director do Departamento de Finanças do Exército,  tendo passado também como militar pelos TO de Angola e Moçambique.

 Este artigo resultou de uma palestra proferida em 20 de fevereiro de 2009, no auditório do ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa, integrada no Ciclo de Conferências da Cooperativa Militar. Está disponível no sítio da Revista Militar, em formato digital, sem numeração de página.

E o autor começa por dizer-nos aquilo que  no fundo é um segredo de Polichinelo, mas vai contra o mito, alimentado no Estado Novo, sobre as "contas limpinhas", a sacrossanta regra do equilíbrio orçamental, segundo a qual só se podia gastar o que se tinha: 

“ (…) Também não foi fácil a vida das Forças Armadas sob o ponto de vista financeiro, onde a coluna do débito foi sempre superior à do crédito e só artifícios de toda a ordem permitiram conduzir uma pesada cruz por caminhos cheios de dificuldades.”

Por outro lado, “no início da guerra em Angola, em 1961, as finanças militares encontravam-se estruturadas para a paz e, portanto, dispunham apenas dos meios indispensáveis à sua gestão normal.” (...)


2. Há ideias falsas sobre quem pagou a guerra… Ainda hoje há quem pense que Angola era tão rica que a sua riqueza chegava para pagar a guerra durante muitos e muitos anos. Claro que Angola também contribuiu para o esforço de gerra, tal como Moçambique, a Guiné e os demais territórios então sob admimistração portuguesa (e hoje países independentes, com exceção de Macau, que voltou à soberania da Cahina, tendo desde 1999 o estatuto de Região Administrativa Especial da República Popular da China). 

Por exemplo, o nosso querido amigo e camarada António Rosinha, o último dos africanistas, comentou, no poste P23462(*):

(…) “Uma guerra tão longa e desgastante ? Não era tão desgastante (economicamente) assim, Luís Graça.

No grande território de Angola seria saturante e entediante para os 24 meses de arame farpado dos praças e milicianos, mas não o desgaste (económico), porque este era compensado com as riquezas naturais que dali saíam: petróleo, diamantes e agriculturas diversas e pecuária e pescas.

“Notícia de última hora: foi encontrada um pedra na região do rio Lukapa uma pedra considerado o maior diamante bruto no mundo nestes últimos 300 anos. (Jornais, atenção que os angolanos têm a mania das grandezas.)

“Só essa região que era na Luanda, distrito do tamanho geográfico de 3 ou 4 Guinés, laborava-se sem proteção militar direta durante os treze anos de guerra.

“Estamos a falar da zona da Diamang. A Guiné era a Guiné, e Março de 61 Norte de Angola, foi o que foi e os dois últimos anos do norte de Moçambique foi o que foi.

“No meio disso tudo, falta contar ‘muito deixa andar’ em muitos Cus de Judas que iam desde a ilha de Luanda até às coutadas da Gorongoza.” (27 de julho de 2022 às 13:35).

3. Seria ocioso falarmos aqui, em detalhe, sobre os complexos mecanismos da gestão financeira da guerra. Mas há coisas que convirá sabermos, como esta,  mais que evidente: aquela guerra apanhou-nos de calças na mão, não foi planeada, programada, preparada (sob todos os pontos de vista).

(...) “Até ao ano de 1960 as forças militares em serviço no Ultramar, mais propriamente, as forças privativas de cada Província eram sustentadas pelos orçamentos das respectivas Províncias e as forças extraordinárias, ou de reforço, pelos orçamentos gerais da Metrópole, Orçamento Geral do Estado (OGE) como então se designava" (...)

A partir de 1960, a gestão financeira das forças privativas passou a ser da responsabilidade da Metrópole, através do Departamento da Defesa Nacional. Todavia, a gestão financeira das forças extraordinárias (que vão reforçar a tropa dos territórios ultramarinos), continua a ser   gerida pelo departamento de cada um dos três ramos, os quais são verdadeiros feudos, pensando e agindo como verdadeiras grandes corporações em copetição umas com as outras por recursos escassos…

Na prática, o Departamento da Defesa Nacional era “um ministro sem ministério”, dispondo, como “staff”, de um Secretariado Geral, criado para “coordenar” os três Ramos das Forças Armadas (Exército, Força Aérea e Marinha).

Esta descentralização financeira funcionou praticamemte durante toda a guerra, acabando por originar crescente endividamento das Forças Armadas, incapacidade para responder com prontidão às necessidades sobretudo logísticas, engenharias financeiras de toda a ordem, recurso a empréstimos bancários (Caixa Geral de Depósitos e outras fontes), criação de novos impostos, como o Imposto de Transações (na Metrópole), e, não menos grave, ao crescente protagonismo do Ministério das Finanças… Ou, por outras palavras, também na guerra o "economicismo" terá condicionado o desempenho operacional, e a mordernizaçao das Forças Armadas (e nomeadamente da FAP) não se pôde fazer "just in time"...

(...) “Só quem passou pelos problemas pode dar valor à luta travada com o Ministério das Finanças, que tudo subordinava à obediência a um sistema financeiro fiel à regra do equilíbrio orçamental, como se o País estivesse em tempo de paz.” (...) 

Como consequência, chegámos a ter uma situação financeira "de tal modo grave que as Unidades seguiam para o Ultramar com as suas dotações orgânicas reduzidas a 25%, e as que se encontravam em operações tinham, em muitos casos, dotações inferiores a 50%.” (...).

Só para dar mais um exemplo:

(...) "No ano de 1966, nas receitas do Orçamento Metropolitano, 36,03 % eram absorvidos pela guerra, enquanto em Angola representavam 11,07 % e em Moçambique 12,07 %.

(...) "Cabe aqui referir que neste ano de 1966 o Chefe do Governo [ António de Oliveira Salazar] desconhecia o custo das operações de guerra, nem tão pouco conhecia as dificuldades financeiras existentes.

"Até então os responsáveis pelo Departamento da Defesa não lhe davam conhecimento da situação, atitude para a qual não se encontrou explicação que não fosse esconder a realidade que se vivia". (...)

Mas fiquemos, por agora,  com  o resumo das contabilidade da guerra, segundo o autor acima citado (Mesquita, 2011):

  • Nos treze anos de guerra, Angola contribuiu com 12 milhões e 300 mil contos, o que corresponde, em valores actuais (2008, tendo o artigo sido escrito em 2009), a cerca de 3 mil e 300 milhões e 300 mil euros;
  •  e Moçambique com 10 milhões e 200 mil contos,  correspondendo, em valores actuais, a cerca de 2 mil 700 milhões e 600 mil euros;

(...) Podemos, pois, dizer que a valores actuais
[ 2008], o esforço financeiro das duas Províncias foi cerca de 6 mil milhões de euros (...), a que se juntarmos o que a Metrópole despendeu no montante de cerca de 17 mil e 900 milhões de euros (...), totaliza cerca de 23 mil e 900 milhões de euros (...) de encargos financeiros com a guerra no Ultramar. (***)

A estes valores haverá que acrescentar as despesas efectuadas em 1974 e 1975 com a saída das Forças Armadas dos três teatros de guerra, despesas estas que não me foi possível obter. (...)

Grosso modo, a contribuição ultramarina para o esforço financeiro de guerra foi de 25%, cabendo à Metrópole a fatia maior do bolo: 75%.

(Negritos: LG)

(Continua)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 1 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23481: A nossa guerra em números (20): Meios e operações da FAP - Parte II: Armamento das aeronaves: o papel da OGMA e outras empresas portuguesas


(...) A estimativas das despesas para o caso da Guerra Colonial é de cerca de 21,8 mil milhões de euros, ou seja, 10,8% do PIB atual (2018). Este valor representa um custo médio anual de aproximadamente 1,6 mil milhões de euros. (...)