quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24947: João Crisóstomo, Prémio Tágides 2023 (Categoria "Portugal no Mundo"): uma vida, muitas causas - II (e última) Parte

 

O "Senhor Timor"...  João Crisóstomo, ativista social, cofundador e líder do LAMETA (Luso-American Movement for East- Timor Autodetermination)... Acaba de receber, em Lisboa, no passado dia 11, o Prémio Tágides 2023... Afinal, quem disse que ninguém é profeta na sua terra ? Ele trocou o rincão natal, Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras pela megalópole de Nova Iorque, em 1975...

Foto: João Crisóstomo, Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã, 1 de julho de 2017. Fotografado por Luís Graça.

Prémio Tágides (2023)


Num total de 171 candidatos, João Crisóstomo foi nomeado para a categoria "Portugal no Mundo" (inaugurada nesta 3ª edição, teve 3 fases de seleção, 14 candidatos, três finalistas, 
e o júri foi presidido por Isabel Mota). 

O prémio Tágides, criado em 2021, “pretende identificar, reconhecer, celebrar e premiar projetos, iniciativas ou trabalhos de pessoas que se destaquem na luta contra a corrupção e na promoção da integridade em Portugal”.

A candidatura de João Crisóstomo  foi apresentada por amigos e admiradores luso-americanos. Dos elementos que chegaram às nossas mãos, selecionámos este material informativo com dados biográficos e um resumo das actividades que o nosso camarada tem desenvolvido nos últimos três decénios na defesa de causas nobres, relevantes para Portugal e os portugueses no mundo. Esta é a segunda e última parte (*)

O nosso amigo e camarada João Crisóstomo é membro da nossa Tabanca Grande desde 26 de julho de 2010, sentando-se à sombra do nosso poilão sob o nº 432 (somos já 881, entre vivos e mortos);  tem 212 referências no nosso blogue; é o régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona;  foi  alf mil inf, CCAÇ CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67); vive em Queens, Nova Iorque,  desde 1975, mas vem cá com frequência, ao  seu querido Portugal.  


(...) 3. TIMOR-LESTE – 1998 (vd. Doc 3, 4, 5, 6, 7)

 

 Nos anos 1990, quando nem a política externa portuguesa nem a americana incluiam na sua agenda a independência de Timor Leste, João Crisóstomo e um grupo de amigos criou em 1998, em Nova Iorque, a associação LAMETA (Luso-American Movement for East- Timorese Autodetermination), através da qual apoiou pessoalmente nacionalistas timorenses que visitavam os Estados Unidos e promoveu acções de apoio à independência timorense junto de meios de comunicação social (NY Times, CNN e outros) e de órgãos do poder politico americanos. 

Entre outras iniciativas, organizou uma manifestação pró- independência em frente ao consulado indonésio em Nova Iorque (1999) e, com o apoio de associações luso- americanas e particulares, canalizou uma sucessão de donativos – a aproximar-se dos $200.000 dólares - para associações que no terreno timorense respondiam aos problemas sociais do território que se iria (re)tornar independente em 20 de Maio de 2002.

Graças a diligências suas e de figuras políticas contactadas, o Senado americano aprovou a Resolução 237 de 22 de Maio de 1998 apoiando a realização de um referendo em Timor-Leste. A resolução foi apresentada pelos senadores Feingold, Reed, Moynihan, Kohl, Kennedy, Harkin, e Wellstone.

Descendo a pequenos pormenores, numa altura em que pouco existia em Timor-Leste, e dada a sua proximidade com a causa timorense, chamou a si a tarefa de comprar uns óculos de que urgentemente precisava Taur Matan Ruak, então ligado ao comando da guerrilha nacionalista timorenses e futuro presidente de Timor Leste independente (2012-1017) e primeiro-ministro (2018- 2023). Os óculos, no valor de algumas centenas de dólares, foram comprados numa loja propriedade de Peter Pantoliano, situada na convergência da Niagara St. com a Ferry St. em Newark, NJ.


4. DIA DA CONSCIÊNCIA – 2004, 17 DE JUNHO (Vd. Doc 10)

 

 Desde 2004, tem estado empenhado na declaração mundial do dia 17 de junho como DIA DA CONSCIENCIA

O dia 17 de Junho de 1940 foi a data em que, contrariando as ordens de Lisboa mas obedecendo à sua consciência, Aristides de Sousa Mendes começou a conceder vistos em massa a judeus e a outros refugiados da Segunda Grande Guerra.

O Dia 17 de Junho de 2004 e o “Acto de Consciência” de Aristides de Sousa Mendes de 1940 foram celebrados nesse ano com cerca de oitenta acontecimentos por todo o mundo, com destaque para 34 Missas celebradas com a maior solenidade em 21 países. 

Esta data continuou a ser celebrada nos anos seguintes, alguns deles com grande notoriedade. Em 2010 registaram-se vários acontecimentos e entre eles uma concelebração de quatro cardeais em Roma, que mereceu devida cobertura pela Agência Zenit: “Tribute paid to those who followed conscience”, Rome June 18, 2010 ( Zenit.org).

Semelhantes acontecimentos ocorreram em outros países e no Parlamento do Canadá houve uma moção introduzida pelo legislador luso-americano Mario Silva,  “encouraging all parliamentarians to recognize this devotion to conscience by supporting my notion designate June 17 each year a day of conscience, consistent with the international efforts of João Crisóstomo”.

Na Audiência Geral de 17 de Junho de 2020 o Papa Francisco lembrou o dia: 

“Today is the Day of Conscience, inspired by the witness of the Portuguese diplomat Aristides Sousa Mendes, who around 80 years ago decided to follow his conscience and saved the lives of thousands of Jews and other persecuted people. May freedom of conscience be respected and always and everywhere and may every Christian give the example of the consistency of an upright conscience enlightened by the Word of God”.

Em 2019, a Assembleia Geral da ONU declarou 5 de Abril Dia da Consciência – sem qualquer relação com as acções de Sousa Mendes - decorrendo neste momento diligências para conciliar as datas.


5. ENCERRAMENTO DE CONSULADOS PORTUGUESES -  2006

   Quando em 2006, o governo português decidiu encerrar o Consulado Geral de Portugal em Nova Iorque no âmbito de um programa de reorganização consular que queria implementar em todo o mundo, a acção foi vivamente contestada pela população luso-americana que o consulado servia. 

João Crisóstomo assumiu a liderança do movimento de contestação que, entre outras medidas, incluiu uma manifestação em Mineola, NY, em Janeiro de 2007. 

O Consulado Geral, que contava 45.000 inscritos, acabou por ser transformado num escritório consular e, mais tarde restituido ao seu estatuto anterior. Hoje é chefiado por uma diplomata do quadro a tempo inteiro.


6. LUSO-AMERICANO REFÉM DAS FARC NA COLÔMBIA  - 2008 (Vd. Doc 9)


Em Abril de 2008, as comunidades portuguesas dos Estados Unidos viviam com alguma ansiedade a sorte do luso-americano Marc Gonsalves, desde Fevereiro de 2003 refém das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). 

Aproveitando-se da visita que o primeiro-ministro português José Sócrates iria efectuar à Venezuela, João Crisóstomo lançou uma accão de mobilização das associações portuguesas, 33 das quais escreveram uma carta ao primeiro-ministro pedindo-lhe diligências a favor do refém luso-americano junto do líder venezuelano, que mantinha bom relacionamento com as FARC. 

“Estas associações de 6 estados norte-americanos, representando milhares de portugueses e luso-americanos, deram o seu apoio imediato a esta diligência que surgiu nos meios associativos portugueses de Newark, NJ, e que eu me limitei a coordenar em obediência a imperativos de consciência, por dever de solidariedade humana e por não desconhecer - como antigo combatente na Guiné - o que serão para um dos nossos - Marc Gonsalves - os horrores do isolamento e as tensões de um clima de guerra” – escreveu João Crisóstomo na carta que endereçou ao primeiro-ministro português.

 Marc Gonsalves e outros reféns foram libertados em 2 de Julho de 2008 na sequência de uma operação das forças militares colombianas sem que fosse necessária a pressão do primeiro-ministro português.


7. UMA ESCOLA CONSTRUÍDA NAS MONTANHAS DE TIMOR-LESTE CO-FINANCIADA E COM PROFESSOR – 2017-2018 (Vd. Doc. 11)


Em Setembro de 2016, João Crisóstomo avistou-se em Nova Iorque com o primeiro-ministro de Timor-Leste Rui Maria Araújo mostrando-lhe documentalmente o que as comunidades luso-americanas tinham feito, quase anonimamente, pela independência de Timor-Leste. 

O chefe do governo timorense confessou que também desconhecia esse esforço, mas encorajou o activista a colocar em livro essa longa jornada que ele dirigira ou encorajara nos anos dificeis que precederam a independência. 

O livro foi impresso em 2017 (“LAMETA, o Desconhecido Contributo das Comunidades Luso- Americanas para a independência de timor-Leste”) e o primeiro-ministro quis que João Crisóstomo o fosse lançar a Dili.

De passagem por Lisboa a caminho de Dili teve oportunidade de conhecer em Portugal o professor Rui Chamusco, natural do Sabugal e ex-professor na Lourinhã, com alguns largos meses passados em Timor-Leste. 

Foi o professor Chamusco que lhe falou dum projecto duma escola nas longínquas montanhas de Liquiçã em cuja construção estavam também dispostos a dar o seu melhor o casal timorense Gloria e Gaspar Sobral.

Conta João Crisóstomo: 

“Quando cheguei a Timor Leste procurei e encontrei o João Moniz (Eustáquio), irmão do Gaspar, que me levou às montanhas de Manati-Boibau, província de Liquiça, onde me aventurei para conhecer o local onde encontrei centenas de "crianças esquecidas" e deparei nesse local com as necessidades e o muito interesse das gentes nas montanhas de Boebau pela construção duma escola. No mesmo momento eu e minha esposa Vilma que tinha vindo connosco a estas montanhas, resolvemos dar um contributo para este projecto para que ele começasse imediatamente e dei conta desta decisão ao Rui Chamusco.”

O resultado foi que passadas duas semanas o local, sob a supervisão do Eustáquio, era já um fervilhar de actividades. A construção da escola tinha começado a todo o vapor.

Em princípios de 2018 a escola era uma realidade. Foi inaugurada no dia 19 de Março com a presença do Embaixador José Pedro Machado Vieira ; Mons Mario Codamo representante do Vaticano em Dili; Dr. Rui Acácio, director da escola portuguesa de Dili e outros que demostrando vontade e inspiradora coragem enfrentaram os difíceis acessos ao local para aí estarem presentes nesse dia.

Apesar de solicitadas, as autoridades portuguesas não dedicaram interesse a este projecto concretizado e os promotores da escola são também os responsáveis financeiros pelo salário do professor, para o qual construiram também uma residência.

A escola é um edifício simples que consta de 3 salas possibilitando o atendimento a 60 crianças, em dois turnos, 30 de manhã e 30 de tarde. A escola mais próxima fica de duas a três horas a pé, para cada lado, e o acesso é por trilhos. Mesmo assim, esta já não pode receber mais crianças do que as que já tem, por falta de condições. 

Estas escolas também ajudarão a dar futuro à língua portuguesa em Timor-Leste ensinando-a aos mais jovens (45% da população timorense tem menos de 50 anos de idade), muito pressionados a trocarem-na pela língua inglesa do seu poderoso vizinho Austrália.

Como acontece tantas vezes na vida das pessoas, João Crisóstomo tem lançado e lutado por estas e por outras causas por imposição da sua consciência cívica e cristã e nunca reivindicou créditos.

Como o seu herói Sousa Mendes, basta-lhe o aplauso da sua consciência.


Anexos:


Doc 3 - Recorte do "Luso-Americano", 10 de setembro de 1999



Doc 4 - Recorte do "Luso-Americano", 23/2/2000



Doc 5 -Recorte de "Luso-Americano", 8/5/2002



Doc 6 - Recorte de "Luso-Amerciano", 12/11/1999



Doc 7 - Recorte de "Luso-Americano", 2/2/2009




Doc 9 -  Recorte do "Luso-Americano", 9 de abril de 2008: Solidariedade com Marc Gonsalves


Doc 10 - Recorte da agência "Lusa", 16/6/2021: Entrevista a João Crisóstomo sobre o Dia da Consciência


Doc 11 - Recorte de "Comunidades", 28 de fevereiro de 2018

(Adaptação, revisão, fixação de texto, links, fotos no texto, negritos: LG)

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Nota do editor LG:

(*) Poste anterior: 

12 de dezembro de 2023: Guiné 61/74 - P24945: João Crisóstomo, Prémio Tágides 2023 (Categoria "Portugal no Mundo"): uma vida, muitas causas - Parte I

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24946: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte XL: ten inf Miguel António Ponces de Carvalho (Oliveira de Azeméis, 1885 - Negomano, Moçambique, 1917)


Miguel António Ponces de Carvalho  (Oliveira de Azeméis, 1885 - Negomano, Moçambique, 1917)


Nome: Miguel António Ponces de Carvalho

Posto: Tenente de Infantaria

Naturalidade: Oliveira de Azeméis

Data de nascimento: 22 de Outubro de 1885

Incorporação: 1908 na Escola do Exército (nº 239 do Corpo de Alunos)

Unidade: 3º Grupo de Metralhadoras

Condecorações

TO da morte em combate: Moçambique

Data de Embarque

Data da morte: 19 horas de 25 de Novembro de 1917

Sepultura: Negomano - Moçambique

Circunstâncias da morte:  No combate de Negomano (25/26 de Novembro de 1917) quando, a descoberto, procurava desencravar uma das suas metralhadoras pesadas,  foi mortalmente atingidopelos fogos da força alemã atacante.


António Carlos Morais da Silva, hoje e ontem


1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos oficiais oriundos da Escola do Exército e da Escola de Guerra que morreram em combate, na I Guerra Mundial, nos teatros de operações de Angola, Moçambique e França (*).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva, cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da Academia Militar e depois professor da AM, durante cerca de 3 décadas; é membro da nossa Tabanca Grande, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 8 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24929: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte XXXIX: Maj inf João Teixeira Pinto (Moçâmedes, Angola, 1876 - Negomano, Moçambique, 1917)

Guiné 61/74 - P24945: João Crisóstomo, Prémio Tágides 2023 (Categoria "Portugal no Mundo"): uma vida, muitas causas - Parte I


João Crisóstomo,  fotografado em 17 de janeiro de 2018, quarta feira, para o jornal Luso-Americano, junto à Sinagoga Luso-Espanhola, de Nova Iorque, por ocasião da homenagem que os Correios de Israel lhe fizeram,  com a emissão de um selo com a sua efígie, na sequência da sua campanha pelo reconhecimento de Aristides Sousa Mendes.

Fonte: Cortesia de Luso-Americano, 19 de janeiro de 2018


Prémio Tágides 2023, na categoria "Portugal no Mundo", atribuído na segunda feira, 11 de dezembro de 2023, na Fundação Calouste Gulkenkian. O Prémio (que tem diversas categorias) é uma iniciativa da associação All4Integrity:  

"A Edição de 2023 pretende dar continuidade à missão desenvolvida nas edições anteriores, com uma renovada vontade de apelar à sociedade civil para que se envolva no combate à corrupção em Portugal."... 

A candidatura de João Crisóstomo  foi apresentada por amigos e admiradores luso-americanos. Dos elementos que chegaram às nossas mãos, selecionámos este material informativo com dados biográficos e um resumo das actividades que o nosso camarada tem desenvolvido nos últimos três decénios na defesa de causas nobres, relevantes para Portugal e os portugueses no mundo.

Recorde-se    que  o nosso amigo e camarada João Crisóstomo é membro da nossa Tabanca Grande desde 26 de julho de 2010, sentando-se à sombra do nosso poilão sob o nº 432 (somos já 881, entre vivos e mortos);  régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, foi  alf mil inf, CCAÇ CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)] vive em Nova Iorque desde 1975, mas vem cá com frequência à santa terrinha.(E agora passará a vir cá mais vezes, como membro do júri do Prémio Tágides, edição 2024.)


JOÃO CRISÓSTOMO, 

UMA VIDA, MUITAS CAUSAS  


Vilma e João, "just married":  Nova Iorque, 21 de abril de 2o13. 

Para ambos, foi  o segundo casamento. Vilma, de origem eslovena (nascida na antiga Jugoslávia) vivia em França desde 1979. Profissão; enfermeira. O João, nascido em Portugal, Torres Vedras, vive em Nova Iorque desde 1975, exercendo a profissão de mordomo e empresário (*). Reformou-se, entretanto. há  Conhecia a Vilma, de Londres, desde o início dos anos 70. Mas estiveram 40 anos sem saberem do paradeiro um do outro. O casamento, interreligioso, concelebrado com um rabino judeu e um padre católico, teve na altura o devido destaque na coluna social do New York Times e no LusoAmericano. 




Quando em 28 de Abril de 2013, o New York Times dedicou uma das suas páginas ao casamento do activista luso-americano João Crisóstomo com Vilma Kracun não o fez por causa de uma proeminência social de excepção dos noivos mas pela força do importante contributo dado por João Crisóstomo a tantas causas que viu concluídas com grande sucesso. (Doc 1, em anexo).

 Também não passou sem causa o facto de a cerimónia ter sido presidida pelo rabino Elie Abadie.

No último quarto de século, João Crisóstomo não esteve ausente de nenhuma das grandes causas que atrairam o interesse geral das comunidades luso-americanas da costa leste dos Estados Unidos e que, de um modo ou de outro, também se situavam dentro do círculo alargado dos direitos humanos ou dos interesses – declarados ou não - do país onde nasceu, Portugal.

Em resultado da elevada dedicação a causas justas recebeu já as seguintes distinções:

  • 1998 - International Rock Art Congress Award (USA)
  • 2001 - Angelo Roncalli Medal, International Raoul Wallenberg Foundation;
  • 2001 - Outstanding Service to Society Award, Edison State College;
  • 2002 - Visas for Life Award;
  • 2004 - “Aristides Sousa Mendes Medal” da International Raoul Wallenberg Foundation (IRWF);
  • 2005 - Luis Martins de Sousa Dantas Medal, IRWF;
  • 2005 - Recognition Certificate, Government of Canada.

O seu envolvimento cívico tem tido estas etapas principais:


1. GRAVURAS DE FOZCOA – 1995 (Doc. 2)


Mercê dos contactos que soube construir no âmbito da sua actividade profissional de serviços à alta sociedade nova-iorquina (foi despenseiro de milionários da sociedade americana, incluindo Jacqueline Kennedy Onassis), João Crisóstomo foi determinante, através do "Times" de Londres, na internacionalização da questão das gravuras pre- históricas de Foz Coa e na suspensão, em 1995, da construção da barragem que as iria submergir. 

Pôde contactar pessoalmente Rupert Murdoch, durante um acontecimento social em Nova Iorque, e este encaminhou-o para os editores do seu "Times" londrino, começando aí a pressão internacional para salvar as gravuras de Fozcoa.

Hoje, o espaço ocupado pelas gravuras está declarado pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade e, como sempre acontece, esquecido o papel inicial de João Crisóstomo.

Ainda no âmbito deste movimento criou em 1995 o “SAVE THE COA SITE MOVEMENT, USA” e promoveu demonstrações em Nova Iorque e sensibilizou diversos meios de informação internacionais e figuras da política e cultura da Europa, nomedamente a Unesco, e dos Estados Unidos obtendo apoio para a salvaguarda das gravuras de Foz Coa através de artigos publicados na imprensa internacional, sendo os seus esforços creditados pelo "Times", de Londres, o "Le Monde" e outros como o coordenador internacional deste movimento.


2. ARISTIDES SOUSA MENDES - 1996

A acção filantrópica de diplomatas portugueses em relação aos judeus residentes na Europa durante a segunda guerra mundial, muito desconhecida nos Estados Unidos, mereceu-lhe atenção desde 1996, causa que conhecera através da advogada  californiana Anne Treseder.

 Mesmo nos meios judeus que contactou, o único que conhecia bem a história do cônsul português em Bordeus era o Nobel e sobrevivente do holocausto Professor Elie Wiesel. 

Depois de se elucidar sobre o assunto, esteve em 1999 directamente envolvido na preparação da exposição aberta na sede da ONU em Nova Iorque em 3 de Abril (data da morte de Sousa Mendes em 1954) de 2000 e que, entre 52 diplomatas de 18 países, referiria o papel desempenhado na concessão de vistos a judeus pelos diplomatas portugueses Aristides de Sousa Mendes, Carlos Almeida Sampaio Garrido, Carlos Teixeira Branquinho e Carvalho da Silva. 

Esta exposição “Visas for Life”, promovida pelo activista judeu Eric Saul e patrocinada por cinco das maiores organizações judaicas nos Estados Unidos, abriu deliberadamente no dia em que passavam 45 anos sobre a morte do diplomata português Aristides de Sousa Mendes que poupou a vida a pelo menos 10 mil judeus incluídos nos 30.000 livres trânsitos passados a partir de Bordéus, onde era cônsul de Portugal durante a segunda guerra mundial. 

A acção de Sousa Mendes seria aquela que lhe mereceria mais atenção. Em 2004, no quinquagésimo aniversário da morte do ex-cônsul português em Bordéus, em colaboração com a Raoul Wallenberg Foundation International, da qual era vice- presidente, esteve na organização de mais de 80 acontecimentos em 22 países.

Assinale-se que, com acções que nunca foram além dos gabinetes e notas diplomáticas, os congressistas americanos Tony Coelho, Barney Frank e outros enviaram carta a Mário Soares em 1 de Agosto de 1986,  pedindo reconhecimento da acção de Sousa Mendes. 

O Portuguese-American Congress od New Jersey promoveu jantar de homenagem a Sousa Mendes no antigo Portuguese Pavilion da Monroe St., Newark, em Maio de 1987. João Crisóstomo, associando-se a organizações judias, elevou o patamar da campanha com acontecimentos na ONU e exposições lembrando a acção do cônsul Sousa Mendes.

Neste âmbito e enquanto o movimento de reconhecimento não se universalizava, João Crisóstomo esteve envolvido em:

  • 1996 (e seguintes): Publicação de vários artigos ( português e inglês) com a finalidade de dar a conhecer e promover o reconhecimento nos USA e no mundo em geral de Aristides de Sousa Mendes:
  • 2000, Abril: Coordenador da exposição “Visas for Life Exhibit” que abriu nas Nações Unidas em 3 Abril de 2000 em honra de Aristides Sousa Mendes; diligências para a inclusão de Aristides Sousa Mendes no filme- documentário “Diplomats for the Damned" do “History Channel”;
  • 2000: Nomeado vice-presidente da International Raoul Wallenberg Foundation;
  • 2000, Setembro: Grande cerimónia na sede do “Permanent Observer of Vatican to UN” em honra de João XXIII, com a presença do Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Angelo Sodano;
  • 2001: Abril 3: lançamento do livro “A good Man in Evil Times”, na Sede da ICEP, em Nova Iorque; 
  • 2002: April : Museu de Newark, NJ: Sessão em honra de Aristides Sousa Mendes;
  • 2003 Junho 17: diligências para a exibição do filme sobre Aristides Sousa Mendes no National Arts Club “ em Nova Iorque “;
  • 2004, Abril 4: Homenagem a Sousa Mendes com a Exposição In Time of War e palestras , em colaboração com a Câmara de Cascais na Jewish Federation of Greater Metrowest (Whippany, NJ ), na Seton Hall University (West Orange, NJ) e, depois, no Sport Clube Português, em Newark;
  • 2004 Setembro: Primeira intervenção/reparação no telhado da Casa de Aristides Sousa Mendes (juntamente com António Rodrigues, outro antogo mordomo de origem portuguesa) consequente descoberta de muitos documentos aí soterrados desde os tempos em que o consul aí habitava;
  • 2005: Homenagem a Aristides Sousa Mendes no “Museum of Jewish Heritage”, Nova Iorque, com a introdução do “Livro de Registos de Bordéus”, cerimónia que foi motivo de um artigo editorial ( OPED) no New York Times;
  • 2006, Abril 5: Visita de estudo de alunos de várias escolas portuguesas à “Galeria dos Heróis” ( i.e. ASM) do "Museum of Jewish Heritage”;
  • Abril 2006: Exposição e Conferência no Consulado Brasileiro sobre os diplomatas de língua portuguesa: os portugueses Aristides Sousa Mendes, Sampaio Garrido, Branquinho, e os brasileiros Sousa Dantas e Rosa Guimarães;
  • 2007, Fevereiro: Participação, com a inclusão das acções de Aristides Sousa Mendes e Sousa Dantas, na exposição “Diplomats of Mercy” no Holocaust Center, Queensborough Community College ( Bayside, New york);
  • 2007, Abril: Sensibiliza e acompanha familiares de Aristides Sousa Mendes a participar no Boston Festival, organizado naquela cidade pela então cônsul geral de Portugal Manuela Bairos;
  • 2010; participação na criação da Aristides Sousa Mendes Foundation nos Estados Unidos e mais tarde membro da direcção.


SELO HOMENAGEIA CRISÓSTOMO (Doc. 8)


  • 2017, 20 Novembro. Sob proposta da International Raoul Wallenberg Foundation (IRWF), a Autoridade Postal israelita emitiu em 20 de Novembro de 2017 um selo que consagra o papel do activista luso- americano João Crisóstomo na divulgação da acção humanitária do cônsul português em Bordéus Sousa Mendes e outros diplomatas na defesa da vida de refugiados judeus durante a segunda guerra mundial.

A IRWF quis também salientar o contributo do activista para o diálogo inter-religioso na área metropolitana de Nova Iorque.

A emissão é feita em 5 folhas de 12 selos, tendo c
ada um o valor facial de 2.40 NIS (New Israeli Sheqel), o custo de uma carta normal dentro do território israelita. O valor facial de 2.40 NIS corresponde a $0.70 em moeda americana, mas estes selos comemorativos de pequena circulação têm um valor superior no mercado filatélico. 

A International Raoul Wallenberg Foundation é uma organização não governamental que advoga o reconhecimento de todos os que contribuiram para a protecção dos judeus durante a segunda guerra mundial. Foi criada por Baruch Tenembaum e tem escritórios em Nova Iorque, Buenos Aires, Berlim, Roma, Londres, Rio de Janeiro e Jerusalém. 

O nome de João Crisóstomo juntou- se assim ao de outras figuras que o estado de Israel já homenageou com a emissão de selo comemorativo das suas acções de apoio ao povo judeu, sobretudo, durante a segunda guerra mundial. ~

Estão entre essas figuras o Papa João XXIII (quando delegado apostólico em Istambul); Mischa e Knar Aznavour, pais do cantor Charles Asnavour (recolheram judeus vítimas de perseguição nazi); e os diplomatas Raoul Wallenberg (embaixador sueco em Budapeste); Aristides Sousa Mendes (cônsul de Portugal em Bordéus); e Luiz Martins de Sousa Dantas (embaixador brasileiro em França), entre outros.

(Continua)

Anexos:



Doc 1 - Recorte do "New York Times", 26 de abril de 2013 (Notícia  
sobre o seu casamento, em segundas núpcias, 
com Vilma Kracun, em 21/4/2013). 



Doc 2 - Recorte do New York Times, de 27 de dezembro de 1994, 
sobre a o caso de Foz Coa


Doc 8 - Sob proposta da International Raoul Wallenberg Foundation (IRWF), a Autoridade Postal israelita emitiu em 20 de Novembro de 2017 um selo que consagra o papel do activista luso- americano João Crisóstomo na divulgação da acção humanitária do cônsul português em Bordéus Sousa Mendes e outros diplomatas na defesa da vida de refugiados judeus durante a segunda guerra mundial. Graças ao João, temos mais de 3 dezenas de referências no nosso blogue à figura do nosso compatriota. durante muitos anos esquecida (antes e depois do 25 de Abril),  Aristides Sousa Mendes


(Adaptação, revisão, fixação de texto, links, fotos no texto, negritos: LG)

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Nota do editor LG:

(*) Vd. poste de 4 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24915: (In)citações (261): João Crisóstomo, já que chegaste a finalista do Prémio Tágides (edição 2023), na categoria "Iniciativa Portugal no Mundo", esperamos que no dia 11 deste mês, na cerimónia de revelação dos vencedores, os nossos bons irãs estejam contigo e com as causas que tens defendido, com o empenho e a competência também de muita outra gente da diáspora lusófona e de outros cidadãos do mundo

Guiné 61/74 - P24944: Parabéns a você (2231): Francisco Palma, ex-Soldado CAR da CCAV 2748 / BCAV 2922 (Canquelifá, 1970/72) e Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872, (Dulombi e Galomaro, 1971/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24936: Parabéns a você (2230): Fernando Barata, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2700 / BCAÇ 2912 (Dulombi, 1970/72) e Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12 (Bissalanca, 1967/69)

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24943: Notas de leitura (1648): "Comandante Pedro Pires, Memórias da luta anticolonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde - Entrevista a Celso Castro, Thais Blank e Diana Sichel"; FGV Editora, Brasil, 2021 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Junho de 2022:

Queridos amigos,
É nos dada a oportunidade de ouvir na primeira pessoa a trajetória de um líder que viveu desde de 1961 missões de que Amílcar Cabral o incumbiu, uma das mais importantes terá sido a formação de um grupo que iria desembarcar no arquipélago de Cabo Verde, missão depois considerada inviável e que leva este grupo cabo-verdiano preparado em Cuba a ir combater no interior da Guiné. O comandante conta-nos a sua história desde a infância na Ilha do Fogo, as lembranças que ele guardou da vida do arquipélago até chegar a Lisboa, pensava tirar um curso na Faculdade de Ciências para ser professor, foi oficial da Força Aérea, desertou em 1961 e chegou a Conacri. É um discurso sereno, não há arroubos nem farroncas, uma crença inquebrantável no pensamento de Cabral, tem lugar de destaque na hierarquia do PAIGC, foge sempre com subtileza à questão tensional Guiné-Cabo Verde, ou defende-se com o mantra de que foram os colonialistas quem acirrou esse ódio, que não tinha fundamento. Não se entende como este octogenário, cioso para que haja uma história feita pelos independentistas africanos, não tenha documentação suficiente para saber que a questão cabo-verdiana se tinha naturalmente agudizado com a ocupação dos lugares chaves da administração colonial guineense por cabo-verdianos, desde administradores de circunscrição, a notários, a professores, a empresários, situação que se vivia essencialmente desde a separação da Guiné de Cabo Verde, em 1879. Não sei o que ganham estes homens que exerceram altos cargos no PAIGC e no PAICV a fugir à realidade, está tudo documentado. E, como veremos a seguir, Pedro Pires vai ter a desfaçatez de considerar que o assassinato de Cabral foi perpetrado a partir de Bissau, pela entidade colonial e a PIDE-DGS.

Um abraço do
Mário



Comandante Pedro Pires, memórias da sua vida e da sua luta na Guiné-Bissau (1)

Mário Beja Santos

Pedro Verona Pires, após a sua deserção das Forças Armadas portuguesas juntou-se ao PAIGC em Conacri, foram-lhe atribuídas múltiplas missões, acompanhou a luta da libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Após a independência de Cabo Verde, foi Primeiro-ministro entre 1975 a 1991 e seu presidente de 2001 a 2011. Este livro sobre o Comandante Pedro Pires é o resultado de uma longa entrevista realizada em Cabo Verde por uma equipa da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas: "Comandante Pedro Pires, Memórias da luta anticolonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde, entrevista a Celso Castro, Thais Blank e Diana Sichel", FGV Editora, Brasil, 2021. O entrevistado regista a história da sua vida, mediada pelo método da História Oral. Obviamente que nos vamos circunscrever das suas declarações até à independência da Guiné-Bissau e sequelas da rutura Guiné-Cabo Verde.

Pedro Pires nasceu na Ilha do Fogo em 1934, origem eminentemente rural, filho de pais médios proprietários rurais. Fala da sua família e do Fogo, onde viveu até aos 7 anos; depois fez a escola primária em São Filipe; aos 12 anos foi fazer a admissão aos liceus em São Vicente, estudo com interregnos, o dinheiro da família não chegava para tudo; inevitavelmente fala das fomes e da condição atroz da vida cabo-verdiana, da muita emigração, refere também a revolta dos famintos; em 1956, com 21 anos, terminado o liceu, vem para Portugal, inscreve-se na Faculdade de Ciências, frequenta a Casa dos Estudantes do Império, mas em 1957 vai prestar serviço militar obrigatório, depois de Mafra, fez a formação na área de controlo aéreo, tornou-se oficial controlador aéreo de radar, colocado em Montejunto. Assume que é por esta época que começa o seu crescimento político, a sua condição de colonizado, fala das suas leituras, recorda "Geografia da Fome", de Josué de Castro e as obras de Jorge Amado. Confessa que não fez parte de nenhuma organização comunista. Decide fugir de Portugal em 1961, vai com uma enorme leva de companheiros africanos, sobretudo angolanos, lembra outros companheiros de viagem, como Manuel e Lilica Boal, Amélia Araújo, Elisa Andrade e Osvaldo Lopes da Silva. Em Paris, o grupo foi visitado por Mário Pinto de Andrade e por Dulce Almada Duarte, ligada ao PAIGC. Viaja para o Gana, em Acra tem o primeiro encontro com Amílcar Cabral. Em Conacri recebe como missão ficar agregado ao secretariado da CONCP - Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, depois foi destacado para trabalhar em Dacar no seio da comunidade cabo-verdiana residente no Senegal. Fez depois formação na União Soviética. Tece elogios à personalidade de Amílcar Cabral.

Descreve os inícios da luta armada, os primeiros líderes revolucionários formados na China, depois um grupo formado em Marrocos, onde aliás Pedro Pires esteve em missão, os envios de armas e até incidente resultantes do envio de munições de Marrocos de que Sékou Touré suspeitou que pudessem ser munições para um golpe de Estado. Considera que a obsessão pela luta armada era inevitável. “Portugal não estava em condições de seguir uma via pacífica e negociada. Não estava em condições de negociar com quem quer que fosse, porque o regime dependia política e economicamente do colonialismo. Ele só tinha futuro, tal como existia, aliado ao regime colonial”. E explica o pensamento de Cabral relativamente à natureza da luta armada que se ia fazer na Guiné. “Para Amílcar Cabral, era fundamental evitar que se transformasse numa guerra de fronteiras, que dizer, estar do outro lado da fronteira e fazer ataques armados a partir do exterior. E escolheu uma localidade do centro-sul da Guiné, Tite, para começar a luta armada. Mas já tinha havido um trabalho prévio de mobilização dos camponeses, de mobilização dos guineenses, quer em Bissau, que no interior do mundo rural”. Considera que no espírito de Amílcar Cabral esteve sempre presente a ideia de que Pedro Pires devia trabalhar prioritariamente no quadro do desenvolvimento da luta em Cabo Verde.

Pedro Pires visita pela primeira vez a Guiné-Bissau em 1968, foi destacado para a Frente Leste, em substituição do secretário-geral e na companhia de Osvaldo Vieira. Refere-se ao Congresso em Cassacá e da necessidade de jugular as arbitrariedades de líderes assumidamente criminosos. Fará parte da delegação do PAIGC à Conferência Tricontinental que se realizou em Havana, no início de 1966. Fez formação militar em Cuba. Na impossibilidade de fazer desembarque em Cabo Verde, e após completar nova formação militar na União Soviética, volta para Conacri, o grupo de que ele faz parte irá instalar-se na base Kambéra, na região de Madina de Boé. “A minha incumbência era criar as condições de acolhimento e distribuir os recém-chegados pelas três frentes, buscando, sobretudo, tirar benefício dos mais bem qualificados, e que entrariam especialmente no corpo de artilharia das FARP, com o objetivo de melhorar a eficácia da nossa artilharia. O que se conseguiu grandemente, e viria a constituir o pilar principal da derrota do exército colonial.” Faz alusão à africanização da guerra e à política da “Guiné Melhor”.

Os entrevistadores pretendem apurar qual o grau de tensão entre os dirigentes cabo-verdianos e os guineenses. “Suponho que talvez pudesse existir alguma coisa, provavelmente inveja, preconceito retrógrado, mas não dava para afirmar que houvesse tensão”. Não teve conhecimento de que houvesse conflito expresso com os cabo-verdianos. “O certo era que a presença cabo-verdiana nas FARP perturbava as autoridades coloniais e militares porque sabiam que constituíam uma mais-valia importante do ponto de vista militar e ameaçavam a sua segurança”. Da sua análise, em 1968, a guerra encontrava-se numa fase equilíbrio entre as forças opositoras, nem o movimento de libertação estava em condições de expulsar as tropas colonialistas e estas não estavam em condições de derrotar a guerrilha. Falava-se da Operação Mar Verde, da resposta do PAIGC à campanha da “Guiné Melhor” com a criação dos “Armazéns do Povo”. Considera que a rutura do equilíbrio é dada pela chegada dos mísseis Strel
a, Manecas Santos, da Frente Norte, fora o chefe da missão do grupo que se formou na União Soviética. E acrescenta:
“Os combatentes do PAIGC dispunham de uma outra arma de artilharia, ligeira e muito prática, com bom alcance, também de fabrico soviético, o 3P132GRAD-P. Numa guerrilha em que as armas e as munições são carregadas pelos combatentes, é importante que não sejam pesadas. Ora, o GRAD-P respondia a esses critérios operacionais. Além do mais, podia ser empregado com um só tubo de lançamento ou com vários tubos, em bateria, em que era mais eficaz e com menor dispersão de tiro. Trata-se de uma versão reduzidíssima da arma pesada que o exército soviético tinha usado na II Guerra Mundial, conhecida por órgãos de Estaline, é uma versão mini.”

E inopinadamente, os entrevistadores orientam a conversa para o assassinato de Amílcar Cabral.

(contínua)

Pedro Pires no serviço militar em Portugal
Pedro Pires na Guiné-Bissau
Entrevista de Pedro Pires a uma equipa da Escola das Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, junho de 2019: (https://www.youtube.com/watch?v=A7eXvPIwie8)
Ilha do Fogo, Cabo Verde
Pedro Pires nas cerimónias da Independência da Guiné-Bissau
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24931: Notas de leitura (1647): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24942: Agenda cultural (848): dia 14, no Centro Científico e Cultural de Macau, o nosso camarada António Graça de Abreu vai apresentar o seu trabalho de tradução dos 170 poemas do poeta chinês 苏东坡 ( Su Dongpo, 1037-1101), "um dos grandes génios da poesia universal"


Su Dongpo 苏东坡


1. Mensagem do nosso camarada António Graça de Abreu ( ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), sínólogo, tradutor, escritor:

Data - terça, 5/12, 13:54 (há 5 dias)

Assunto -Lançamento Poemas de Su Dongpo


Su Dongpo 苏东坡


Eça de Queirós (1845-1900), um dos Vencidos da Vida, também escreveu:

 "Para um homem o ser vencido ou derrotado na vida depende, não da realidade aparente, a que chegou, mas do ideal íntimo a que aspirou." 

O meu ideal íntimo não é mais acreditar na bondade dos homens, é, trespassado pela desilusão, mas não vencido nem gotejando lágrimas, viver ainda memórias da alegria (desculpa Eugénio de Andrade!) e, de quando em quando, cantar essa mesma alegria. 

Tenho por companhia os grandes poetas chineses, seis já por mim traduzidos para português, Li Bai, Wang Wei, Du Fu, Han Shan, Bai Juyi, mais uma Antologia com quinhentos poemas chineses. 

Na próxima semana vou apresentar no Centro Científico e Cultural de Macau, o meu novo poeta, o sexto, em novo livro, Su Dongpo (1037-1101), 50 páginas de um elaborado prefácio, 170 poemas de um dos grandes génios da poesia universal. 

Foram três anos de trabalho. Fascínios, enriquecimento, duro labor, a magia das palavras. Que maravilha!

Estão todos convidados. O livro, publicado pela Editora Grão-Falar, de Carlos Morais José, será apresentado pela sinóloga Ana Cristina Alves. Eu próprio vos levarei também a conversar com Su Dongpo.

António Graça de Abreu

Centro Científico e Cultural de Macau, Rua da Junqueira, 30, Quinta-feira, 14 de Dezembro, às 17,30. Sejam Bem Vindos.


水调 歌头
丙辰中秋
欢饮达旦
大醉
作此篇,
兼怀子由
明月几时有?
把酒问青天。
不知天上宫阙  
                                             


今夕是何年 
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我欲乘风归去,
又恐琼楼玉宇,
高处不胜寒。
起舞弄清影,
何似在人间。
转朱阁,
低绮户,
照无眠。
不应有恨,
何事长向别时圆?
人有悲欢离合,
月有阴晴圆缺,
此事古难全。
但愿人长久,
千里共蝉娟。



Festa do Meio Outono


Na Festa do Meio Outono,
bebi alegremente até de madrugada e escrevi este poema pensando no meu irmão Su Zhe.


A lua brilhante, quando nasceu?
De taça na mão, questiono a escuridão azulada do céu.
Esta noite nem sei qual o ano
que se vive lá em cima, nos palácios celestiais.
Gostava de poder voar com o vento
mas receio as torres de cristal, as cortes de jade,
entre alturas glaciais congelaria até à morte.
Melhor dançar na companhia da minha pobre sombra,
voltear à vontade pelo mundo dos homens.
Caminho em volta do pavilhão carmesim,
olho através de cortinados de gaze.
A lua brilha, não quer adormecer
nada entende de tristezas
porque permanece cheia quando da separação dos amantes?
Nas gentes, a dor da despedida, a alegria do reencontro,
a lua clara ou escura, minguando, crescendo.
A imperfeição existe desde o início dos séculos.
Meu único desejo, uma vida longa,
separados por duzentas léguas, fruindo o luar.

Su Dongpo, em 1076.

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Nota do editor:

Ultimo poste da série > 10 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24939: Agenda cultural (847): Convite do Centro Científico e Cultural de Macau: 5ª feira, 14, às 17h30, lançamento do livro "Poemas de Su Dongpo" (1037-1101), tradução, introdução e notas de António Graça de Abreu

Guiné 61/74 - P24941: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte VII: "Caçadas coloniais", por Armando Zuzarte Cortesão (Boletim n.º 3, dezembro de 1932 - p. 27/28)



"Caçadas coloniais", pelo "engenheiro-agrónomo, dr. Armando Zuzarte Cortesão, primeiro agente rural nas colónias" (sic). 



1. Curioso artigo assinado pelo irmão de Jaime Cortesão (1884-1960) (médico e historiador, ligado ao grupo da "Seara Nova"), e pai do psiquiatra, psicanalista e professor universitário Eduardo Cortesão (1919-1991)... 

Quem era este homem, Armando Cortesão, que faz aqui o elogio das emoções fortes da caça grossa nas colónias? Foi uma completa surpresa para mim, conhecia-o apenas como historiador e oposicionista ao Estado Novo, ignorava o seu passado como administrador colonial bem como o seu exilio em Londres onde durante  a segunda guerra mundial foi operador de antiaéreas.... 

O pequeno artigo, que a seguir reproduzimos, sobre a caça em África, tem que ser lido à luz da mentalidade e costumes (coloniais) da época: "Só quem nunca matou caça grossa desconhece as maravilhosas sensações que esse desporto nos desperta"...

Desporto? Os nossos camaradas, apologistas ou contestatários da caça grossa (nomeadamente nas nossas antigas colónias), têm aqui interessante matéria para comentar (**)... Do elogio da caça podemos passar ao elogio dos "touros de morte", dos "desportos radicais", mas também... da "guerra", dos "snippers", por que não?!... 

O tema, seguramente, não é "pacífico", para mais hoje, onde há crescentes preocupações com as dramáticas alterações climátcas, a perda da biodiversidade, a extinção de muitas espécies (da fauna e da flora, nomeadamente em África, onde elefantes, rinocerontes, leões, etc. só em reservas e parques podem ser avistados).

Sobre o autor, recorramos à Wikipedia e à  excelebte entrada no Dicionário de Historiadores Portugueses:

(i) Armando de Freitas Zuzarte Cortesão (Coimbra, 1891 - LIsboa, 1977);

(ii) foi engenheiro agrónomo, administrador colonial e historiador português;

(iii) representou Portugal nos Jogos Olímpicos de 1912, nas provas de 400 e 800 metros de atletismo;

(iv) diplomou-se em Agronomia no Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa, em 1913;


(v) como agrónomo, efetuou diversas  missões  às Américas, Índias Ocidentais, Guiné, Senegal e S. Tomé,  de 1914 a 1920, sobre as quais publica vários estudos e artigos, 

(vi) dirigiu o Departamento de Agricultura de São Tomé e Príncipe (1916-1920);

(vii) foi chefe da repartição de Agricultura do Ministério das Colónias até 1925;

(viii) foi responsável pela Agência Geral das Colónias (1925-1932), e primeiro diretor do respetivo Boletim (em 1935, passa a chamar-e "Boletim Geral das Colónias", e, em 1951,   "Boletim Geral do Ultramar");

(ix)  anti-salazarista, passou os vinte anos seguintes no exílio (nomeadamente em Espanha e  Inglaterra, onde participou, como voluntário, na defesa antiaérea de Londres, e depois em França, onde trabalhou na Unesco), tendo regressado a Portugal em 1952 para leccionar na Universidade de Coimbra;

(x) como historiador especializou-se em cartografia antiga: publicou "Portugaliæ Monumenta Cartographica" (em coautoria com o comandante Teixeira da Mota), Comissão para as Comemorações do V Centenário da Morte do infante D. Henrique, 1960/62 (seis volumes).

(xi) tem também colaboração na "Gazeta das colónias: semanário de propaganda e defesa das colónias" (1924/26), de que se publicaram 41 números.

O artigo "Caçadas coloniais" foi publicado no Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, em 1932, na véspera de partir para o exílio, como aconteceu com tantas outras figuras da "intelligentsia" republicana. (*) 

O Boletim tinha como divisa "Pela raça, pela língua". Publicava-se no Rio de Janeiro e era de distribuição gratuita. Terminou abruptamente na véspera da II Guerra Mundial.

Sobre a caça, vd. também o poste recente P 24935.   (***)

2.  O "colonialismo republicano"  é melhor explicitado e explicado no Boletim da Agência Geral das Colónias, de que o  Armando Cortesão foi o ideólogo e o primeiro diretor... Citando o investigador brasileiro Marcelo Assunção, de que já aqui falámos, autor de uma tese de doutoramento sobre  o Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (#):

(...) "É no Boletim da Agência Geral das Colônias em que é definida de forma mais substantiva e explícita os sentidos de uma publicação periódica de temática colonial. Armando Zuzarte Cortesão (1891-1977) (...), diretor da Agência Geral das Colónias e também diretor do seu boletim, em um artigo inaugural emblemático, explicita uma mudança na “ideia colonial” nos últimos vinte anos que se consubstancia, nomeadamente, nos “métodos” de ação dos “povos colonizadores” (CORTESÃO, 1925: 3). 

"Para ele, essa mudança decorre em razão do novo quadro dos 'idealismos humanitários' oriundos do tratado de Versalhes, interpretando os novos tempos a partir das seguintes orientações gerais:  'a) os indígenas das colónias devem ser considerados como seres humanos e não como simples animais, constituindo a sua educação e bem estar numa missão sagrada que a civilização delega aos povos colonizadores; b) a humanidade carece das riquezas inexploradas das vastas regiões coloniais, exigindo dos povos que as detêm a sua rápida utilização '(CORTESÃO, 1924: 3).

"Reitera que os princípios do 'colonialismo humano', próprios do pós-guerra, já eram pressupostos tácitos à prática do colonialismo português desde suas origens (CORTESÃO, 1924: 4). Apesar de tecer algumas críticas, aponta também que a gestão portuguesa com relação à regulamentação do trabalho indígena e o investimento nas infraestruturas coloniais estava de acordo com os propósitos agora instituídos internacionalmente pela Sociedade das Nações. Porém, assinala que o pouco conhecimento “científico” de Portugal sobre as suas próprias colônias deveria ser revertido para assim alcançar esse novo patamar da ideia colonial, afirmando o papel dos periódicos, e do boletim em questão, nesse processo" (...)

(#)  Fonte: ASSUNÇÃO, Marcelo, F. M. - A sociedade luso-africana do Rio de Janeiro (1930-1939): uma vertente do colonialismo português em terras brasileiras. 2017. 324 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017, pp. 51/52.

Disponível em formato pdf em: http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/6960

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(***) Vd. poste de 9 de dezembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24935: S(C)em comentários (21): A caça nos impérios coloniais europeus... ou um certa visão etnocêntrica dos velhos "africanistas"