Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 8 de março de 2007
Guiné 63/74 - P1575: A TSF no Cantanhez, com uma equipa de cientistas portugueses, em busca do Dari, o chimpanzé (Luís Graça / José Martins)
Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Viagem Porto-Bissau > Nas três primeiras fotos, um dari, em cativeiro (na primeira foto, vê-se a Inês, a filha do Xico Allen); as duas últimas fotos são de um babuíno, macaco-cão (sancu, macaco, em crioulo).
De um modo geral, as populações da Guiné-Bissau, não islamizadas, perseguem, caçam e comem o sancu. Sobretudo depois de 1980, a caça (ilegal) ao macaco-cão aumentou. Quanto ao dari, o chimpanzé da mata do Cantanhez, há uma maior respeito pelas suas semelhanças com o ser humano. No entanto, o seu habitat está condicionado pelas actividades humanas (expansaão das áreas de cultivo). Há cerca de 7 milhões de anos, havia um antepassado ancestral. Há cinco anos que uma equipa de investigadores portugueses monitoriza a população de daris no sul da Guiné.
Fotos: © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Direitos reservados
1. Reportagem TSF > Dari, Primata como Nós > 2 de Março de 2007 .
No sul da Guiné-Bissau, o chimpanzé tem nome de gente. Na pista de Dari, uma equipa de cientistas portugueses estuda, há cinco anos, os chimpanzés das matas de Cantanhez com o objectivo de ajudar a salvar uma espécie ameaçada, sobretudo pela redução do seu habitat e pela dificil coexistência com as populações humanas do sul da Guiné-Bissau (e do norte da Guiné-Conacri).
A par do chimpanzé (em tempos, um homem, ferreiro, que Deus transformou, por castigo, em alimária, segundo as lendas locais), há outros primatas e outros mamíferos como o búfalo e até o elefante na mata do Cantanhez.
O dari (chimpanzé) é mais difícil de encontrar que o macaco-cão ou babuíno, o quel por sua vez, e infelizmente, começou a ser mais procurado, como peça de caça e como iguaria, a partir dos anos 80, devido à maior raridade de outros animais, como os cervídeos (2). No tempo da guerra colonial, não era frequente o consumo de carne de macaco, pelo menos na zona leste habitada sobretudo por populações islamizadas (fulas e mandingas), muito embora o macaco-cão fosse muitas vezes baleado quando invadia os campos de mancarra (amendoím). Contudo, de entre os nossos camaradas houve quem tivesse comido macaco por cabrito (3)...
Um conhecido jornalista da TSF, Carlos Vaz Marques, passou 15 dias com o grupo de investigadores, coordenado pelas primatólogas portuguesas Catarina Casanova (37 anos, Universidade Técnica de Lisboa) e Cláudia Sousa (31 anos, Universidade Nova de Lisboa), e que inclui alunos de mestrado e doutoramento. A partir de Jemberem (vd. carta de Cacine), a companhou o quotidiano das caminhadas pelo mato, da recolha de vestígios, das conversas com os habitantes das tabancas e testemunhou o encontro com um grupo de chimpanzés, guardando o registo sonoro desse momento raro e seguramente emocionante.
Dari, Primata como Nós é uma grande (e belíssima) reportagem de Carlos Vaz Marques com montagem e sonorização de Alexandrina Guerreiro.
A reportagem inclui também excertos de conversas com os guias e com os cientistas, incluindo parte de um entrevista, a uma rádio local, dada pela Catarina, a qual fez questão de sublinhar a importância que a protecção do dari (e de outras espécies animais) tem para o desenvolvimento do ecoturismo e para a subsistência das populações do Cantanhez. Este é também um objectivo prosseguido pelo projecto Guiledje, da AD - Acção para o Desenvolvimento, liderada pelo nosso amigo e tertuliano Pepito.
Aqui fica o link para o registo áudio (cerca de 43 minutos), no sítio da TSF, que aconselho vivamente a ouvirem.
2. Entretanto, o nosso camarada José Martins, acaba de me mandar uma mensagem relacionada com a notícia, dada acima.
Caro Luís
Votos de boa saúde e boa disposição.
Silêncio quebrado para informar que, amanhã, sexta-feira, dia 9 de Março, vai para o ar, nas ondas da TSF, depois das notícias das 19 horas, uma reportagem sobre a Guiné. Título: Guerra do Patacão...
Disseram o tema especifico, passando alguns excertos, mas não consegui reter, nem confirmar com a rádio.
Se achares por bem, divulga.
Um abraço
José Martins
Comentário de L.G.:
Zé, confirmei na TSF. Deve ser a continuação da reportagem do Carlos Vaz Marques, que acaba de regressar da Guiné-Bissau, segundo me informaram da estação. Convidamos os nossos amigos e camaradas da Guiné a sintonizar a TSF, amanhã, às 19h. A emissão da TSF pode ser ouvida On Line, enquanto os nossos tertulianos vêem as últimas do nosso blogue.
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. outra notícia da TSF relacionada com Catarina Casanova: TSF on line > 1 de Setembro de 2005 > Chimpazés e homens têm mapa genético semelhante
(2) Provérbios em crioulo da Guiné, relacionados com o sancu (macaco) (alguns, com variantes):
I sancu di dus matu (= é macaco de dois matos)
Kal dia ku sancu fala jugude manteña si ka pa rispitu di kacur; (i) Kal dia ku sancu fala Sakala manteña si i ka na disgustu di kacur (= quando é que o macaco cumprimenta o abutre a não ser no velório do cachorro)
Kon kuma lebsimenti na rosta ki sta; (i) Kon kuma lepsimentu i na uju; (ii) Kon kuma lebsimentu na uju ki sta nel (= o macaco-cão diz que a ofensa está no rosto)
Rabu di sancu i kunpridu, ma si bu rikitil i ta sinti dur; (i) Rabu di sancu i kunpridu, ma si bu na rikitil i ta sinti (= o rabo do macaco é comprido, mas se você o beliscar ele sentirá)
Sancu beju, gelgelidora ka ta manda i kuspi manpatas ki ieki (= o macaco velho, o coceguento não manda cuspir no mampatás que enche a boca)
Sancu ka ta fala kuma si fiju fiu; (i) Tudu fiu ki fiu, nunka bu ka ta fala kuma bu fiju fiu; (ii) Tudu fiu ku bu fiu, bu ka ta fala kuma bu fiju fiu (= o macaco nunca diz que seu filho é feio)
Sancu ka ta jukta i fika si rabu; (i) Sancu ka ta jukuta pa i fika si rabu (= o macaco não pula sem levar o rabo consigo)
Sancu kunsi po ki ta fural uju; (i) Kon kuma i ka kunsi po ku ta matal, ma i kunsi kil ku ta fural uju (= o macaco conhece o pau que lhe furou o olho)
Sancu nega papia pa ka paga dasa (= o macaco não fala para não pagar imposto)
Si bu oja sancu ba fonti, sibi kuma i ka leba kalma (= se você vir o macaco indo à fonte, saiba que não leva cabaça)
Uju di sancu dalgadu, ma ningen ka ta pui la dedu (= o olho do macaco é pequeno, mas ninguém põe o dedo nele)
Fonte: Instituto de Letras da Universidade de Brasília > Provérbios crioulo-guineenses
(3) Vd. post de 11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)
Guiné 63/74 - P1574: Uma estória dos Gringos de Guileje (CCAÇ 3477): Estás f..., pá! (Amaro Samúdio)
Lourinhã > Aspecto parcial do Monumento aos Mortos do Ultramar. 2005. Arquitecto: Augusto Silva. Escultora: Andreia Couto (1). O meu primo, José António Canoa Nogueira, foi o primeiro soldado da Lourinhã a morrer, em terras da Guiné, em 1965, em Ganjolá, Catió (2)... Lembro-me do seu impressionane funeral e quanto a palavra Guiné me marcou... Tinha eu 18 anos, já feitos... Quando cheguei à Guiné, em finais de Maio de 1969, Guileje e Gandembel eram para nós, periquitos, nomes míticos, para além de Madina do Boé... Inspiravam respeito e temor, e pronunciavam-se baixinho... (LG)
Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (Novembro de 1971/ Dezembro de 1972) > Foto aérea de 1972 do aquartelamento e tabanca de Guileje, tirada no sentido oeste-leste. Ao fundo, a pista de aviação e o heliporto.
Foto: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados.
Texto do Amaro Munhoz Samúdio, ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 3477 (1971/73) - Os Gringos de Guileje:
Por engano, fui passar férias aos Açores, Arrifes, BII 18, no Paquete Funchal. A Companhia já tinha ido para a Guiné. Ainda bem. Regressei a Lisboa no mesmo Paquete e numa altura em que os banhos na sua piscina permitiram umas tardes de enorme gozo.
Não voltaram a enganar-se e, no Uíge, cheguei à Guiné em 29 de Novembro de 1971.
Apresentei-me, de noite lembro-me bem, naquelas mesas em Brá, onde entreguei a caderneta.
- Estás fodido, pá! - diz-me um Sargento, certamente por, a vermelho, estar escrito na caderneta CCAÇ 3477.
Como já andava na tropa desde Janeiro de 1968, perguntei-lhe com a natural irreverência de quem nada temia:
- Estou fodido, porquê?
- Vais para Guileje - responde-me ele.
- Guileje? - diz um cabo que estava próximo dele, saltando para baixo e vindo ter comigo.
- Vais para Guileje? - pergunta-me.
- Acho que sim, sei lá.
- Não te preocupes - acalma-me ele. - O problema é quando temos que ir para a mata. Dentro do quartel enfiamo-nos dentro dos abrigos e elas podem cair. Não há problema nenhum.
- Obrigado.
Fiquei naturalmente mais descansado, não resistindo, no entanto, a perguntar-lhe porque estava ali.
- Vim com um Madeirense. Na primeira saída para a mata sofremos uma emboscada. Um velhinho Madeirense foi ferido. Eu sou enfermeiro e vim com ele para o hospital de Bissau.
- Obrigado. Já estou mais descansado.
No dia seguinte lá embarcámos, na LDG até Gadamael Porto, seguindo posteriormente na coluna que nos levou ao quadrado de arame farpado, na altura suportado por paus , chamado Guileje.
Houve, entre nós, os naturais problemas daquela má fase da nossa vida, mas...
- É o meu Amigo Monteiro!...
Foi o primeiro Gringo que conheci.
A. Samúdio
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 24 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXV: Homenagem aos mortos da minha terra (Lourinhã, 2005) (Luís Graça)
(2) Vd. posts de:
Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (Novembro de 1971/ Dezembro de 1972) > Foto aérea de 1972 do aquartelamento e tabanca de Guileje, tirada no sentido oeste-leste. Ao fundo, a pista de aviação e o heliporto.
Foto: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados.
Texto do Amaro Munhoz Samúdio, ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 3477 (1971/73) - Os Gringos de Guileje:
Por engano, fui passar férias aos Açores, Arrifes, BII 18, no Paquete Funchal. A Companhia já tinha ido para a Guiné. Ainda bem. Regressei a Lisboa no mesmo Paquete e numa altura em que os banhos na sua piscina permitiram umas tardes de enorme gozo.
Não voltaram a enganar-se e, no Uíge, cheguei à Guiné em 29 de Novembro de 1971.
Apresentei-me, de noite lembro-me bem, naquelas mesas em Brá, onde entreguei a caderneta.
- Estás fodido, pá! - diz-me um Sargento, certamente por, a vermelho, estar escrito na caderneta CCAÇ 3477.
Como já andava na tropa desde Janeiro de 1968, perguntei-lhe com a natural irreverência de quem nada temia:
- Estou fodido, porquê?
- Vais para Guileje - responde-me ele.
- Guileje? - diz um cabo que estava próximo dele, saltando para baixo e vindo ter comigo.
- Vais para Guileje? - pergunta-me.
- Acho que sim, sei lá.
- Não te preocupes - acalma-me ele. - O problema é quando temos que ir para a mata. Dentro do quartel enfiamo-nos dentro dos abrigos e elas podem cair. Não há problema nenhum.
- Obrigado.
Fiquei naturalmente mais descansado, não resistindo, no entanto, a perguntar-lhe porque estava ali.
- Vim com um Madeirense. Na primeira saída para a mata sofremos uma emboscada. Um velhinho Madeirense foi ferido. Eu sou enfermeiro e vim com ele para o hospital de Bissau.
- Obrigado. Já estou mais descansado.
No dia seguinte lá embarcámos, na LDG até Gadamael Porto, seguindo posteriormente na coluna que nos levou ao quadrado de arame farpado, na altura suportado por paus , chamado Guileje.
Houve, entre nós, os naturais problemas daquela má fase da nossa vida, mas...
- É o meu Amigo Monteiro!...
Foi o primeiro Gringo que conheci.
A. Samúdio
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 24 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXV: Homenagem aos mortos da minha terra (Lourinhã, 2005) (Luís Graça)
(2) Vd. posts de:
22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira
8 de Setembro 2005 > Guiné 63/74 - CLXXXI: Antologia (18): Um domingo no mato, em Ganjolá (Luís Graça / José António Canoa Nogueira)
Guiné 63/74 - P1573: O Victor Tavares, da CCP 121, a caminho de Guidaje, com uma equipa da TVI (Luís Graça)
Águeda > Aguada de Cima > Restaurante Vidal > 2 de Março de 2007 > O Victor Tavares e o Paulo Santiago, fazendo as honras à terra e ao leitão do Vidal (passe a publicidade...). Na foto em baixo, acompanhadas da Alice (esposa do editor do blogue) e da sua mana, Ana (logo, minha cunhada) (LG).
Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.
Na passada 6ª feira, dia 2 de Março, tive o privilégio, a honra e o prazer de ter sido convidado pelos nossos camaradas de tertúlia Paulo Santiago e Victor Tavares para almoçar na terra deles, estando eu em viagem do Porto para Coimbra.
O encontro era em Aguada de Cima, perto de Águeda. O repasto estava marcado para o conhecido Restaurante Vidal, que serve um belo leitão feito em forno de lenha. Já lá tinha ido uma vez, no verão passado. Mas confesso que me perdi, quase no fim. Infelizmente, este país está mal sinalizado, de norte a sul, pese embora também a nabice do pendura... A motorista era a minha cara-metade.
O Paulo, que é mesmo de Aguada de Cima, jogava em casa e, recebido o SOS e tirado o azimute, lá veio, a mata-cavalos, em corta-mato, em meu socorro, com o Victor. Já chegámos um pouco para o tarde ao restaurante e eu, às quatro horas, tinha que zarpar para Coimbra, onde fui dar um seminário, de três horas, na Faculdade de Ciências e Tecnologia, no Polo Universitário II, no pinhal de ... Marrocos.
Apesar destes contratempos, matámos saudades (tinha conhecido o Paulo na Ameira, Montemor-O-Novo, no 1º encontro da nossa tertúlia, em Outubro de 2006) (2) e sobretudo tive oportunidade de conhecer, ao vivo, pessoalmente, o nosso valente Victor Tavares, ex-paraquedista e agora também autarca, mais exactamente presidente da junta de freguesia de Recardães, eleito por uma lista independente.
Paulo, deixa-me agora falar um pouco mais do teu amigo e vizinho e nosso camarada. O Victor é um digno representante dessa escola de virtudes humanas e militares que foram (e são) os paraquedistas. É sobretudo um valoroso elemento da CCP 121 que, na Guiné, entre 1972 e 1974, sofreu nove baixas mortais: seis na Operação Pato Azul (Gampará, Março de 1972) e três na valorosa 5ª coluna que, entre 23 e 29 de Maio de 1973, rompeu o cerco a Guidaje. Estes espisódios já aqui foram evocados pelo Victor, com dramatismo, autenticidade e rigor (1).
Com todo o mérito, mas também graças ao nosso blogue, o Victor foi convidado a ir, in loco, a Guidaje, reconstituir o episódio da 5ª coluna, incluindo a emboscada no Cufeu, onde perderam a vida os seus camaradas Lourenço, Victoriano e Peixoto. O convite veio do jornalista Jorge Araújo que está a fazer um trabalho de reportagem para a TVI. Anteontem, 3ª feira à noite, eles partiam para Dakar, para uma viagem de cinco dias. Em tempo recorde, tratou-se do passaporte e do visto para a entrada do Victor (e dos demais elementos da equipa).
Como devem imaginar, o Victor aceitou mais este desafio com sentido de missão, com humildade, com naturalidade (e sem se queixar do prejuízo que esses cinco dias representam para a sua vida familiar e profissional, ele que é um honesto trabalhador independente)... Na conversa que com ele tive, ao almoço, deu para perceber que ele é também um grande homem, um grande português e um grande camarada, que não se envaidece pelo seu brilhante currículo como combatente e pelo facto de ainda hoje privar com os seus antigos oficiais, incluindo aquele que foi seu comandante e que atingiu o posto de major-general (se não erro, Bação da Costa Lemos, hoje na reforma), posto esse que é dificilmente alcançável entre as tropas paraquedistas... O Victor foi e continua a ser muito respeitado pela família paraquedista, camaradas e superiores hierárquicos...
Ao Victor, só posso desejar-lhe boa viagem e bom sucesso nas diligências que o levaram de novo a Guidaje, de má memória para a CCP 121 e para todas as unidades (dos três ramos das forças armadas) que conheceram o inferno de Guidaje em Maio/Junho de 1973...
Ao Paulo e ao Victor fico em dívida com um almoço (ou melhor, quatro, já que eu levava mais três penduras, a minha mulher, Alice, mais os meus cunhados, Ana e Augusto). A amizade com a amizade se paga, e eu espero retribuir a sua hospitalidade ou na minha terra de naturalidade (Lourinhã, Estremadura) ou na minha terra de nupcialidade (Marco de Canaveses, Douro Litoral)... ou quiçá, de novo, em Aguada de Cima...
Deixem-me, por fim, fazer uma inconfidência, pouco consentânea com o meu papel de editor do blogue: isto (o blogue...) tem sido uma caixinha de surpresas, e não propriamente a Caixa de Pandora que alguns poderiam imaginar e temer que pudesse vir a ser... Tenho conhecido, directa e indirectamente, portugueses, homens e mulheres, de grande gabarito humano, moral e intelectual... Digo-o sem lisonja nem exagero: é um privilégio ter, como camaradas, pessoas como o Paulo e o Victor...
E já agora, advinhem quem estava à minha espera às 20 horas de 6ª feira, em Coimbra, na FCT/UC, no pinhal de... Marrocos ? Outro camarada fantástico, o Carlos Marques dos Santos, que me veio dar um abraço e lembrar que é altura de começar a organizar o 2º encontro da nossa tertúlia (e de marcá-lo para uma data próxima, antes que venha aí a avalanche dos convívios de ex-combatentes, a partir de finais de Maio/princípios de Junho)... Recordo que o Carlos Marques dos Santos - ainda não foi desta que fui conhecer o teu Café D'Arte, na cidade de Coimbra ! - é um dos primeiro tertulianos, dos mais activos e mais fiéis, estando na altura de recuperar muitos dos seus posts e fotos publicados na 1ª série do nosso blogue...
Aqui ficam, para a memória da nossa tertúlia, duas fotos tiradas na ocasião.
___________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto
9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida
21 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os paraquedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gamparà (Victor Tavares, CCP 121)
(2) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)
quarta-feira, 7 de março de 2007
Guiné 63/74 - P1572: Um eterno muito obrigado ao Instituto Hidrográfico (Vitor Junqueira)
Mensagem do Vitor Junqueira:
Luís Graça;
Acabo de receber um simpático (mais um!) e-mail do Lema Santos de onde respiguei o parágrafo que se segue:
"Talvez inédito para vós, junto um pormenor da sala de visitas do Tancroal, retirada de uma carta náutica do Instituto Hidrográfico, instituição que julgo não ter ainda sido substituída em todo o brilhante trabalho feito na hidrografia da Guiné e não só" (1).
Como profissional do mar que sou (2), tenho que realçar e reforçar, se a aleivosia me for permitida, a referência que o camarada Lema Santos faz ao distintíssimo trabalho do Instituto Hidrográfico.
Como ex-combatente, entendo que todos somos devedores de uma palavra de reconhecimento a este órgão da Marinha Portuguesa, pelo "brilhante trabalho feito na hidrografia da Guiné e não só." Julgo que toda a cartografia que utilizamos durante a campanha militar naquele território foi produzida pelo Instituto Hidrográfico. Aos homens e mulheres que, através de um trabalho dedicado, paciente e quantas vezes perigoso, tornaram mais seguros os nossos passos nas matas, rios e bolanhas da Guiné, o nosso eterno muito obrigado (2).
Vitor Junqueira
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 7 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1571: A Operação Larga Agora, o Tancroal / Porto Batu e as cartas náuticas do Instituto Hidrográfico (Lema Santos)
(2) Julgo que toda a nossa tertúlia assina por baixo, a começar pelo nosso mecenas, o Humberto Reis, que custeou a totalidade da aquisição e digitalização das cartas... O blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné tem posto à disposição dos cibernautas as velhas cartas que resultaram do levantamento efectuado nos anos 50 e 60 pela missão geo-hidrográfica da Guiné – Comandantes e oficiais do Navios Hidrográficos Mandovi e Pedro Nunes. E em todas elas (e são já cerca de 60!) , temos feito questão de prestar "a nossa homenagem aos valorosos cartógrafos militares portugueses" (vd., por exemplo, a carta de Farim). É hoje um riquíssimo património que pertence a todos, portugueses e guineenses, e que por isso deve estar alcance de todos, ao alcance de um clique.
Luís Graça;
Acabo de receber um simpático (mais um!) e-mail do Lema Santos de onde respiguei o parágrafo que se segue:
"Talvez inédito para vós, junto um pormenor da sala de visitas do Tancroal, retirada de uma carta náutica do Instituto Hidrográfico, instituição que julgo não ter ainda sido substituída em todo o brilhante trabalho feito na hidrografia da Guiné e não só" (1).
Como profissional do mar que sou (2), tenho que realçar e reforçar, se a aleivosia me for permitida, a referência que o camarada Lema Santos faz ao distintíssimo trabalho do Instituto Hidrográfico.
Como ex-combatente, entendo que todos somos devedores de uma palavra de reconhecimento a este órgão da Marinha Portuguesa, pelo "brilhante trabalho feito na hidrografia da Guiné e não só." Julgo que toda a cartografia que utilizamos durante a campanha militar naquele território foi produzida pelo Instituto Hidrográfico. Aos homens e mulheres que, através de um trabalho dedicado, paciente e quantas vezes perigoso, tornaram mais seguros os nossos passos nas matas, rios e bolanhas da Guiné, o nosso eterno muito obrigado (2).
Vitor Junqueira
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 7 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1571: A Operação Larga Agora, o Tancroal / Porto Batu e as cartas náuticas do Instituto Hidrográfico (Lema Santos)
(2) Julgo que toda a nossa tertúlia assina por baixo, a começar pelo nosso mecenas, o Humberto Reis, que custeou a totalidade da aquisição e digitalização das cartas... O blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné tem posto à disposição dos cibernautas as velhas cartas que resultaram do levantamento efectuado nos anos 50 e 60 pela missão geo-hidrográfica da Guiné – Comandantes e oficiais do Navios Hidrográficos Mandovi e Pedro Nunes. E em todas elas (e são já cerca de 60!) , temos feito questão de prestar "a nossa homenagem aos valorosos cartógrafos militares portugueses" (vd., por exemplo, a carta de Farim). É hoje um riquíssimo património que pertence a todos, portugueses e guineenses, e que por isso deve estar alcance de todos, ao alcance de um clique.
Guiné 63/74 - P1571: A Operação Larga Agora, o Tancroal / Porto Batu e as cartas náuticas do Instituto Hidrográfico (Lema Santos)
Guiné > Carta hidrográfica do Rio Cacheu (excerto), com destaque para a região do Tancroal/Porto Batu (assinalada com um círculo a vermelho) e a foz do Rio Olossato, afluente do Cacheu (círculo a verde). Amabilidade do nosso tertuliano Manuel Lema Santos. Compare-se com a carta de Binta.
Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.
Guiné > Região do Cacheu > Rio Cacheu > A Lancha de Fiscalização Grande (LFG) a navegar no Cacheu em Janeiro de 1967.
Foto: © Manuel Lema Santos (2006). Direitos reservados.
Mensagem do Manuel Lema Santos, ex-1º tenente da reserva naval (1965-1972), que serviu como Imediato no NRP Orion (Guiné, 1966/68)(1).
Prezado Amigo e Camarada Vítor Junqueira:
A melhor escrita é como o vinho de boa qualidade. Tem sempre na origem uma boa cepa! Que a inspiração marque sempre, como no relato da tua visão da operação Larga Agora (2) , a mão com que escreves. Dispensa aditamentos, comentários e classificá-la-ia, em termos de meios envolvidos, como autêntica manga de ronco. Quanto a resultados conseguidos e, como muito bem afirmas, no dia seguinte estavam lá outra vez à espera, impiedosamente.
Os meios utilizados na recepção eram sempre os mais convincentes: RPG preferencialmente, embora houvesse a preocupação de nos agraciar com outro tipo de ruidosas condecorações. Essa marcada costela hospitaleira vinha já de 1966, ano em que, como velhos conhecidos, já éramos recebidos como habituais visitas da casa.
Talvez inédito para vós, junto um pormenor da sala de visitas do Tancroal, retirada de uma carta náutica do Instituto Hidrográfico, instituição que julgo não ter ainda sido substituída em todo o brilhante trabalho feito na hidrografia da Guiné e não só. Para nós, foi Bíblia. Reparem como, junto à foz do rio Olossato, com aquela largura exígua de rio, eram possíveis 16 m de profundidade!
Em meados de 1971 e só no decorrer desse ano, o número de ataques à Marinha já ultrapassava a dúzia e meia.
Quanto à dedicatória (2), julgo não a merecer de todo mas, sentindo-me lisonjeado, prefiro reendereçá-la aos Camaradas que lá caíram ao longo dos anos e foram alguns, mesmo na Marinha do ar condicionado.
Tenho limitado a minha intervenção no blogue a alguns retalhos soltos mas a incapacidade pessoal de gerir o tempo disponível e as solicitações responsáveis que assumi relativamente à Reserva Naval e LFG como a Orion deixam-me sem margem para me candidatar a alastrativo.
A seu tempo, espero ir enviando ao Luís Graça, que me está a ouvir, alguns retalhos ilustrados do que representou para a Marinha o imenso rio Cacheu, onde se inclui essa tão interessante, na tua convincente descrição, como de má memória para nós, região do Tancroal/Porto Batu.
Dispõe e não deixes acabar a tinta no teclado!
Um abraço,
Manuel Lema Santos
Nota - Caso o relatório final completo da operação tenha para vós algum interesse - e caso não disponham dele - julgo poder disponibilizá-lo; os destacamentos de FZE [Fuzileiros Especiais] que também participaram (DFE4, DFE12 e DFE13) integravam, todos eles, além de oficiais do quadro permanente, oficiais da Reserva Naval, como eu.
Prezado Amigo e Camarada Vítor Junqueira:
A melhor escrita é como o vinho de boa qualidade. Tem sempre na origem uma boa cepa! Que a inspiração marque sempre, como no relato da tua visão da operação Larga Agora (2) , a mão com que escreves. Dispensa aditamentos, comentários e classificá-la-ia, em termos de meios envolvidos, como autêntica manga de ronco. Quanto a resultados conseguidos e, como muito bem afirmas, no dia seguinte estavam lá outra vez à espera, impiedosamente.
Os meios utilizados na recepção eram sempre os mais convincentes: RPG preferencialmente, embora houvesse a preocupação de nos agraciar com outro tipo de ruidosas condecorações. Essa marcada costela hospitaleira vinha já de 1966, ano em que, como velhos conhecidos, já éramos recebidos como habituais visitas da casa.
Talvez inédito para vós, junto um pormenor da sala de visitas do Tancroal, retirada de uma carta náutica do Instituto Hidrográfico, instituição que julgo não ter ainda sido substituída em todo o brilhante trabalho feito na hidrografia da Guiné e não só. Para nós, foi Bíblia. Reparem como, junto à foz do rio Olossato, com aquela largura exígua de rio, eram possíveis 16 m de profundidade!
Em meados de 1971 e só no decorrer desse ano, o número de ataques à Marinha já ultrapassava a dúzia e meia.
Quanto à dedicatória (2), julgo não a merecer de todo mas, sentindo-me lisonjeado, prefiro reendereçá-la aos Camaradas que lá caíram ao longo dos anos e foram alguns, mesmo na Marinha do ar condicionado.
Tenho limitado a minha intervenção no blogue a alguns retalhos soltos mas a incapacidade pessoal de gerir o tempo disponível e as solicitações responsáveis que assumi relativamente à Reserva Naval e LFG como a Orion deixam-me sem margem para me candidatar a alastrativo.
A seu tempo, espero ir enviando ao Luís Graça, que me está a ouvir, alguns retalhos ilustrados do que representou para a Marinha o imenso rio Cacheu, onde se inclui essa tão interessante, na tua convincente descrição, como de má memória para nós, região do Tancroal/Porto Batu.
Dispõe e não deixes acabar a tinta no teclado!
Um abraço,
Manuel Lema Santos
Nota - Caso o relatório final completo da operação tenha para vós algum interesse - e caso não disponham dele - julgo poder disponibilizá-lo; os destacamentos de FZE [Fuzileiros Especiais] que também participaram (DFE4, DFE12 e DFE13) integravam, todos eles, além de oficiais do quadro permanente, oficiais da Reserva Naval, como eu.
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos
(2) Vd. post de 6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1567: Operação Larga Agora, na região do Tancroal, com a CCAÇ 2753 (Vitor Junqueira)
Guiné 63/74 - P1570: Convívios: Almoço-convívio de camaradas de Matosinhos (Albano Costa / Carlos Vinhal)
Matosinhos > 3 de Março de 2007 > No almoço-convívio que reuniu muitos camaradas nossos que estiveram na Guiné, a nossa tertúlia e o nosso blogue estiveram muito bem representados pelo Albano Costa, o Amaro Samúdio e o Carlos Vinhal (na foto, da esquerda para a direita).
Matosinhos > 3 de Março de 2007 > No almoço-convívio dos ex-combatentes da Guiné, naturais do concelho, não faltou um espectacular bolo com o mapa da Guiné-Bissau.
Fotos: © Albano Costa (2007). Direitos reservados.
Caro Luís:
Votos de boa saúde. O meu amigo Manuel José Agostinho (Guiné, 1968/69), frequentador assíduo do nosso blogue, coadjuvado pelo também meu amigo António Maria (Guiné, 1969/71), tomou a iniciativa de promover um almoço-convívio, no dia 3 de Março de 2007, entre os ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos.
Tirando uma iniciativa existente a nível de freguesia em Guifões, terra do nosso camarada Albano, nunca se tinha feito nada a nível concelhio.
Responderam ao desafio cerca de 55 camaradas, um deles muito especial, o Rui Moreira, que foi um dos nossos prisioneiros libertados em Conakry, em 22 de Novembro de 1970, e que se deslocou da Galiza onde vive, para o efeito.
Como me disse a propósito o nosso camarada Samúdio, a Guiné e os ex-combatentes estão a surgir em Matosinhos e, digo eu, terás tu bastantes culpas no cartório. És (somos) muito lidos por camaradas que por muitos motivos não aderem ao blogue. Mas que mexemos nas consciências de muita gente é inquestionável.
Não sabemos se irá ser formada no futuro alguma associação de antigos combatentes da Guiné no Concelho de Matosinhos. Sabemos, sim, que o primeiro passo foi dado e que para o próximo ano seremos muitos mais, porque isto pega-se.
O nosso Blogue esteve representado ao mais alto nível por Albano Costa (Guifões), Amaro Samúdio (Matosinhos) e Carlos Vinhal (Leça da Palmeira). Seguem duas das fotos do acontecimento, tiradas, como não podia deixar de ser, pelo camarada Albano Costa.
Carlos Esteves Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732
Mansabá
Matosinhos > 3 de Março de 2007 > No almoço-convívio dos ex-combatentes da Guiné, naturais do concelho, não faltou um espectacular bolo com o mapa da Guiné-Bissau.
Fotos: © Albano Costa (2007). Direitos reservados.
Caro Luís:
Votos de boa saúde. O meu amigo Manuel José Agostinho (Guiné, 1968/69), frequentador assíduo do nosso blogue, coadjuvado pelo também meu amigo António Maria (Guiné, 1969/71), tomou a iniciativa de promover um almoço-convívio, no dia 3 de Março de 2007, entre os ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos.
Tirando uma iniciativa existente a nível de freguesia em Guifões, terra do nosso camarada Albano, nunca se tinha feito nada a nível concelhio.
Responderam ao desafio cerca de 55 camaradas, um deles muito especial, o Rui Moreira, que foi um dos nossos prisioneiros libertados em Conakry, em 22 de Novembro de 1970, e que se deslocou da Galiza onde vive, para o efeito.
Como me disse a propósito o nosso camarada Samúdio, a Guiné e os ex-combatentes estão a surgir em Matosinhos e, digo eu, terás tu bastantes culpas no cartório. És (somos) muito lidos por camaradas que por muitos motivos não aderem ao blogue. Mas que mexemos nas consciências de muita gente é inquestionável.
Não sabemos se irá ser formada no futuro alguma associação de antigos combatentes da Guiné no Concelho de Matosinhos. Sabemos, sim, que o primeiro passo foi dado e que para o próximo ano seremos muitos mais, porque isto pega-se.
O nosso Blogue esteve representado ao mais alto nível por Albano Costa (Guifões), Amaro Samúdio (Matosinhos) e Carlos Vinhal (Leça da Palmeira). Seguem duas das fotos do acontecimento, tiradas, como não podia deixar de ser, pelo camarada Albano Costa.
Carlos Esteves Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732
Mansabá
terça-feira, 6 de março de 2007
Guiné 63/74 - P1569: Questões politicamente (in)correctas (26): Uma guerra, hoje, bem mais difícil de travar (António Rosinha)
Guiné-Bissau > Bissau > Carnaval de 2005 (1). Um cartaz a pedir a paz com reconciliação, requisito fundamental para o desenvolvimento do país.
Foto: © Paulo Salgado (2007). Direitos reservados.
Mensagem do António Rosinha, enviada há mais de um mês (António, desculpa o mau jeito, mas o teu pensamento não perde, infelizmente, actualidade).
Quem chegou foi o Beja Santos - Comentário ao Post P1479 (2)
Quem chegou foi o Beja Santos... - Foi assim que ouvi falar pela primeira vez em Beja Santos, em Bissau, a colegas meus portuguese que, pelos vistos, todos sabiam quem era, menos eu, pois havia mais de 30 anos que eu não vivia em Portugal.
Trabalhava eu num projecto do Banco Mundial, nas Obras Públicas, integrado numa equipa luso-francesa (reabilitação de infraestruturas), entre 1990 e 1993.
Esta mensagem não passa de um feed back ao P1479 de 31 de Janeiro - O que podemos (ou não) fazer pelo povo guineense (1). Até porque Beja Santos menciona que contactou a Chefia do projecto onde eu me integrava: E, digo eu, que teria contactado ou um brasileiro, João Pessoa, ou Vítor da Fonseca, sendo Ministro na altura Tino Lima Gomes.
Depois de praticamente ter lido tudo o que ele tem produzido para este blogue, em que destaco, no meu ponto de vista, a força com que ele dá relevo à principal arma dos portugueses naquela guerra, guerra que não durava nem um ano, sem essa arma - O relacionamento humano -, verifico que é com o mesmo sentimento, e talvez com semelhante incerteza daqueles tempos, que ele pensa na hipótese de outra guerra: Ajudar o povo da Guiné.
Mas, Beja Santos, neste momento a guerra da Guiné, bem como de certos países de África, é bem mais difícil do que aquela que nós travámos. Enquanto tu pensas no povo africano, os inimigos [de África] pensam na África apenas como território. Até que apareceu uma nova infecção na saúde da Guiné: Petrolite...
Todos os problemas que tu apontaste, de uma maneira muito amena, e de que de vez em quando fazes os teus lamentos, nos teus escritos, fazem-te prever coisas más: talvez velas acesas como foi para Timor? Penso, como tu, que tem que se fazer tudo para ajudar, mas é tão difícil conseguir entrar em certos países africanos, devido à quantidade de dadores, doadores, observadores, missionários de várias religiões, financiadores, estudiosos de etnografia, conselheiros dos países mais variados, que só à cotovelada é que se entra lá. Tantas ajudas, muitas nem tanto, foram cair mais foi nas ex-colónias portuguesas e belgas. Daí o estado desses países.
Mas penso que mais colaboração portuguesa, em certos domínios, ajuda mais que qualquer outra. Mas para ter efeito tem que ser com participaçaão e opinião de guineenses, e não como essas tribos que eu mencionei, que passam por lá como em viagem de safari africano.
Beja Santos , espero que mantenhas o mesmo entusiasmo que tens tido, e da maneira como o blogue está a crescer, conseguirás algo que tenhas em mente. Luís, se achares que é de publicar (3) ... Um abraço para os dois.
___________
Notas de L.G.
(2) Vd. post de 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1479: Questões politicamente (in)correctas (23): O que podemos (ou não) fazer pelo povo guineense (Beja Santos)
(.-..) "Ao nível da nossa modesta intervenção e pensando em tertulianos como o Paulo Salgado, devíamos reflectir para onde deve ir a cooperação portuguesa para além da língua e da formação universitária: a criar verdadeiros empresários e industriais, quadros públicos, pessoal de saúde, agricultores e pescadores. E enquanto blogue podíamos dar o exemplo: criando uma bolsa de estudo para alguém que possa contribuir para trazer mais paz à Guiné" (...).
(3) Vd. último post desta série > 3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)
Foto: © Paulo Salgado (2007). Direitos reservados.
Mensagem do António Rosinha, enviada há mais de um mês (António, desculpa o mau jeito, mas o teu pensamento não perde, infelizmente, actualidade).
Quem chegou foi o Beja Santos - Comentário ao Post P1479 (2)
Quem chegou foi o Beja Santos... - Foi assim que ouvi falar pela primeira vez em Beja Santos, em Bissau, a colegas meus portuguese que, pelos vistos, todos sabiam quem era, menos eu, pois havia mais de 30 anos que eu não vivia em Portugal.
Trabalhava eu num projecto do Banco Mundial, nas Obras Públicas, integrado numa equipa luso-francesa (reabilitação de infraestruturas), entre 1990 e 1993.
Esta mensagem não passa de um feed back ao P1479 de 31 de Janeiro - O que podemos (ou não) fazer pelo povo guineense (1). Até porque Beja Santos menciona que contactou a Chefia do projecto onde eu me integrava: E, digo eu, que teria contactado ou um brasileiro, João Pessoa, ou Vítor da Fonseca, sendo Ministro na altura Tino Lima Gomes.
Depois de praticamente ter lido tudo o que ele tem produzido para este blogue, em que destaco, no meu ponto de vista, a força com que ele dá relevo à principal arma dos portugueses naquela guerra, guerra que não durava nem um ano, sem essa arma - O relacionamento humano -, verifico que é com o mesmo sentimento, e talvez com semelhante incerteza daqueles tempos, que ele pensa na hipótese de outra guerra: Ajudar o povo da Guiné.
Mas, Beja Santos, neste momento a guerra da Guiné, bem como de certos países de África, é bem mais difícil do que aquela que nós travámos. Enquanto tu pensas no povo africano, os inimigos [de África] pensam na África apenas como território. Até que apareceu uma nova infecção na saúde da Guiné: Petrolite...
Todos os problemas que tu apontaste, de uma maneira muito amena, e de que de vez em quando fazes os teus lamentos, nos teus escritos, fazem-te prever coisas más: talvez velas acesas como foi para Timor? Penso, como tu, que tem que se fazer tudo para ajudar, mas é tão difícil conseguir entrar em certos países africanos, devido à quantidade de dadores, doadores, observadores, missionários de várias religiões, financiadores, estudiosos de etnografia, conselheiros dos países mais variados, que só à cotovelada é que se entra lá. Tantas ajudas, muitas nem tanto, foram cair mais foi nas ex-colónias portuguesas e belgas. Daí o estado desses países.
Mas penso que mais colaboração portuguesa, em certos domínios, ajuda mais que qualquer outra. Mas para ter efeito tem que ser com participaçaão e opinião de guineenses, e não como essas tribos que eu mencionei, que passam por lá como em viagem de safari africano.
Beja Santos , espero que mantenhas o mesmo entusiasmo que tens tido, e da maneira como o blogue está a crescer, conseguirás algo que tenhas em mente. Luís, se achares que é de publicar (3) ... Um abraço para os dois.
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Notas de L.G.
(1) Vd. post de 20 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1538: Bissau: O melhor Carnaval do Mundo (Paulo e São Salgado)
(2) Vd. post de 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1479: Questões politicamente (in)correctas (23): O que podemos (ou não) fazer pelo povo guineense (Beja Santos)
(.-..) "Ao nível da nossa modesta intervenção e pensando em tertulianos como o Paulo Salgado, devíamos reflectir para onde deve ir a cooperação portuguesa para além da língua e da formação universitária: a criar verdadeiros empresários e industriais, quadros públicos, pessoal de saúde, agricultores e pescadores. E enquanto blogue podíamos dar o exemplo: criando uma bolsa de estudo para alguém que possa contribuir para trazer mais paz à Guiné" (...).
(3) Vd. último post desta série > 3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)
Guiné 63/74 - P1568: Álbum das Glórias (8): Os Dráculas, CART 2410, Guileje (José Barros Rocha)
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 2410 (Junho de 1969 a Março de 1970) > O Alf Mil Rocha "posando sobre a roda de uma peça de artilharia 11,4 (ou o obus 14 ?" (JBR) .
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 2410 (Junho de 1969 a Março de 1970) > O Alf Mil Rocha, de "regresso ao quartel de Guileje, após mais um dos patrulhamentos diários pela zona" (JBR) ... Pela foto, percebe-se que foi na época das chuvas.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 2410 (Junho de 1969 a Março de 1970) > "Empenagens de canhão sem recuo, morteiro 120, morteiro 82, RPG 7 e dos famosos Mísseis com que frequentemente éramos presenteados assiduamente" (JBR)
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 2410 (Junho de 1969 a Março de 1970) > "Ou vai ou racha": o lema dos Dráculas...
O José Barros Rocha, numa foto recente.
Fotos e legendas: © José Barros Rocha (2007). Direitos reservados.
Mensagem, de 11 de Fevereiro de 2007, enviada pelo novo membro da nossoa tertúlia, José Barros Rocha, ex-Alferes Miliciano da CART 2410 - Os Dráculas, que estiveram em Guileje, de Junho de 1969 a Maio de 1970 (1).
Dando satisfação ao teu pedido, vou tentar enviar algumas fotos, que espero cheguem em boas condições, pois este periquito informático vê-se em maus lençois nestes assuntos. E aí vai!
Oxalá tenham chegado ao destino, pois receio bem que hajam caído em alguma emboscada ou, que sabe, objecto de golpe de mão. Um grande abraço e se dúvidas houver é só chatear pessoal.
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1443: Contributo para a história da construção do aquartelamento de Guileje (José Barros Rocha, CART 2410, Os Dráculas, 1969/70)
Guiné 63/74 - P1567: Histórias de Vitor Junqueira (8): Operação Larga Agora, na região do Tancroal, com a CCAÇ 2753
Guiné > Região do Oio > CCAÇ 2753 (197o/72) > O Vitor Junqueira foi alferes miliciano de uma companhia açoriana que fazia parte do COP 6, cujo comando era Mansabá. Sempre foi um homem exigente consigo e com os outros, como o prova este execertyod e e-mail que mem amdou a pedir para correcções de pormenor ao etxto que hoje se publica: "Como alguém (tu?) já disse, no Blogue não há lugar para mentirosos. Porque a mentira tem a perna curta, um mentiroso apanha-se mais depressa que um coxo. E na Tertúlia há sempre a possibilidade de alguém conhecer a versão autêntica da nossa história. Por isso despendi várias horas a redigi-la, consultando papéis, relendo relatórios, conferindo datas, para que fosse expurgada de imprecisões ou lapsos. Uma das vantagens de a guerra da Guiné ter sido feita essencialmente por milicianos, é podermos dispor hoje de imenso material classificado na mão de civis" (VJ).
Foto: © Vitor Junqueira (2006). Direitos reservados.
Guiné > 1971 > Excerto do Relatório da Operação Larga Agora , na região do Oio (13-15 de Junho de 1971), em que participou o Vitor Junqueira, enquanto comandante de 2 Grupos de Combate da sua açoriana CCAÇ 2753... Apreciação do autor do relatório:
"Considero excepcional o comportamemto na função do Agr 5 (CCAÇ 2753) (-) do Alf Mil de Inf Victor José Anastácio Junqueira que, imbuído de alto espírito de missão, soube formnar com os 2 Gr Comb que comandava, uma equipa extremamente coesa e perfeitamente consciente do que lhe incumbia. Em todas as acções de contacto IN manifestou calma absoluta, clareza e rapidez de decisão. Julgo perfeitamente apto para comandar uma CCAÇ em operações".
Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.
Texto enviado em 21 de Fevereiro de 2007 pelo Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, membro da nossa tertúlia (1).
Prezado amigo Luís,
Com a ousadia própria dos atrevidos, tomei de empréstimo um excerto de uma folhinha de Mestre Agostinho da Silva, como prólogo do episódio que hoje pretendo compartilhar com meus irmãos do mato. Fi-lo por duas razões, sendo a primeira aquela que emana do próprio texto, acrescida do receio de ser tomado como uma espécie de arrivista das letras, usurpador de um espaço que é de todos, ciente que estou de que jamais compactuarias com tal despautério.
A segunda razão tem a ver com o facto de Agostinho da Silva, de quem conheço pouco mais do que a biografia, me ter agarrado desde a primeira linha numa espécie de encantamento reforçado pelas entrevistas que deu para a televisão, e que acompanhei como um devoto. Figura singular, misto de profeta e frade franciscano, e acima de tudo, pedagogo experiente, cativava a audiência como certamente prendia os seus alunos. Aos meus olhos personificava o bom rebelde, de coração puro e despojado, para quem a estupidez humana constitui o maior drama do nosso tempo. Teria ele também alguma empatia com movimento anarquista, que tantas simpatias conquistou entre a estudantada dos meus tempos de Coimbra? (1)
“Queridos amigos,
Parece que toda a gente está de acordo em que o mundo inteiro se encontra em crise. Como isto me parece demasiado vasto para eu poder ser útil, decidi que sou eu quem está em crise e talvez consiga sair dela com três princípios: O de me ver livre do supérfluo, o de não confundir o verbo amar com o verbo ter, o de prestar voto de obediência ao que for servir, não mandar. Nestes termos comunico a todos os Amigos que não imporei a ninguém a leitura de textos meus …
Setembro de Lua Cheia e de 93.”
Agostinho da Silva, Filósofo, in Folhinhas.
E agora, vamos ao relato. Procurarei que seja tão rigoroso quanto a minha memória o permitir, tão neutro e isento quanto a farronquice deixar, apimentado q.b. para que não adormeçam ao lê-lo. Leva dedicatória:
“Para um tertuliano especial, o Manuel Lema Santos, que se reclama de meio chaparro, meio estremenho, integralmente português. Pelas palavras simpáticas e pelo desafio (*)”.
Quem desce Cacheu a partir de Farim em direcção ao Tiligi, deixando Binta para trás, chega a uma zona onde o Pedro Lauret viu a mina-vaca (**). Notará então que o rio descreve quatro curvas sendo uma delas, uma grande chouriça de concavidade virada para sul.
Nesta concavidade, situada a leste do Leto, acomoda-se a Ponta do Tancroal, uma projecção de terra firme que reduz ao mínimo a distância entre margens. Este acidente topográfico era inteligentemente aproveitado pelas forças do IN, como porta de entrada para as áreas do Oio e Morés. Posso garantir que em algumas ocasiões em que passei por aquelas bandas, não era difícil ouvir por cima do silêncio da mata, o ruído próprio de embarcações motorizadas (2) cambando o rio, certamente levando reforço em homens e material a uma vasta área onde as NT raramente incomodavam as populações sob controlo do PAIGC.
Conheci bem essa região. A beleza e serenidade da paisagem eram verdadeiramente idílicas. A fertilidade do solo, onde lalas e bolanhas bem cuidadas produziam milho, arroz, mandioca e hortícolas a que se juntava abundância de gado, evidenciavam uma excelente organização social e administrativa. As tabancas, constituídas por pequenos aglomerados de moranças construídas a céu aberto e não sob a copa das árvores como em outras zonas, apresentavam-se bastante dispersas, rodeadas por trincheiras, dispondo algumas, de abrigos e espaldões para armas pesadas.
Embora não existisse praticamente população civil desarmada (3), a tropa de linha, sujeita a movimentos de rotação e rendição como em qualquer exército convencional, ocupava instalações segregadas da restante população. Ao contrário do que muitos crêem, mantinha com os residentes apenas as indispensáveis relações em matéria de autodefesa e abastecimento de víveres. E nem sempre eram as melhores (4)!
A ligação entre estas populações e os militares era feita através dos comissários políticos, aos quais o braço armado do PAIGC se encontrava subordinado. Aqui constatámos também a existência de depósitos de bens essenciais, desde os alimentares a outros considerados de primeira necessidade como chinelos, panos e até material escolar. Possuíam instrumentos de medida e livros de escrituração. Julgo que estas estruturas seriam os embriões de outras de maior amplitude chamadas Armazéns do Povo, que viriam a ter um papel importante num ensaio de economia colectivista, no período pós-independência.
Ainda no Tiligi, foi-nos desvendado um enigma que durante muito tempo me intrigou. Sabendo que um dos grandes receios (terror!) das NT empenhadas em operações de maior envergadura era o de ficarem desmuniciadas, o que obrigava à celebérrima disciplina de fogo, como é que o IN emboscava duas, três vezes seguidas e tendo eles, armas com cadências de tiro idênticas às nossas, não pareciam afectados por este problema? A resposta é bem simples, tipo ovo de Colombo. Referenciados através de pontos conspícuos (5), dispunham de uma rede de mini-paiois que permitiam o seu remuniciamento contínuo! Como curiosidade, refiro que num desses paióis, além de algumas armas pesadas e respectivas munições, foram recuperados vários fardos de uniformes (6).
Entre a documentação apreendida, encontrámos alguns bons exemplos de como o PAIGC se preocupava tanto com a preparação para o combate dos seus elementos, quanto com a sua formação político-doutrinária. Sabemos que havia aulas de alfabetização em Português, e nos caderninhos de TPC abandonados junto aos postos de vigia (sentinela) podiam ler-se tanto expressões e palavras de ordem de conteúdo ideológico, como histórias para crianças e até poesia. Exemplares do Corão eram às centenas, bem como manuais militares exemplificando com gravuras, como deitar abaixo um helicóptero, montar uma emboscada ou confeccionar um fornilho. Tive a sensação de que entre os militares das FARP, não havia lugar para a ociosidade: Combatiam, trabalhavam ou estudavam. Também sabemos que o árabe numa das suas versões era ensinado às crianças por homens santos ou marabus, que percorriam as aldeias, tanto aquelas que estavam sob a nossa protecção como as que se encontravam nas apregoadas áreas libertadas.
Operação Larga Agora (13 de Junho de 1971)
Quem manda, pode! E quem podia naquele Território no longínquo ano de 1971, ordenou que se fizesse uma operação de limpeza na região cujo retrato sumário acabei de vos apresentar. Para uma tal empresa que, foi decidido, teria a duração de três dias (7), coisa rara na Guiné como todos sabem, foi reunida a fina-flor da nossa tropa: Fuzos, comandos brancos e pretos e páras (8). A representar a tropa arre-macho estava aqui o vosso amigo Junqueirita y sus muchachos (9).
Quanto a ordens, … as do costume, simples, claras e concisas: Destruir, queimar, inutilizar os meios de vida. Relativamente aos elementos armados do IN, diziam-nos para os “capturar, eliminar ou no mínimo expulsar da ZA”.
Passo agora a vista pelo relatório da operação onde leio que o primeiro dia de trabalho começou com a execução de (transcrevo) “um héli-assalto sobre objectivo IN em Binta 5 D7-34 (10). Captura-se material que é evacuado por meios héli em 131000Jun.
A partir desse ponto, as NT iniciaram a progressão no terreno, segundo linha de orientação geral definida em Ordop …” que nos havia de levar até ao Tancroal (11) e depois, em sentido descendente, às tabancas de Suntucuia, Solinto Mandinga e Sibicunto, entre outras (12).
Operação Larga Agora (14 de Junho de 1971)
O segundo dia começou ainda melhor. Ao alvorecer, um grupo IN que ao fim da tarde do dia anterior nos tinha impedido de tomar um tabancal, caiu numa emboscada montada por nós. Ficámos a ganhar por vários a zero e capturámos mais material.
Interrogatórios para exploração imediata (13), forneceram dados importantes quanto aos efectivos das FARP e sua localização. A meio da manhã encontrámo-nos com a 121ª de paras. Um dos alferes deu-me conta de que o nosso ronco estava a ser muito apreciado em Bissau. Pouco depois, o PCV passa sobre a nossa vertical dando ordem para que fosse montada de imediato uma segurança, que permitisse ao Maior dirigir-se às tropas da CCAÇ (14). Foi um momento de grande apuro já que aquela era a pior altura para receber o Comandante-chefe.
À nossa volta havia pequenos grupos de elementos armados dispersos pela mata (15), e os rebentamentos, nossos, do IN e das munições de todos os tipos escondidas no interior das moranças em chamas, eram contínuos, tornando considerável o risco de um acidente durante a aterragem ou descolagem. Um pequeno campo de milho fez de heliporto onde o Alouette que transportava o nosso General não tardou a pousar. Começaram a desembarcar, Spínola e o seu séquito (16). Em passo de corrida, dirigi-me ao Velho e comecei bem, como se segue…
- Meu general, apresenta-se o alferes …
Não me deixou terminar a lenga-lenga. Cortando-me a palavra com indisfarçada irritação, disse-me:
- Ó nosso alferes, não é consigo que eu quero falar, é com o seu comandante. Vá lá chamá-lo.
Aí, alto e pára o baile, senti-me beliscado. Enchi o peito de ar e repliquei:
- Pois saiba, meu general que, aqui, o comandante sou eu! - E que ninguém duvide: Pus o homem em sentido quando lhe disse que ali quem mandava era eu! O tom da conversa mudou logo.
Mais f... do que eu devia estar o piloto, obrigado a aterrar numa barafunda daquelas. Manteve o rotor a girar à força toda e fez muito bem. Os cavalheiros, também não se descuidaram muito no chão.
O Homem olhou para mim com um ar que eu não sei se foi de tristeza ou desolação. De espanto foi certamente. Esperaria ele encontrar um façanhudo capitão, educado pelos mestres da Academia nas mais avançadas técnicas da contra guerrilha, curtido pelas duras batalhas do sertão? Saiu-lhe uma coisa bem diferente; um piço de um rapazito quase imberbe, meio enfezadote, negro de fuligem, com um fez enfiado na cabeça (devido à deserção do quico), e um belo par de botas de cabedal made in Checoslováquia à cintura, fazendo contrapeso ao cantil (17). Na sua expressão li o mais puro desalento. Adivinho-o a pensar: Ao que nós chegámos!
Se calhar foi aí que percebeu que mais valia dedicar-se à escrita e terá decidido começar a alinhavar Portugal e o Futuro! Jogou a mão a uma carta que um dos seus acompanhantes lhe estendia e ordenou-me que, sobre ela, lhe mostrasse quais os objectivos atingidos e o que é que nos faltava fazer. Depois de uma breve explicação, bateu uma palada e afastou-se, não sem antes dizer a um simpático major que o acompanhava:
- Ó Senhor major, faça o favor de ver de que é que estes homens precisam.
O major era um homem polido, muito atencioso. Falei-lhe do cansaço, da água e da comida que já não tínhamos (18) e do estupor da G3, pesadona, comprida, pouco jeitosa para quem tinha que manobrar rádio, cartas, bússola etc. No fundo eu estava-me a fazer a uma kalash! Escutou-me, interessado. Despediu-se com um abraço, juntou-se ao grupo e partiram.
Operação Larga Agora (15 de Junho de 1971)
O resto desse dia e o seguinte decorreram na mesma toada. O momento mais difícil aconteceu durante essa noite (do segundo para o terceiro dia) no local destinado à pernoita, próximo da clareira do Tancroal. Pareceu-me ser o sítio mais seguro, pois tendo o rio a norte, bolanhas a E e W, apenas teríamos que nos preocupar com o flanco sul. Tinha o inconveniente de, no caso do IN nos barrar a retirada, ficarmos mais ou menos encurralados. Sabíamos que os seus olheiros tinham espiado os nossos passos durante toda a tarde, pelo que nos mantivemos em movimento e só alta noite nos dirigimos para o local escolhido.
Mandei instalar em círculo e abrigar o melhor possível. Buracos escavados no chão com a faca de mato onde pudéssemos enfiar a cabeça, troncos de árvore, termiteiras, crateras das raízes das palmeiras caídas, tudo serviu como antepara para o caso de um eventual ataque nocturno. Montada a segurança com sentinelas dobradas, passámos uma rasteira à fome com o que nos restava nos bolsos. Quando começávamos a acreditar que um pequeno descanso era possível, irrompe o maior arraial de morteiro 82 mm de que guardo memória. Toda a zona onde fomos avistados por altura do sol-posto, foi batida com uma intensidade tal, de que só vos poderei dar uma ideia dizendo que pelo meu cálculo, foram disparadas mais de 500 granadas.
Felizmente, os rebentamentos davam-se bastante a sul da nossa posição. Fora o nervoso miudinho, no nosso canto reinava o maior sossego. Este festival durou várias horas, até que pelas quatro da manhã, um dos meus camelos, o Amorim, faz um disparo acidental de G3. Acho que não é difícil imaginar o resto da história. Uma nuvem de chispas de lume, falhas de aço incandescente, pó, terra, fragmentos de baga-baga, ramos de árvores, rodopiaram por cima da nossa posição num frenesim diabólico. Nós, nem um pio! Ao fim de cerca de uma hora, cansaram-se, esgotaram as munições ou convenceram-se de que não estaríamos lá? Quando a calma reinou de novo e os nervos descomprimiram, deu para perceber que tivéramos a protecção de Alguém. Exceptuando pequenas beliscaduras nos cromados, não havia ninguém ferido!
Uma Uzi novinha em folha para o Sr. Alferes
Não sei quanto tempo decorreu entre o encontro com o Estado-maior e uma inesperada visita do General ao K3, umas semanas, não mais. Ouvi dizer que ele era muito niquento no que dizia respeito ao aprumo da tropa aquando das suas visitas ao mato. Disseram-me que alguns comandantes de Companhia teriam apanhado umas porradas por o seu pessoal se apresentar abandalhado.
Desta vez o héli chegou sem qualquer aviso. O pessoal disponível encontrava-se empenhado no restauro da cozinha e refeitório das praças. Tronco nu, esfrangalhados, suados que nem porcos, transportávamos cibes ao ombro, que no meu caso já sangrava, amassávamos material para a confecção de blocos ou trabalhava-se de pá e picareta. À vista do heli, o pessoal formou rapidamente em U, tal como estava. O General, acompanhado por um major, dirigiu-se à Companhia com palavras de circunstância, não fazendo qualquer reparo quanto ao traje. Reiterou a promessa anteriormente feita de que a breve prazo retiraríamos para Bissau em recompensa dos bons serviços prestados, o que nunca aconteceu.
O major que o acompanhava avançou então para mim e, entregando-me uma arma que trazia consigo, disse com a maior simplicidade:
- Sr. alferes, aqui tem a sua arma! É uma Uzi novinha em folha. Olhe, igual à sua, só existe outra na Guiné. Com a arma vinham mais quatro carregadores.
Fiquei emocionado. Primeiro, porque tomei esta prenda como mais uma prova de grande consideração. Depois, por tê-la recebido da mão do senhor major Correia de Campos.
E ao evocar o nome deste brilhante militar, apetece-me dizer, com Ortega y Gasset: “Os temas fundamentais da História não são produto do colectivo, mas de indivíduos de excepção”.
P.S. - Acabo de saber da morte de Barbosa Henriques (***) que foi comandante da 27ª de Comandos. Participámos em várias operações conjuntas. Embora o convívio não tenha sido suficiente para nos tornarmos amigos, sei que era um Homem íntegro. Nesta hora triste, apresento à família sentidos pêsames. E peço a Deus que seja misericordioso com a sua alma.
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Notas de V.J:
(1) Por alturas do 25 de Abril de1974, ia eu a descer a Av Sá da Bandeira, quando a propósito das comemorações do primeiro 1º de Maio em liberdade, li num muro a seguinte convocatória:
“Dia 1 de Maio todos à Portagem. O 1º de Maio é vermelho. MRPP”.
E alguém acrescentou por baixo e autenticou com o conhecido selo dos anarcas: "Também os Índios eram vermelhos, e foderam-nos todos!"
Sarcasmo, humor corrosivo e descomprometido, provocação irreverente, não tive dúvidas de que aquela era a chanca para o meu pé!
(2) O mesmo tipo de operação, constatei-o, era efectuado noutro trecho do Cacheu um pouco a leste da sua confluência com o rio de Jumbembem. Na área de Madina Mandinga-Gebacunda, também na margem esquerda do Cacheu, testemunhei outro facto insólito: o vai-e-vem de um helicóptero que, passando próximo da minha vertical, operava claramente um transbordo entre as duas margens em voo a muito baixa altitude, pelo que não pude avistar o aparelho. Questionada a FA sobre a possibilidade de haver algum meio aéreo nosso, naquela zona, a resposta foi: Negativo.
(3) No início da minha experiência de combate, fui indecentemente comido com informação que classifico de uma forma soft, como pouco honesta. Disseram-me: Nesta operação (…), você vai encontrar no máximo um bigrupo do IN, segundo as informações que temos. Não me disseram que para além desse contingente das FARP, havia outros tantos ou mais elementos das FAL, Pioneiros e populares armados, todos exímios a puxar o gatilho. Assim como me omitiram que antes de mim, já outras forças como a 27ª Companhia de Comandos, e a 121ª de Paras, se não me engano, a CART 2732 do Carlos Vinhal, tinham tentado tomar o objectivo. E todos trouxemos o que contar. Aprendi a dura lição em Fátima. Um dia, hei-de falar-vos deste caso pouco clínico!
(4) Nestas áreas, as FARP recorriam por vezes ao confisco de mantimentos assim como ao recrutamento (à má fila) de carregadores, o que não as tornava particularmente simpáticas!
(5) Ponto conspícuo significa qualquer elemento bem visível, natural (p. ex. pico, ilhota, rochedo, falésia, árvore de grande porte), ou construído pelo homem (edifício, torre, antena etc.) cuja localização no terreno sabemos corresponder a uma determinada posição geográfica indicada nas cartas de navegação. Tem mais ou menos o mesmo significado que conhecença. Na marinha usamos frequentemente estes pontos na preparação das aproximações a terra (aterragens) e na navegação costeira ou de cabotagem. No TO, ponto conspícuo poderia ser uma certa árvore, um baga-baga com determinada forma ou dimensão, o recanto de uma bolanha, um cruzamento de trilhos etc.
(6) Entre as armas pesadas havia antiaéreas, Browning 20 mm e Bredas. Fardamento de origem … francesa, havia-o de dois tipos: Fardas de caqui bege, iguais às dos legionários, e camuflados idênticos aos usados pelas tropas francesas na guerra contra a FNL (Argélia). Com aqueles camuflados vestidos, nunca encontrei ninguém. Julgo que por serem demasiado claros, mais próprios para o deserto. Já os de tipo legionário pareciam agradar ao pessoal das FAL.
(7) Operação Larga Agora. Decorreu nos dias 13, 14 e 15 de Junho de 1971. A minha Companhia já anteriormente tinha efectuado, à sorrelfa, algumas intervenções naquela área, do tipo saltar dos hélis, escaqueirar qualquer coisa, botar fogo e, … dar às de vila Diogo. Nos RVIS que por vezes se efectuavam alguns dias depois, aparecia tudo reconstruído!
(8) A respeito das tropas paraquedistas, afigura-se-me da mais elementar justiça fazer o seguinte comentário:
É minha convicção que na frente de combate, onde toda a vaidade se acaba, onde até o fraco faz força e mesmo o valente se caga, não há lugar para elitismos. Todos dão o seu melhor, quanto mais não seja para safar o próprio pêlo, o que é mais do que legítimo. Contudo, os paraquedistas que conheci na Guiné, 121ª e 122ª Companhias, eram realmente diferentes entre iguais. Sei que eram duros com o Inimigo, bravos debaixo de fogo, eficientes na acção, por esta ou qualquer outra ordem! Os resultados obtidos, as condecorações justamente atribuídas, atestam-no.
Mas aquilo que aos meus olhos os tornava a nossa melhor tropa de elite, sem desprimor para outros, eram a sua humildade, educação, respeito e cortesia para com os camaradas de outras forças. Chegava a ser embaraçoso quando, por ex., num alto para curto descanso no mato, à aproximação de um graduado (alferes) de outra força, todo um pelotão se punha de pé, incluindo o seu comandante! Pouco dados a fanfarronices, - nunca ouvi um pára gabar-se dos seus feitos individuais ou colectivos - , comandados por um militar de excepção, o coronel Rafael Durão, deixaram a todos nós o mais belo exemplo daquilo que deve ser o comportamento de tropas em campanha.
Espero que os páras de hoje continuem a ser os dignos herdeiros dos feitos valorosos dos seus camaradas de há quarenta anos, e que em qualquer parte do mundo para onde os mandem, o nome e o prestígio de Portugal e das suas Forças Armadas estejam no centro das suas preocupações. Admiro-os a tal ponto que, na próxima encarnação, se ainda existir serviço militar, eu quero ser paraquedista!
PS - Esclarecimento posterior de do comandante da CCP 121, Nuno Mira Vaz - hoje coronel paraquedista na reserva, e historiógrafo -, na altura em que a unidade esteve afecta ao COP 6, Mansabá: o coronel Rafael Durão, irmão do Rafael Durão (este nunca foi paraquedista) era então o comandante do CAOP1 em Teixeira Pinto, e de facto era um militar de excepção. O Comandante do BCP 12 era, por sua vez, o Tenente-Coronel Horácio Oliveira .
(9) Eles não eram os meus homens, nem os meus amigos, nem os meus camaradas. Eram tudo isso e muito mais. Por isso utilizei o espirituoso (acho eu!) castelhanismo, por me parecer que traduz mais adequadamente o sentimento que nos unia. E quer os meus amigos acreditem ou não, se eu me mandasse ao poço a rapaziada saltava de seguida. Habituaram-se àquele fado e acabaram por gostar. Como é possível alguém dizer tal baboseira, ouço-vos perguntar. É pura verdade. A prová-lo está o facto de, homens que nada tinham a ver com os tiros, como mecânicos, corneteiros, condutores, impedidos, sargentos da secretaria, básicos e cozinheiros, pedirem para alinhar. É certo que alguns juraram para nunca mais, mas muitos repetiram!
(10) Na proximidade de uma grande tabanca chamada Amina Dala, situada meia dúzia de quilómetros a sul de Leto (vd. carta de Binta). Estava muito bem defendida em termos de organização no terreno e possuía uma numerosa guarnição. Só levou chumbo quem trazia arma na mão.
(11) A partir daí e até à margem do rio, havia uma estreita faixa de tarrafo e bolanhas, domínio absoluto e incontestado dos nossos camaradas da marinha. Para nós caçadores, sentir humidade nos pés era do pior que nos podia acontecer. Eles, pelo contrário, movimentavam-se naqueles terrenos como peixe na água. Cada qual é p’ró que nasce!
(12) Nos três dias da operação, a CCAÇ 2753 destruiu 29 núcleos de tabancas (do relatório de operações).
(13) Os movimentos héli destinados à evacuação de material e prisioneiros serviam também para o nosso próprio reabastecimento em munições. Num desses movimentos, trouxeram-nos um intérprete.
(14) Do registo Factos e Feitos, retiro a frase: “Junto das NT esteve Sua Excelência o General Comandante-chefe que foi felicitar as mesmas”.
(15) Uma das causas em que assentou o sucesso desta operação teve a ver com uma certa táctica que consistiu em, uma vez tomado um objectivo, passar rapidamente à perseguição do IN cuja posição nos era fornecida pelo PCV, não lhe dando tempo a que os seus elementos se reagrupassem ou juntassem à guarnição do objectivo seguinte.
Numa dessas perseguições, dois FIAT passam sobre as NT, sobem até ficarem do tamanho de mosquitos e, de cabeça para baixo, a toda a mecha, largam duas alfarrobas à minha ré. Preparam-se para repetir quando eu chamo:
- Ó Tigre, Ó tigre … estou a ser batido pelo seu fogo. - E o Tigre responde:
- Vocês são pretos?
- Negativo, respondi.
- Então têm pretos convosco?
-Também não. - Ao que o Tigre replica:
- Eu só vejo pretos e além disso, vocês não era suposto estarem nessa posição!
E dito isto, bota abaixo, mais duas … mais longe. Ninguém se aleijou.
Aproveito para esclarecer que os pretos que os tipos viam, éramos nós próprios, com a pele negra pelo pó e fumaça que se agarrava ao rosto suado. Admito no entanto que na nossa retaguarda tenham avistado um dos tais grupos desgarrados do IN que cirandavam à nossa volta, incomodando-nos constantemente. Se assim foi, ... ainda bem!
(16) Séquito de que habitualmente faziam parte militares de primeira água que tive a honra de conhecer como Firmino Miguel, Carlos Fabião, Carlos Azeredo, Almeida Bruno, Pedro Cardoso, Ricardo Durão.
(17) Na Companhia havia um rapaz, por alcunha o Fafe, Osvaldo de Oliveira de seu nome, transmita de especialidade, que espontaneamente se dispunha a dar uma compostura cristã aos cadáveres do IN. Fechava-lhes os olhos, recolhia as armas e munições, documentos, e às vezes, peças do equipamento e fardamento. Foi assim que entrei na posse das botas. Carreguei com elas durante três dias para verificar ao experimentá-las, que me faltavam……quilómetros de pé. Acabei por oferecê-las ao chefe da tabanca, para o compensar de um fartum de porrada que lhe tinha aplicado uns tempos antes.
(18) Alguém imagina o carregamento de munições que cada homem transportava para uma operação de três dias? E ter que carregar ainda com rações de combate para o mesmo tempo? Pois os açorianos adoptaram uma técnica própria para obviar a este transtorno: Comiam tudo no primeiro alto e o que não comiam deitavam fora. A fome suportava-se bem com a ajuda de algumas coisas que íamos encontrando nas tabancas. Foi numa destas que comi cabrito-pé-di-rocha (****) pela segunda vez. Ainda estava a cozinhar num recipiente de barro sobre umas brasas. Disseram-me que não comesse, podia estar envenenado! Qual quê, caiu que nem ginjas.
Com a água o caso era mais complicado. Poupavam-na enquanto podiam, mas uma vez esgotados os cantis, nem sempre dávamos com os poços da população onde reabastecíamos com uma água leitosa mas muito agradável ao paladar. Nesta operação aconteceu em determinado momento ter de me por à frente deles, e ameaçar que daria um tiro no primeiro que bebesse água salgadíssima de um regato.
O terceiro elemento causador de grande desgaste físico e psicológico era o insuportável frio nocturno, sobretudo se acompanhado de cacimbo. A única forma de descansar um pouco consistia em encontrar uma cova onde coubessem dois ou tês homens se aconchegavam o melhor que podiam.
Um abraço para todos.
Pombal, terra do Marquês, figura que detesto, aos vinte e um dias do mês do Entrudo, do ano em que o Alberto João se demitiu.
Vítor Junqueira (*****)
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Notas de L.G., editor do blogue:
(*) Vd. post de 15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1526: Em louvor do comandante Vitor Junqueira (Lema Santos)
(**)Vd. post de 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)
(***) Vd. post de 19 de Fevereiro de 2007
Guiné 63/74 - P1536: Morreu Barbosa Henriques, o ex-instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos (Luís Graça / Jorge Cabral)
(****) Vd. post de 11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)
(*****) Vd. posts da série de:
18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1083: Histórias de Vitor Junqueira (1): Os Barões da açoriana CCAÇ 2753 (Madina Fula, Bironque, K3, 1970/72)
e
Guiné 63/74 - P1084: Histórias de Vitor Junqueira (2): O guerrilheiro desconhecido que foi 'capturado' no K3 por um básico da CCAÇ 2753
23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Histórias de Vitor Junqueira (3): Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoriana CCAÇ 2753 pela região de Farim
27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74: P1215: Histórias de Vitor Junqueira (4): Irmãos de sangue, suor e lágrimas
31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1224: Histórias de Vitor Junqueira (5): Não ao politicamente correcto
5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1403: Histórias de Vitor Junqueira (6): A açoriana CCAÇ 2753: uma família, uma unidade feita à medida
31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação
Foto: © Vitor Junqueira (2006). Direitos reservados.
Guiné > 1971 > Excerto do Relatório da Operação Larga Agora , na região do Oio (13-15 de Junho de 1971), em que participou o Vitor Junqueira, enquanto comandante de 2 Grupos de Combate da sua açoriana CCAÇ 2753... Apreciação do autor do relatório:
"Considero excepcional o comportamemto na função do Agr 5 (CCAÇ 2753) (-) do Alf Mil de Inf Victor José Anastácio Junqueira que, imbuído de alto espírito de missão, soube formnar com os 2 Gr Comb que comandava, uma equipa extremamente coesa e perfeitamente consciente do que lhe incumbia. Em todas as acções de contacto IN manifestou calma absoluta, clareza e rapidez de decisão. Julgo perfeitamente apto para comandar uma CCAÇ em operações".
Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.
Texto enviado em 21 de Fevereiro de 2007 pelo Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, membro da nossa tertúlia (1).
Prezado amigo Luís,
Com a ousadia própria dos atrevidos, tomei de empréstimo um excerto de uma folhinha de Mestre Agostinho da Silva, como prólogo do episódio que hoje pretendo compartilhar com meus irmãos do mato. Fi-lo por duas razões, sendo a primeira aquela que emana do próprio texto, acrescida do receio de ser tomado como uma espécie de arrivista das letras, usurpador de um espaço que é de todos, ciente que estou de que jamais compactuarias com tal despautério.
A segunda razão tem a ver com o facto de Agostinho da Silva, de quem conheço pouco mais do que a biografia, me ter agarrado desde a primeira linha numa espécie de encantamento reforçado pelas entrevistas que deu para a televisão, e que acompanhei como um devoto. Figura singular, misto de profeta e frade franciscano, e acima de tudo, pedagogo experiente, cativava a audiência como certamente prendia os seus alunos. Aos meus olhos personificava o bom rebelde, de coração puro e despojado, para quem a estupidez humana constitui o maior drama do nosso tempo. Teria ele também alguma empatia com movimento anarquista, que tantas simpatias conquistou entre a estudantada dos meus tempos de Coimbra? (1)
“Queridos amigos,
Parece que toda a gente está de acordo em que o mundo inteiro se encontra em crise. Como isto me parece demasiado vasto para eu poder ser útil, decidi que sou eu quem está em crise e talvez consiga sair dela com três princípios: O de me ver livre do supérfluo, o de não confundir o verbo amar com o verbo ter, o de prestar voto de obediência ao que for servir, não mandar. Nestes termos comunico a todos os Amigos que não imporei a ninguém a leitura de textos meus …
Setembro de Lua Cheia e de 93.”
Agostinho da Silva, Filósofo, in Folhinhas.
E agora, vamos ao relato. Procurarei que seja tão rigoroso quanto a minha memória o permitir, tão neutro e isento quanto a farronquice deixar, apimentado q.b. para que não adormeçam ao lê-lo. Leva dedicatória:
“Para um tertuliano especial, o Manuel Lema Santos, que se reclama de meio chaparro, meio estremenho, integralmente português. Pelas palavras simpáticas e pelo desafio (*)”.
Quem desce Cacheu a partir de Farim em direcção ao Tiligi, deixando Binta para trás, chega a uma zona onde o Pedro Lauret viu a mina-vaca (**). Notará então que o rio descreve quatro curvas sendo uma delas, uma grande chouriça de concavidade virada para sul.
Nesta concavidade, situada a leste do Leto, acomoda-se a Ponta do Tancroal, uma projecção de terra firme que reduz ao mínimo a distância entre margens. Este acidente topográfico era inteligentemente aproveitado pelas forças do IN, como porta de entrada para as áreas do Oio e Morés. Posso garantir que em algumas ocasiões em que passei por aquelas bandas, não era difícil ouvir por cima do silêncio da mata, o ruído próprio de embarcações motorizadas (2) cambando o rio, certamente levando reforço em homens e material a uma vasta área onde as NT raramente incomodavam as populações sob controlo do PAIGC.
Conheci bem essa região. A beleza e serenidade da paisagem eram verdadeiramente idílicas. A fertilidade do solo, onde lalas e bolanhas bem cuidadas produziam milho, arroz, mandioca e hortícolas a que se juntava abundância de gado, evidenciavam uma excelente organização social e administrativa. As tabancas, constituídas por pequenos aglomerados de moranças construídas a céu aberto e não sob a copa das árvores como em outras zonas, apresentavam-se bastante dispersas, rodeadas por trincheiras, dispondo algumas, de abrigos e espaldões para armas pesadas.
Embora não existisse praticamente população civil desarmada (3), a tropa de linha, sujeita a movimentos de rotação e rendição como em qualquer exército convencional, ocupava instalações segregadas da restante população. Ao contrário do que muitos crêem, mantinha com os residentes apenas as indispensáveis relações em matéria de autodefesa e abastecimento de víveres. E nem sempre eram as melhores (4)!
A ligação entre estas populações e os militares era feita através dos comissários políticos, aos quais o braço armado do PAIGC se encontrava subordinado. Aqui constatámos também a existência de depósitos de bens essenciais, desde os alimentares a outros considerados de primeira necessidade como chinelos, panos e até material escolar. Possuíam instrumentos de medida e livros de escrituração. Julgo que estas estruturas seriam os embriões de outras de maior amplitude chamadas Armazéns do Povo, que viriam a ter um papel importante num ensaio de economia colectivista, no período pós-independência.
Ainda no Tiligi, foi-nos desvendado um enigma que durante muito tempo me intrigou. Sabendo que um dos grandes receios (terror!) das NT empenhadas em operações de maior envergadura era o de ficarem desmuniciadas, o que obrigava à celebérrima disciplina de fogo, como é que o IN emboscava duas, três vezes seguidas e tendo eles, armas com cadências de tiro idênticas às nossas, não pareciam afectados por este problema? A resposta é bem simples, tipo ovo de Colombo. Referenciados através de pontos conspícuos (5), dispunham de uma rede de mini-paiois que permitiam o seu remuniciamento contínuo! Como curiosidade, refiro que num desses paióis, além de algumas armas pesadas e respectivas munições, foram recuperados vários fardos de uniformes (6).
Entre a documentação apreendida, encontrámos alguns bons exemplos de como o PAIGC se preocupava tanto com a preparação para o combate dos seus elementos, quanto com a sua formação político-doutrinária. Sabemos que havia aulas de alfabetização em Português, e nos caderninhos de TPC abandonados junto aos postos de vigia (sentinela) podiam ler-se tanto expressões e palavras de ordem de conteúdo ideológico, como histórias para crianças e até poesia. Exemplares do Corão eram às centenas, bem como manuais militares exemplificando com gravuras, como deitar abaixo um helicóptero, montar uma emboscada ou confeccionar um fornilho. Tive a sensação de que entre os militares das FARP, não havia lugar para a ociosidade: Combatiam, trabalhavam ou estudavam. Também sabemos que o árabe numa das suas versões era ensinado às crianças por homens santos ou marabus, que percorriam as aldeias, tanto aquelas que estavam sob a nossa protecção como as que se encontravam nas apregoadas áreas libertadas.
Operação Larga Agora (13 de Junho de 1971)
Quem manda, pode! E quem podia naquele Território no longínquo ano de 1971, ordenou que se fizesse uma operação de limpeza na região cujo retrato sumário acabei de vos apresentar. Para uma tal empresa que, foi decidido, teria a duração de três dias (7), coisa rara na Guiné como todos sabem, foi reunida a fina-flor da nossa tropa: Fuzos, comandos brancos e pretos e páras (8). A representar a tropa arre-macho estava aqui o vosso amigo Junqueirita y sus muchachos (9).
Quanto a ordens, … as do costume, simples, claras e concisas: Destruir, queimar, inutilizar os meios de vida. Relativamente aos elementos armados do IN, diziam-nos para os “capturar, eliminar ou no mínimo expulsar da ZA”.
Passo agora a vista pelo relatório da operação onde leio que o primeiro dia de trabalho começou com a execução de (transcrevo) “um héli-assalto sobre objectivo IN em Binta 5 D7-34 (10). Captura-se material que é evacuado por meios héli em 131000Jun.
A partir desse ponto, as NT iniciaram a progressão no terreno, segundo linha de orientação geral definida em Ordop …” que nos havia de levar até ao Tancroal (11) e depois, em sentido descendente, às tabancas de Suntucuia, Solinto Mandinga e Sibicunto, entre outras (12).
Operação Larga Agora (14 de Junho de 1971)
O segundo dia começou ainda melhor. Ao alvorecer, um grupo IN que ao fim da tarde do dia anterior nos tinha impedido de tomar um tabancal, caiu numa emboscada montada por nós. Ficámos a ganhar por vários a zero e capturámos mais material.
Interrogatórios para exploração imediata (13), forneceram dados importantes quanto aos efectivos das FARP e sua localização. A meio da manhã encontrámo-nos com a 121ª de paras. Um dos alferes deu-me conta de que o nosso ronco estava a ser muito apreciado em Bissau. Pouco depois, o PCV passa sobre a nossa vertical dando ordem para que fosse montada de imediato uma segurança, que permitisse ao Maior dirigir-se às tropas da CCAÇ (14). Foi um momento de grande apuro já que aquela era a pior altura para receber o Comandante-chefe.
À nossa volta havia pequenos grupos de elementos armados dispersos pela mata (15), e os rebentamentos, nossos, do IN e das munições de todos os tipos escondidas no interior das moranças em chamas, eram contínuos, tornando considerável o risco de um acidente durante a aterragem ou descolagem. Um pequeno campo de milho fez de heliporto onde o Alouette que transportava o nosso General não tardou a pousar. Começaram a desembarcar, Spínola e o seu séquito (16). Em passo de corrida, dirigi-me ao Velho e comecei bem, como se segue…
- Meu general, apresenta-se o alferes …
Não me deixou terminar a lenga-lenga. Cortando-me a palavra com indisfarçada irritação, disse-me:
- Ó nosso alferes, não é consigo que eu quero falar, é com o seu comandante. Vá lá chamá-lo.
Aí, alto e pára o baile, senti-me beliscado. Enchi o peito de ar e repliquei:
- Pois saiba, meu general que, aqui, o comandante sou eu! - E que ninguém duvide: Pus o homem em sentido quando lhe disse que ali quem mandava era eu! O tom da conversa mudou logo.
Mais f... do que eu devia estar o piloto, obrigado a aterrar numa barafunda daquelas. Manteve o rotor a girar à força toda e fez muito bem. Os cavalheiros, também não se descuidaram muito no chão.
O Homem olhou para mim com um ar que eu não sei se foi de tristeza ou desolação. De espanto foi certamente. Esperaria ele encontrar um façanhudo capitão, educado pelos mestres da Academia nas mais avançadas técnicas da contra guerrilha, curtido pelas duras batalhas do sertão? Saiu-lhe uma coisa bem diferente; um piço de um rapazito quase imberbe, meio enfezadote, negro de fuligem, com um fez enfiado na cabeça (devido à deserção do quico), e um belo par de botas de cabedal made in Checoslováquia à cintura, fazendo contrapeso ao cantil (17). Na sua expressão li o mais puro desalento. Adivinho-o a pensar: Ao que nós chegámos!
Se calhar foi aí que percebeu que mais valia dedicar-se à escrita e terá decidido começar a alinhavar Portugal e o Futuro! Jogou a mão a uma carta que um dos seus acompanhantes lhe estendia e ordenou-me que, sobre ela, lhe mostrasse quais os objectivos atingidos e o que é que nos faltava fazer. Depois de uma breve explicação, bateu uma palada e afastou-se, não sem antes dizer a um simpático major que o acompanhava:
- Ó Senhor major, faça o favor de ver de que é que estes homens precisam.
O major era um homem polido, muito atencioso. Falei-lhe do cansaço, da água e da comida que já não tínhamos (18) e do estupor da G3, pesadona, comprida, pouco jeitosa para quem tinha que manobrar rádio, cartas, bússola etc. No fundo eu estava-me a fazer a uma kalash! Escutou-me, interessado. Despediu-se com um abraço, juntou-se ao grupo e partiram.
Operação Larga Agora (15 de Junho de 1971)
O resto desse dia e o seguinte decorreram na mesma toada. O momento mais difícil aconteceu durante essa noite (do segundo para o terceiro dia) no local destinado à pernoita, próximo da clareira do Tancroal. Pareceu-me ser o sítio mais seguro, pois tendo o rio a norte, bolanhas a E e W, apenas teríamos que nos preocupar com o flanco sul. Tinha o inconveniente de, no caso do IN nos barrar a retirada, ficarmos mais ou menos encurralados. Sabíamos que os seus olheiros tinham espiado os nossos passos durante toda a tarde, pelo que nos mantivemos em movimento e só alta noite nos dirigimos para o local escolhido.
Mandei instalar em círculo e abrigar o melhor possível. Buracos escavados no chão com a faca de mato onde pudéssemos enfiar a cabeça, troncos de árvore, termiteiras, crateras das raízes das palmeiras caídas, tudo serviu como antepara para o caso de um eventual ataque nocturno. Montada a segurança com sentinelas dobradas, passámos uma rasteira à fome com o que nos restava nos bolsos. Quando começávamos a acreditar que um pequeno descanso era possível, irrompe o maior arraial de morteiro 82 mm de que guardo memória. Toda a zona onde fomos avistados por altura do sol-posto, foi batida com uma intensidade tal, de que só vos poderei dar uma ideia dizendo que pelo meu cálculo, foram disparadas mais de 500 granadas.
Felizmente, os rebentamentos davam-se bastante a sul da nossa posição. Fora o nervoso miudinho, no nosso canto reinava o maior sossego. Este festival durou várias horas, até que pelas quatro da manhã, um dos meus camelos, o Amorim, faz um disparo acidental de G3. Acho que não é difícil imaginar o resto da história. Uma nuvem de chispas de lume, falhas de aço incandescente, pó, terra, fragmentos de baga-baga, ramos de árvores, rodopiaram por cima da nossa posição num frenesim diabólico. Nós, nem um pio! Ao fim de cerca de uma hora, cansaram-se, esgotaram as munições ou convenceram-se de que não estaríamos lá? Quando a calma reinou de novo e os nervos descomprimiram, deu para perceber que tivéramos a protecção de Alguém. Exceptuando pequenas beliscaduras nos cromados, não havia ninguém ferido!
Uma Uzi novinha em folha para o Sr. Alferes
Não sei quanto tempo decorreu entre o encontro com o Estado-maior e uma inesperada visita do General ao K3, umas semanas, não mais. Ouvi dizer que ele era muito niquento no que dizia respeito ao aprumo da tropa aquando das suas visitas ao mato. Disseram-me que alguns comandantes de Companhia teriam apanhado umas porradas por o seu pessoal se apresentar abandalhado.
Desta vez o héli chegou sem qualquer aviso. O pessoal disponível encontrava-se empenhado no restauro da cozinha e refeitório das praças. Tronco nu, esfrangalhados, suados que nem porcos, transportávamos cibes ao ombro, que no meu caso já sangrava, amassávamos material para a confecção de blocos ou trabalhava-se de pá e picareta. À vista do heli, o pessoal formou rapidamente em U, tal como estava. O General, acompanhado por um major, dirigiu-se à Companhia com palavras de circunstância, não fazendo qualquer reparo quanto ao traje. Reiterou a promessa anteriormente feita de que a breve prazo retiraríamos para Bissau em recompensa dos bons serviços prestados, o que nunca aconteceu.
O major que o acompanhava avançou então para mim e, entregando-me uma arma que trazia consigo, disse com a maior simplicidade:
- Sr. alferes, aqui tem a sua arma! É uma Uzi novinha em folha. Olhe, igual à sua, só existe outra na Guiné. Com a arma vinham mais quatro carregadores.
Fiquei emocionado. Primeiro, porque tomei esta prenda como mais uma prova de grande consideração. Depois, por tê-la recebido da mão do senhor major Correia de Campos.
E ao evocar o nome deste brilhante militar, apetece-me dizer, com Ortega y Gasset: “Os temas fundamentais da História não são produto do colectivo, mas de indivíduos de excepção”.
P.S. - Acabo de saber da morte de Barbosa Henriques (***) que foi comandante da 27ª de Comandos. Participámos em várias operações conjuntas. Embora o convívio não tenha sido suficiente para nos tornarmos amigos, sei que era um Homem íntegro. Nesta hora triste, apresento à família sentidos pêsames. E peço a Deus que seja misericordioso com a sua alma.
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Notas de V.J:
(1) Por alturas do 25 de Abril de1974, ia eu a descer a Av Sá da Bandeira, quando a propósito das comemorações do primeiro 1º de Maio em liberdade, li num muro a seguinte convocatória:
“Dia 1 de Maio todos à Portagem. O 1º de Maio é vermelho. MRPP”.
E alguém acrescentou por baixo e autenticou com o conhecido selo dos anarcas: "Também os Índios eram vermelhos, e foderam-nos todos!"
Sarcasmo, humor corrosivo e descomprometido, provocação irreverente, não tive dúvidas de que aquela era a chanca para o meu pé!
(2) O mesmo tipo de operação, constatei-o, era efectuado noutro trecho do Cacheu um pouco a leste da sua confluência com o rio de Jumbembem. Na área de Madina Mandinga-Gebacunda, também na margem esquerda do Cacheu, testemunhei outro facto insólito: o vai-e-vem de um helicóptero que, passando próximo da minha vertical, operava claramente um transbordo entre as duas margens em voo a muito baixa altitude, pelo que não pude avistar o aparelho. Questionada a FA sobre a possibilidade de haver algum meio aéreo nosso, naquela zona, a resposta foi: Negativo.
(3) No início da minha experiência de combate, fui indecentemente comido com informação que classifico de uma forma soft, como pouco honesta. Disseram-me: Nesta operação (…), você vai encontrar no máximo um bigrupo do IN, segundo as informações que temos. Não me disseram que para além desse contingente das FARP, havia outros tantos ou mais elementos das FAL, Pioneiros e populares armados, todos exímios a puxar o gatilho. Assim como me omitiram que antes de mim, já outras forças como a 27ª Companhia de Comandos, e a 121ª de Paras, se não me engano, a CART 2732 do Carlos Vinhal, tinham tentado tomar o objectivo. E todos trouxemos o que contar. Aprendi a dura lição em Fátima. Um dia, hei-de falar-vos deste caso pouco clínico!
(4) Nestas áreas, as FARP recorriam por vezes ao confisco de mantimentos assim como ao recrutamento (à má fila) de carregadores, o que não as tornava particularmente simpáticas!
(5) Ponto conspícuo significa qualquer elemento bem visível, natural (p. ex. pico, ilhota, rochedo, falésia, árvore de grande porte), ou construído pelo homem (edifício, torre, antena etc.) cuja localização no terreno sabemos corresponder a uma determinada posição geográfica indicada nas cartas de navegação. Tem mais ou menos o mesmo significado que conhecença. Na marinha usamos frequentemente estes pontos na preparação das aproximações a terra (aterragens) e na navegação costeira ou de cabotagem. No TO, ponto conspícuo poderia ser uma certa árvore, um baga-baga com determinada forma ou dimensão, o recanto de uma bolanha, um cruzamento de trilhos etc.
(6) Entre as armas pesadas havia antiaéreas, Browning 20 mm e Bredas. Fardamento de origem … francesa, havia-o de dois tipos: Fardas de caqui bege, iguais às dos legionários, e camuflados idênticos aos usados pelas tropas francesas na guerra contra a FNL (Argélia). Com aqueles camuflados vestidos, nunca encontrei ninguém. Julgo que por serem demasiado claros, mais próprios para o deserto. Já os de tipo legionário pareciam agradar ao pessoal das FAL.
(7) Operação Larga Agora. Decorreu nos dias 13, 14 e 15 de Junho de 1971. A minha Companhia já anteriormente tinha efectuado, à sorrelfa, algumas intervenções naquela área, do tipo saltar dos hélis, escaqueirar qualquer coisa, botar fogo e, … dar às de vila Diogo. Nos RVIS que por vezes se efectuavam alguns dias depois, aparecia tudo reconstruído!
(8) A respeito das tropas paraquedistas, afigura-se-me da mais elementar justiça fazer o seguinte comentário:
É minha convicção que na frente de combate, onde toda a vaidade se acaba, onde até o fraco faz força e mesmo o valente se caga, não há lugar para elitismos. Todos dão o seu melhor, quanto mais não seja para safar o próprio pêlo, o que é mais do que legítimo. Contudo, os paraquedistas que conheci na Guiné, 121ª e 122ª Companhias, eram realmente diferentes entre iguais. Sei que eram duros com o Inimigo, bravos debaixo de fogo, eficientes na acção, por esta ou qualquer outra ordem! Os resultados obtidos, as condecorações justamente atribuídas, atestam-no.
Mas aquilo que aos meus olhos os tornava a nossa melhor tropa de elite, sem desprimor para outros, eram a sua humildade, educação, respeito e cortesia para com os camaradas de outras forças. Chegava a ser embaraçoso quando, por ex., num alto para curto descanso no mato, à aproximação de um graduado (alferes) de outra força, todo um pelotão se punha de pé, incluindo o seu comandante! Pouco dados a fanfarronices, - nunca ouvi um pára gabar-se dos seus feitos individuais ou colectivos - , comandados por um militar de excepção, o coronel Rafael Durão, deixaram a todos nós o mais belo exemplo daquilo que deve ser o comportamento de tropas em campanha.
Espero que os páras de hoje continuem a ser os dignos herdeiros dos feitos valorosos dos seus camaradas de há quarenta anos, e que em qualquer parte do mundo para onde os mandem, o nome e o prestígio de Portugal e das suas Forças Armadas estejam no centro das suas preocupações. Admiro-os a tal ponto que, na próxima encarnação, se ainda existir serviço militar, eu quero ser paraquedista!
PS - Esclarecimento posterior de do comandante da CCP 121, Nuno Mira Vaz - hoje coronel paraquedista na reserva, e historiógrafo -, na altura em que a unidade esteve afecta ao COP 6, Mansabá: o coronel Rafael Durão, irmão do Rafael Durão (este nunca foi paraquedista) era então o comandante do CAOP1 em Teixeira Pinto, e de facto era um militar de excepção. O Comandante do BCP 12 era, por sua vez, o Tenente-Coronel Horácio Oliveira .
(9) Eles não eram os meus homens, nem os meus amigos, nem os meus camaradas. Eram tudo isso e muito mais. Por isso utilizei o espirituoso (acho eu!) castelhanismo, por me parecer que traduz mais adequadamente o sentimento que nos unia. E quer os meus amigos acreditem ou não, se eu me mandasse ao poço a rapaziada saltava de seguida. Habituaram-se àquele fado e acabaram por gostar. Como é possível alguém dizer tal baboseira, ouço-vos perguntar. É pura verdade. A prová-lo está o facto de, homens que nada tinham a ver com os tiros, como mecânicos, corneteiros, condutores, impedidos, sargentos da secretaria, básicos e cozinheiros, pedirem para alinhar. É certo que alguns juraram para nunca mais, mas muitos repetiram!
(10) Na proximidade de uma grande tabanca chamada Amina Dala, situada meia dúzia de quilómetros a sul de Leto (vd. carta de Binta). Estava muito bem defendida em termos de organização no terreno e possuía uma numerosa guarnição. Só levou chumbo quem trazia arma na mão.
(11) A partir daí e até à margem do rio, havia uma estreita faixa de tarrafo e bolanhas, domínio absoluto e incontestado dos nossos camaradas da marinha. Para nós caçadores, sentir humidade nos pés era do pior que nos podia acontecer. Eles, pelo contrário, movimentavam-se naqueles terrenos como peixe na água. Cada qual é p’ró que nasce!
(12) Nos três dias da operação, a CCAÇ 2753 destruiu 29 núcleos de tabancas (do relatório de operações).
(13) Os movimentos héli destinados à evacuação de material e prisioneiros serviam também para o nosso próprio reabastecimento em munições. Num desses movimentos, trouxeram-nos um intérprete.
(14) Do registo Factos e Feitos, retiro a frase: “Junto das NT esteve Sua Excelência o General Comandante-chefe que foi felicitar as mesmas”.
(15) Uma das causas em que assentou o sucesso desta operação teve a ver com uma certa táctica que consistiu em, uma vez tomado um objectivo, passar rapidamente à perseguição do IN cuja posição nos era fornecida pelo PCV, não lhe dando tempo a que os seus elementos se reagrupassem ou juntassem à guarnição do objectivo seguinte.
Numa dessas perseguições, dois FIAT passam sobre as NT, sobem até ficarem do tamanho de mosquitos e, de cabeça para baixo, a toda a mecha, largam duas alfarrobas à minha ré. Preparam-se para repetir quando eu chamo:
- Ó Tigre, Ó tigre … estou a ser batido pelo seu fogo. - E o Tigre responde:
- Vocês são pretos?
- Negativo, respondi.
- Então têm pretos convosco?
-Também não. - Ao que o Tigre replica:
- Eu só vejo pretos e além disso, vocês não era suposto estarem nessa posição!
E dito isto, bota abaixo, mais duas … mais longe. Ninguém se aleijou.
Aproveito para esclarecer que os pretos que os tipos viam, éramos nós próprios, com a pele negra pelo pó e fumaça que se agarrava ao rosto suado. Admito no entanto que na nossa retaguarda tenham avistado um dos tais grupos desgarrados do IN que cirandavam à nossa volta, incomodando-nos constantemente. Se assim foi, ... ainda bem!
(16) Séquito de que habitualmente faziam parte militares de primeira água que tive a honra de conhecer como Firmino Miguel, Carlos Fabião, Carlos Azeredo, Almeida Bruno, Pedro Cardoso, Ricardo Durão.
(17) Na Companhia havia um rapaz, por alcunha o Fafe, Osvaldo de Oliveira de seu nome, transmita de especialidade, que espontaneamente se dispunha a dar uma compostura cristã aos cadáveres do IN. Fechava-lhes os olhos, recolhia as armas e munições, documentos, e às vezes, peças do equipamento e fardamento. Foi assim que entrei na posse das botas. Carreguei com elas durante três dias para verificar ao experimentá-las, que me faltavam……quilómetros de pé. Acabei por oferecê-las ao chefe da tabanca, para o compensar de um fartum de porrada que lhe tinha aplicado uns tempos antes.
(18) Alguém imagina o carregamento de munições que cada homem transportava para uma operação de três dias? E ter que carregar ainda com rações de combate para o mesmo tempo? Pois os açorianos adoptaram uma técnica própria para obviar a este transtorno: Comiam tudo no primeiro alto e o que não comiam deitavam fora. A fome suportava-se bem com a ajuda de algumas coisas que íamos encontrando nas tabancas. Foi numa destas que comi cabrito-pé-di-rocha (****) pela segunda vez. Ainda estava a cozinhar num recipiente de barro sobre umas brasas. Disseram-me que não comesse, podia estar envenenado! Qual quê, caiu que nem ginjas.
Com a água o caso era mais complicado. Poupavam-na enquanto podiam, mas uma vez esgotados os cantis, nem sempre dávamos com os poços da população onde reabastecíamos com uma água leitosa mas muito agradável ao paladar. Nesta operação aconteceu em determinado momento ter de me por à frente deles, e ameaçar que daria um tiro no primeiro que bebesse água salgadíssima de um regato.
O terceiro elemento causador de grande desgaste físico e psicológico era o insuportável frio nocturno, sobretudo se acompanhado de cacimbo. A única forma de descansar um pouco consistia em encontrar uma cova onde coubessem dois ou tês homens se aconchegavam o melhor que podiam.
Um abraço para todos.
Pombal, terra do Marquês, figura que detesto, aos vinte e um dias do mês do Entrudo, do ano em que o Alberto João se demitiu.
Vítor Junqueira (*****)
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Notas de L.G., editor do blogue:
(*) Vd. post de 15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1526: Em louvor do comandante Vitor Junqueira (Lema Santos)
(**)Vd. post de 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)
(***) Vd. post de 19 de Fevereiro de 2007
Guiné 63/74 - P1536: Morreu Barbosa Henriques, o ex-instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos (Luís Graça / Jorge Cabral)
(****) Vd. post de 11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)
(*****) Vd. posts da série de:
18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1083: Histórias de Vitor Junqueira (1): Os Barões da açoriana CCAÇ 2753 (Madina Fula, Bironque, K3, 1970/72)
e
Guiné 63/74 - P1084: Histórias de Vitor Junqueira (2): O guerrilheiro desconhecido que foi 'capturado' no K3 por um básico da CCAÇ 2753
23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Histórias de Vitor Junqueira (3): Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoriana CCAÇ 2753 pela região de Farim
27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74: P1215: Histórias de Vitor Junqueira (4): Irmãos de sangue, suor e lágrimas
31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1224: Histórias de Vitor Junqueira (5): Não ao politicamente correcto
5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1403: Histórias de Vitor Junqueira (6): A açoriana CCAÇ 2753: uma família, uma unidade feita à medida
31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação
Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II
Guiné > PAIGC > Guerrilheiros em acção... Publicado em 1972 pelas Edições em Línguas Estrangeiras, de Pequim, o livro Pelas Regiões Libertadas da Guiné (Bissau) é constituído por de um conjunto de reportagens dos jornalistas da Xinhua, a agência noticiosa oficial da República Popular da China, que passaram mais de um mês na Guiné com a guerrilha do PAIGC.
Fonte: Regiões Libertadas da Guiné (Bissau). Pequim: Edições em Línguas Estrangeiras. Agência de Notícias Xinhua. 1972.
Foto: © Agência de Notícias Xinhua (1972) (com a devida vénia...).
IX parte do dossiê O massacre do Chão Manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (*).
II Parte do depoimento do historiador lusoguineense Leopoldo Amado, doutorando em História Contemporanea pela Universidade de Lisboa. Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue:
Desconfiança e reserva do PAIGC à 'política do sorriso e do sangue' de Spínola
Num autêntico jogo de gato e do rato, Cabral responde a esta espectacular encenação [- libertação de Rafael Barbosa, co-fundador do PAIGC, e suas declarações em 3 de Agosto de 1969, em apoio à política de Spínola da Guiné Melhor, possivelmente sob coação da PIDE/DGS-] com a apresentação, a 18 do mesmo mês, em Argel, de cinco desertores portugueses, na cerimónia de encerramento do simpósio do I Festival Cultural Pan-Africano em que o PAIGC foi eleito vice-presidente do simpósio.
Tal acto era demonstrativo para o PAIGC de que era imperativo o reforço do seu arsenal bélico, pelo que, em finais de 69, Cabral se desloca a Moscovo, onde mantém conversações com peritos militares do Comité Central do Partido Comunista Soviético, passando seguidamente por Berlim Oriental e Paris, sempre em demanda de apoio militar.
Aliás, não obstante algumas guarnições portuguesas, no âmbito da nova política introduzida por Spínola, terem estendido espontaneamente a mão ao inimigo da véspera, num ambiente caracterizado pelo incremento das acções militares do exército português, sobretudo os sistemáticos bombardeamentos às regiões libertadas do PAIGC, com meios aéreos e bombas de napalme, essas aproximações foram acolhidas com forte desconfiança, tendo inclusivamente o Comité Central do PAIGC distribuído pelas suas unidades no mato um panfleto aconselhando desconfiança e cautela relativamente a política do sorriso e do sangue de Spínola.
Criação do Conselho Superior de Luta
Do lado do PAIGC, passou a ser evidente que o maior poder de fogo não era suficiente para contrapor à nova agressividade de Spínola, que se faz acompanhar de uma equipa jovem, coesa, decidida e ousada. Ao mesmo tempo que prossegue com maior vigor os ataques contra Ingoré, São Domingos, Guidaje e Morecunda, Cubisseco e Tombali, e Gansala e Catió (no Sul), e outros centros urbanos, como Bolama (atacada a 6 de Novembro de 1969 e onde se registaram inúmeras mortes e estragos em edifícios privados e públicos), acrescidos do facto de que, em 1969, na frente leste, mais dois campos fortificados caíram em mãos do PAIGC – Quifaro e Madina-Xaquili – o PAIGC sente a necessidade de robustecer a componente militar e, simultaneamente, adaptar a sua fórmula organizativa, ganhando mais disciplina e capacidade de resposta.
Surge assim o Conselho Superior de Luta, que substitui um ultrapassado Comité Central, enquanto o Bureau Político dá lugar a um Comité Executivo da Luta. No topo de uma pirâmide vincadamente hierarquizada, passou a existir uma Comissão Permanente, formada pelo secretário-geral, por Luís Cabral e por Aristides Pereira.
O PAIGC reestrutura os seus Serviços de Propaganda e fundou o PAIGC Actualités, cujo primeiro número saiu a 1 de Janeiro de 1969. Aquando da sua aparição, Cabral que se encontrava em Boé, escreve uma mensagem, que foi reproduzida nesse número, em que dizia “ (…) estou absolutamente convencido de que a iniciativa de publicar um boletim de informação em língua francesa contribuirá de forma eficaz para a melhoria desta arma importante do nosso combate multiforme contra os criminosos colonialistas portugueses (…)” (11) [a tradução é nossa, L.A.].
Contra-ofensiva propagandística do PAIGC a nível internacional
Doravante, os agressivos processos da acção psicológica do exército português já não se baseiam apenas, como no passado, em gestos de beneficência, como oferecer pão e agasalhos às populações, mas assentavam sobretudo em métodos melhorados para contrapor aos argumentos de acção psicológica que o PAIGC usava eficientemente na conquista das populações, sendo ainda de notar que uma vasta rede de rádios funcionava qual caixas de ressonância dos seus Serviços de Informação e Propaganda, a saber, Rádio Portugal Livre (Praga) da FELPA, Rádio Voz da Liberdade (Argel), também da FNLP, Rádio Moscovo, Rádio Pequim, Rádio Tirana, da Albânia, Rádio Libertação em Conakry (PAIGC), Rádio Voz da Revolução em Brazzaville (MPLA), Rádio Difusão e Radiotelevisão da RDC, em Kinshasa, Rádio Tanzânia, em Dar-es-Salam.
Para além disto, o PAIGC promoveu uma série de outras acções de propaganda dirigida a opinião pública internacional, como sejam as reportagens e artigos abonatórios na imprensa inglesa publicados desde 1966 pelo jornalista e historiador Basil Davidson e, em 1969, na imprensa italiana, pelo jornalista Crimi, jornalista, e pelo fotógrafo Uliano Lucas, ou ainda o aparecimento em Londres, de um livro da autoria de Richard Handyside, editado pela Stage 1, com discursos de Amílcar Cabral, e igualmente a exibição de filmes nas grandes capitais e metrópoles europeias rodados por várias cineastas sobre a vida e a luta do PAIGC.
Por outro lado, o novo conceito de acção psicológica empreendido por Spínola na Guiné visava igualmente uma solução política, baseada numa guerra de desgaste de longa duração, que levasse o PAIGC, pela fadiga, pelas divisões internas e pela descrença na vitória, a afastar-se das potências que o apoiavam e a procurar de novo integrar-se nas estruturas portuguesas.
'Autonomia progressiva e participada' (Marcelo Caetano)
Podemos resumir do modo seguinte os principais eixos dessa acção psicológica:
(i) Mostrar uma vontade firme de resistir e de vencer. O inimigo teria de acreditar que a luta em que o exército português estava empenhado era vital e de que nunca desistiria dela por fadiga ou por traição.
(ii) Acelerar o desenvolvimento económico e social dos territórios ultramarinos, aumentando a participação dos guineenses na administração dos negócios públicos, dando assim a ideia de que ao PAIGC só restava a opção entre os sacrifícios de uma luta de guerrilha e a sua integração numa sociedade em pleno desenvolvimento, na qual poderia participar.
(iii) Mostrar que o Governo estava pronto a receber aqueles que se arrependessem ou desistissem da luta.
Nesta estratégia enquadrava-se, perfeitamente, a política ultramarina por que se orientava o Prof. Marcelo Caetano e que era designada por autonomia progressiva e participada, expressão essa, aliás, que ele usou pela primeira vez num discurso pronunciado em Lourenço Marques (hoje Maputo), em resposta ao Manifesto de Lusaka onde fora revelada predisposição para o diálogo por parte dos dirigentes africanos que participaram na Conferência Internacional de Solidariedade para com os Povos das Colónias Portuguesas e da África Austral.
Marcelo Caetano defendeu então um projecto de autonomia progressiva para as províncias ultramarinas, consubstanciando igualmente a acção psicológica de Spínola no que convencionou chamar de construção de uma Guiné melhor, ao que Amílcar Cabral respondeu dizendo que “nunca se iludiriam com os resultados de um possível referendo, na medida em que o Governo de Caetano persistia na sua guerra criminosa e que o PAIGC era há muito autodeterminado nas regiões libertadas que controla” (12).
Reordenamentos, sistema de autodefesa e faricanização da guerra
Todavia, na Guiné trava-se uma guerra revolucionária, escreve Spínola em O Problema da Guiné, em que as duas partes em presença têm um mesmo objectivo: a conquista das populações. Para isso, não basta a G-3, é necessário conjugar a manobra militar com a promoção socioeconómica e a acção psicossocial.
São os reordenamentos, para organizar a população em eixos situados junto aos quartéis, de modo a furtá-la à penetração do PAIGC e é o sistema de autodefesa das populações (13), ao mesmo tempo, que é accionada outra poderosa arma: a acção psicológica, que aposta na africanização da guerra para captar as populações para a causa nacional, por meio da progressiva recuperação das que estão sob duplo controlo. Como já assinalamos, um vasto esforço, que altera profundamente todo o dispositivo militar e administrativo no território. Tudo em nome de uma Guiné melhor – o lema que se transformará em bandeira da administração Spínola.
O PIFAS, em cinco línguas locais, e as Directivas do Com-Chefe
No mato espalham-se cartazes mostrando um negro e um branco de mãos dadas. O Pifas, a emissão radiofónica das Forças Armadas, passa a ser emitido em cinco línguas locais, num esforço para anular a Rádio Conakry e a Rádio Libertação, antenas da propaganda do PAIGC. Difundem-se apelos prometendo uma recompensa de 10 000 escudos a cada guerrilheiro do PAIGC que se apresentar com a sua arma (o ordenado mínimo praticado na altura era de 50 escudos e um enfermeiro diplomado ganhava cerca de 1500 escudos).
A linguagem da propaganda é cuidadosamente retocada e o esforço de conquista das populações obteve, no início, resultados, tentando aliciar os próprios elementos do PAIGC, que, na linguagem da política da Guiné melhor, deixaram de ser terroristas, porque dizia-se, segundo a mesma linguagem, que tratava-se afinal um confronto entre irmãos, ou seja, batalha inglória de que nenhum poderá sair vencedor, o que evidencia bem as verdadeiras intenções de Spínola: na impossibilidade de derrotarem militarmente o PAIGC, retirar-lhe pelo menos o ascendente e a superioridade militares, para que, na eventualidade de uma solução política, o exército português não fosse obrigado a negociar em situação de inferioridade.
Nesse período, no âmbito da acção psicológica e psicossocial, inúmeras outras directivas são postas em marcha, visando inverter a equilíbrio militar favorável ao PAIGC. Assim, a Directiva secreta das Operações Psicológicas Alfa, de 26 de Outubro de 1968, recomendava um maior esforço de acção psicológica no chão manjaco, através de acções panfletárias, campanhas de informação e propaganda radiofónica e exploração de motivações ligadas ao sobrenatural.
A Directiva 44/69 de 8 de Abril de 1969, esclarecia ser necessário: “ (...) gerar um clima psicológico novo, onde não haja lugar para ressentimentos e complexos de culpa (...) fazer um esforço orientado para a reconstrução moral e material da província (...), e um trabalho de mentalização, com o fim de eliminar tendências repressivas, consciencializando todos os militares na missão civilizadora (...)”.
A Directiva 58/68, para a época seca de 1969, e, no tocante à acção psicológica, referia-se ao esforço de APSIC (acção psicológica) sobre os manjacos, balantas e mandingas do chão fula. A Directiva 17/69, de 22 de Fevereiro de 1969, insistia no apoio às populações. A Directiva 57/69, de Junho de 1969, apelava aos esforços no sentido de se acelerarem os planos de urbanização para disciplinar acções tendentes a resolver o problema da habitação das populações. A Directiva 60/69, de 15 de Julho de 1969, sublinhava a necessidade do incremento da instrução primária e a Directiva 78/69, de 19 de Novembro de 1969, que gizava todo um plano da manobra a desenvolver na a época seca de 1969/70 (Outubro de 1969 a Março de 1970).
Prioridade ao chão manjaco
Porém, a Directiva 65/69, de 13 de Agosto, explicitava que o comando-chefe – depois de um estudo aprofundado, que ainda não havia sido feito anteriormente, sobre o meio étnico, religioso e linguístico, o meio socioeconómico, rural e urbano os resultados das acções de conquista e protecção das populações através de: importantes medidas sanitárias, preventivas e curativas e o apoio a actividades agrícolas e piscatórias – decidiu, como manobra estratégica, constituir o chão manjaco como área fulcral da luta contra a subversão. Reputamos ser esta uma Directiva da maior importância, devido ao facto de a sua execução vir a ser a acção militar de maiores repercussões na condução da manobra estratégica socioeconómica.
Privilegiou-se igualmente a actuação psicológica sobre as populações sob controlo inimigo de forma a conseguir-se a sua apresentação ou, no mínimo, a aceitação do duplo controlo. Em relação às forças portuguesas, os serviços de Informação e Acção Psicológica deram prioridade ao esforço de APSIC sobre os quadros e pessoal integrante, por forma a conseguir-se a sua participação na manobra socioeconómica, e a orientação das relações com a população, em todos os escalões executivos, visando a dignificação e promoção do nativo guineense no quadro geral da administração.
Relativamente ao PAIGC, este serviços orientaram doravante todo o seu esforço na dissociação do binário dirigentes/combatentes e na anulação do compromisso ideológico e da determinação de luta dos combatentes do PAIGC, por forma a conseguir o máximo de apresentações de elementos activos a recuperação dos ex-combatentes e a captação dos ainda combatentes. A APSIC era ainda orientada para o apoio das operações militares, e visava um triplo objectivo: as forças inimigas, os seus quadros políticos e as populações sob sua influência. Já naquela fase em que os departamentos próprios de Acção Psicológica entraram a funcionar em pleno, estas acções passaram a ser planeadas em relação a três fases: antes, durante e depois das operações.
Em Nhacra, foi instalado um potente emissor e criou-se na rádio o Programa das Forças Armadas dirigido a toda a população (europeia e africana), que era emitido três horas, semanalmente, em várias línguas nativas (manjaco, fula, mandinga e balanta), além de crioulo, que dispunha de sete horas e meia semanais, sendo este facto importante, uma vez que a língua portuguesa tinha pouca penetração na Guiné.
Os programas-tipo foram, essencialmente, orientados para a exploração de temas de contrapropaganda, como: “Colóquio”, “África em Foco”, “Tua Terra é Notícia”, “Sete Dias em Foco”. Além do mais, havia ainda os programas radiofónicos em língua francesa, que visavam as massas populares da República da Guiné-Conakry, Senegal e, em especial, de Casamansa, e tem as elites senegalesas e guineenses, com a finalidade genérica de contrariar a noção de isolamento internacional de Portugal e de desacreditar os elementos independentistas. Quanto aos refugiados, a actividade de captação visava o seu regresso à Guiné, explorando os laços familiares, o apego ao chão e as realizações que consubstanciavam a política da Guiné melhor.
Paralelamente a tudo isso, esses programas radiofónicos fomentavam a deserção e contestação no seio do PAIGC e contavam ainda com um serviço técnico destinado a interferir na audição dos programas da Rádio Libertação, do PAIGC, e doutras rádios estrangeiras, sendo ainda apoiados pela imprensa, através da revistas Panorama da Guiné e o jornal Voz da Guiné.
Outros expedientes de grande poder em termos de acção psicológica foram utilizados, mormente a graduação de novos oficiais e sargentos africanos na cerimónia do 10 de Junho, a promoção de visitas de entidades e jornalistas estrangeiros, por forma a tentar neutralizar o clima de sucesso que a bem orientada campanha do PAIGC, vinha conseguindo, etc.
Quanto às tropas africanas, deve assinalar-se o esforço notável feito no sentido de se abolir, na realidade da vida diária do serviço, qualquer espécie de diferenciação que pudesse ainda existir, de facto, entre elas e as europeias. Neste aspecto, deve ser citada uma medida de relevante efeito psicológico: a intensificação e alargamento em todos os escalões da miscigenação das unidades com europeus e africanos. Esta africanização dos quadros das forças armadas “ (...) servia também a Lisboa para apoiar a sua propaganda de que a guerra não tinha carácter racial (,..)”. Assim, na Guiné, formaram-se unidades que eram quase só constituídas por naturais do território e também, o comando de africanos, recrutados e instruídos no local e, posteriormente, graduados como oficiais e sargentos.
Reestruturação da Rádio Libertação
Do lado do PAIGC, a situação, caracterizava-se por um contínuo esforço no sentido de ripostar convenientemente a política da Guiné melhor, privilegiando-se simultaneamente, no plano estritamente militar, a continuidade dos trabalhos de constituição dos CE (Corpos do Exército) já iniciado. É curioso notar que foi a partir desta altura que Amílcar Cabral concebe e implementa todo um sistema de informações junto dos comandos e frentes de combate, com objectivos evidentes de se contrapor à intensa e cada vez mais bem organizada acção psicológica do exército português. Curiosamente, é nesta altura que o PAIGC adquire igualmente um potente emissor com que equipa a sua Rádio Libertação, reestruturando completamente esses serviços e, conferindo-a maior dinâmica, sob a supervisão de José Araújo, distinto jurista do que, entretanto, se tornou especialista em matéria de informação, cuja secção chefiava.
Em consequência de tudo isso, o PAIGC evoluiu para nova divisão administrativa e militar, em função do seu avanço político. Foi criada a Comissão Nacional das Regiões Libertadas e, militarmente, o território foi dividido, pelo rio Geba, nas frentes norte e sul, e estas em sectores ou zonas. As suas unidades estavam agrupadas em três tipos distintos: (i) infantaria – grupos, bigrupos e bigrupos reforçados (CE), predominantemente dotados de armas ligeiras e lança-granadas; (ii) artilharia – morteiros, canhões; (iii) e armas antiaéreas. Pode afirmar-se, contudo, que não se registaram durante os anos de guerra dificuldades insuperáveis na obtenção, notando-se mesmo crescente volume de material disponível, fruto do constante aumento dos seus apoios externos.
Os efectivos da guerrilha
No que diz respeito ao pessoal, embora as características da luta de guerrilhas torne difícil precisar os efectivos empenhados e estabelecer estimativas esclarecedoras, o comando militar português considerava, em 1971, que as FARP totalizavam 5500 elementos, mais cerca de 2000 das milícias populares, tendo ainda alguma (pouca) margem para novos recrutamentos, perto de 900 a 1000 em cada inter-região, atendendo às taxas de natalidade e mortalidade existentes na altura.
Segundo a estimativa referida, o PAIGC tinha o seguinte dispositivo/efectivos por unidades:
(i) bigrupo, 38/44.
(ii) bigrupo reforçado, 70.
(iii) Grupo de artilharia, 50.
(iv) Grupo de canhões/morteiros, 23.
(v) Grupo de foguetões/antiaéreos, 16.
A disposição dos efectivos por inter-regiões era a seguinte: Efectivos por regiões:
(a) Inter-Região Norte:
(i) Frente São Domingos/Sambuiá, 630.
(ii) Frente Canchungo/Biambe, 760.
(iii) Frente Morés/NhacrA, 680.
(iv) Frente Bafatá/Gabu Norte, 730.
(b) Inter-Região Sul: ´
(v) Frente Bafatá/Gabu Sul, 200.
(vi) Frente Bafatá/Xitole, 160.
(vii) Frente Buba/Quintafine, 230.
(viii) Frente do Quínara, 560.
(ix) Frente de Catió, 370.
Reorganização dos meios operacionais portugueses
Também o exército português, sob o comando de Spínola, ia sofrendo alterações e ajustamentos constantes de modo a adaptá-lo às novas circunstâncias da guerra. Assim, segundo a carta da situação de 3 de Agosto de 1969, podemos verificar que ocorreu sucessivas alterações na organização dos meios operacionais, embora sem modificações significativas no dispositivo, nem nos limites das áreas características – oeste, leste, sul e Bissau:
(i) O Sector L4 é destacado do comando de agrupamento de Bafatá e passa à dependência directa do comando central.
(ii) Os COP1 e COP2 são extintos e as respectivas zonas de acção voltam à responsabilidade do sector S2, que, por sua vez, perde o subsector de Buba, onde tinha a sede, e transfere esta para a Aldeia Formosa (hoje Quebo).
(iii) É criado o COP4, que engloba o ex-sector de Buba e a zona sul do SI (Serviço de Intendência).
(iv) É criado o sector S4, com uma pequena área: a ilha de Bolama, onde tem a sede, que é também sede do CIM (Centro de Instrução Militar) e as ilhas das Cobras e das Galinhas, com uma secção em cada.
Pela Directiva 23/69, de 27 de Fevereiro, do comando-chefe, o Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG) deixa de ter interferência directa na conduta operacional, ficando com plena responsabilidade nos assuntos que corriam pelos comandos das armas e chefias dos serviços das repartições do Quartel-General.
O Sitrep Circunstanciado (SC) 09/69, de 2 de Março, revela a constituição de um agrupamento operacional (CAOP), com sede em Teixeira Pinto (hoje Cantchungo), interposto entre os sectores 01 e 05 e à custa das áreas destes. O CAOP é um órgão de comando apenas operacional, de escalão semelhante ao comando de agrupamento.
No mesmo Sitrep verifica-se uma troca de zonas de acção entre o sector 02 e o COP3. Este, porém, passa a ter sede em Jumbembem e não em Farim, ficando assim sobre o corredor de infiltração de Lamel. O SC 14/69, de 21 de Abril, refere a constituição do COP5, com sede em Nova Lamego (hoje Gabu), tendo por área de responsabilidade o sector L3 (retirado ao comando de agrupamento de Bafatá) e o Sector L4.
A Directiva 27/69, de 13 de Março, do Comando-Chefe, justifica a criação deste COP pelo agravamento da situação na região de Gabu. Em Maio (SC 18/69) e de acordo com a Directiva 36/69, de 11 de Abril, é constituído o COP6 na área do sector 03. A fim de dar garantia de segurança à prossecução dos trabalhos na estrada Mansabá-Farim, Este, pelo que um COP coordena a actividade das forças que pertencem ao Sector 03 e recebe de reforço uma companhia de caçadores pára-quedistas.
Nesta data, aparece como novidade o TG3. Trata-se de uma área onde as operações ficam a cargo do Comando da Defesa Marítima da Guiné, a qual se estende ao longo do curso médio do rio Cacheou, entre o COP6 e o sector 01, a sul, e os sectores 02 e 06, a norte, à custa do território anteriormente à responsabilidade destes, registando-se novas alterações, patentes no SC 31/69. Assim, o COP4 alarga a sua área até à fronteira sul, com a inclusão da Aldeia Formosa, para onde é transferida a sua sede, e o sector S2, reduzido da área que cedeu ao COP4, passa a ter sede em Gadamael Porto. Na área do CAOP, é constituído o sector 07, com sede em Pelundo. Neste Sitrep aparece também como novidade a Zona de Intervenção do CAOP (ZICAOP). Situava-se no extremo norte da área de acção, não tinha forças de quadrícula e nela apenas era permitida actividade operacional coordenada directamente pelo CAOP.
O Sitrep Circunstanciado 31/69 continua a considerar o território da Guiné dividido, como já se referiu, em quatro áreas – Oeste, Leste, Sul e Bissau. Todavia, a estrutura de comando não acompanhou esta divisão. O COMBIS (relativo a Bissau) não sofreu alteração na estrutura superior: continua a dispor de um comando de agrupamento, um comando de batalhão e duas companhias na sede, uma em Nhacra, outra em Quinhamel e duas companhias de milícias. Com excepção de uma das da sede, todas as outras têm pelotões e até secções destacadas.
O Oeste continuou a não ser coordenado por um comando de agrupamento. Tem um CAOP, com sede em Teixeira Pinto/Cantchungo, que coordena três sectores de Batalhão: o da sede, com designação 05, mas agora reduzido de uma pequena área a Norte, que deu origem a outro sector de batalhão, com sede em Cacheou e o sector 07, com sede em Pelundo, constituído igualmente à custa da área Oeste do Sector 05. O Sector 03 passou a designar-se por COP6, o sector 02 e o COP3, como já se referiu, trocaram as respectivas zonas de acção e os restantes sectores de batalhão (01, 04 e 06) mantiveram-se, apenas com ligeira perda de área para dar origem ao já citado TG3.
O Leste aparece agora dividido a meio, de norte a sul entre dois comandos de escalão semelhante: o comando de agrupamento de Bafatá e o COP5, este com sede em Nova Lamego. O primeiro coordena: o sector L2 (que não sofreu alteração), o sector L1, (reduzido praticamente a metade da anterior ZA) que continua com sede em Bambadinca e com mais uma CCAÇ (companhia de caçadores) e o recém-criado COP7, com sede em Galomaro, que ocupa a metade oriental do antigo L1 e dispõe apenas de uma companhia na sede e outra em Dulombi, dois pelotões de milícias e conta com mais uma CCac, que é reserva do CC. O COP5 coordena os sectores L3 e L4. A área do antigo L1 – agora LI e COP7 – recebeu, assim, um reforço de 3 Companhias de caçadores.
O Sul continua dividido em sectores independentes, que são, agora:
(i) o S1 com sede em Tite, reduzido em área, mas praticamente com os mesmos efectivos;
(ii) o S2, reduzido à parte que lhe pertencia na fronteira sul e com os efectivos que aí mantinha e a sede em Gadamael Porto;
(iii) o S3, com sede em Catió, sem alteração;
(iv) o S4, pequeno sector, com sede em Bolama, retirado ao SI.
(v) e o COP4, com sede em Aldeia Formosa (hoje Quebo) e que ocupa as áreas dos extintos COP1 e COP2, do sector de Buba (que pertencia ao S2) e ainda uma faixa a sul do SI, até ao mar. O COP4 recebeu as forças dos sectores extintos.
Os efectivos portugueses
Em síntese, as unidades e órgãos operacionais existentes nesta data eram: dois comandos de agrupamento (Bissau e Bafatá), um CAOP (Teixeira Pinto/Cantchungo), 18 comandos de batalhão (mais cinco que do antecedente), quatro comandos operacionais (COP) (do antecedente três), um batalhão de engenharia, dois centros de instrução militar, duas companhias de comandos, 84 companhias tipo caçadores (mais 15), uma bateria de artilharia de campanha (guarnição normal), dois esquadrões de reconhecimento, uma companhia de polícia militar, um pelotão de polícia militar, 19 pelotões de caçadores independentes (de recrutamento local), 10 pelotões de morteiros, 1 pelotão de artilharia antiaérea, três pelotões de canhão sem recuo, dois pelotões de reconhecimento (Fox), 11 pelotões de reconhecimento (Daimler) e 25 companhias de milícias.
Entretanto, pela carta de situação de 2 de Agosto de 1970, verifica-se um acréscimo de meios operacionais no exército português na Guiné, especialmente constituídos no próprio teatro das operações, com recurso ao recrutamento local, quer para unidades regulares de comandos, caçadores e artilharia, quer para companhias de milícias. A intervenção do comando-chefe continuava a fazer-se mais à custa da constituição de comandos operacionais para dinamizar acções locais do que por alteração de limites ou de meios das unidades. Trata-se de um conceito de comando específico que ficou bem expresso na Directiva 70/69, de 18 de Agosto.
O teatro de operações é dividido em zonas, sectores e subsectores. As zonas são quatro: Oeste, Leste, Sul e Bijagós. Com excepção da última, as zonas dividem-se em sectores, atribuídos ora a comandos de batalhão, ora a comandos operacionais (COP). Além destas zonas existia uma área à responsabilidade do Comando de Bissau (COMBIS). Os sectores dividem-se em subsectores de companhia ou de destacamento. Os comandos de agrupamento e os comandos de agrupamento operacionais (CAOP) podem englobar indistintamente zonas, sectores e subsectores.
Para além destes órgãos, aparecem ainda comandos de agrupamento temporários (CAT) e comandos operacionais temporários (COT). Todos estes órgãos (CAOP, COP, CAT e COT) eram organizados pelo comando-chefe com pessoal existente localmente na Guiné. Os comandos de agrupamento tinham constituição orgânica e eram destacados da Metrópole. O dispositivo, no entanto, sofre constantes alterações como consequência da prioridade dada à manobra socioeconómica, preocupação que levou mesmo à desocupação militar de áreas desabitadas ou pouco habitadas, as quais passaram a ser designadas por zonas de intervenção do comando-chefe (ZICC). As alterações verificadas até se chegar ao dispositivo existente em 2 de Agosto de 1970 são a seguir descritas por ordem cronológica.
Segundo o Sitrep Circunstanciado n.º 36/69, o COP3 e o sector 02 são repostos nas suas áreas iniciais, com sede respectivamente em Bigéne e Farim. é criado na ZA do CAOP mais um sector, à custa das áreas dos sectores 07 e 01, com sede em Bula, e que passaria a ser designado mais tarde por 01A (SC 40/69). a área do TG3 é reduzida e mais tarde integrada na zona de acção do COP3 (SC 51/69). o COP6 é recolhido e desactivado e a respectiva área volta ao controlo completo do sector 03.
Pelo SC 40/69 é revelada a extinção do sector S2 e a integração da sua área no S3. Pouco depois, também o sector S3 é extinto e a sua área integrada no S4, à excepção de uma pequena faixa a noroeste que passa para o S1 (SC 44/69). Ainda segundo este SC, todo o Leste (LI, L2, L3, L4 e COP7) é posto de novo na dependência do comando de agrupamento de Bafatá. Em Dezembro, o SC 49/69 relata que: no CAOP é extinta a ZICAOP e os sectores 05, 07 e 10 passam a depender do sector do batalhão de Cacheu. no Sul, é recolhido o COP4 e a respectiva ZA volta a designar-se S2. No Leste o mesmo aconteceu ao COP7 e a área passa a constituir o sector L5.
No princípio de 1970 (SC 5/70) o sector S4 é extinto e Bolama passa a ser a sede da agora criada Zona dos Bijagós, cujo comando continua à responsabilidade do comando do CIM (Centro de Instrução Militar). Em Agosto deste mesmo ano (SC 31/70), aparecem delimitadas várias áreas excluídas da quadrícula. Surge de novo a ZICAOP e são criadas outras zonas de intervenção: no Oeste a zona de Canjambari. no Sul uma pequena área a norte do Sector S2, a ilha de Como e os baixos cursos dos rios Cumbijã e Cacine. no Leste todo o sul do Sector L3 (Madina do Boé). Todas estas áreas dependem do comando-chefe (ZICC).Na mesma altura, é instalado o COT1, no Norte do sector L3, com sede em Pirada, e que dispõe de efectivos relativamente elevados: cinco companhias tipo caçadores, uma companhia de comandos africanos e dois pelotões de milícias. Em síntese, podemos considerar que os meios de apoio de fogo, em Agosto de 1970, aumentaram significativamente, assim como as acções operacionais.
Nessa altura, em síntese, eram as unidades existentes: dois comandos de agrupamento (Bissau e Bafatá). dois comandos de agrupamento operacionais (CAOP – Teixeira Pinto e CAOP – reserva), 18 comandos de batalhão, um comando operacional (COP), um grupo de artilharia de campanha (guarnição normal, com 27 pelotões de artilharia de campanha). um batalhão de engenharia, dois centros de instrução militar. três companhias de comandos (uma é a companhia de comandos africanos), oito companhias de caçadores (de recrutamento local), 79 companhias tipo caçadores, dois esquadrões de reconhecimento, 18 pelotões de caçadores independentes (de recrutamento local). três pelotões de reconhecimento (Fox), 11 pelotões de reconhecimento (Daimler), 10 pelotões de morteiros 81 milímetros, três pelotões de canhões sem recuo. um pelotão de artilharia antiaérea. Uma companhia de polícia militar, um pelotão de polícia militar e 30 companhias de milícias.
Outro objectivo, no quadro das alterações introduzidas pelo comando-chefe sob as ordens de Spínola, era dotar a força aérea com as condições que lhe permitissem assegurar um elevado nível de prontidão e sustentação dos meios. Este conjunto de medidas tornou possível voar muito mais horas do que anteriormente, apesar do facto de cada hora de voo exigir, em média, cerca de 10/15 horas de manutenção, não falando das grandes dificuldades que se deparavam, quer por força dos constrangimentos a que o País estava sujeito, quer pela dureza e rusticidade das condições em que os meios operavam e eram mantidos. Acresce que, na sua maioria, os aviões de combate eram meios quase obsoletos, com uma idade média superior a 20 anos” (14).
Os resultados desta estratégia não se fizeram esperar. Uma população ainda não politizada aderia a quem de imediato lhe dava melhores possibilidades de vida, embora ajudasse ao mesmo tempo os guerrilheiros, pelo que o general Spínola não podia dizer que estava a desarmar o PAIGC ao tirar-lhe a principal arma de combate, isto é, os motivos de descontentamento.
A propaganda, bem feita, conseguiu mesmo atrair muitas populações anteriormente foragidas no mato ou acolhidas nos campos de refugiados da guerrilha, no Senegal ou na República da Guiné-Conakry e também alguns dirigentes, levados pelo cansaço ou por dissensões internas, apresentam-se ou são capturados, voltando-se mesmo para o lado de Spínola – é o caso, entre outros, de Rafael Barbosa, ex-presidente do PAIGC.
Entretanto, quando os sorrisos não bastavam, lá estavam os 40 000 soldados, os caças-bombardeiros Fiat e as bombas de napalme, embora não tão eficazes como em Angola. Para quê? Para vencer a guerra? Spínola não se iludia: “Para ganhar tempo, a fim de poder restabelecer o equilíbrio militar (...)” (15).
No entanto, no chão manjaco, onde Spínola decidiu instalar a coordenação dos Serviços de Informações e Acção Psicológica, tornou-se um óbvio embaraço para o PAIGC, na medida em que esses serviços desenvolveram todo um trabalho de sapa e conseguiram mesmo, através de dignitários locais, penetrar no dispositivo do PAIGC. Estabelecem-se os primeiros contactos com os comandos dos bigrupos em acção na área - André Gomes e José Sanha, – e Spínola, acompanhado por Almeida Bruno, chega a ter um encontro com elementos do PAIGC (16).
O impasse militar no início de 1968
Nessa altura, porém, todos são unânimes na análise da situação militar, no início de 1968, na Guiné: a guerra estava atolada num impasse. Impasse, mas não empate, já que consagrava os ganhos do PAIGC nos quatro anos anteriores e tornava a situação crítica para as forças portuguesas. A era de Spínola é inaugurada num período em que “la situation militaire est dans une impasse dificille sourtout por les troupes portugaises. Le PAIGC dispose d´une liberté total et ouverte d´installation et de manœuvres dans les pays voisins, ce qui lui facilite l´effet de surprise et rend plus sûres ses actions de guérilla, car le théâtre des opérations est peu profond, Par contre, le faible strcture administrative portugaise qui s´y trouve implanté, un résou routier insuffisant, le maillage des fleuves et canaux s´ajoute une grande ampleur de l´effet des marées, la dense arborisation aisée et la durée du climat non seulement empechent une intervention aisée et rapide des forces portugaises, mais les usent aussi physiquement car prés 80 por cento des effectifs sont constitué par des militaires européens ” (17).
Do ponto de vista estritamente militar, antes de a acção violenta se generalizar, as primeiras medidas no teatro das operações denotam a sua preocupação de ocupar o território por forças enquadradas segundo a hierarquia habitual: comando-chefe, comando militar, zonas militares, à responsabilidade de comandos de agrupamentos, sectores, entregues a comandos de batalhão, subsectores, entregues a comandos de companhia, e destacamentos de pelotão e por vezes até de secção.
Perante o incremento das acções por parte do PAIGC, Spínola altera quase que imediatamente o dispositivo militar, substituindo destacamentos por companhias, para, mais tarde, voltar a aumentar o número daqueles destacamentos nas áreas mais afastadas da fronteira. Ainda quis ir mais longe no sentido de substituir batalhões completos pelo sistema de rendição desfasada de pelotões ou mesmo de rendição individual, mas este alteração no dispositivo foi efémera, porque ele próprio o teria profundamente alterado em finais de 1968, quando centralizou toda a coordenação da actividade operacional no comando-chefe, suprimindo relativamente a esta estrutura de comando e coordenação as atribuições de intervenção operacional.
Escalada da guerra a partir de Novembro de 1969
Assim, a partir de Novembro de 1969, o exército português intensificou os bombardeamentos às povoações fronteiriças dos países vizinhos com o objectivo de retirar o apoio destes ao PAIGC, chegando mesmo a utilizar, no período compreendido entre 1 e 27 de Dezembro de 1969, bombas de napalme, mormente nas localidades do Sul da Guiné, na povoação de Banta El Sila (Centro Sul).
Fonte: Regiões Libertadas da Guiné (Bissau). Pequim: Edições em Línguas Estrangeiras. Agência de Notícias Xinhua. 1972.
Foto: © Agência de Notícias Xinhua (1972) (com a devida vénia...).
IX parte do dossiê O massacre do Chão Manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (*).
II Parte do depoimento do historiador lusoguineense Leopoldo Amado, doutorando em História Contemporanea pela Universidade de Lisboa. Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue:
Desconfiança e reserva do PAIGC à 'política do sorriso e do sangue' de Spínola
Num autêntico jogo de gato e do rato, Cabral responde a esta espectacular encenação [- libertação de Rafael Barbosa, co-fundador do PAIGC, e suas declarações em 3 de Agosto de 1969, em apoio à política de Spínola da Guiné Melhor, possivelmente sob coação da PIDE/DGS-] com a apresentação, a 18 do mesmo mês, em Argel, de cinco desertores portugueses, na cerimónia de encerramento do simpósio do I Festival Cultural Pan-Africano em que o PAIGC foi eleito vice-presidente do simpósio.
Tal acto era demonstrativo para o PAIGC de que era imperativo o reforço do seu arsenal bélico, pelo que, em finais de 69, Cabral se desloca a Moscovo, onde mantém conversações com peritos militares do Comité Central do Partido Comunista Soviético, passando seguidamente por Berlim Oriental e Paris, sempre em demanda de apoio militar.
Aliás, não obstante algumas guarnições portuguesas, no âmbito da nova política introduzida por Spínola, terem estendido espontaneamente a mão ao inimigo da véspera, num ambiente caracterizado pelo incremento das acções militares do exército português, sobretudo os sistemáticos bombardeamentos às regiões libertadas do PAIGC, com meios aéreos e bombas de napalme, essas aproximações foram acolhidas com forte desconfiança, tendo inclusivamente o Comité Central do PAIGC distribuído pelas suas unidades no mato um panfleto aconselhando desconfiança e cautela relativamente a política do sorriso e do sangue de Spínola.
Criação do Conselho Superior de Luta
Do lado do PAIGC, passou a ser evidente que o maior poder de fogo não era suficiente para contrapor à nova agressividade de Spínola, que se faz acompanhar de uma equipa jovem, coesa, decidida e ousada. Ao mesmo tempo que prossegue com maior vigor os ataques contra Ingoré, São Domingos, Guidaje e Morecunda, Cubisseco e Tombali, e Gansala e Catió (no Sul), e outros centros urbanos, como Bolama (atacada a 6 de Novembro de 1969 e onde se registaram inúmeras mortes e estragos em edifícios privados e públicos), acrescidos do facto de que, em 1969, na frente leste, mais dois campos fortificados caíram em mãos do PAIGC – Quifaro e Madina-Xaquili – o PAIGC sente a necessidade de robustecer a componente militar e, simultaneamente, adaptar a sua fórmula organizativa, ganhando mais disciplina e capacidade de resposta.
Surge assim o Conselho Superior de Luta, que substitui um ultrapassado Comité Central, enquanto o Bureau Político dá lugar a um Comité Executivo da Luta. No topo de uma pirâmide vincadamente hierarquizada, passou a existir uma Comissão Permanente, formada pelo secretário-geral, por Luís Cabral e por Aristides Pereira.
O PAIGC reestrutura os seus Serviços de Propaganda e fundou o PAIGC Actualités, cujo primeiro número saiu a 1 de Janeiro de 1969. Aquando da sua aparição, Cabral que se encontrava em Boé, escreve uma mensagem, que foi reproduzida nesse número, em que dizia “ (…) estou absolutamente convencido de que a iniciativa de publicar um boletim de informação em língua francesa contribuirá de forma eficaz para a melhoria desta arma importante do nosso combate multiforme contra os criminosos colonialistas portugueses (…)” (11) [a tradução é nossa, L.A.].
Contra-ofensiva propagandística do PAIGC a nível internacional
Doravante, os agressivos processos da acção psicológica do exército português já não se baseiam apenas, como no passado, em gestos de beneficência, como oferecer pão e agasalhos às populações, mas assentavam sobretudo em métodos melhorados para contrapor aos argumentos de acção psicológica que o PAIGC usava eficientemente na conquista das populações, sendo ainda de notar que uma vasta rede de rádios funcionava qual caixas de ressonância dos seus Serviços de Informação e Propaganda, a saber, Rádio Portugal Livre (Praga) da FELPA, Rádio Voz da Liberdade (Argel), também da FNLP, Rádio Moscovo, Rádio Pequim, Rádio Tirana, da Albânia, Rádio Libertação em Conakry (PAIGC), Rádio Voz da Revolução em Brazzaville (MPLA), Rádio Difusão e Radiotelevisão da RDC, em Kinshasa, Rádio Tanzânia, em Dar-es-Salam.
Para além disto, o PAIGC promoveu uma série de outras acções de propaganda dirigida a opinião pública internacional, como sejam as reportagens e artigos abonatórios na imprensa inglesa publicados desde 1966 pelo jornalista e historiador Basil Davidson e, em 1969, na imprensa italiana, pelo jornalista Crimi, jornalista, e pelo fotógrafo Uliano Lucas, ou ainda o aparecimento em Londres, de um livro da autoria de Richard Handyside, editado pela Stage 1, com discursos de Amílcar Cabral, e igualmente a exibição de filmes nas grandes capitais e metrópoles europeias rodados por várias cineastas sobre a vida e a luta do PAIGC.
Por outro lado, o novo conceito de acção psicológica empreendido por Spínola na Guiné visava igualmente uma solução política, baseada numa guerra de desgaste de longa duração, que levasse o PAIGC, pela fadiga, pelas divisões internas e pela descrença na vitória, a afastar-se das potências que o apoiavam e a procurar de novo integrar-se nas estruturas portuguesas.
'Autonomia progressiva e participada' (Marcelo Caetano)
Podemos resumir do modo seguinte os principais eixos dessa acção psicológica:
(i) Mostrar uma vontade firme de resistir e de vencer. O inimigo teria de acreditar que a luta em que o exército português estava empenhado era vital e de que nunca desistiria dela por fadiga ou por traição.
(ii) Acelerar o desenvolvimento económico e social dos territórios ultramarinos, aumentando a participação dos guineenses na administração dos negócios públicos, dando assim a ideia de que ao PAIGC só restava a opção entre os sacrifícios de uma luta de guerrilha e a sua integração numa sociedade em pleno desenvolvimento, na qual poderia participar.
(iii) Mostrar que o Governo estava pronto a receber aqueles que se arrependessem ou desistissem da luta.
Nesta estratégia enquadrava-se, perfeitamente, a política ultramarina por que se orientava o Prof. Marcelo Caetano e que era designada por autonomia progressiva e participada, expressão essa, aliás, que ele usou pela primeira vez num discurso pronunciado em Lourenço Marques (hoje Maputo), em resposta ao Manifesto de Lusaka onde fora revelada predisposição para o diálogo por parte dos dirigentes africanos que participaram na Conferência Internacional de Solidariedade para com os Povos das Colónias Portuguesas e da África Austral.
Marcelo Caetano defendeu então um projecto de autonomia progressiva para as províncias ultramarinas, consubstanciando igualmente a acção psicológica de Spínola no que convencionou chamar de construção de uma Guiné melhor, ao que Amílcar Cabral respondeu dizendo que “nunca se iludiriam com os resultados de um possível referendo, na medida em que o Governo de Caetano persistia na sua guerra criminosa e que o PAIGC era há muito autodeterminado nas regiões libertadas que controla” (12).
Reordenamentos, sistema de autodefesa e faricanização da guerra
Todavia, na Guiné trava-se uma guerra revolucionária, escreve Spínola em O Problema da Guiné, em que as duas partes em presença têm um mesmo objectivo: a conquista das populações. Para isso, não basta a G-3, é necessário conjugar a manobra militar com a promoção socioeconómica e a acção psicossocial.
São os reordenamentos, para organizar a população em eixos situados junto aos quartéis, de modo a furtá-la à penetração do PAIGC e é o sistema de autodefesa das populações (13), ao mesmo tempo, que é accionada outra poderosa arma: a acção psicológica, que aposta na africanização da guerra para captar as populações para a causa nacional, por meio da progressiva recuperação das que estão sob duplo controlo. Como já assinalamos, um vasto esforço, que altera profundamente todo o dispositivo militar e administrativo no território. Tudo em nome de uma Guiné melhor – o lema que se transformará em bandeira da administração Spínola.
O PIFAS, em cinco línguas locais, e as Directivas do Com-Chefe
No mato espalham-se cartazes mostrando um negro e um branco de mãos dadas. O Pifas, a emissão radiofónica das Forças Armadas, passa a ser emitido em cinco línguas locais, num esforço para anular a Rádio Conakry e a Rádio Libertação, antenas da propaganda do PAIGC. Difundem-se apelos prometendo uma recompensa de 10 000 escudos a cada guerrilheiro do PAIGC que se apresentar com a sua arma (o ordenado mínimo praticado na altura era de 50 escudos e um enfermeiro diplomado ganhava cerca de 1500 escudos).
A linguagem da propaganda é cuidadosamente retocada e o esforço de conquista das populações obteve, no início, resultados, tentando aliciar os próprios elementos do PAIGC, que, na linguagem da política da Guiné melhor, deixaram de ser terroristas, porque dizia-se, segundo a mesma linguagem, que tratava-se afinal um confronto entre irmãos, ou seja, batalha inglória de que nenhum poderá sair vencedor, o que evidencia bem as verdadeiras intenções de Spínola: na impossibilidade de derrotarem militarmente o PAIGC, retirar-lhe pelo menos o ascendente e a superioridade militares, para que, na eventualidade de uma solução política, o exército português não fosse obrigado a negociar em situação de inferioridade.
Nesse período, no âmbito da acção psicológica e psicossocial, inúmeras outras directivas são postas em marcha, visando inverter a equilíbrio militar favorável ao PAIGC. Assim, a Directiva secreta das Operações Psicológicas Alfa, de 26 de Outubro de 1968, recomendava um maior esforço de acção psicológica no chão manjaco, através de acções panfletárias, campanhas de informação e propaganda radiofónica e exploração de motivações ligadas ao sobrenatural.
A Directiva 44/69 de 8 de Abril de 1969, esclarecia ser necessário: “ (...) gerar um clima psicológico novo, onde não haja lugar para ressentimentos e complexos de culpa (...) fazer um esforço orientado para a reconstrução moral e material da província (...), e um trabalho de mentalização, com o fim de eliminar tendências repressivas, consciencializando todos os militares na missão civilizadora (...)”.
A Directiva 58/68, para a época seca de 1969, e, no tocante à acção psicológica, referia-se ao esforço de APSIC (acção psicológica) sobre os manjacos, balantas e mandingas do chão fula. A Directiva 17/69, de 22 de Fevereiro de 1969, insistia no apoio às populações. A Directiva 57/69, de Junho de 1969, apelava aos esforços no sentido de se acelerarem os planos de urbanização para disciplinar acções tendentes a resolver o problema da habitação das populações. A Directiva 60/69, de 15 de Julho de 1969, sublinhava a necessidade do incremento da instrução primária e a Directiva 78/69, de 19 de Novembro de 1969, que gizava todo um plano da manobra a desenvolver na a época seca de 1969/70 (Outubro de 1969 a Março de 1970).
Prioridade ao chão manjaco
Porém, a Directiva 65/69, de 13 de Agosto, explicitava que o comando-chefe – depois de um estudo aprofundado, que ainda não havia sido feito anteriormente, sobre o meio étnico, religioso e linguístico, o meio socioeconómico, rural e urbano os resultados das acções de conquista e protecção das populações através de: importantes medidas sanitárias, preventivas e curativas e o apoio a actividades agrícolas e piscatórias – decidiu, como manobra estratégica, constituir o chão manjaco como área fulcral da luta contra a subversão. Reputamos ser esta uma Directiva da maior importância, devido ao facto de a sua execução vir a ser a acção militar de maiores repercussões na condução da manobra estratégica socioeconómica.
Privilegiou-se igualmente a actuação psicológica sobre as populações sob controlo inimigo de forma a conseguir-se a sua apresentação ou, no mínimo, a aceitação do duplo controlo. Em relação às forças portuguesas, os serviços de Informação e Acção Psicológica deram prioridade ao esforço de APSIC sobre os quadros e pessoal integrante, por forma a conseguir-se a sua participação na manobra socioeconómica, e a orientação das relações com a população, em todos os escalões executivos, visando a dignificação e promoção do nativo guineense no quadro geral da administração.
Relativamente ao PAIGC, este serviços orientaram doravante todo o seu esforço na dissociação do binário dirigentes/combatentes e na anulação do compromisso ideológico e da determinação de luta dos combatentes do PAIGC, por forma a conseguir o máximo de apresentações de elementos activos a recuperação dos ex-combatentes e a captação dos ainda combatentes. A APSIC era ainda orientada para o apoio das operações militares, e visava um triplo objectivo: as forças inimigas, os seus quadros políticos e as populações sob sua influência. Já naquela fase em que os departamentos próprios de Acção Psicológica entraram a funcionar em pleno, estas acções passaram a ser planeadas em relação a três fases: antes, durante e depois das operações.
Em Nhacra, foi instalado um potente emissor e criou-se na rádio o Programa das Forças Armadas dirigido a toda a população (europeia e africana), que era emitido três horas, semanalmente, em várias línguas nativas (manjaco, fula, mandinga e balanta), além de crioulo, que dispunha de sete horas e meia semanais, sendo este facto importante, uma vez que a língua portuguesa tinha pouca penetração na Guiné.
Os programas-tipo foram, essencialmente, orientados para a exploração de temas de contrapropaganda, como: “Colóquio”, “África em Foco”, “Tua Terra é Notícia”, “Sete Dias em Foco”. Além do mais, havia ainda os programas radiofónicos em língua francesa, que visavam as massas populares da República da Guiné-Conakry, Senegal e, em especial, de Casamansa, e tem as elites senegalesas e guineenses, com a finalidade genérica de contrariar a noção de isolamento internacional de Portugal e de desacreditar os elementos independentistas. Quanto aos refugiados, a actividade de captação visava o seu regresso à Guiné, explorando os laços familiares, o apego ao chão e as realizações que consubstanciavam a política da Guiné melhor.
Paralelamente a tudo isso, esses programas radiofónicos fomentavam a deserção e contestação no seio do PAIGC e contavam ainda com um serviço técnico destinado a interferir na audição dos programas da Rádio Libertação, do PAIGC, e doutras rádios estrangeiras, sendo ainda apoiados pela imprensa, através da revistas Panorama da Guiné e o jornal Voz da Guiné.
Outros expedientes de grande poder em termos de acção psicológica foram utilizados, mormente a graduação de novos oficiais e sargentos africanos na cerimónia do 10 de Junho, a promoção de visitas de entidades e jornalistas estrangeiros, por forma a tentar neutralizar o clima de sucesso que a bem orientada campanha do PAIGC, vinha conseguindo, etc.
Quanto às tropas africanas, deve assinalar-se o esforço notável feito no sentido de se abolir, na realidade da vida diária do serviço, qualquer espécie de diferenciação que pudesse ainda existir, de facto, entre elas e as europeias. Neste aspecto, deve ser citada uma medida de relevante efeito psicológico: a intensificação e alargamento em todos os escalões da miscigenação das unidades com europeus e africanos. Esta africanização dos quadros das forças armadas “ (...) servia também a Lisboa para apoiar a sua propaganda de que a guerra não tinha carácter racial (,..)”. Assim, na Guiné, formaram-se unidades que eram quase só constituídas por naturais do território e também, o comando de africanos, recrutados e instruídos no local e, posteriormente, graduados como oficiais e sargentos.
Reestruturação da Rádio Libertação
Do lado do PAIGC, a situação, caracterizava-se por um contínuo esforço no sentido de ripostar convenientemente a política da Guiné melhor, privilegiando-se simultaneamente, no plano estritamente militar, a continuidade dos trabalhos de constituição dos CE (Corpos do Exército) já iniciado. É curioso notar que foi a partir desta altura que Amílcar Cabral concebe e implementa todo um sistema de informações junto dos comandos e frentes de combate, com objectivos evidentes de se contrapor à intensa e cada vez mais bem organizada acção psicológica do exército português. Curiosamente, é nesta altura que o PAIGC adquire igualmente um potente emissor com que equipa a sua Rádio Libertação, reestruturando completamente esses serviços e, conferindo-a maior dinâmica, sob a supervisão de José Araújo, distinto jurista do que, entretanto, se tornou especialista em matéria de informação, cuja secção chefiava.
Em consequência de tudo isso, o PAIGC evoluiu para nova divisão administrativa e militar, em função do seu avanço político. Foi criada a Comissão Nacional das Regiões Libertadas e, militarmente, o território foi dividido, pelo rio Geba, nas frentes norte e sul, e estas em sectores ou zonas. As suas unidades estavam agrupadas em três tipos distintos: (i) infantaria – grupos, bigrupos e bigrupos reforçados (CE), predominantemente dotados de armas ligeiras e lança-granadas; (ii) artilharia – morteiros, canhões; (iii) e armas antiaéreas. Pode afirmar-se, contudo, que não se registaram durante os anos de guerra dificuldades insuperáveis na obtenção, notando-se mesmo crescente volume de material disponível, fruto do constante aumento dos seus apoios externos.
Os efectivos da guerrilha
No que diz respeito ao pessoal, embora as características da luta de guerrilhas torne difícil precisar os efectivos empenhados e estabelecer estimativas esclarecedoras, o comando militar português considerava, em 1971, que as FARP totalizavam 5500 elementos, mais cerca de 2000 das milícias populares, tendo ainda alguma (pouca) margem para novos recrutamentos, perto de 900 a 1000 em cada inter-região, atendendo às taxas de natalidade e mortalidade existentes na altura.
Segundo a estimativa referida, o PAIGC tinha o seguinte dispositivo/efectivos por unidades:
(i) bigrupo, 38/44.
(ii) bigrupo reforçado, 70.
(iii) Grupo de artilharia, 50.
(iv) Grupo de canhões/morteiros, 23.
(v) Grupo de foguetões/antiaéreos, 16.
A disposição dos efectivos por inter-regiões era a seguinte: Efectivos por regiões:
(a) Inter-Região Norte:
(i) Frente São Domingos/Sambuiá, 630.
(ii) Frente Canchungo/Biambe, 760.
(iii) Frente Morés/NhacrA, 680.
(iv) Frente Bafatá/Gabu Norte, 730.
(b) Inter-Região Sul: ´
(v) Frente Bafatá/Gabu Sul, 200.
(vi) Frente Bafatá/Xitole, 160.
(vii) Frente Buba/Quintafine, 230.
(viii) Frente do Quínara, 560.
(ix) Frente de Catió, 370.
Reorganização dos meios operacionais portugueses
Também o exército português, sob o comando de Spínola, ia sofrendo alterações e ajustamentos constantes de modo a adaptá-lo às novas circunstâncias da guerra. Assim, segundo a carta da situação de 3 de Agosto de 1969, podemos verificar que ocorreu sucessivas alterações na organização dos meios operacionais, embora sem modificações significativas no dispositivo, nem nos limites das áreas características – oeste, leste, sul e Bissau:
(i) O Sector L4 é destacado do comando de agrupamento de Bafatá e passa à dependência directa do comando central.
(ii) Os COP1 e COP2 são extintos e as respectivas zonas de acção voltam à responsabilidade do sector S2, que, por sua vez, perde o subsector de Buba, onde tinha a sede, e transfere esta para a Aldeia Formosa (hoje Quebo).
(iii) É criado o COP4, que engloba o ex-sector de Buba e a zona sul do SI (Serviço de Intendência).
(iv) É criado o sector S4, com uma pequena área: a ilha de Bolama, onde tem a sede, que é também sede do CIM (Centro de Instrução Militar) e as ilhas das Cobras e das Galinhas, com uma secção em cada.
Pela Directiva 23/69, de 27 de Fevereiro, do comando-chefe, o Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG) deixa de ter interferência directa na conduta operacional, ficando com plena responsabilidade nos assuntos que corriam pelos comandos das armas e chefias dos serviços das repartições do Quartel-General.
O Sitrep Circunstanciado (SC) 09/69, de 2 de Março, revela a constituição de um agrupamento operacional (CAOP), com sede em Teixeira Pinto (hoje Cantchungo), interposto entre os sectores 01 e 05 e à custa das áreas destes. O CAOP é um órgão de comando apenas operacional, de escalão semelhante ao comando de agrupamento.
No mesmo Sitrep verifica-se uma troca de zonas de acção entre o sector 02 e o COP3. Este, porém, passa a ter sede em Jumbembem e não em Farim, ficando assim sobre o corredor de infiltração de Lamel. O SC 14/69, de 21 de Abril, refere a constituição do COP5, com sede em Nova Lamego (hoje Gabu), tendo por área de responsabilidade o sector L3 (retirado ao comando de agrupamento de Bafatá) e o Sector L4.
A Directiva 27/69, de 13 de Março, do Comando-Chefe, justifica a criação deste COP pelo agravamento da situação na região de Gabu. Em Maio (SC 18/69) e de acordo com a Directiva 36/69, de 11 de Abril, é constituído o COP6 na área do sector 03. A fim de dar garantia de segurança à prossecução dos trabalhos na estrada Mansabá-Farim, Este, pelo que um COP coordena a actividade das forças que pertencem ao Sector 03 e recebe de reforço uma companhia de caçadores pára-quedistas.
Nesta data, aparece como novidade o TG3. Trata-se de uma área onde as operações ficam a cargo do Comando da Defesa Marítima da Guiné, a qual se estende ao longo do curso médio do rio Cacheou, entre o COP6 e o sector 01, a sul, e os sectores 02 e 06, a norte, à custa do território anteriormente à responsabilidade destes, registando-se novas alterações, patentes no SC 31/69. Assim, o COP4 alarga a sua área até à fronteira sul, com a inclusão da Aldeia Formosa, para onde é transferida a sua sede, e o sector S2, reduzido da área que cedeu ao COP4, passa a ter sede em Gadamael Porto. Na área do CAOP, é constituído o sector 07, com sede em Pelundo. Neste Sitrep aparece também como novidade a Zona de Intervenção do CAOP (ZICAOP). Situava-se no extremo norte da área de acção, não tinha forças de quadrícula e nela apenas era permitida actividade operacional coordenada directamente pelo CAOP.
O Sitrep Circunstanciado 31/69 continua a considerar o território da Guiné dividido, como já se referiu, em quatro áreas – Oeste, Leste, Sul e Bissau. Todavia, a estrutura de comando não acompanhou esta divisão. O COMBIS (relativo a Bissau) não sofreu alteração na estrutura superior: continua a dispor de um comando de agrupamento, um comando de batalhão e duas companhias na sede, uma em Nhacra, outra em Quinhamel e duas companhias de milícias. Com excepção de uma das da sede, todas as outras têm pelotões e até secções destacadas.
O Oeste continuou a não ser coordenado por um comando de agrupamento. Tem um CAOP, com sede em Teixeira Pinto/Cantchungo, que coordena três sectores de Batalhão: o da sede, com designação 05, mas agora reduzido de uma pequena área a Norte, que deu origem a outro sector de batalhão, com sede em Cacheou e o sector 07, com sede em Pelundo, constituído igualmente à custa da área Oeste do Sector 05. O Sector 03 passou a designar-se por COP6, o sector 02 e o COP3, como já se referiu, trocaram as respectivas zonas de acção e os restantes sectores de batalhão (01, 04 e 06) mantiveram-se, apenas com ligeira perda de área para dar origem ao já citado TG3.
O Leste aparece agora dividido a meio, de norte a sul entre dois comandos de escalão semelhante: o comando de agrupamento de Bafatá e o COP5, este com sede em Nova Lamego. O primeiro coordena: o sector L2 (que não sofreu alteração), o sector L1, (reduzido praticamente a metade da anterior ZA) que continua com sede em Bambadinca e com mais uma CCAÇ (companhia de caçadores) e o recém-criado COP7, com sede em Galomaro, que ocupa a metade oriental do antigo L1 e dispõe apenas de uma companhia na sede e outra em Dulombi, dois pelotões de milícias e conta com mais uma CCac, que é reserva do CC. O COP5 coordena os sectores L3 e L4. A área do antigo L1 – agora LI e COP7 – recebeu, assim, um reforço de 3 Companhias de caçadores.
O Sul continua dividido em sectores independentes, que são, agora:
(i) o S1 com sede em Tite, reduzido em área, mas praticamente com os mesmos efectivos;
(ii) o S2, reduzido à parte que lhe pertencia na fronteira sul e com os efectivos que aí mantinha e a sede em Gadamael Porto;
(iii) o S3, com sede em Catió, sem alteração;
(iv) o S4, pequeno sector, com sede em Bolama, retirado ao SI.
(v) e o COP4, com sede em Aldeia Formosa (hoje Quebo) e que ocupa as áreas dos extintos COP1 e COP2, do sector de Buba (que pertencia ao S2) e ainda uma faixa a sul do SI, até ao mar. O COP4 recebeu as forças dos sectores extintos.
Os efectivos portugueses
Em síntese, as unidades e órgãos operacionais existentes nesta data eram: dois comandos de agrupamento (Bissau e Bafatá), um CAOP (Teixeira Pinto/Cantchungo), 18 comandos de batalhão (mais cinco que do antecedente), quatro comandos operacionais (COP) (do antecedente três), um batalhão de engenharia, dois centros de instrução militar, duas companhias de comandos, 84 companhias tipo caçadores (mais 15), uma bateria de artilharia de campanha (guarnição normal), dois esquadrões de reconhecimento, uma companhia de polícia militar, um pelotão de polícia militar, 19 pelotões de caçadores independentes (de recrutamento local), 10 pelotões de morteiros, 1 pelotão de artilharia antiaérea, três pelotões de canhão sem recuo, dois pelotões de reconhecimento (Fox), 11 pelotões de reconhecimento (Daimler) e 25 companhias de milícias.
Entretanto, pela carta de situação de 2 de Agosto de 1970, verifica-se um acréscimo de meios operacionais no exército português na Guiné, especialmente constituídos no próprio teatro das operações, com recurso ao recrutamento local, quer para unidades regulares de comandos, caçadores e artilharia, quer para companhias de milícias. A intervenção do comando-chefe continuava a fazer-se mais à custa da constituição de comandos operacionais para dinamizar acções locais do que por alteração de limites ou de meios das unidades. Trata-se de um conceito de comando específico que ficou bem expresso na Directiva 70/69, de 18 de Agosto.
O teatro de operações é dividido em zonas, sectores e subsectores. As zonas são quatro: Oeste, Leste, Sul e Bijagós. Com excepção da última, as zonas dividem-se em sectores, atribuídos ora a comandos de batalhão, ora a comandos operacionais (COP). Além destas zonas existia uma área à responsabilidade do Comando de Bissau (COMBIS). Os sectores dividem-se em subsectores de companhia ou de destacamento. Os comandos de agrupamento e os comandos de agrupamento operacionais (CAOP) podem englobar indistintamente zonas, sectores e subsectores.
Para além destes órgãos, aparecem ainda comandos de agrupamento temporários (CAT) e comandos operacionais temporários (COT). Todos estes órgãos (CAOP, COP, CAT e COT) eram organizados pelo comando-chefe com pessoal existente localmente na Guiné. Os comandos de agrupamento tinham constituição orgânica e eram destacados da Metrópole. O dispositivo, no entanto, sofre constantes alterações como consequência da prioridade dada à manobra socioeconómica, preocupação que levou mesmo à desocupação militar de áreas desabitadas ou pouco habitadas, as quais passaram a ser designadas por zonas de intervenção do comando-chefe (ZICC). As alterações verificadas até se chegar ao dispositivo existente em 2 de Agosto de 1970 são a seguir descritas por ordem cronológica.
Segundo o Sitrep Circunstanciado n.º 36/69, o COP3 e o sector 02 são repostos nas suas áreas iniciais, com sede respectivamente em Bigéne e Farim. é criado na ZA do CAOP mais um sector, à custa das áreas dos sectores 07 e 01, com sede em Bula, e que passaria a ser designado mais tarde por 01A (SC 40/69). a área do TG3 é reduzida e mais tarde integrada na zona de acção do COP3 (SC 51/69). o COP6 é recolhido e desactivado e a respectiva área volta ao controlo completo do sector 03.
Pelo SC 40/69 é revelada a extinção do sector S2 e a integração da sua área no S3. Pouco depois, também o sector S3 é extinto e a sua área integrada no S4, à excepção de uma pequena faixa a noroeste que passa para o S1 (SC 44/69). Ainda segundo este SC, todo o Leste (LI, L2, L3, L4 e COP7) é posto de novo na dependência do comando de agrupamento de Bafatá. Em Dezembro, o SC 49/69 relata que: no CAOP é extinta a ZICAOP e os sectores 05, 07 e 10 passam a depender do sector do batalhão de Cacheu. no Sul, é recolhido o COP4 e a respectiva ZA volta a designar-se S2. No Leste o mesmo aconteceu ao COP7 e a área passa a constituir o sector L5.
No princípio de 1970 (SC 5/70) o sector S4 é extinto e Bolama passa a ser a sede da agora criada Zona dos Bijagós, cujo comando continua à responsabilidade do comando do CIM (Centro de Instrução Militar). Em Agosto deste mesmo ano (SC 31/70), aparecem delimitadas várias áreas excluídas da quadrícula. Surge de novo a ZICAOP e são criadas outras zonas de intervenção: no Oeste a zona de Canjambari. no Sul uma pequena área a norte do Sector S2, a ilha de Como e os baixos cursos dos rios Cumbijã e Cacine. no Leste todo o sul do Sector L3 (Madina do Boé). Todas estas áreas dependem do comando-chefe (ZICC).Na mesma altura, é instalado o COT1, no Norte do sector L3, com sede em Pirada, e que dispõe de efectivos relativamente elevados: cinco companhias tipo caçadores, uma companhia de comandos africanos e dois pelotões de milícias. Em síntese, podemos considerar que os meios de apoio de fogo, em Agosto de 1970, aumentaram significativamente, assim como as acções operacionais.
Nessa altura, em síntese, eram as unidades existentes: dois comandos de agrupamento (Bissau e Bafatá). dois comandos de agrupamento operacionais (CAOP – Teixeira Pinto e CAOP – reserva), 18 comandos de batalhão, um comando operacional (COP), um grupo de artilharia de campanha (guarnição normal, com 27 pelotões de artilharia de campanha). um batalhão de engenharia, dois centros de instrução militar. três companhias de comandos (uma é a companhia de comandos africanos), oito companhias de caçadores (de recrutamento local), 79 companhias tipo caçadores, dois esquadrões de reconhecimento, 18 pelotões de caçadores independentes (de recrutamento local). três pelotões de reconhecimento (Fox), 11 pelotões de reconhecimento (Daimler), 10 pelotões de morteiros 81 milímetros, três pelotões de canhões sem recuo. um pelotão de artilharia antiaérea. Uma companhia de polícia militar, um pelotão de polícia militar e 30 companhias de milícias.
Outro objectivo, no quadro das alterações introduzidas pelo comando-chefe sob as ordens de Spínola, era dotar a força aérea com as condições que lhe permitissem assegurar um elevado nível de prontidão e sustentação dos meios. Este conjunto de medidas tornou possível voar muito mais horas do que anteriormente, apesar do facto de cada hora de voo exigir, em média, cerca de 10/15 horas de manutenção, não falando das grandes dificuldades que se deparavam, quer por força dos constrangimentos a que o País estava sujeito, quer pela dureza e rusticidade das condições em que os meios operavam e eram mantidos. Acresce que, na sua maioria, os aviões de combate eram meios quase obsoletos, com uma idade média superior a 20 anos” (14).
Os resultados desta estratégia não se fizeram esperar. Uma população ainda não politizada aderia a quem de imediato lhe dava melhores possibilidades de vida, embora ajudasse ao mesmo tempo os guerrilheiros, pelo que o general Spínola não podia dizer que estava a desarmar o PAIGC ao tirar-lhe a principal arma de combate, isto é, os motivos de descontentamento.
A propaganda, bem feita, conseguiu mesmo atrair muitas populações anteriormente foragidas no mato ou acolhidas nos campos de refugiados da guerrilha, no Senegal ou na República da Guiné-Conakry e também alguns dirigentes, levados pelo cansaço ou por dissensões internas, apresentam-se ou são capturados, voltando-se mesmo para o lado de Spínola – é o caso, entre outros, de Rafael Barbosa, ex-presidente do PAIGC.
Entretanto, quando os sorrisos não bastavam, lá estavam os 40 000 soldados, os caças-bombardeiros Fiat e as bombas de napalme, embora não tão eficazes como em Angola. Para quê? Para vencer a guerra? Spínola não se iludia: “Para ganhar tempo, a fim de poder restabelecer o equilíbrio militar (...)” (15).
No entanto, no chão manjaco, onde Spínola decidiu instalar a coordenação dos Serviços de Informações e Acção Psicológica, tornou-se um óbvio embaraço para o PAIGC, na medida em que esses serviços desenvolveram todo um trabalho de sapa e conseguiram mesmo, através de dignitários locais, penetrar no dispositivo do PAIGC. Estabelecem-se os primeiros contactos com os comandos dos bigrupos em acção na área - André Gomes e José Sanha, – e Spínola, acompanhado por Almeida Bruno, chega a ter um encontro com elementos do PAIGC (16).
O impasse militar no início de 1968
Nessa altura, porém, todos são unânimes na análise da situação militar, no início de 1968, na Guiné: a guerra estava atolada num impasse. Impasse, mas não empate, já que consagrava os ganhos do PAIGC nos quatro anos anteriores e tornava a situação crítica para as forças portuguesas. A era de Spínola é inaugurada num período em que “la situation militaire est dans une impasse dificille sourtout por les troupes portugaises. Le PAIGC dispose d´une liberté total et ouverte d´installation et de manœuvres dans les pays voisins, ce qui lui facilite l´effet de surprise et rend plus sûres ses actions de guérilla, car le théâtre des opérations est peu profond, Par contre, le faible strcture administrative portugaise qui s´y trouve implanté, un résou routier insuffisant, le maillage des fleuves et canaux s´ajoute une grande ampleur de l´effet des marées, la dense arborisation aisée et la durée du climat non seulement empechent une intervention aisée et rapide des forces portugaises, mais les usent aussi physiquement car prés 80 por cento des effectifs sont constitué par des militaires européens ” (17).
Do ponto de vista estritamente militar, antes de a acção violenta se generalizar, as primeiras medidas no teatro das operações denotam a sua preocupação de ocupar o território por forças enquadradas segundo a hierarquia habitual: comando-chefe, comando militar, zonas militares, à responsabilidade de comandos de agrupamentos, sectores, entregues a comandos de batalhão, subsectores, entregues a comandos de companhia, e destacamentos de pelotão e por vezes até de secção.
Perante o incremento das acções por parte do PAIGC, Spínola altera quase que imediatamente o dispositivo militar, substituindo destacamentos por companhias, para, mais tarde, voltar a aumentar o número daqueles destacamentos nas áreas mais afastadas da fronteira. Ainda quis ir mais longe no sentido de substituir batalhões completos pelo sistema de rendição desfasada de pelotões ou mesmo de rendição individual, mas este alteração no dispositivo foi efémera, porque ele próprio o teria profundamente alterado em finais de 1968, quando centralizou toda a coordenação da actividade operacional no comando-chefe, suprimindo relativamente a esta estrutura de comando e coordenação as atribuições de intervenção operacional.
Escalada da guerra a partir de Novembro de 1969
Assim, a partir de Novembro de 1969, o exército português intensificou os bombardeamentos às povoações fronteiriças dos países vizinhos com o objectivo de retirar o apoio destes ao PAIGC, chegando mesmo a utilizar, no período compreendido entre 1 e 27 de Dezembro de 1969, bombas de napalme, mormente nas localidades do Sul da Guiné, na povoação de Banta El Sila (Centro Sul).
Aliás, é justamente no período em que se procedia a novas alterações no dispositivo militar português na Guiné que ocorreu, em Fevereiro de 1969 o desastre de Bassesse, a norte do rio Corubal, quando uma jangada que atravessava o rio foi fortemente atacada por um bigrupo do PAIGC, provocando o afundamento da mesma e a consequente morte de mais de 50 soldados.
Na sequência da retirada e do desastre, o PAIGC ocupou Madina de Boé, mais concretamente Medjo e Tchtché [Cheche] em Fevereiro de 1971, tendo o sido o facto alvo de enorme exploração junto da opinião pública mundial por parte dos serviços de informação e propaganda do PAIGC, ao que o exército português ripostava, com desculpas de terem abandonado aquela região em consequência do reordenamento populacional, que exigia que aquelas populações fossem transferidas para aldeias de maior progresso económico e social.
Embora se mantivessem as zonas e os sectores, as estruturas de comando não as acompanhavam. Passou-se à nomeação de comandos de carácter operacional, baseada numa organização do dispositivo militar em que assentava a estrutura do PAIGC, possuindo estes grupos, por vezes, categorias hierárquicas variáveis e implantação e duração eventuais: destinavam-se a cumprir missões pontuais, determinadas pelo comando-chefe, substituindo, nalguns casos, a presença efectiva na área (quadrícula) pelo dinamismo da acção. E é assim que são criadas as áreas de intervenção, as quais estão simplesmente desocupadas e só lá podem ser conduzidas operações pelo escalão a quem estão atribuídas – comando operacional ou comando-chefe (18).
Em lugar da ocupação efectiva de todo o território, dá-se ênfase à denominada manobra socioeconómica, fazendo convergir as forças para as zonas de ocupação populacional e deixando as despovoadas para intervenções esporádicas de reconhecimento ou acções de combate a grupos do PAIGC eventualmente infiltrados e referenciados. (…)” (19).
Assim, o PAIGC deu pela primeira vez um inequívoco sinal de pretender, em 1971 pressionar a área de Guiledje-Gadamael, procurando manobrar segundo dois eixos convergentes a partir de Salancaur/Botche Sanza (por Medjo) e de Kandiafara.
Na sequência da retirada e do desastre, o PAIGC ocupou Madina de Boé, mais concretamente Medjo e Tchtché [Cheche] em Fevereiro de 1971, tendo o sido o facto alvo de enorme exploração junto da opinião pública mundial por parte dos serviços de informação e propaganda do PAIGC, ao que o exército português ripostava, com desculpas de terem abandonado aquela região em consequência do reordenamento populacional, que exigia que aquelas populações fossem transferidas para aldeias de maior progresso económico e social.
Embora se mantivessem as zonas e os sectores, as estruturas de comando não as acompanhavam. Passou-se à nomeação de comandos de carácter operacional, baseada numa organização do dispositivo militar em que assentava a estrutura do PAIGC, possuindo estes grupos, por vezes, categorias hierárquicas variáveis e implantação e duração eventuais: destinavam-se a cumprir missões pontuais, determinadas pelo comando-chefe, substituindo, nalguns casos, a presença efectiva na área (quadrícula) pelo dinamismo da acção. E é assim que são criadas as áreas de intervenção, as quais estão simplesmente desocupadas e só lá podem ser conduzidas operações pelo escalão a quem estão atribuídas – comando operacional ou comando-chefe (18).
Em lugar da ocupação efectiva de todo o território, dá-se ênfase à denominada manobra socioeconómica, fazendo convergir as forças para as zonas de ocupação populacional e deixando as despovoadas para intervenções esporádicas de reconhecimento ou acções de combate a grupos do PAIGC eventualmente infiltrados e referenciados. (…)” (19).
Assim, o PAIGC deu pela primeira vez um inequívoco sinal de pretender, em 1971 pressionar a área de Guiledje-Gadamael, procurando manobrar segundo dois eixos convergentes a partir de Salancaur/Botche Sanza (por Medjo) e de Kandiafara.
Para este objectivo, verificou-se o deslocamento de efectivos do CE da frente de Catió para reforçar os de Buba. Esboçava-se assim a tentativa do PAIGC de proceder ao corte de ligações terrestres entre Gadamael e Guiledje, o qual visava em especial pressionar este aquartelamento, que constituía uma ameaça a Kandiafara, situado já no território da Guiné-Conakry, mas importante do ponto de vista logístico e para a manobra do PAIGC no sul.
Com efeito, Cabral procurou a partir de 1971, estabelecer estruturas sociais de partido-Estado em Tigili/Iador/Sara/Zona Oeste (Biambi), Catió e Quintafine, enquanto que, por outro, se preocupava com as ameaças às áreas libertadas, traduzindo-se tal situação na polarização da sua actividade em torno da estrada Mansabá-Farim, na sua reacção ao reordenamento de Bissássema e na intenção de instalar forças no Unal, visando libertar corredores de infiltração que favorecessem os ataques aos centros urbanos.
Com efeito, Cabral procurou a partir de 1971, estabelecer estruturas sociais de partido-Estado em Tigili/Iador/Sara/Zona Oeste (Biambi), Catió e Quintafine, enquanto que, por outro, se preocupava com as ameaças às áreas libertadas, traduzindo-se tal situação na polarização da sua actividade em torno da estrada Mansabá-Farim, na sua reacção ao reordenamento de Bissássema e na intenção de instalar forças no Unal, visando libertar corredores de infiltração que favorecessem os ataques aos centros urbanos.
Assim, o PAIGC inicia, a partir desta altura, as acções contra Bissau e Bafatá, há muito anunciadas, num momento em que procede à desconcentração das unidades dos CE 199/A e 199/B, que se haviam deslocado para as áreas de Sano e Cumbamori (Senegal), dando por findo o esforço realizado na área de Barro-Bigene-Guidage.
Nesta desconcentração, o CE 199/A regressou à área de Campada, enquanto o 199/B foi ocupar e reactivar a base de Hermancono, que voltou a constituir área fulcral na fronteira norte, praticamente abandonada desde Fevereiro de 1971, aquando da sua transferência para Canjeno.
Nesta desconcentração, o CE 199/A regressou à área de Campada, enquanto o 199/B foi ocupar e reactivar a base de Hermancono, que voltou a constituir área fulcral na fronteira norte, praticamente abandonada desde Fevereiro de 1971, aquando da sua transferência para Canjeno.
Como consequência desta nova ocupação de Sintchã-Djassi, aumentou de forma considerável o trânsito pelo “corredor” do Lamel, que passou a ser o mais usado, seguindo-se-lhe, em menor grau de utilização, o de Canja.
Ainda no que se refere à ligação com o interior da Guiné, uma vez que estas acções de iniciativa do PAIGC irradiavam no sul a partir do território da Guiné-Conakry, salienta-se, pelo seu significado, a reabertura do corredor de Campada, facto que surgiu da necessidade de uma ligação directa das bases no Senegal com o chão manjaco, em virtude da manobra que o PAIGC pretendia desenvolver nessa área.
Ainda no que se refere à ligação com o interior da Guiné, uma vez que estas acções de iniciativa do PAIGC irradiavam no sul a partir do território da Guiné-Conakry, salienta-se, pelo seu significado, a reabertura do corredor de Campada, facto que surgiu da necessidade de uma ligação directa das bases no Senegal com o chão manjaco, em virtude da manobra que o PAIGC pretendia desenvolver nessa área.
De resto, esta será uma das prováveis razões da deslocação do CE 199/A para a área de Campada e também a base da intensificação da actividade dos guerrilheiros do PAIGC que se verificou na área de São Domingos-Canjnde-Sedengal, na qual o citado corredor de infiltração está implantado (20).
(Continua)
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Notas do L.A.:
(11) PAIGC Actualités, n.º 1, órgão de informação do PAIGC, Janeiro de 1969.
(12) PAIGC Actualités, n.º 10, Outubro de 1969.
(13) A organização das tabancas em autodefesa e o reordenamento das populações, na Guiné, foi determinada em 30 de Setembro de 1968. A "(...) política de agrupar populações em aldeamentos protegidos, representava uma cópia parcial da estratégia americana no Vietname e visava proteger a população rural dos insurrectos (...)"531, envolvendo responsabilidades acrescentadas para o Governo e para as Forças Armadas, perante as populações e, assim, as medidas adoptadas deveriam revelar-se eficazes, no tocante à segurança das populações e dos meios de subsistência. em Dezembro de 1971, havia 46 tabancas organizadas em autodefesa. A experiência demonstrou que era preciso reajustar as directivas sobre reordenamento e autodefesa. Assim, pela Directiva (secreto) 19/69, de 5 de Março de 1969, do comando-chefe das Forças Armadas da Guiné, foram publicadas as "Normas Reguladoras de Reordenamentos e Autodefesas".
(14) Corbal, Aurélio B. Aleixo, “O vector aéreo nas campanhas de África – Análise conceptual e estrutural” -, in Estudos sobre Campanhas de África (1961.1974), Instituto de Altos Estudos Militares, 2000, pp. 192-193.
(15) Rodrigues, Avelino, Borga, Cesário, Cardoso, Maria, O Movimento dos Capitães e o 25 de Abril, Publicações D. Quixote, 4ª edição, Lisboa, 2000, pp. 148-151.
(16) Não nos foi possível confirmar em Bissau esta informação junto de José Sanha, ex-comandante do PAIGC.
(17) Barata, Manuel Themudo, op. cit., p. 76.
(18) Estado-Maior do Exército op. cit, pp. 93-96.
(19) Idem, pp. 57-59.
(20) “Anexo C ao Intrep” n.º 6/71- Pasta Organizada por Províncias Ultramarinas – Guiné- , Arquivos da PIDE-DGS/ANTT, NT 8924, fls. 15.
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Notas de L.G.:
(*) Vd. post de 25 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I
(**) Afirmação altamente controversa do Leopoldo Amado: as tropas portuguesas que foram protagonistas desses trágicos acontecimentos - como os alferes milicianos da CCAÇ 2405 que fazem parte da nossa tertúlia, o Paulo Raposo e o Rui Felício - negam terminantemente que tenha havido, como causa imediata e directa do afundamento da jangada, qualquer acção do PAIGC. Sobre o desastre do Cheche, no Rio Corubal, no âmbito da Operação Mabecos Bravios, vd. os posts:
2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)
8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)
12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)
(...) "(i) O desastre do Cheche ficou a dever-se, em minha opinião, ao excesso de peso entrado na jangada;
(ii) E ela é corroborada por todos aqueles que, como eu, viajavam na jangada e que em conversas a seguir ao desastre manifestaram a mesma opinião;
(iii) Note-se que a mesma jangada tinha já feito dezenas de travessias sob as ordens directas do Alf Diniz sem nunca se ter detectado qualquer problema;
(iv) Esse problema surgiu de forma trágica na última travessia, ou seja, naquela em que o responsável Alf Diniz não pôde efectivamente proceder segundo o que estava estabelecido, deixando entrar na jangada o dobro da sua capacidade, por ordem do 2º Comandante da Operação a que, pela natureza da hierarquia militar, não poderia opor-se;
(v) Mas fê-lo, e disso dei testemunho no âmbito do inquérito que se seguiu, advertindo previamente o seu superior hierárquico para o facto de estar a infringir as determinações que tinha sobre a forma de fazer a travessia do rio e da lotação definida para a embarcação;
(vi) E estou convencido que a rapidez do desaparecimento das vítimas nas águas calmas, escuras e profundas do Corubal, se ficou a dever ao facto de todos transportarem consigo pesado equipamento de guerra que lhes tolheu os movimentos e os conduziu para o fundo do rio, de forma tão rápida, com a agravante de que a maior parte deles não sabia nadar" (...)
(2) Vd. diversos depoimentos da autoria de alguns dos nossos tertulianos:
7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé
15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)
21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)
(Continua)
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Notas do L.A.:
(11) PAIGC Actualités, n.º 1, órgão de informação do PAIGC, Janeiro de 1969.
(12) PAIGC Actualités, n.º 10, Outubro de 1969.
(13) A organização das tabancas em autodefesa e o reordenamento das populações, na Guiné, foi determinada em 30 de Setembro de 1968. A "(...) política de agrupar populações em aldeamentos protegidos, representava uma cópia parcial da estratégia americana no Vietname e visava proteger a população rural dos insurrectos (...)"531, envolvendo responsabilidades acrescentadas para o Governo e para as Forças Armadas, perante as populações e, assim, as medidas adoptadas deveriam revelar-se eficazes, no tocante à segurança das populações e dos meios de subsistência. em Dezembro de 1971, havia 46 tabancas organizadas em autodefesa. A experiência demonstrou que era preciso reajustar as directivas sobre reordenamento e autodefesa. Assim, pela Directiva (secreto) 19/69, de 5 de Março de 1969, do comando-chefe das Forças Armadas da Guiné, foram publicadas as "Normas Reguladoras de Reordenamentos e Autodefesas".
(14) Corbal, Aurélio B. Aleixo, “O vector aéreo nas campanhas de África – Análise conceptual e estrutural” -, in Estudos sobre Campanhas de África (1961.1974), Instituto de Altos Estudos Militares, 2000, pp. 192-193.
(15) Rodrigues, Avelino, Borga, Cesário, Cardoso, Maria, O Movimento dos Capitães e o 25 de Abril, Publicações D. Quixote, 4ª edição, Lisboa, 2000, pp. 148-151.
(16) Não nos foi possível confirmar em Bissau esta informação junto de José Sanha, ex-comandante do PAIGC.
(17) Barata, Manuel Themudo, op. cit., p. 76.
(18) Estado-Maior do Exército op. cit, pp. 93-96.
(19) Idem, pp. 57-59.
(20) “Anexo C ao Intrep” n.º 6/71- Pasta Organizada por Províncias Ultramarinas – Guiné- , Arquivos da PIDE-DGS/ANTT, NT 8924, fls. 15.
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Notas de L.G.:
(*) Vd. post de 25 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I
(**) Afirmação altamente controversa do Leopoldo Amado: as tropas portuguesas que foram protagonistas desses trágicos acontecimentos - como os alferes milicianos da CCAÇ 2405 que fazem parte da nossa tertúlia, o Paulo Raposo e o Rui Felício - negam terminantemente que tenha havido, como causa imediata e directa do afundamento da jangada, qualquer acção do PAIGC. Sobre o desastre do Cheche, no Rio Corubal, no âmbito da Operação Mabecos Bravios, vd. os posts:
2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)
8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)
12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)
(...) "(i) O desastre do Cheche ficou a dever-se, em minha opinião, ao excesso de peso entrado na jangada;
7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé
15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)
21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)
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