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Nota do editor
Último poste da série de 20 de Agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18938: Parabéns a você (1483): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 2615 (Guiné, 1969/71)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 21 de agosto de 2018
segunda-feira, 20 de agosto de 2018
Guiné 61/74 - P18940: Notas de leitura (1093): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (3) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2018
Queridos amigos,
Justifica-se plenamente que aqui se insira o que se publica na contracapa deste precioso livro:
"Nó Cego é hoje um clássico da literatura portuguesa. Objeto de estudo e de atenção nos meios universitários, é sobretudo um grande e poderoso romance dos nossos dias, essencial para as atuais gerações de portugueses viverem esse período crucial da nossa História que foram os anos da guerra colonial e o fim do regime de ditadura, bem como para conhecer os dramas, as angústias, as alegrias e as tristezas da geração que fez a guerra e que a terminou, abrindo Portugal à modernidade".
Continuação de boa leitura e um abraço do
Mário
Nó Cego, a obra maior de toda a literatura da guerra colonial (3)
Beja Santos
"Nó Cego", por Carlos Vale Ferraz, Porto Editora, 2018, impôs-se ao longo de 35 anos, como leitura obrigatória, é o mais universal dos romances, o mais poderoso, melhor arquitetado e de dimensão clássica. Romance centrado numa Companhia de Comandos, acompanhamo-la desde a sua primeira operação, como numa encenação teatral vão-se apresentando os protagonistas, capitão e alferes, sargentos e praças, há segredos e preconceitos, há dramas ocultos, diálogos truculentos, naquela região do Planalto dos Macondes algo está a mudar, o Tio Abílio deu lugar a um oficial que quer resultados, custe o que custar. Concluiu-se a operação A Volta ao Mundo, há estranhas manifestações de fúria, o Tino, numa ira imprevista, atira uma garrafa de cerveja à cara do Três Centímetros, o capitão vai falar com o médico, o Três Centímetros não deveria ficar cego mas teria de ir ao hospital de Nampula, e somos embrenhados na vida do quartel, mais queixas, desta vez o agente Celestino da PIDE/DGS queixava-se do Cardoso, fora insultado.
E temos agora a primeira operação que iam realizar sob as ordens do novo comandante do batalhão de M, o substituto do Tio Abílio. Não esquecer que havia já sinais de mudança com a chegada do general K ao Comando-Chefe de Moçambique. É apresentado este novo comandante de batalhão:
“De cabelos brancos prateados, muito lisos, com o rosto de feições corretas bem escanhoado, magro, a farda impecavelmente passada a ferro, estava para o Tio Abílio como um nobre proprietário de terras para o feitor. Trouxera com ele, para seu oficial de operações, um major seráfico, de olhos fundos e nariz comprido”. A Companhia de Comandos iria fazer um golpe de mão à Base Provincial 25, os dois guias, prisioneiros, tinham dado a sua versão ao agente da PIDE quanto ao local do acampamento. “Pelas contas do capitão, deviam estar perto da base que a Frelimo tinha instalado na antiga machamba do Kavandame”. O mais velho dos guias é espancado, quando os Comandos descobrem que estavam a andar às voltas. E a guerrilha não perdoou, responde com fogo, o Casal Ventoso estava todo perfurado, o Cardoso prestou os primeiros socorros.
É uma descrição lancinante, neste tempo em que se discute a morte assistida e o que a diferencia da eutanásia, é útil ler esta passagem:
“ – Ma-mate-me, meu capitão, que-que eu já não aguento mais. Ma-ma-te-me, por amor de Deus. Dê-me um tiro, u-uma injeção…
O capitão retorcia-se a seu lado segurando-lhe a mão.
- Dá-lhe mais morfina, Cardoso, duas, três doses – mandou num sopro.
- Não lhe posso dar mais que uma injeção de cada vez. Senão… mato-o! – respondeu, indignando-se ao tomar consciência dos pensamentos e esconjurando-os: - Eu não o mato!
- Ninguém disse para o matares.
Também o Lino fitou o capitão, a cara branca de cera a indagar da dúvida.
- Dá-lhe a morfina toda! – exclamou o Brandão, explodindo o ar dentro dos pulmões, um estoiro de balão de criança mordido pelos dentes finos. Ele, que parecia dormir noutro mundo, saltava para o meio da vida tomando decisões.
Os gritos e os gemidos elevavam-se, lúgubres, na noite de África, incitando os pássaros da noite, corujas, noitibós, a lançarem os seus pios. E os nervos dos homens picavam em descargas que lhes faziam doer o corpo. O Casal Ventoso pedia que o matassem. Não queria dar parte de fraco. Não queria morrer a chorar. Já cheirava a morto. Agarrava a terra com as mãos sujas da merda esverdeada das tripas, como se a quisesse prender à vida.
Passou a que lhe restava na ponta dos dedos pela boca, a beijá-la numa definitiva despedida.
O capitão tirou o seu cantil do cinturão, desrolhou-o e colocou o gargalo como teta de mãe na boca do Casal Ventoso, que sugou uma profunda golada.
- O meu capitão mata-o!
O Cardoso virou-se intempestivo, quase a saltar para impedir as mãos de satisfazerem o último desejo do Casal Ventoso.
- Não devia ter feito isso – disse o Lino.
O capitão sorveu ruidosamente o ar da noite, mordeu os lábios, cerrou os punhos e abriu-os antes de falar.
- Morto está ele. Que merda de moral é a vossa para prolongar o sofrimento de um homem só para que ele morra por si?”
Iremos conhecer a infância do alferes Lino, da pobreza até à vida de seminarista, são dados cruciais para perceber a evolução deste alferes que adquirirá o gosto militarista, teremos oficial para reincidir. A nova missão é montar emboscadas sobre a picada Mueda-Mocímboa da Praia durante quatro dias e quatro noites. Depois de dois dias imóveis junto à picada, o capitão decide por conta própria internar-se pelas matas, vão encontrar um trilho batido, será abatido um pequeno grupo de guerrilheiros, arma-se emboscada, os guerrilheiros da Frelimo regressam ao local para recuperar os corpos dos camaradas e a floresta irá transformar-se num palco de atores furiosos, e assim se regressa a M. O comandante ávido por resultados, interpela o capitão porque é que regressou antecipadamente, é-lhe explicado que não adiantava continuar, já estavam detetados na zona. O tenente-coronel está furioso, houvera incumprimento, admoesta aos gritos, ameaça instaurar um auto de corpo de delito.
Chegara a hora do capitão pedir um período de descanso para o seu contingente: “A Companhia de Comandos, que há meses chegara atlética, respirando saúde e entusiasmo, estava a transformar-se num grupo apoucado de fardas rotas, olheirento e triste. Os soldados denotavam cansaço, adoeciam, os ataques de paludismo multiplicavam-se. As relações com o tenente-coronel atingiam o limite da disciplina”. É durante uma batida que regressam com uma criança de dois ou três anos, o Lopes adota-o: “Passou a tratá-lo como um filho e a Companhia considerou-o sua mascote. Vestiram-no, fardaram-no de camuflado, deram-lhe o nome de Alfredo, ensinaram-no a fazer a continência, averbaram-lhe o posto de alferes dos Comandos”.
O capitão vai a Nampula, regressa com a boa-nova, dentro de em breve iriam para baixo, para um descanso bem merecido. E assim vão chegar à base dos comandos em Montepuez.
O Espanhol fizera tantas que tinha que abandonar a Companhia, a entrega do crachá é comovente, pediu ao capitão para não ir à cerimónia da expulsão:
“O capitão recebeu o crachá. Agradeceu e colocou-o no seu próprio peito. O Espanhol olhava, sem perceber o que estava a acontecer, e não queria acreditar quando o capitão lhe colocou ao peito o seu crachá.
- Fico com o teu e tu ficas com o meu! Não vais ser expulso, vais ser transferido. Podes usar o meu crachá enquanto fores digno dele e levas mais este louvor que vou mandar publicar na ordem de serviço.
O Espanhol fez meia-volta e retirou-se a afagar o crachá que tinha sido do capitão”.
A Companhia entrou na ilha de Moçambique, anoitecia.
(Continua)
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Notas do editor
Poste anterior de 13 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18919: Notas de leitura (1091): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (2) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 17 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18931: Notas de leitura (1092): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (47) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P18939: Convívios (869): 10º Encontro dos Ex-Combatentes do Seixal, Lourinhã, Participantes da Guerra Colonial, 12 de agosto de 2018
Foto nº 1 > Lourinhã, 12 de agosto de 2018 > Vista do monumento aos combatentes do ultramar, no centro da vila da Lourinhã.
Foto nº 2 > Lourinhã, 12 de agosto de 2018 > 10º encontro dos ex-combatentes do Seixal, participates na guerra colonial > Concentração junto ao monumento aos combatentes do ultramar, no centro da vila da Lourinhã.
Foto nº 3 > Lourinhã, 12 de agosto de 2018 > 10º encontro dos ex-combatentes do Seixal, participates na guerra colonial > O dr. Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-alferes miliciano paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72), no uso da palavra, em nome da comissão organizadora. É membro da nossa Tabanca Grande.
Foto nº 4 > Lourinhã, 12 de agosto de 2018 > 10º encontro dos ex-combatentes do Seixal, participates na guerra colonial > Fernando Castro, lourinhanense, presidente da AVECO - Associaçao dos Veteranos Combatentes do Oeste (, que tem sede em Lourinhã).
Foto nº 5 > Lourinhã, 12 de agosto de 2018 > 10º encontro dos ex-combatentes do Seixal, participates na guerra colonial > Engº Jaime Serra, filho de ex-combatente, e vereador do município local, , em representação presidente da Câmara Municipal da Lourinhã (engº João Duarte).
Foto nº 6 > Lourinhã, 12 de agosto de 2018 > 10º encontro dos ex-combatentes do Seixal, participates na guerra colonial > Aspeto parcial da cerimónia junto ao monumento local aos combatentes.
Foto nº 7 > Lourinhã, 12 de agosto de 2018 > 10º encontro dos ex-combatentes do Seixal, participates na guerra colonial > Ramo de flores que foi depositado na base do monumento: "Aos camaradas militares, falecidos na guerra do ultramar, do concedlho da Lourinhã".
Foto nº 8 > Lourinhã, 12 de agosto de 2018 > 10º encontro dos ex-combatentes do Seixal, participates na guerra colonial > Dois camaradas seguram o tamo de flores que foi depositado na base do monumento. à esquerda o João Delgado (Lourinhã), e à direita o Arménio Pereira (seixal).
Foto nº 9 > Lourinhã, 12 de agosto de 2018 > 10º encontro dos ex-combatentes do Seixal, participates na guerra colonial > Participantes: à esquerda, o Estêvão Alexandre Henriques, membro da nossa Tabanca Grande. Vive no Seixal, sendo natural de Fonte de Lima (fregusia de Santa Bárbara), e emoresário em Peniche.
Foto nº 10 > Lourinhã, 12 de agosto de 2018 > 10º encontro dos ex-combatentes do Seixal, participates na guerra colonial > O João Patrício,d a Areia Branca, um DFA - Deficicente das Forças Armadas (com 36,6% de deficiência)... Pertenceu à CART 1526, e foi gravemente ferido na mata do Ingoré, com uma bala alojada perto do coração... Mostrou-me a "medalha" e também a sua tatuagem.
Foto nº 11 > Lourinhã, 12 de agosto de 2018 > 10º encontro dos ex-combatentes do Seixal, participates na guerra colonial > A tatuagem do João Patrício, da Areia Branca, DFA.
Foto nº 12 > Lourinhã, 12 de agosto de 2018 > 10º encontro dos ex-combatentes do Seixal, participantes na guerra colonial > O Estêvão Alexandre Henriques, membro da nossa Tabanca Grande, é o primeiro a contar da direita.
Foto nº 13 > Lourinhã, 12 de agosto de 2018 > 10º encontro dos ex-combatentes do Seixal, participates na guerra colonial > Almoço de confraternização no Clube do Seixal.
Fotos (e legendas): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Realizou-se mais uma edição, a 10º, do encontro dos ex-combatentes, participantes da guerra do ultramar / guerra colonial, naturais iu residentes no Seixal, uma belíssima terra que fica entre a Lourinhã e a Praia da Areia Branca, fazendo parte da união de freguesias da Lourinhã e Atalaia (que tem hoje cerca de metade da população do concelho, sendo o toal de mais de 25 mil, segundo o último censo).
A comissão organizadora foi constituída por Arménio Pereira, Emídio Baltazar, Jaime Bonifácio e José Maria.
Por volta das dez horas, de domingo, dia 12 do ocorrente, houve concentração dos participantes junto à igreja do Seixal. Foi cleebrada missa em homenagem ao Arsénio Bonifácio, morto em Angola, e a todos os que entretanto já faleceram, depois do regresso a casa. Estrima-se que o número de combatentes do Seixal ou residentes no Seixal, Lourinhã, tenha sido perto de meia centena.
Às 11.15, os partiicipantes homenagearam, no talhão municipal dos combatentes, no cemitério da Lourinhã, todos os mortos do Seixalm na I Grande Guerra e na Guerra do Ultramar. Foi depositada uma corooa de flores e guardado um minuto de silêncio. Jaime Bonifácio leu um poema de Manuel Alegre (
Às 12h, juntaram-se no monumento local aos combatentes da guerra colonial, em homenagem a todos os combatentes do conelho, vivos e mortos, Usaram da palava: (i) Jaime Bonifácio, em nome da comissão organizadora; (ii) Fernando Castro, o presidente da AVECO - Associaçao dos Veteranos Combatentes do Oeste (, que tem sede em Lourinhã); e iii) o vereador do município local, eng João Serra, em representação presidente da Câmara Municipal da Lourinhã (Eng. João Duarte Anastácio de Carvalho). Foi depositada uma coroa de flores. E or fim cantou-se o hino nacional.
Compareceu tambèm à cerimónia o presidente da União das Freguesias da Lourinhã e Atalaia, Pedro Margarido.
Às 13h30 realizou-se um almoço de confraternização do Clube do Seixal, a que compareceram largas dezenas de combentes, familiares e convidados.
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Nota do editor:
Último poste da série > 22 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18864: Convívios (868): Dois 'piras' no 38º almoço-convívio da Tabanca da Linha, em 19 do corrente, em Algés... Em pleno verão, houve muitos 'desertores', compareceram 37 'magníficos' (Manuel Resende)
Guiné 61/74 - P18938: Parabéns a você (1483): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 2615 (Guiné, 1969/71)
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Nota do editor
Último poste da série de 19 de Agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18934: Parabéns a você (1482): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763 (Guiné, 1965/67)
Nota do editor
Último poste da série de 19 de Agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18934: Parabéns a você (1482): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763 (Guiné, 1965/67)
domingo, 19 de agosto de 2018
Guiné 61/74 - P18937: Blogues da nossa blogosfera (100): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (19): Palavras e poesia
Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.
CANÇÕES ANTIGAS
ADÃO CRUZ
© ADÃO CRUZ
Na recordação das canções antigas
veste-se meu coração
das verdes folhas do desejo
e entoa na fragrância dos campos
a melodia dos olhos pendurados na profundidade do céu.
Na sombra da figueira diz-me adeus o sol
em acenos de azul e violeta
por entre os ramos e os sons de uma flauta de lábios doces
que por ali poisou entre sonhos infinitos do lusco-fusco.
As primeiras chuvas do verão humedecem como lágrimas
as palavras ditas e não ditas
no silêncio dos caminhos perfumados
de terra e folhas molhadas.
E nada se reconhece na lembrança muda das tardes
que para sempre morreram
mas os passos ecoam em silêncio
por entre os pés das oliveiras
onde outrora floriram mil risos de criança.
Que fez de mim este crepúsculo azul
como flecha espetada no vento
ferindo de morte toda a vida de meu sonho-menino.
Onde está a pedra que se fez montanha
o regato que se fez rio
a tripla chama infinita da vida luz e verdade
que se apagou na alma nua
quando sagradas selvas
e misteriosas crenças de punhal à cinta
quiseram que fosse santa.
Meu coração peregrino de seu perdido tesouro
entre o sol e as desgarradas nuvens de infinitos céus
ainda hoje se arrasta entre a razão e o abismo
em pálido reflexo de ouro para ser criança na hora de partir.
____________
Nota do editor
Último poste da série de12 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18917: Blogues da nossa blogosfera (99): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (18): Palavras e poesia
Guiné 61/74 - P18936: Blogpoesia (580): "Portão da poesia...", "Pingantes à borda do mar" e "Se alguém me vier bater à porta não terei poema para lhe dar...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:
Portão da poesia...
É de bronze o portão da poesia.
Está fechado.
Um letreiro:
- Quem procura já cá não mora.
Fiquei triste.
Habituado a vê-la, mal batia à porta.
- Onde parará agora?
Faz tanta falta.
Atónito e aturdido,
Volto a casa.
Pela madrugada, liguei o rádio.
Antena 2.
Estava a dar um programa de "música e poesia".
A voz doirada de Vítor Nobre ia dizer um poema.
Depois duma introdução musical bem conhecida.
De Joaquim Luís Mendes Gomes
"O comboio amarelo de Cascais"...
Senti um baque.
De olhos marejados fiquei a ouvi-lo e recordei como tudo se passou:
"Ano dois mil.
Um dia à tarde, quando fazia tempo, esperando alguém,
não sei que foi,
senti vontade de escrever poesia.
Olhei. Um comboio estava parado na estação de Algés. Esperando partir.
Conhecia-o tão bem...
Num girar sem fim, só o utilizava entre o Cais do Sodré e Algés.
Tinha comigo o caderno onde apontava as minhas prosas para os jornais.
Soltei o bico à caneta e deixei-o correr à solta.
Foi por onde quis. Foi só segui-lo.
Como ele sabia tão bem de tudo sobre aquele comboio amarelo que ia e vinha.
No fim, comecei a ler.
As lágrimas explodiram nos meus olhos...
"O comboio amarelo de Cascais" o meu primeiro poema.
Nunca mais parei."
Mafra, 13 de Agosto de 2018
20h46m
Jlmg
Pingantes à borda do mar
Escorrem pingantes das grades da minha varanda.
Foi-se o sol e veio o trovão.
Raios de luz faíscam no céu.
As gaivotas corridas tentam a sorte mesmo à bordinha das ondas.
Da praia debandaram as gentes que esperavam um fim de semana em grande.
Os banheiros à chuva recolhem as cadeiras-espaldares.
Lavados reluzem os carros parados no parque.
Há tormenta no ar.
Chora o negócio das esplanadas que ficaram sombrias.
Só os gelados em bola lambem os beiços gulosos das gentes.
Calou-se o comboio das voltas turísticas daqui até ao cimo do monte.
Bastou um leve clique do sol e tudo ficou do avesso...
Roses, 17 de Agosto de 2018
15h47m
Jlmg
Se alguém me vier bater à porta não terei poema para lhe dar...
Passei o dia a palmilhar a estrada.
Seca e calcinada.
Como um foragido a fugir do sol.
Atravessando um mar de areia que já foi mar.
Agora é leito. Só Aragão.
Com muito trabalho, coberto de girassois e palha seca.
Abandonado, não.
Por fim a recompensa.
Rose e seu mar calmo e azul.
Brando, me banhei nele e afoguei o calor.
Tudo o mais esqueceu...
na minha varanda sobre o Mediterrâneo ao nascer do dia
Roses, 17 de Agosto de 2018
9h1m
Jlmg
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Nota do editor
Último poste da série de 12 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18916: Blogpoesia (579): "Passou para trás...", "Três dias de ausência..." e "Mar de poesia", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
Portão da poesia...
É de bronze o portão da poesia.
Está fechado.
Um letreiro:
- Quem procura já cá não mora.
Fiquei triste.
Habituado a vê-la, mal batia à porta.
- Onde parará agora?
Faz tanta falta.
Atónito e aturdido,
Volto a casa.
Pela madrugada, liguei o rádio.
Antena 2.
Estava a dar um programa de "música e poesia".
A voz doirada de Vítor Nobre ia dizer um poema.
Depois duma introdução musical bem conhecida.
De Joaquim Luís Mendes Gomes
"O comboio amarelo de Cascais"...
Senti um baque.
De olhos marejados fiquei a ouvi-lo e recordei como tudo se passou:
"Ano dois mil.
Um dia à tarde, quando fazia tempo, esperando alguém,
não sei que foi,
senti vontade de escrever poesia.
Olhei. Um comboio estava parado na estação de Algés. Esperando partir.
Conhecia-o tão bem...
Num girar sem fim, só o utilizava entre o Cais do Sodré e Algés.
Tinha comigo o caderno onde apontava as minhas prosas para os jornais.
Soltei o bico à caneta e deixei-o correr à solta.
Foi por onde quis. Foi só segui-lo.
Como ele sabia tão bem de tudo sobre aquele comboio amarelo que ia e vinha.
No fim, comecei a ler.
As lágrimas explodiram nos meus olhos...
"O comboio amarelo de Cascais" o meu primeiro poema.
Nunca mais parei."
Mafra, 13 de Agosto de 2018
20h46m
Jlmg
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Pingantes à borda do mar
Escorrem pingantes das grades da minha varanda.
Foi-se o sol e veio o trovão.
Raios de luz faíscam no céu.
As gaivotas corridas tentam a sorte mesmo à bordinha das ondas.
Da praia debandaram as gentes que esperavam um fim de semana em grande.
Os banheiros à chuva recolhem as cadeiras-espaldares.
Lavados reluzem os carros parados no parque.
Há tormenta no ar.
Chora o negócio das esplanadas que ficaram sombrias.
Só os gelados em bola lambem os beiços gulosos das gentes.
Calou-se o comboio das voltas turísticas daqui até ao cimo do monte.
Bastou um leve clique do sol e tudo ficou do avesso...
Roses, 17 de Agosto de 2018
15h47m
Jlmg
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Se alguém me vier bater à porta não terei poema para lhe dar...
Passei o dia a palmilhar a estrada.
Seca e calcinada.
Como um foragido a fugir do sol.
Atravessando um mar de areia que já foi mar.
Agora é leito. Só Aragão.
Com muito trabalho, coberto de girassois e palha seca.
Abandonado, não.
Por fim a recompensa.
Rose e seu mar calmo e azul.
Brando, me banhei nele e afoguei o calor.
Tudo o mais esqueceu...
na minha varanda sobre o Mediterrâneo ao nascer do dia
Roses, 17 de Agosto de 2018
9h1m
Jlmg
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Nota do editor
Último poste da série de 12 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18916: Blogpoesia (579): "Passou para trás...", "Três dias de ausência..." e "Mar de poesia", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
Guiné 61/74 - P18935: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - III (e última) Parte: Por doença (n=14) (Jorge Araújo)
Guiné > Bissau > O Hospital Militar 241, o terminal da morte para muitos camaradas nossos (*)
Foto: © António Paiva (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do nosso blogue
OS 221 FURRIÉIS QUE TOMBARAM NO CTIG [1963-1974] (POR ACIDENTE, COMBATE E DOENÇA) - III (e última) Parte: Por doença (n=14)
Sinopse:
Na sequência da actualização da lista dos camaradas «Alferes» que tombaram no CTIG (1963-1974), publicada no P18860, anexo agora a referente aos camaradas «Furriéis», apresentando-a ao Fórum organizada segundo a mesma metodologia anterior, ou seja, por quadros de categorias (acidente, combate e doença) e por ordem cronológica.
Para que não fiquem na "vala comum do esquecimento", como é timbre do nosso blogue, eis os quadros estatísticos dos 221 (duzentos e vinte e um) furriéis, nossos camaradas, que tombaram durante as suas Comissões de Serviço na Guerra no CTIG, por diferentes causas: combate (n=139), acidente (n=68) ou doença (n=14). (**)
2. QUADROS POR CATEGORIAS E ORDEM CRONOLÓGICA (Fim)
Fontes consultadas [com cruzamento]:
http://www.apvg.pt/
http://ultramar.terraweb.biz/index_MortosGuerraUltramar.htm (com a devida vénia)
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
30JUL2018.
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Notas do editor:
(**) Vd. postes anteriores da série:
Guiné 61/74 - P18934: Parabéns a você (1482): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763 (Guiné, 1965/67)
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Nota do editor:
Último poste da série de 18 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18932: Parabéns a você (1481): Coronel Inf Ref António Melo de Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465 (Guiné, 1964/65) e Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira, esposa do nosso Editor Luís Graça
Nota do editor:
Último poste da série de 18 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18932: Parabéns a você (1481): Coronel Inf Ref António Melo de Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465 (Guiné, 1964/65) e Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira, esposa do nosso Editor Luís Graça
sábado, 18 de agosto de 2018
Guiné 61/74 - P18933: Os nossos seres, saberes e lazeres (280): De Aix-en-Provence até Marselha (12) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 5 de Junho de 2018:
Queridos amigos,
Havia que experimentar um passeio no bairro histórico de Marselha, o Panier, entrar em La Vieille-Charité, onde decorria uma fascinante exposição de Picasso e visitar no centro de exposições o fabuloso acervo museológico, deu-se preferência a África e ao Egipto, até se encontrou a arte dos Djolas, objetos provenientes do Casamansa, e sobretudo visitar o melhor acervo de arte egípcia fora do Louvre.
Depois contemplar a catedral e vagabundear entre as maciças fortalezas de pedra e as novas construções onde o vidro espelha o sol e a orgânica do ferro e outros metais dialogam sem nenhum choque com a arquitetura militar do passado.
Mas ainda há muito mais coisas a ver em Marselha, antes de regressar a Lisboa.
Um abraço do
Mário
De Aix-en-Provence até Marselha (12)
Beja Santos
A deambulação em Marselha dirige-se agora para o bairro histórico, o Panier, com origem no século XVII. Entre os seus edifícios notáveis, o viandante decidiu-se por La Vieille-Charité, antigo hospital e hospício, aqui se albergavam os pobres marselheses. É obra do arquiteto Pierre Puget, tem capela de inspiração barroca romana, com fachada do século XIX. A Charité acolhe hoje um conjunto de museus, graças a colecionadores de renome, bem como exposições, no momento em que o viandante por ali cirandou estava patente a exposição de Picasso “Voyages Imaginaires”.
O centro de museus é visita incontornável. Podem visitar-se aqui coleções importantes de arte africana, egípcia, grega, medieval e do Extremo Oriente. Sobretudo o museu egípcio – com os espólios do médico Clot-Bey (início do século XIX) – reúne, depois do Louvre, a coleção mais valiosa do seu género. E não se deve sair dali sem ir ao departamento das peças arqueológicas celto-ligúricas, têm grande valor.
Abaixo da Vieille-Charité, à beira-mar, afastada dos centros da cidade moderna, ergue-se a Catedral, tem cores sumptuosas, foi erigida na 2.ª metade do século XIX, tem uma extensão de 140 metros e uma altura de 60 no interior. Quem a desenhou tinha em mente a mais bonita catedral pós-medieval de França, é de um fascinante ecletismo. A abside com deambulatório é inspirada nas grandes construções românicas francesas, as cúpulas na arquitetónica bizantina e há claras ressonâncias naquela alternância de pedras da arquitetura medieval italiana.
À beira-mar, como no interior, são impressionantes as marcas da arquitetura moderna. No interior está localizada uma das principais obras de Le Corbusier, um prédio residencial em forma de caixa, separado da terra por suportes curvilíneos. No exterior, toda aquela massa de pedra da fortaleza acolhe agora construções panorâmicas excecionais. Acresce que o Bairro Euromediterrânico também tem uma vasta operação de reabilitação em 480 hectares, no coração da Metrópole. Voltando à margem esquerda do Velho Porto, é ali que estão as novas ousadias em vidro como La Villa Mediterrânica, por ali se saltita com a satisfação de ver estas espantosas edificações tão bem articuladas com as do passado. A região do Velho Porto está de parabéns, não se pode vir a Marselha sem calcorrear estes trilhos e apreciar a graciosidade deste nexo entre os séculos.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 11 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18913: Os nossos seres, saberes e lazeres (279): De Aix-en-Provence até Marselha (11) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Havia que experimentar um passeio no bairro histórico de Marselha, o Panier, entrar em La Vieille-Charité, onde decorria uma fascinante exposição de Picasso e visitar no centro de exposições o fabuloso acervo museológico, deu-se preferência a África e ao Egipto, até se encontrou a arte dos Djolas, objetos provenientes do Casamansa, e sobretudo visitar o melhor acervo de arte egípcia fora do Louvre.
Depois contemplar a catedral e vagabundear entre as maciças fortalezas de pedra e as novas construções onde o vidro espelha o sol e a orgânica do ferro e outros metais dialogam sem nenhum choque com a arquitetura militar do passado.
Mas ainda há muito mais coisas a ver em Marselha, antes de regressar a Lisboa.
Um abraço do
Mário
De Aix-en-Provence até Marselha (12)
Beja Santos
A deambulação em Marselha dirige-se agora para o bairro histórico, o Panier, com origem no século XVII. Entre os seus edifícios notáveis, o viandante decidiu-se por La Vieille-Charité, antigo hospital e hospício, aqui se albergavam os pobres marselheses. É obra do arquiteto Pierre Puget, tem capela de inspiração barroca romana, com fachada do século XIX. A Charité acolhe hoje um conjunto de museus, graças a colecionadores de renome, bem como exposições, no momento em que o viandante por ali cirandou estava patente a exposição de Picasso “Voyages Imaginaires”.
O centro de museus é visita incontornável. Podem visitar-se aqui coleções importantes de arte africana, egípcia, grega, medieval e do Extremo Oriente. Sobretudo o museu egípcio – com os espólios do médico Clot-Bey (início do século XIX) – reúne, depois do Louvre, a coleção mais valiosa do seu género. E não se deve sair dali sem ir ao departamento das peças arqueológicas celto-ligúricas, têm grande valor.
Abaixo da Vieille-Charité, à beira-mar, afastada dos centros da cidade moderna, ergue-se a Catedral, tem cores sumptuosas, foi erigida na 2.ª metade do século XIX, tem uma extensão de 140 metros e uma altura de 60 no interior. Quem a desenhou tinha em mente a mais bonita catedral pós-medieval de França, é de um fascinante ecletismo. A abside com deambulatório é inspirada nas grandes construções românicas francesas, as cúpulas na arquitetónica bizantina e há claras ressonâncias naquela alternância de pedras da arquitetura medieval italiana.
À beira-mar, como no interior, são impressionantes as marcas da arquitetura moderna. No interior está localizada uma das principais obras de Le Corbusier, um prédio residencial em forma de caixa, separado da terra por suportes curvilíneos. No exterior, toda aquela massa de pedra da fortaleza acolhe agora construções panorâmicas excecionais. Acresce que o Bairro Euromediterrânico também tem uma vasta operação de reabilitação em 480 hectares, no coração da Metrópole. Voltando à margem esquerda do Velho Porto, é ali que estão as novas ousadias em vidro como La Villa Mediterrânica, por ali se saltita com a satisfação de ver estas espantosas edificações tão bem articuladas com as do passado. A região do Velho Porto está de parabéns, não se pode vir a Marselha sem calcorrear estes trilhos e apreciar a graciosidade deste nexo entre os séculos.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 11 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18913: Os nossos seres, saberes e lazeres (279): De Aix-en-Provence até Marselha (11) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P18932: Parabéns a você (1481): Coronel Inf Ref António Melo de Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465 (Guiné, 1964/65) e Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira, esposa do nosso Editor Luís Graça
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Nota do editor
Último poste da série de 17 de Agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18929: Parabéns a você (1480): José Manuel Cancela, ex-Soldado Apont Metralhadora da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)
sexta-feira, 17 de agosto de 2018
Guiné 61/74 - P18931: Notas de leitura (1092): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (47) (Mário Beja Santos)
Vista sobre a entrada principal da Câmara Municipal de Bolama, imagem de Francisco Nogueira no livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Fevereiro de 2018:
Queridos amigos,
Aqui fica um relato parcial das dificuldades vividas na Guiné em 1927, faltava dinheiro para salários, a Associação Comercial da Guiné enviou uma longuíssima exposição ao Ministro das Colónias refutando qualquer bondade, interesse ou vantagem em transferir a capital para Bissau. Entretanto, José Granger Pinto, que se diz amigo de Francisco Vieira Machado, escreve-lhe a pedir ajuda e a lembrar-lhe que é um homem cheio de projetos, tem todos os elementos para que se faça a construção de um Casino Hotel, pede dinheiro ao BNU.
Dentro em breve vamos presenciar os acontecimentos turbulentos de um movimento revolucionário que sacudiu a Guiné em 1931, bem registado em ampla documentação guardada no Arquivo Histórico do BNU.
Um abraço do
Mário
Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (47)
Beja Santos
Introdução
De V. Senhorias para V. Exas.
Na documentação avulsa respeitante a 1926, há um documento importante com data de 22 de Dezembro, assinado pelo Administrador Francisco Vieira Machado e endereçado ao gerente de Bissau. Tecem-se comentários ao movimento da caixa, aos câmbios, às letras descontadas sobre a praça, aos devedores e credores, e questões afins, e passamos a ter conhecimento de um novo património do BNU, o da fábrica de cerâmica adquirida à Sociedade Comercial e Fabril da Guiné, Lda, abarcando edifícios, maquinismos, móveis e utensílios, combustíveis e produtos manufaturados, a propriedade inclui armazéns, terrenos, edifícios e uma flotilha de cinco embarcações e também camiões.
O administrador em Lisboa comenta positivamente a importação de tabaco e faz considerações à crise que se vivia na Guiné, como exprimiu por escrito:
“São muito interessantes as informações e o parecer de V. Sas. sobre este assunto, quer na generalidade, quer em particular sobre a administração do Estado nessa colónia.
Os governos não têm feito na Guiné, infelizmente, qualquer obra de fomento, nem grandiosa nem modesta, e as estradas inúteis não podem ser consideradas como obras de fomento.
Será certo que a influência comercial portuguesa na Guiné se tenha quase perdido, em proveito das casas estrangeiras, devido um pouco à nossa forçada retracção na concessão de créditos, era e ainda é indispensável seguir tal política, devendo atribuir-se este mal à falta de capitais próprios das empresas nacionais.
Se estas tivessem recursos seus, que pudessem constar como garantia para o nosso banco, jamais lhes negaríamos auxílio, que nunca regateámos àqueles que em condições aceitáveis no-lo demandam.
E as casas estrangeiras, se melhor concorrência tivessem do comércio tradicional, ver-se-iam obrigadas a aperfeiçoar a sua rede de instalações.
Quanto ao financiamento indispensável da Província, sabemos o que o governo central poderá fazer. A importância que poderia utilizar não poderia ser muito superior a 5 mil contos, que não daria para pôr a casa em ordem, e a colónia precisa, evidentemente, de melhoramentos que permitam um melhor aproveitamento das riquezas do seu solo.
De contrário, corre-se o risco de ver aumentar todos os dias o êxodo já tão grande dos seus indígenas que nas colónias vizinhas encontram meio mais favorável e compensador.
Não basta olhar ao problema financeiro. Ele está indissoluvelmente ligado ao problema económico e erro se nos afiguram em tentar separá-los.
Para tanto, importa começar a pensar no estabelecimento de certas indústrias, por forma a valorizar as exportações e a diminuir as importações; e, além disso, no estabelecimento de uma pauta mais racional e consentânea com os interesses nacionais.
O trabalho de V. Sas. foi por nós muito apreciado e assim o felicitamos”.
Em 19 de Julho de 1927, José Granger Pinto, com escritório em Bolama, envia a Francisco Vieira Machado, vice-governador do BNU uma longa missiva, recordando a velha amizade e recomendando-lhe atenção para o projeto do Casino Hotel em Bolama. Projeto esse que tem alguma elasticidade, já se falava na transferência a capital para Bissau, o Casino Hotel poderia ser construído aqui.
E começa aqui uma carta pessoal, há motivos sérios para a reproduzir tal como foi escrita:
“Vai certamente ficar admirado de eu me encontrar nestas paragens, mas um mau sócio comprometeu tudo quanto eu tinha, vejo-me na necessidade de recomeçar a vida. A transição da Alemanha e Bélgica para aqui foi bastante violenta, mas paciência.
Sua Excelência, o Governador, tem mostrado a melhor boa vontade em me auxiliar, já escreveu ao Dr. João Ulrich, que se encontra ausente, recomendando o meu projecto que, permite-me dizer, sendo construído em Bissau, com garantia pelo Governo de juro de 10% sobre o capital empregado é negócio seguro. Aquela cidade está tomando um desenvolvimento considerado, carecendo de um hotel e local aprazível aonde os negociantes do interior e viajantes encontrem conforto, durante os dias que são obrigados a permanecer ali.
Tomei esta iniciativa estimulado pelo Senhor Governador, a fim de aproveitar eficazmente todos os maquinismos que possuo, grupo eléctrico poderoso de 14HP, capaz de iluminar a cidade de Bissau, máquina de fabricar gelo, máquina cinematográfica e plateia completa para um cinema, faltando-me apenas o mais importante, que é o edifício adequado para a instalação destas máquinas.
Já me elegeram para Presidente da Associação Comercial, Vice-Presidente da Câmara e Delegado do Comércio junto da Comissão de Revisão de Pautas Aduaneiras, pelo que me tenho obrigado a fazer um pequeno estudo económico da colónia”.
Vieira Machado responde a 20 de Setembro e informa que se pensa em transferir a capital para Bissau, “foi resolvido sobrestar este assunto até que essa ideia se efective ou seja abandonada”. Logo prontamente José Granger Pinto volta à carga, conta o que anda a fazer:
“Por enquanto estou procurando a probabilidade de fornecer com o meu motor e dínamo luz eléctrica à cidade de Bolama, mas apesar da Câmara me pagar a instalação, tenho que adiantar o numerário necessário para adquirir o material, o que na ocasião não é possível. Já falei com o Sr. Machado, gerente do banco aqui, que me respondeu que embora a minha proposta não oferecesse risco ao banco e fosse de interesse público, não a podia atender, porque tem rigorosas instruções da direcção para não abrir créditos.
Conversando com o Sr. Governador, disse-me que se tivesse dinheiro do Crédito Agrícola mo forneceria, e que referisse o assunto ao meu amigo, que sendo possível não me deixaria de dar as facilidades necessárias desde que não haja risco para o Banco, pelo que tenho atrevimento de lhe falar sobre esta pretensão, visto a importância do crédito não ir além de 50 contos”.
Desconhecemos o desenlace deste pedido de empréstimo, mais adiante se volta ao assunto do Casino Hotel em Bissau.
Este mesmo ano de 1927 deverá ter sido de penúria e carestia para os projetos do Governo da Guiné, logo em Janeiro o Encarregado do Governo expede para o Gerente do BNU em Bolama o ofício com o seguinte teor:
“Encontrando-se actualmente esta Província numa situação deveras angustiada, proveniente da falta de numerário em cofre, situação que não pode ser resolvida enquanto pelo Governo da Metrópole não sejam dadas as providências já pedidas; e desejando satisfazer o pagamento de rações a pesos, doentes, soldados e assalariados e bem assim os vencimentos dos funcionários de categoria inferior a 1.º Oficial; rogo a V. Exª se digne autorizar um adiantamento de trezentos mil escudos, reembolsável com as primeiras receitas a entrarem, possivelmente no corrente mês, a fim de debelar a situação aflitiva em que se encontram os pequenos servidores do Estado entre os quais já lavra a fome”.
Viviam-se tempos terríveis, acrescia que era público e notório que Bissau começara a juntar os requisitos suficientes para pretender vir a ser a capital, a inquietação instalara-se em Bolama, e daí a extensa exposição que em 15 de Agosto de 1927 a Associação Comercial da Guiné envia ao Ministro das Colónias, juntamente com a Comissão Urbana da cidade de Bolama. É de facto um documento de iniludível importância, daí a larga referência que dele faremos.
É a possibilidade da mudança da capital da colónia que põe estes comerciantes ao rubro, mas iniciam a exposição com macieza:
“Não nos animam mesquinhos propósitos de bairrismo. Para nós esta questão não é uma questão de duas cidades disputando-se a primazia de serem a cidade principal da colónia. Podemos ter, é certo e decerto os temos interesses ligados a Bolama. Esses interesses são, de resto, os próprios interesses da colectividade e da qual o Estado não é mais do que a expressão jurídica. Mas procuramos ver o problema através do alto interesse da colónia. Para isso temos de considerá-lo à face da História, da situação geográfica, económica, financeira e sanitária da Província e até da política internacional”.
Procede-se a uma narrativa sobre a existência de capitais, o descobrimento da região, a sua ocupação, fala-se de Cacheu, de Bissau, da Ilha de Bolama e do conflito luso-britânico pela posse da ilha, e quanto à geografia mais indicada para a capital, seguem-se alguns parágrafos originais:
“Se fôssemos procurar um ponto equidistante de todos os centros da colónia, então não se fixaria a capital nem em Bolama nem em Bissau. Mediríamos o mapa da Província com o compasso e era a geometria e não as necessidades de ordem administrativa, política, económica e social que determinavam a sede. Seria sensivelmente Bissorã o meio, em Bissorã instalaríamos o Governo Provincial.
Haverá maior absurdo?
A Ilha de Bissau está separada do continente por um rio, o Impernal, na região dos Balantas. A Ilha de Bolama encontra-se separada do continente pelo mar. Mas é uma distância pequeníssima; de Bolama a S. João há uma distância menor que a do Terreiro do Paço a Cacilhas. Quer-se dizer que quem estiver em S. João, defronte da cidade de Bolama, está em toda a parte do continente.
A situação de Bolama permite comunicações rápidas com os principais pontos da colónia, tendo até o Governador Caroço projectado, com a construção de uma ponte no rio Corubal, a mais importante rede de estrada do continente que fica fronteiro a Bolama. Rigorosamente, estão a grande distância de Bolama as regiões de S. Domingos e Cacheu, apenas. Como, também, ficam a grande distância de Bissau as regiões de Cacine e Gabu…”
É claro que os subscritores louvam Bissau, recordam a riqueza da região de Cacine e o rico e fértil arquipélago dos Bijagós. Seria uma estragação gastar dez mil contos para instalar as repartições públicas em Bissau, abandonando as repartições públicas e as residências dos funcionários em Bolama, edifícios públicos que valem, numa avaliação muito por baixo, cerca de sete mil contos. A haver tal transferência de capital resultaria uma desvalorização da riqueza pública.
E há outra conveniência que parece subestimar-se quando se fala na mudança da capital para Bissau, a salubridade de Bolama, o clima saudável e aprazível de Bolama, e não falta à exposição uma pirueta literária:
“Bolama, com o seu ar de velho burgo, docemente ensombrada por altas árvores, que dir-se-ia estender-nos, ao chegarmos, os seus braços verdes e aconchegantes, com a sua fisionomia de velha cidade de província portuguesa, é inclusivamente pela atmosfera de quietude, de paz e de tranquilidade que nela se respira, a cidade mais indicada para a capital política da colónia”.
A exposição remata com uma conclusão cujas premissas já a anteveem:
“A situação económica, financeira e internacional da Província não aconselha, antes se opõe a essa transferência. Bolama vale para o Estado e para os colonos que há tantos anos nela labutam esforçadamente qualquer coisa como vinte mil contos. Se deixasse de ser a capital da colónia, morreria como meio social. É lícito abandonar esta velha terra portuguesa?”
(Continua)
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Notas do editor
Poste anterior de 10 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18911: Notas de leitura (1090): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (46) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 13 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18919: Notas de leitura (1091): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Fevereiro de 2018:
Queridos amigos,
Aqui fica um relato parcial das dificuldades vividas na Guiné em 1927, faltava dinheiro para salários, a Associação Comercial da Guiné enviou uma longuíssima exposição ao Ministro das Colónias refutando qualquer bondade, interesse ou vantagem em transferir a capital para Bissau. Entretanto, José Granger Pinto, que se diz amigo de Francisco Vieira Machado, escreve-lhe a pedir ajuda e a lembrar-lhe que é um homem cheio de projetos, tem todos os elementos para que se faça a construção de um Casino Hotel, pede dinheiro ao BNU.
Dentro em breve vamos presenciar os acontecimentos turbulentos de um movimento revolucionário que sacudiu a Guiné em 1931, bem registado em ampla documentação guardada no Arquivo Histórico do BNU.
Um abraço do
Mário
Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (47)
Beja Santos
Introdução
De V. Senhorias para V. Exas.
Na documentação avulsa respeitante a 1926, há um documento importante com data de 22 de Dezembro, assinado pelo Administrador Francisco Vieira Machado e endereçado ao gerente de Bissau. Tecem-se comentários ao movimento da caixa, aos câmbios, às letras descontadas sobre a praça, aos devedores e credores, e questões afins, e passamos a ter conhecimento de um novo património do BNU, o da fábrica de cerâmica adquirida à Sociedade Comercial e Fabril da Guiné, Lda, abarcando edifícios, maquinismos, móveis e utensílios, combustíveis e produtos manufaturados, a propriedade inclui armazéns, terrenos, edifícios e uma flotilha de cinco embarcações e também camiões.
O administrador em Lisboa comenta positivamente a importação de tabaco e faz considerações à crise que se vivia na Guiné, como exprimiu por escrito:
“São muito interessantes as informações e o parecer de V. Sas. sobre este assunto, quer na generalidade, quer em particular sobre a administração do Estado nessa colónia.
Os governos não têm feito na Guiné, infelizmente, qualquer obra de fomento, nem grandiosa nem modesta, e as estradas inúteis não podem ser consideradas como obras de fomento.
Será certo que a influência comercial portuguesa na Guiné se tenha quase perdido, em proveito das casas estrangeiras, devido um pouco à nossa forçada retracção na concessão de créditos, era e ainda é indispensável seguir tal política, devendo atribuir-se este mal à falta de capitais próprios das empresas nacionais.
Se estas tivessem recursos seus, que pudessem constar como garantia para o nosso banco, jamais lhes negaríamos auxílio, que nunca regateámos àqueles que em condições aceitáveis no-lo demandam.
E as casas estrangeiras, se melhor concorrência tivessem do comércio tradicional, ver-se-iam obrigadas a aperfeiçoar a sua rede de instalações.
Quanto ao financiamento indispensável da Província, sabemos o que o governo central poderá fazer. A importância que poderia utilizar não poderia ser muito superior a 5 mil contos, que não daria para pôr a casa em ordem, e a colónia precisa, evidentemente, de melhoramentos que permitam um melhor aproveitamento das riquezas do seu solo.
De contrário, corre-se o risco de ver aumentar todos os dias o êxodo já tão grande dos seus indígenas que nas colónias vizinhas encontram meio mais favorável e compensador.
Não basta olhar ao problema financeiro. Ele está indissoluvelmente ligado ao problema económico e erro se nos afiguram em tentar separá-los.
Para tanto, importa começar a pensar no estabelecimento de certas indústrias, por forma a valorizar as exportações e a diminuir as importações; e, além disso, no estabelecimento de uma pauta mais racional e consentânea com os interesses nacionais.
O trabalho de V. Sas. foi por nós muito apreciado e assim o felicitamos”.
Imagem retirada do livro Guiné Portuguesa, II Volume, por Luís Carvalho Viegas, 1936
Em 19 de Julho de 1927, José Granger Pinto, com escritório em Bolama, envia a Francisco Vieira Machado, vice-governador do BNU uma longa missiva, recordando a velha amizade e recomendando-lhe atenção para o projeto do Casino Hotel em Bolama. Projeto esse que tem alguma elasticidade, já se falava na transferência a capital para Bissau, o Casino Hotel poderia ser construído aqui.
E começa aqui uma carta pessoal, há motivos sérios para a reproduzir tal como foi escrita:
“Vai certamente ficar admirado de eu me encontrar nestas paragens, mas um mau sócio comprometeu tudo quanto eu tinha, vejo-me na necessidade de recomeçar a vida. A transição da Alemanha e Bélgica para aqui foi bastante violenta, mas paciência.
Sua Excelência, o Governador, tem mostrado a melhor boa vontade em me auxiliar, já escreveu ao Dr. João Ulrich, que se encontra ausente, recomendando o meu projecto que, permite-me dizer, sendo construído em Bissau, com garantia pelo Governo de juro de 10% sobre o capital empregado é negócio seguro. Aquela cidade está tomando um desenvolvimento considerado, carecendo de um hotel e local aprazível aonde os negociantes do interior e viajantes encontrem conforto, durante os dias que são obrigados a permanecer ali.
Tomei esta iniciativa estimulado pelo Senhor Governador, a fim de aproveitar eficazmente todos os maquinismos que possuo, grupo eléctrico poderoso de 14HP, capaz de iluminar a cidade de Bissau, máquina de fabricar gelo, máquina cinematográfica e plateia completa para um cinema, faltando-me apenas o mais importante, que é o edifício adequado para a instalação destas máquinas.
Já me elegeram para Presidente da Associação Comercial, Vice-Presidente da Câmara e Delegado do Comércio junto da Comissão de Revisão de Pautas Aduaneiras, pelo que me tenho obrigado a fazer um pequeno estudo económico da colónia”.
Vieira Machado responde a 20 de Setembro e informa que se pensa em transferir a capital para Bissau, “foi resolvido sobrestar este assunto até que essa ideia se efective ou seja abandonada”. Logo prontamente José Granger Pinto volta à carga, conta o que anda a fazer:
“Por enquanto estou procurando a probabilidade de fornecer com o meu motor e dínamo luz eléctrica à cidade de Bolama, mas apesar da Câmara me pagar a instalação, tenho que adiantar o numerário necessário para adquirir o material, o que na ocasião não é possível. Já falei com o Sr. Machado, gerente do banco aqui, que me respondeu que embora a minha proposta não oferecesse risco ao banco e fosse de interesse público, não a podia atender, porque tem rigorosas instruções da direcção para não abrir créditos.
Conversando com o Sr. Governador, disse-me que se tivesse dinheiro do Crédito Agrícola mo forneceria, e que referisse o assunto ao meu amigo, que sendo possível não me deixaria de dar as facilidades necessárias desde que não haja risco para o Banco, pelo que tenho atrevimento de lhe falar sobre esta pretensão, visto a importância do crédito não ir além de 50 contos”.
Desconhecemos o desenlace deste pedido de empréstimo, mais adiante se volta ao assunto do Casino Hotel em Bissau.
Este mesmo ano de 1927 deverá ter sido de penúria e carestia para os projetos do Governo da Guiné, logo em Janeiro o Encarregado do Governo expede para o Gerente do BNU em Bolama o ofício com o seguinte teor:
“Encontrando-se actualmente esta Província numa situação deveras angustiada, proveniente da falta de numerário em cofre, situação que não pode ser resolvida enquanto pelo Governo da Metrópole não sejam dadas as providências já pedidas; e desejando satisfazer o pagamento de rações a pesos, doentes, soldados e assalariados e bem assim os vencimentos dos funcionários de categoria inferior a 1.º Oficial; rogo a V. Exª se digne autorizar um adiantamento de trezentos mil escudos, reembolsável com as primeiras receitas a entrarem, possivelmente no corrente mês, a fim de debelar a situação aflitiva em que se encontram os pequenos servidores do Estado entre os quais já lavra a fome”.
Imagem retirada do livro Guiné Portuguesa, I Volume, por Luís Carvalho Viegas, 1936
Viviam-se tempos terríveis, acrescia que era público e notório que Bissau começara a juntar os requisitos suficientes para pretender vir a ser a capital, a inquietação instalara-se em Bolama, e daí a extensa exposição que em 15 de Agosto de 1927 a Associação Comercial da Guiné envia ao Ministro das Colónias, juntamente com a Comissão Urbana da cidade de Bolama. É de facto um documento de iniludível importância, daí a larga referência que dele faremos.
É a possibilidade da mudança da capital da colónia que põe estes comerciantes ao rubro, mas iniciam a exposição com macieza:
“Não nos animam mesquinhos propósitos de bairrismo. Para nós esta questão não é uma questão de duas cidades disputando-se a primazia de serem a cidade principal da colónia. Podemos ter, é certo e decerto os temos interesses ligados a Bolama. Esses interesses são, de resto, os próprios interesses da colectividade e da qual o Estado não é mais do que a expressão jurídica. Mas procuramos ver o problema através do alto interesse da colónia. Para isso temos de considerá-lo à face da História, da situação geográfica, económica, financeira e sanitária da Província e até da política internacional”.
Procede-se a uma narrativa sobre a existência de capitais, o descobrimento da região, a sua ocupação, fala-se de Cacheu, de Bissau, da Ilha de Bolama e do conflito luso-britânico pela posse da ilha, e quanto à geografia mais indicada para a capital, seguem-se alguns parágrafos originais:
“Se fôssemos procurar um ponto equidistante de todos os centros da colónia, então não se fixaria a capital nem em Bolama nem em Bissau. Mediríamos o mapa da Província com o compasso e era a geometria e não as necessidades de ordem administrativa, política, económica e social que determinavam a sede. Seria sensivelmente Bissorã o meio, em Bissorã instalaríamos o Governo Provincial.
Haverá maior absurdo?
A Ilha de Bissau está separada do continente por um rio, o Impernal, na região dos Balantas. A Ilha de Bolama encontra-se separada do continente pelo mar. Mas é uma distância pequeníssima; de Bolama a S. João há uma distância menor que a do Terreiro do Paço a Cacilhas. Quer-se dizer que quem estiver em S. João, defronte da cidade de Bolama, está em toda a parte do continente.
A situação de Bolama permite comunicações rápidas com os principais pontos da colónia, tendo até o Governador Caroço projectado, com a construção de uma ponte no rio Corubal, a mais importante rede de estrada do continente que fica fronteiro a Bolama. Rigorosamente, estão a grande distância de Bolama as regiões de S. Domingos e Cacheu, apenas. Como, também, ficam a grande distância de Bissau as regiões de Cacine e Gabu…”
É claro que os subscritores louvam Bissau, recordam a riqueza da região de Cacine e o rico e fértil arquipélago dos Bijagós. Seria uma estragação gastar dez mil contos para instalar as repartições públicas em Bissau, abandonando as repartições públicas e as residências dos funcionários em Bolama, edifícios públicos que valem, numa avaliação muito por baixo, cerca de sete mil contos. A haver tal transferência de capital resultaria uma desvalorização da riqueza pública.
E há outra conveniência que parece subestimar-se quando se fala na mudança da capital para Bissau, a salubridade de Bolama, o clima saudável e aprazível de Bolama, e não falta à exposição uma pirueta literária:
“Bolama, com o seu ar de velho burgo, docemente ensombrada por altas árvores, que dir-se-ia estender-nos, ao chegarmos, os seus braços verdes e aconchegantes, com a sua fisionomia de velha cidade de província portuguesa, é inclusivamente pela atmosfera de quietude, de paz e de tranquilidade que nela se respira, a cidade mais indicada para a capital política da colónia”.
A exposição remata com uma conclusão cujas premissas já a anteveem:
“A situação económica, financeira e internacional da Província não aconselha, antes se opõe a essa transferência. Bolama vale para o Estado e para os colonos que há tantos anos nela labutam esforçadamente qualquer coisa como vinte mil contos. Se deixasse de ser a capital da colónia, morreria como meio social. É lícito abandonar esta velha terra portuguesa?”
(Continua)
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Notas do editor
Poste anterior de 10 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18911: Notas de leitura (1090): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (46) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 13 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18919: Notas de leitura (1091): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (2) (Mário Beja Santos)
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Guiné 61/74 - P18930: Toponímia de Lisboa: em dez nomes de "heróis do ultramar", consagrados nas ruas da capital no tempo do Estado Novo, em Olivais Velho, Benfica e Alcântara, 7 são de militares falecidos na Guiné e os restantes em Angola
Ilustração: Toponímia de Lisboa (2017) (com a devida vénia)
1. Toponímia de Lisboa é um blogue do Departamento de Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa – Núcleo de Toponímia, que se publica desde novembro de 2012. Nele fomos encontrar um artigo interessante sobre ruas, em Lisboa, com os nomes de "dez heróis do Ultramar", 3 falecidos em Angola e 7 na Guiné. [Contacto: toponimia@cm-lisboa.pt].
Com a devida vénia reproduzimos um extenso excerto desse poste:
Toponímia de Lisboa > 23 de Fevereiro de 2017 > Dez Heróis do Ultramar em Olivais Velho, Benfica e Alcântara
Este procedimento está justificado na Ata da reunião da Comissão Consultiva Municipal de Toponímia de 16 de junho de 1971 da seguinte forma:
[Olivais Velho:]
1 de Fevereiro de 2017 > A Guerra Colonial nascida há 56 anos, também no tabuleiro da Toponímia de Lisboa
14 de Fevereiro de 2017 > Quinze cidades e vilas de Moçambique na toponímia de Olivais Sul desde 4 de julho de 1967
16 de Fevereiro de 2017 > Doze cidades de Angola na toponímia de Olivais Sul desde 1969
Último poste da série > 12 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18917: Blogues da nossa blogosfera (99): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (18): Palavras e poesia
Vd. também poste de 16 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18927: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - Parte II: Em combate (n=139) (Jorge Araújo)
Dez anos após o início da Guerra Colonial, a edilidade lisboeta colocou através de um único Edital (22 de junho de 1971), de acordo com a legenda, dez «Heróis do Ultramar» em Olivais Velho, Benfica e Alcântara, «falecidos no Ultramar, em combate ao terrorismo», conforme se lê no despacho do Presidente da Câmara de então, Engº Santos e Castro.
Este procedimento está justificado na Ata da reunião da Comissão Consultiva Municipal de Toponímia de 16 de junho de 1971 da seguinte forma:
«Despacho de Sua Excelência o Presidente, solicitando parecer sobre a consagração na toponímia de Lisboa, dos nomes dos seguintes militares falecidos no Ultramar, em combate ao terrorismo : major aviador Figueiredo Rodrigues, alferes Mota da Costa, Carvalho Pereira e Santos Sasso, furriel Galrão Nogueira, soldados Rosa Guimarães, Santos Pereira e Purificação Chaves e marinheiros Correia Gomes e Manuel Viana. Considerando justificar-se plenamente uma homenagem à memória de tão heróicos militares e, tendo em vista a circunstância de os soldados e marinheiros não terem patente, a Comissão emite parecer favorável à consagração dos seus nomes».
[Olivais Velho:]
Os seis topónimos fixados em Olivais Velho foram:
Manuel Jorge Mota da Costa (Porto – freg. Cedofeita/14.05.1937 – 14.05.1961/Angola), alferes paraquedista da 1.ª Companhia de Caçadores Paraquedistas do Batalhão de Caçadores 21 em Angola onde chegou a 17 de abril de 1961 e onde faleceu menos de um mês depois no Bungo, aos 24 anos, condecorado a título póstumo com a Medalha de Prata de Valor Militar com palma, ficou no Impasse 1 do Plano de Urbanização de Olivais Velho.
- a Rua Alferes Mota da Costa/Herói de Ultramar/1937 – 1961,
- o Largo Américo Rosa Guimarães/Herói de Ultramar/1945 – 1967,
- a Rua Furriel Galrão Nogueira/Herói de Ultramar/ 1941 – 1965,
- a Rua Alferes Carvalho Pereira/Herói de Ultramar/1941 – 1966,
- a Rua Alferes Santos Sasso/Herói do Ultramar/1941 – 1965
- e a Rua Major Figueiredo Rodrigues/Herói de Ultramar/ 1939 – 1969.
Manuel Jorge Mota da Costa (Porto – freg. Cedofeita/14.05.1937 – 14.05.1961/Angola), alferes paraquedista da 1.ª Companhia de Caçadores Paraquedistas do Batalhão de Caçadores 21 em Angola onde chegou a 17 de abril de 1961 e onde faleceu menos de um mês depois no Bungo, aos 24 anos, condecorado a título póstumo com a Medalha de Prata de Valor Militar com palma, ficou no Impasse 1 do Plano de Urbanização de Olivais Velho.
O soldado Américo Rosa Guimarães (Oeiras/21.09.1945 -05.10.1967/Angola), condecorado postumamente com a Medalha de Cobre de Valor Militar com palma, também faleceu em Angola, aos 22 anos, e foi fixado no Impasse 2 do Plano de Urbanização de Olivais Velho.
Os outros quatro militares fixados em Olivais Velho faleceram na Guiné.
Os outros quatro militares fixados em Olivais Velho faleceram na Guiné.
O Furriel [Silvério] Galrão Nogueira (1941 – 1965/Guiné), falecido aos 24 anos, foi perpetuado no Impasse B do Plano de Urbanização de Olivais Velho.
Ao alferes miliciano de Infantaria José Alberto de Carvalho Pereira (Lisboa/13.02.1941 – 12.03.1966/Guiné), falecido aos 25 anos e condecorado a título póstumo com a Medalha de Cruz de Guerra de 3ª classe, coube-lhe o Impasse 3 do Plano de Urbanização de Olivais Velho.
O também alferes miliciano de Infantaria Mário Henrique dos Santos Sasso (Lisboa – freg. de Stª Engrácia/14.12.1941 – 05.12.1965/Guiné), da Companhia de Caçadores n.º 728, condecorado com a medalha de Cruz de Guerra de 3ª classe a 2 de julho de 1965 e falecido aos 23 anos, ficou no Impasse 3′ do Plano de Urbanização de Olivais Velho.
E por último, o major piloto aviador António de Figueiredo Rodrigues (Penalva do Castelo/01.01.1939 – 12.07.1969/Guiné) , falecido aos 30 anos, foi colocado na Rua A do Plano de Urbanização de Olivais Velho.
[Benfica:]
Em Benfica, homenagearam-se 3 militares falecidos na Guiné nos anos de 1964 e 1965, com a Rua José dos Santos Pereira/Herói do Ultramar/ 1943 – 1964, a Rua José da Purificação Chaves/Herói do Ultramar/1942 – 1964 e a Rua Manuel Correia Gomes/ Herói do Ultramar/1936 – 1965.
O soldado José dos Santos Pereira (Torres Vedras – A-dos-Cunhados/19.09.1943 – 15.12.1964/Guiné) faleceu aos 21 anos e foi condecorado, a título póstumo, com a Medalha da Cruz de Guerra de 2ª classe, tendo sido perpetuado na Rua C, à Estrada do Calhariz de Benfica (Quinta de Santa Teresinha).
Em Benfica, homenagearam-se 3 militares falecidos na Guiné nos anos de 1964 e 1965, com a Rua José dos Santos Pereira/Herói do Ultramar/ 1943 – 1964, a Rua José da Purificação Chaves/Herói do Ultramar/1942 – 1964 e a Rua Manuel Correia Gomes/ Herói do Ultramar/1936 – 1965.
O soldado José dos Santos Pereira (Torres Vedras – A-dos-Cunhados/19.09.1943 – 15.12.1964/Guiné) faleceu aos 21 anos e foi condecorado, a título póstumo, com a Medalha da Cruz de Guerra de 2ª classe, tendo sido perpetuado na Rua C, à Estrada do Calhariz de Benfica (Quinta de Santa Teresinha).
O soldado condutor Francisco José da Purificação Chaves (Loures/08.08.1942 – 24.01.1964/Guiné), falecido aos 21 anos na Ilha do Como e condecorado a título póstumo com a Medalha de Cruz de Guerra de 1ª Classe, ficou no Impasse I à Estrada do Calhariz de Benfica.
O marinheiro fuzileiro especial Manuel Correia Gomes (Vila Verde-Turiz/15.02.1936 – 14.03.1965/Guiné), falecido aos 29 anos e condecorado a título póstumo com a Medalha de Cruz de Guerra de 2ª classe, foi fixado no arruamento de acesso entre a Estrada do Calhariz de Benfica e o arruamento paralelo ao caminho de ferro (Quinta de Santa Teresinha).
Também encontramos a Rua José dos Santos Pereira, em Maceira, no Concelho de Torres Vedras, de onde este soldado era natural, bem como a Rua Francisco José Purificação Chaves em Loures, concelho de nascimento do soldado.
Também encontramos a Rua José dos Santos Pereira, em Maceira, no Concelho de Torres Vedras, de onde este soldado era natural, bem como a Rua Francisco José Purificação Chaves em Loures, concelho de nascimento do soldado.
[Alcântara:]
Finalmente, em Alcântara ficou a Rua Manuel Maria Viana/Herói de Ultramar/1944 – 1968, na Rua A à Travessa da Galé, também conhecida por Rua A à Avenida da Índia.
Finalmente, em Alcântara ficou a Rua Manuel Maria Viana/Herói de Ultramar/1944 – 1968, na Rua A à Travessa da Galé, também conhecida por Rua A à Avenida da Índia.
O marinheiro fuzileiro especial Manuel Maria Viana (Odemira – S. Teotónio/07.08.1944 – 16.08.1968/Angola), integrado no Destacamento n.º 2 de Fuzileiros Especiais faleceu aos 24 anos e foi condecorado a título póstumo com a Medalha de Cobre de Valor Militar, com palma. Em 1971 a Escola de Fuzileiros criou também o Prémio Manuel Viana, em sua honra, a ser atribuído anualmente ao aluno com melhor classificação nos cursos de aplicação do 1.º grau.
A maioria destes topónimos – oito – são exclusivos de Lisboa e não se encontram na toponímia de mais nenhum local do país, excepto nos 2 casos mencionados de homenagem prestada na terra natal.
A maioria destes topónimos – oito – são exclusivos de Lisboa e não se encontram na toponímia de mais nenhum local do país, excepto nos 2 casos mencionados de homenagem prestada na terra natal.
Ver também outros artigos relacionados:
14 de Fevereiro de 2017 > Quinze cidades e vilas de Moçambique na toponímia de Olivais Sul desde 4 de julho de 1967
[Revisão e fixação de texto: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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