Queridos amigos,
Faço notar que a coleção existente na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, no que concerne ao Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde e da Costa da Guiné tem falhas de números, da leitura dos Boletins disponíveis não procuro tirar qualquer conclusão ou demonstração, é notório o papel residual que desempenha a Costa da Guiné, também designada por Estabelecimentos de Cacheu e Bissau; falecido Honório Pereira Barreto, não se distingue nenhuma governação local, estamos em tempo de fomes e epidemias, de permanente insegurança dentro da Fortaleza de S. José de Amura e no relatório anual das obras públicas de Cabo Verde há menções ao estado de degradação da Fortaleza de Cacheu e a necessidade de fazer reparações; são referidos tratados de paz com régulos, insurreições, como se escreve em 9 de fevereiro de 1861, "em Cacheu deram-se algumas ocorrências devido ao estado semi-selvagem da classe baixa"; procurou-se melhorar a defesa e a segurança da Fortaleza de S. José de Bissau e em 1864 chega uma colónia cabo-verdiana enviada para o Rio Grande de Bolola, dará que falar, pela importância e dimensão do seu trabalho, virá a ser profundamente afetada pelas guerras que irão assolar o Forreá.
Um abraço do
Mário
Suplemento do Boletim Oficial de 21 de janeiro de 1862, dá-se a notícia do falecimento do Infante D. João, como já se dera a notícia dos falecimentos da rainha D. Estefânia e do seu marido, o rei D. Pedro V
Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1860 a 1864) (8)
Mário Beja Santos
Não é demais insistir que neste acervo que vou consultando do Boletim Official do Governo Geral da Província de Cabo Verde e Costa da Guiné (convém não esquecer que a Guiné, ou os Estabelecimentos de Cacheu e Bissau, só passará a província autónoma em 1879, a partir daí haverá Boletim Oficial da Colónia), a Guiné não tem qualquer relevância, isto é, tem valor alfandegário, enquanto viveu Honório Pereira Barreto as suas iniciativas eram tornadas públicas, o resto é quase paisagem, o que predomina é o que se passa em Santiago, no Mindelo, na Brava. Vejamos o que se pode respigar ainda no ano de 1860, há curiosidades que merecem registo. No n.º 62, de 16 de fevereiro, consta a Portaria 239 do Ministério da Marinha e Ultramar, nomeia-se o farmacêutico Júlio César Galião, para servir em Bissau por tempo de 3 anos, com os vencimentos de 1.º Farmacêutico da Província. Recorde-se que em tempo de epidemias e a febre amarela anda à solta. Na sucessão destas portarias, coloca-se um outro farmacêutico em Cabo Verde e mais adiante informa-se que seguem medicamentos e utensílios para a Botica de Bissau.
Do Boletim n.º 82, de 15 de dezembro, pela Portaria 276, o Governador Geral toma uma decisão por força de um ato solidário, como se escreve. O Juiz de Direito, José Maria Costa, tinha pedido que fosse diminuído o preço de carregamento, ou mesmo dispensado o frete, do arroz transportado de Bissau para a ilha Brava, o transporte era um iate, por ter sido aquele género obtido por subscrição e destinado a socorrer os indigentes da Brava, e sendo uma dádiva, o Governador determinava que fosse restituída a importância do referido frete de arroz.
Estamos agora em 9 de fevereiro de 1861, Boletim n.º 6, “as últimas notícias sobre o estado sanitário da Guiné foram recebidas pelo iate Bissau na cidade da Praia no mês de novembro de 1860. O Governador da Guiné Portuguesa recebeu fundadas denúncias de que os gentios premeditavam atacar a Praça de S. José de Bissau, felizmente longe de se darem demonstrações hostis, os régulos de Bandim e outros apresentaram-se ao Governador, protestando obediência. Em Cacheu deram-se algumas ocorrências devido ao estado semisselvagem da classe baixa, que alteraram por algum tempo o sossego público, hoje restabelecido.” E mais uma nota curiosa na mesma informação que veio da Praia: “Acerca de Bolama e Rio Grande, que atualmente nos são disputados, espera-se resolução superior definitiva, tão reclamada pela conservação e melhoramento das nossas colónias daquela parte de África. O estado sanitário da Guiné é satisfatório.”
Estamos agora em março de 1862, a Portaria n.º 45 prende-se à reorganização das forças militares e de segurança, exara o Governador Geral:
“Atendendo às circunstâncias especiais em que se acha esta Possessão, e à urgente e muito imperiosa necessidade de criar uma força pública que, auxiliando o destacamento de primeira linha, possa garantir a defesa e segurança desta Praça de S. José de Bissau, e permita que o referido destacamento seja todo empregado em quaisquer operações que se julgarem necessárias fora da mesma praça; tendo em vista a restrita obrigação que incumbe a todos os cidadãos de concorrerem para a defesa do Estado e conservação de qualquer território pertencente à Monarquia Portuguesa; atendendo mais a que será tido na devida consideração o apelo que por este modo se faz à povoação de Bissau, e achará o devido apoio do seu reconhecido patriotismo, interesse pelo bem público, tanto mais quanto tende à sua própria segurança e das suas propriedades, hei por conveniente, usando do voto de confiança dado o Conselho do Governo da Província e da autorização que me confere o Parágrafo 2.º do Artigo 15.º do Acto Adicional à Carta Constitucional da Monarquia, determinar o seguinte:
- Proceder-se-á imediatamente à organização de um corpo de infantaria de 2.ª Linha, com a denominação de Companhia de Voluntários de Bissau, com a força de um capitão comandante, dois tenentes, dois alferes, dois segundos-sargentos, um furriel, um corneteiro ou tambor, quatro cabos, quatro anspeçadas, e 60 soldados, sendo por este modo a totalidade da sua força 78 praças efectivas; a Companhia de Voluntários de Bissau, terá, por enquanto, pequeno uniforme em tudo igual ao do Batalhão de Artilharia da Província, tendo a única diferença de serem as golas e canhões de pano de azul-claro e não usarem vivos nas calças; o armamento desta Companhia terá como o de infantaria do Exército; o Governador dará as ordens e instruções para que sem perda de tempo se proceda ao alistamento e reuniões das praças que se apurarem para este importante serviço.”
Em portaria, logo a seguir, louva-se o comandante do Batalhão de Artilharia de 1.ª Linha, António Maria Maurity.
Estamos agora a 4 de janeiro de 1882, o Boletim Oficial n.º 1 dá notícia de quem são os Vogais da Comissão Municipal da Vila de Bissau, quatro efetivos e quatro substitutos, destaca-se o nome de João Marques de Barros, conhecido comerciante, familiar do cónego Marcelino Marques de Barros, notável figura da cultura guineense. Este ano é parco em notícias da Guiné, referem-se medidas sobre a defesa e segurança da fortaleza de S. José de Bissau, o movimento marítimo deixa claramente ver que o impor-expor está na mão de estrangeiros, há notícias sobre nomeações e exonerações do mais diverso tipo, caso de regedores de paróquia, são referidos acordos celebrados como o que aparece mencionado no Boletim Oficial de 14 de março “aprovado o tratado de paz celebrado entre o Governador da Guiné e os gentios de Cacheu”; não falta referência ao conserto do portão denominado da Puana, na tabanca que defende a Praça de Bissau.
Estamos chegados a 1883 e no Boletim Oficial n.º 13 temos um despacho do Governador Geral:
“Achando-se completamente desprovidos dos habitantes da Praça de Cacheu de pessoa que lhe aconselhe e prepare os medicamentos a que tenham de recorrer para debelar as frequentes doenças, que os acometem na naquele insalubre clima; cumprindo a este Governo Geral tomar todas as medidas que se tornem necessárias à Saúde Pública; atendendo ao que sobre tal objecto representaram os habitantes daquela Praça ao Governador da Guiné, encarrega-se Carlos Frederico Hopffer das funções de enfermeiro da Praça de Cacheu, recebendo o tal serviço a gratificação mensal de 20 mil reis.”
Entrara-se num novo ano e no Boletim Oficial n.º 11, de 26 de março, chama-se a atenção para a Portaria 68, assinada pelo Governador Geral, Carlos Augusto Franco, Cabo Verde volta a estar em grande sofrimento:
“Atendendo à necessidade de encaminhar a emigração, a que, na terrível crise alimentícia, se socorre uma grande parte dos habitantes deste arquipélago, a fim de fugirem aos efeitos da fome que o assola, e proporcionar-lhe, portanto, o sustento em outro ponto desta província, por forma de que futuro possa, pelo desenvolvimento da agricultura da mesma, ser compensado devidamente o sacrifício que fazem os seus cofres com tal despesa;
Hei por conveniente determinar que, com os indigentes que voluntariamente se prestarem a seguir para a Guiné Portuguesa e para ali forem transportados por conta do Estado, se estabeleça no mencionado ponto do Rio Grande de Bolola uma colónia com as seguintes condições:
- Todas as pessoas ou famílias fugindo aos horrores da fome, que atualmente sofre o arquipélago de Cabo Verde, e a quem o Governo tiver dado passagem por conta do Estado para a Guiné, chegando àquela Possessão e não tenham meios de prover à sua subsistência, serão para ali mandados na qualidade de colonos;
- Os colonos destinados àquele território sujeitar-se-ão desde a data da sua chegada ali e por cinco anos à seguintes condições: deverão concorrer para a defesa da mesma colónia, contra todos os ataques de qualquer inimigo; comparecerão todos os domingos e dias santificados para terem uma inspeção pessoal passada pelo chefe da colónia, e assistirem aos ofícios divinos, quando para os mesmos possa ser mandado um sacerdote; serão mandados e obrigados a mandar os seus filhos e filhas às escolas de ensino primário logo que o Governo as estabelecer; ficarão sujeitos à obrigação de prestarem mútuo auxílio aos trabalhos rurais, e nos de edificação das habitações destinadas ao seu primeiro estabelecimento; aos indivíduos que voluntariamente desejarem fazer parte da colónia se dará passagem por conta do Governo, sendo competentemente abonados de mantimentos; receberão ração diária desde o dia do seu desembarque e durante seis meses, ou por todo o tempo que decorrer até à primeira colheita, etc., etc.”
(continua)
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Notas do editor:
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