quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25801: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (54): Acção Bacará (Golpe de mão a Amina Dala), 13 de Julho de 1970



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


ACÇÃO BACARÁ (GOLPE DE MÃO A AMINA DALA)

13 DE JULHO DE 1970

Saímos no dia 12 para fazer o "golpe de mão", mas como o percurso demorou mais tempo do que o previsto tivemos que regressar ao quartel.

Voltamos no dia seguinte, dia 13.
Já repararam nas datas?
Voltou a coincidir com as datas das vésperas e das aparições em Fátima?

Perto do objectivo o 1.º grupo de combate ficou emboscado para proteger a retirada do 4.º grupo de combate, que foi fazer o golpe de mão.

Chegados ao objetivo, os militares do 4.º grupo de combate entraram nas moranças e capturaram os elementos da população.
Além da população também apanhamos tudo o que pudesse ter interesse ou fosse suspeito.

Eu não entrei nas moranças. Fiquei com um pequeno grupo de soldados para guardar os elementos capturados nas moranças. Contei 39 elementos, entre homens, mulheres, jovens e crianças mas admito que tenha ficado algum por contar.

Saímos rapidamente, porque tínhamos a informação de haver um bigrupo naquela zona.

Era uma zona de bolanhas que evitamos fazendo o regresso pela orla da mata para não sermos facilmente detetados e estarmos mais protegidos.
O furriel Justino comandava a última secção composta por uma esquadra nossa e alguns soldados milícias.

Algumas vezes o furriel Justino pediu para pararmos, porque ouvia barulhos suspeitos e queria certificar-se do que se tratava.

Neste trajeto, ouvimos o ruído de um helicóptero que, pela direcção seguida, devia dirigir-se para o Olossato.
Como esta acção previa a presença de 1 heli-canhão em alerta no Olossato, o pessoal ficou mais tranquilo, pois podia socorrer-nos em caso de sermos atacados.

Após 3 ou 4 paragens por causa do barulho que se ouvia atrás de nós, fomos surpreendidos por um grupo de guerrilheiros que corriam pela berma da bolanha, ao nosso lado, provavelmente para nos alcançar e atacar.
Como seguíamos por dentro da mata, não fomos detetados. O IN estava ao nosso lado, a cerca de 20/30 metros de nós.
Avisei o capitão que deu ordem de fazer fogo e os "turras" de prováveis atacantes passaram a ser atacados.

Os guerrilheiros responderam com RPG's e armas ligeiras.

O capitão enquanto dava ordens, ia lançando granadas de mão e o IN atirava as roquetadas para as palmeiras atrás do capitão.
Disse-lhe para sair dali e se proteger, mas ele calmamente disse para não me preocupar com ele e para nós nos protegermos.

Como é "habitual" nestas situações o rádio RACAL não funcionou - quando havia contactos com o PAIGC os rádios raramente funcionavam. Penso que o problema não era dos rádios, mas sim dos nervos/medo dos operadores de rádio.
Valeu-nos o "banana"=AVP1 que contactou o Olossato.

O alferes Pimentel ao ouvir as armas e pela direção donde vinham deduziu que era a nossa Companhia a "embrulhar".
Pegou na carta/mapa da zona onde tínhamos ido e correu para a pista, onde o heli-canhão tinha acabado de pousar.
Deu a carta/mapa e as coordenadas ao piloto e lá foi o heli ao nosso encontro.

O heli voando baixo, aproximou-se do local e pediu a nossa posição e a posição do IN.
Após a nossa resposta, disse que já nos tinha visto e ia atacar o grupo inimigo.

As munições do heli-canhão que eram explosivas e incendiárias provocaram a fuga do IN.

Depois de fazer o reconhecimento da zona, disse que podíamos regressar pelas bolanhas, porque ia acompanhar-nos, voando por cima do nosso grupo, e evitando a volta muito maior e mais cansativa, se fosse feita pela mata.

Durante o contacto fugiram alguns populares, pelo que só chegaram 37 ao Olossato - Mesmo assim, Missão com muito bons resultados.

Quando o grupo de combate que fez a proteção chegou ao quartel, alguns desses elementos disseram aos soldados do meu grupo de combate que, quando estavam emboscados, viram passar o grupo IN mas não o intercetaram.

Como o alferes, comandante do meu grupo, não tomou posição, falei no caso ao capitão, que após "averiguações" disse-me que tinha havido "desinformação", porque o comandante do outro grupo negou terem visto o IN.

Enfim, já sabemos que "quem tem cu tem medo".

Até aceito que o outro grupo de combate tenha evitado o contacto - Só tínhamos 3 meses de comissão - mas não aceito que pelo "rádio" não nos tenha informado que "passou" ou "+areceu que passou" um grupo IN.
Com este aviso já não seríamos surpreendidos.

Felizmente não fomos surpreendidos, porque detetamos a aproximação do grupo IN.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 25 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25776: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (53): Operação Jaguar Vermelho - III: dia 1 de Junho de 1970

Guiné 61/74 - P25800: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (7): "ocupação do território", mandam eles...


Lisboa > Jantar de Natal 2007 > Os quatro magníficos da CART 1690, todos eles alferes milicianos... Ao fundo, estão o Domingos Maçarico, à esquerda, e o Alfredo Reis, à direita. Em primeiro plano, está o António Moreira , à esquerda, e o António Marques Lopes, à direita.  Todos eles feridos em combate, com exceção do Moreira. No livro, são respetivamente Zé Pedro, Aprígio, Castro e Aiveca.

Com os  quatro agora juntos na Tabanca Grande, a CART 1690 fez o pleno em matéria de alferes milicianos... Profissionalmente,  o Moreira é advogado; o Maçarico engenheiro agrónomo; e o Reis, veterinário.  Presumo que estejam todos reformados. E, de boa saúde, espero eu. 

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2007). Todos os direit
os reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1  Estamos a reproduzir alguns excertos do melhor que o  A. Marques Lopes escreveu, nomeadaente no seu livro de memórias "Cabra Cega" (*).

Seguimos, respeitando-a,  a seleção que ele próprio fez na sua página do Facebook, na postagem de 14 de outubro de 2022, às 16: 20: aqui a narrativa era já feita na 1ª pessoa do singular, assumindo o autor que o "Aiveca" do livro (edição de 2015) era o seu "alter ego", ou seja, o alferes Lopes  

O Lopes e os outros alferes (nesta data, ainda mantinha 
os nomes fictícios dos seus 3 camaradas; Castro, Aprígio e Zé Pedro) da companhia, a CART 1690 (que ele nunca identifica), foram  colocados no subsetor de Geba, em 1967. E andam há já meses no mato, O diálogo que se segue é a uma conversa, que tende a azedar, entre eles e o capitão, Mendonça (na realidade, o cap inf Manuel Guimarães. que irá morrer, na estrada Geba-Banjara, em 21 de agosto de 1967, na sequência de deflagração de uma mina A/C, que também irá ferir gravcemente o A. Marques Lopes).

Este excerto correponde às pp. 414/421 do livro "Cabra Cega".


Ocupação do território, mandam eles...

por A. Marques Lopes (1944-2024)


(...) Depois desta operação, comecei a pensar se não era melhor propor ao Mendonça que me mandasse para um destacamento, um qualquer, em substituição do Castro ou do Aprígio. 

Tinha chegado à Guiné no fim de Abril, estava a meio de Julho, e já tinha gramado oito operações. Não era propriamente cansaço, descansara sempre entre elas. O que estava era farto, era isso. Sempre a ver tabancas destruídas ou a ser destruídas, a ver matar e a saber que matavam. Até eu tinha matado também. Outra como a Jigajoga, então, nem pensar. Não queria voltar a isso.

 
– Estou farto disto. Vou pedir ao Mendonça para me mandar para um destacamento –  abri-me com o Zé Pedro.

 Estás parvo, pá.

– Parvo, porquê?

– Os gajos estão lá isolados, cercados de arame farpado. Têm de amochar sem poder sair. Vá lá que o Aprígio tem alguma sorte porque tem uma tabanca ao pé e pode ver algumas bajudas.

– Quero lá saber. O isolamento não me perturba nada. Estava mais sossegado, podia ler uns livrinhos e escrever. Não me importava nada. Aliás, é o que mais desejo agora.

- Ias estar sossegado? Não penses nisso. Depois destas movimentações todas em que estão a ser apertados não há-de tardar muito que os comecem a atacar.

– Isso também não me importa. Prefiro ser atacado estando dentro de um abrigo e com arame farpado entre mim e eles. É melhor do que levar com morteiradas na cabeça a céu aberto e sem saber, a maior parte das vezes, se os gajos estão ou não já em cima de mim.

– Não sei se é melhor: Poder sair quando se quiser, andar por aqui à volta, ir até ao batalhão e ao Agrupamento, e mesmo andar no meio do mato, dá um sentimento de liberdade que não se tem quando amarrado sempre num só local.

Nesse mês de Julho o Mendonça ainda me mandou para mais três operações.
A primeira foi lixada, só porque o meu grupo de combate é que teve de fazer toda a picagem do itinerário em direcção ao destacamento do Castro. Os milícias tinham sido avisados, na véspera, para fazerem a picagem duas horas antes da coluna móvel iniciar a marcha. Mas a tabanca deles fora atacada nessa noite, sendo quase totalmente destruída, e eles não picaram. Foram várias horas a passo de caracol sob grandes chuvadas, com as ATM e GMC atrás em para e arranca. O Mendonça ainda tentara via PRC10 dizer ao Castro para ele fazer uma picagem a partir do destacamento dele até se encontrarem. Mas as comunicações não funcionaram. Foi estafante.

 É uma merda, mas não temos condições  – acabou por dizer-me com ar agastado, depois de chegarem.  – Era para irmos pelo mesmo percurso, aquele em que rebentou a armadilha, mas desta vez você ia mesmo até à base deles. Foram os gajos, de certeza, que atacaram a tabanca. Mas levaria várias horas e teria de regressar à noite

De arma a tiracolo, soergui os braços, cruzei os dedos das mãos e disse interiormente "Ótimo, haja Deus"

–  O meu capitão sabe, claro, das dificuldades da primeira operação do capitão Lindolfo, não é? E não era só um grupo de combate, o meu, era uma companhia reforçada, portanto. A segunda, com mais contingente, o dobro, e com manobra bem planeada, já teve sucesso, mesmo assim com vários feridos. Por isso, meu capitão, não entendo como é que o Agrupamento insiste assim nisto com um grupo tão pequeno. Ainda por cima sem qualquer tipo de apoio. De helicóptero, por exemplo. Estou-me a lembrar dos feridos desta última vez.

–  Ó Lopes, não confunda as coisas. O papel das companhias como a do Lindolfo e do Guilhermino é intervir, por isso lhes chamam de intervenção, isto é, realizar grandes operações em áreas onde as companhias que lá estão não podem fazer, para isso têm os apoios necessários. E essas companhias não o podem fazer porque têm que estar repartidas para a ocupação dessas áreas, como é o nosso caso. Temos uma área que não é pequena, são cerca de mil e seiscentos quilómetros quadrados.

Fiquei espantado com a área da quadrícula, nunca tinha pensado nisso. Veio-me logo à cabeça que aquilo só podia ser de e para gajos com paranóia. Ainda por cima naquela mata. Estava para manifestar o meu espanto mas o Castro, que estava ao pé, antecipou-se. Aproveitara o Mendonça estar com a garrafa de cerveja na boca, desta vez não trouxera whisky.

– Ó meu capitão, ocupar   
 abanou cabeça ceticamente  –   quer-se dizer... Eu ocupo este lugarzito aqui, o que está dentro do arame farpado, a quarenta quilómetros da sede da companhia, o Aprígio ocupa outro lugarzito da mesma maneira e também a quarenta quilómetros. Vocês, quando vêm aqui ou vão ao Aprígio vêm sempre com muitas cautelas e interrogações, pois sabem que podem apanhar com minas e emboscadas. Quer dizer que daqui e do sítio do Aprígio até à sede não se ocupa nada. Que raio de ocupação é esta, meu capitão?

Eu não estava a conhecer o Castro todo prafrentex, todo decidido a cumprir sem dúvidas a sua missão de guerra. Esta não parecia dele. Apesar do isolamento e daquela floresta toda à volta parecia estar a ver melhor. Ou era capaz de ser isso mesmo que o obrigava a ter que ver mais longe, para além da cortina de ideias feitas que lhe ensombrava a cabeça. Mas o Mendonça pareceu não gostar.

 
– Não esteja com essas merdas porque você não percebe nada disto  –  e remexeu na pasta onde levava o mapa.

– Olha mais outro ignorante, afinal não sou só eu 
–  pensei e ri-me. 

O Castro olhou-me a pensar que estava a rir-me dele. Abanei a mão direita em sinal de não enquanto o Mendonça tinha os olhos na pasta.

– Até lhe vou ler isto para você saber o que é ocupação.

O Mendonça tinha já um papel na mão que, pela forma do que tinha escrito, parecia uma mensagem.

 – Assegurar a ocupação territorial do Sector. Detecta, vigia ou captura elementos ou grupos suspeitos de subversão que se hajam infiltrado ou constituído no sector, impedindo que a subversão alastre. Captura ou aniquila os rebeldes que se venham a revelar, destruindo as suas instalações ou meios de vida e restabelece a autoridade e a ordem nas regiões afectadas.

–  Está a perceber?  
 continuou depois de ler. É assim que fazemos a ocupação, é esta a nossa missão. E não só na zona da sede da companhia mas também aqui onde você está e onde está o Aprígio. Os locais onde estão servem-nos precisamente para apoio na execução dessa missão nas zonas onde estão. Foi, por exemplo, o que eu e o Lopes fizemos outro dia e devíamos fazer hoje.

O Castro ficara embatucado e não disse nada. Eu já tinha bebido três cervejas e estava naquele estado em que me dava vontade de falar. O que o capitão lera era a conversa estereotipada, o ram-ram que vinha em todas as ordens de operação que já lera. Não lhe ia dizer que eram tretas. Era o que achava mas não lhe ia dizer assim senão ele chamava-lhe também de ignorante e continuava com aquele tipo de conversa. Mas tinha que o entalar, tinha de lhe fazer ver que não era parvo.

– Pois é isso, meu capitão, acho que é isso. É a ideia que nos transmitiam lá na metrópole, o Salazar e o Governo, as tais acções de policiamento em que andávamos envolvidos. Apanhar os gajos que pensamos que são turras, dar-lhes umas tareias se for preciso para eles arrepiarem caminho, e até limpar o sebo aos mais renitentes. Também pegar fogo às casas deles, destruir as suas culturas, os tais meios de subsistência. Tudo isso para que os gajos amochem e não ajudem a subversão. Isso acho que podemos fazer. O problema é quando eles estão armados, e até acho que estão bem armados, já pude constatar isso.

O Mendonça estava calado e de olhar draconiano. O Castro estava estupefacto e pensei que devia ser pela crueza da minha descrição. Mas decidi continuar a apertar com o capitão.

– Se calhar é por isso que nunca ouvi falar em acções de policiamento lá em Mafra, só diziam que nos preparavam para a guerra. E, olhe meu capitão, até acho que foi bom porque eu pelo menos já andei metido nela e, naquela vez que sabe, quase me ia lixando. E outra coisa, meu capitão: andar por aí à cata deles, para baixo e para cima, sem conseguir nada porque eles só se mostram quando querem e vêem que nos podem lixar, o que é que adianta? Ou mesmo quando, outro dia, fomos lá acima queimar umas tabancas e destruir instalações deles. Nunca mais lá vamos voltar, se calhar, os gajos vão reconstruir tudo e continuar. Não me parece que é assim que estejamos a ocupar território, nem a restabelecer a autoridade e a ordem, como diz essa mensagem do Agrupamento.

Os olhos do Mendonça chispavam brasa e estava vermelho. Agarrava a garrafa com força parecendo querer parti-la.

 Isso é conversa dos comunistas! Acabou!   disse de forma imperativa.

– Comunistas?! Sei lá o que é isso de comunistas, meu capitão. Estávamos aqui a conversar e eu só estava a dizer o que penso.

Sabia bem de que eram acusados os comunistas, mas estava apenas a dizer o que me parecia que era. O Capitão levantou-se de modo abrupto, quase fazendo cair a garrafa ainda meia de cerveja, e apontou-me o indicador da mão direita.

 
– Daqui para a frente ponha-se a pau comigo porque eu vou estar atento a esse tipo de conversas.

Virou-me as costas e foi para onde estava o meu grupo de combate. O Castro ficara mudo, parecia aturdido. Ouvi o Mendonça dar ordem para subirem para as viaturas e levantei-me.

– Aguenta-te – disse em tom de despedida ao Castro– passa bem que eu tenho de ir andando. (...)

(Seleção, revisão / fixação de texto, título, negritos: LG)
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Guiné 61/74 - P25799: (In)citações (268): Horizontes da Memória (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 30 de Julho de 2024 com mais um texto, desta feita alusivo aos Horizontes da Memória.

Horizontes da Memória

Programa audiovisual de história do dr. José Hermano Saraiva, o plágio do título serve a minha liberdade de “heresias” e os meus devaneios das tardes deste verão, no disfrute dos 0,35€ diários da minha pensão de combatente...

Neste mês de julho de 2024 faz 60 anos que o Benguela, cargueiro de transporte de gado - com o currículo de navio negreiro, tinha transportado milhares de angolanos e moçambicanos para os trabalhos forçados nas roças de cacau e nas obras públicas de S. Tomé e Príncipe -, desatracou do Cais da Rocha do Conde de Óbidos cheio como um ovo, 900 militares ou carne para canhão na Guerra da Guiné (o meu batalhão mais uns pelotões independentes), partilhavam na harmonia possível os seus três porões com viaturas auto, armamento, obuses de artilharia e bombas de avião. Singrou nos caminhos marítimos de Bartolomeu Dias, Vaco da Gama, Nuno Tristão, etc., portugueses de antigamente, fomos desestivados na ponte-cais de Bissau, carregamos ao ombro o “saco-chouriço” com todos os nossos bens e o Forte da Amura foi o nosso destino.
N/M Benguela - Com a devida vénia a Dicionário de Navios Portugueses

Cumprido um ano de “intervenção às ordens de Comando-chefe”, a fazer a guerra por Bula, Morés, Talicó, S. João, Fulacunda, Cafine, Cacine, Cufar, Buba, Jncassol, Porto Gole e por outros lugares menores onde o inimigo andasse, fomos parar a quadrícula de Buruntuma, tabanca fronteiriça no extremo Leste, onde sobrevivemos quase outro ano – se até aí atuamos como “tropa especial” e móvel sem o ser, de camião, de lanchas LDM e de avião Dakota, à média duma operação por semana, naquela fronteira com a GConacry chegamos a dar batalha três vezes ao dia, o inimigo abundava do outro lado, e sempre com o mesmo à-vontade, a lançar granadas de mão, a metralhar com a G3, a Breda, a bazuca, os morteiros e o canhão s/r 10,7 NATO, - é que o Domingos Ramos, comandante da Frente Leste do inimigo tinha sido nosso camarada, ele tinha tirocinado em Pequim e nós na Fonte da Telha era a nossa diferença…

A guerra é a mãe de tudo, profetizou Heráclito de Éfeso. Faz 60 anos que fomos para a Guiné, não acabamos com a sua guerra, mas a sua guerra acabou com muitos de nós, o MFA não foi gerado com esse propósito, mas nasceu come ele e realizou-o há 50 anos – acabou com a guerra da Guiné para a malta do Portugal europeu, mas legou uma ainda mais mortífera aos guineenses. Amílcar Cabral queixava-se de sermos seus ocupantes ilegais há 500 anos, os seus naturais queixam-se dos 500 anos que andamos a iludi-los…

Para nós, a guerra do Ultramar começou em 1961, para os nossos antepassados começou com a gesta do infante D. Henrique, os 500 anos da sua longevidade alimentaram-se do sangue dos homens e do coração das mulheres, a mesma classe castrense da sustentabilidade desses 500 anos foi que sustentou os 50 anos de longevidade do regime político contra o qual virou as armas – que esconjurou o regime, superou o mantra da guerra civil, que criou a via pacífica e que entregou o destino do país ao Povo são realidades e verdades históricas.

O dia 25A aconteceu “inteiro e limpo”, funcionou como catarse do stresse da guerra da Guiné, também surfei as ondas da euforias, a emergência das derivas e o desvario do PREC encurtou-me essa felicidade, li bastante sobre a guerra civil espanhola, ainda visionei prédios com o andar destruído por granadas lançadas pelo vizinho de cima, deixar em paz a caçadeira Benelli das caçadas às perdizes nas ladeiras do Douro e nas planícies do Alentejo e ter de regressar à G3 nessa contingência foi um grande pesadelo, o 25N dos corajosos foi a terapia das disfunções aos ideais do 25A e esconjurou a perda da felicidade adquirida.

As celebrações das efemérides da mudança de regime pelas armas quando exorbitantes são divisionistas, sem prejuízo de merecedoras, mas numa justa medida. O regime anterior celebrava o 28 de maio, não raro com pompa e circunstância, mas sem decreto de feriado nacional, o regime democrático tem o dever de celebrar condignamente as datas do 5 de outubro, do 25 de abril e do 25 de novembro, mas sem decretos de feriados nacionais. Para quando a celebração das datas institucionais nacionais? Estamos à espera sentados. O Norte fundou a nossa nacionalidade no Castelo de Faria, em 25 de abril de 1127, independência do reino e de Portugal foi conquistada no Castelo de Guimarães em 24 de junho de 1128, os portugueses usaram a mobilidade para a sua dilatação até Coimbra, naturalmente, Lisboa é uma das conquistas do Norte – e há demasiado tempo os conquistadores se deixaram oprimir pelos conquistados…

O 5 de outubro foi um golpe de Estado, celebra a queda do regime, a monarquia fundou e construiu Portugal ao longo de quase 800 anos, em 1910 já era constitucional e evolutiva, na esteira das monarquias inglesas e nórdicas, nações das mais avançadas do mundo. As valas da desgraça foram cavadas pela primeira República, o Estado Novo nem será o seu pior legado, o 25 de Abril foi um golpe de Estado à imagem e semelhança do de 5 de outubro, aquele foi patriótico, de reação ao ultimato inglês ao Mapa Cor-de-Rosa e este iniciou-se corporativo, de reação à equiparação dos capitães milicianos aos direitos e sinecuras da estática classe dos capitães do QP.

Neste mês de julho de 2024 há outras efemérides: a do encontro do MFA da Guiné no mato do Oio com o PAIGC de Conacry, no contexto da sua manobra da capitulação militar; e a Lei 7/74 da Descolonização, que Freitas do Amaral explicitou e o general Spínola promulgou… A Quarta Comissão da ONU havia atestado a sua semana de vilegiatura pelos 2/3 da Guiné libertados e que o PAIGC os governava como Estado aos seus pares de Nova Iorque, o MFA não encontrou ninguém dele em Bissau, aquele partido armado era tão prestável para os encontros a tiro e aquele partido-armado demorou duas semanas a disponibilizar um delegado e em Morés, - sítio indelével na minha memória, foi uma operação de dar e levar muita porrada, escorraçamos uma grande manada de vacas, os jatos F84 (ou 86?) matavam-nas à rajada e nós varejávamos as laranjeiras com os canos das G3, o inimigo foi expropriadas das laranjeiras, mas aquelas rustáceas do Morés ainda esperam que cumpramos as ordens aéreas e terrestres do seu abate à catana ou com fogueiras aos pés.

As respetivas manifestações recomendam parcimónia, deixemos Salazar, Caetano, Tomás e os outros estar bem mortos, a paráfrase da cantautora Ana Lua Caiano tanto serve a razão como o erro. A antropologia política e social à parte (é bicicleta do Luís Graça), chamo os consequentistas à colação: o 25A foi um acontecimento de libertação, o MFA foi o ator principal da segunda maior derrota dos 800 anos da História de Portugal (a primeira foi em Alcácer Quibir), o 25 de Novembro da maioria foi o 25 de abri-2 para todos, todos, todos!

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Nota do editor

Último post da série de 24 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25678: (In)citações (267): Compensações às colónias (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

quarta-feira, 31 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25798: Historiografia da presença portuguesa em África (434): Na sua "Memória - Sobre a Prioridade dos Descobrimentos Portugueses na Costa da África Ocidental, Para servir de ilustração À Crónica da Conquista da Guiné de Zurara"; Paris, Livraria Portuguesa de J. -P. Aillaud,1841, o 2.º Visconde de Santarém refuta os falsos argumentos da França sobre a Guiné (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Fevereiro de 2024:

Queridos amigos,
Creio que a chamada Questão do Casamansa tem vindo a ser tratada aqui no blogue com uma certa pertinência. É uma trágica sequela de um período de indiscutível abandono da nossa presença nesta região de África, houvera a formal abolição da escravatura, a França não escondia o seu apetite de estar presente e comerciar em exclusivo no território que corresponde ao Senegal, a Inglaterra também reivindicou a sua presença, forjou a Gâmbia, assentou arraiais na Serra Leoa, a Senegâmbia Portuguesa foi ficando cada vez mais espalmada e sempre disputada, os franceses pretenderam mesmo dominar Bissau, os régulos locais repudiaram-nos, quiseram também o Ilhéu do Rei, deu trabalho a afastá-los; os ingleses tudo fizeram para colonizar Bolama. Em termos de negociações diplomáticas, Paris teve a ousadia de argumentar com a presença dos normandos na região, em meados do século XIV. Vivendo em Paris, onde deixou um legado científico de incalculável valor, o 2.º Visconde de Santarém elaborou uma Memória que deitou por terra a falaciosa justificação francesa para se apoderar do Casamansa. É uma síntese dessa Memória que aqui se faz referência, tenho para mim que é peça fundamental para o estudo da presença portuguesa na Guiné.

Um abraço do
Mário



O 2.º Visconde de Santarém refuta os falsos argumentos da França sobre a Guiné

Mário Beja Santos

O 2.º Visconde de Santarém é uma das mais notáveis figuras da cultura portuguesa da primeira metade do século XIX, investigador distintíssimo na cartografia e nas análises feitas ao período dos Descobrimentos portugueses, mormente na África Ocidental. A sua "Memória - Sobre a Prioridade dos Descobrimentos Portugueses na Costa da África Ocidental, para servir de ilustração à Crónica da Conquista da Guiné de Zurara", publicada em Paris, na Livraria Portuguesa de J. -P. Aillaud, em 1841, é sem margem para dúvidas o documento mais incisivo que serviu para refutar os alegados fundamentos de diplomacia francesa de que este país fora o primeiro a chegar a esta região da costa africana. O Visconde de Santarém, devido à sua fidelidade ao ideário miguelista, exilou-se em Paris depois da Convenção de Évora Monte, não mais voltou a Portugal, recusou o convite que D. Pedro IV lhe fez para regressar. Estudioso emérito, dedicou-se à cartografia, deve-se-lhe a descoberta na Biblioteca Nacional de Paris da Crónica de Zurara onde supostamente se retém a imagem do Infante D. Henrique, e conhecedor da falaciosa argumentação francesa sobre a sua presença anterior à dos portugueses na costa africana, atirou-se ao trabalho, o resultado é esta Memória, peça fundamental para o estudo da presença portuguesa na região.

Veja-se sumariamente a argumentação do investigador, o rigor da sua fundamentação, e como ela pôs cobro às falsidades e devaneios de pretensos historiadores franceses.

Até aos fins do século XVI nenhum escritor estrangeiro nos disputou a prioridade dos nossos Descobrimentos na Costa Ocidental de África, somente no meado do século XVII apresentou um certo Villant de Bellefond, viajante francês, reclamando, sem prova alguma, a prioridade daqueles Descobrimentos a favor dos marítimos de Dieppe, que, segundo ele, tinham fundado estabelecimentos na Guiné, em 1364. Vários escritores o copiaram depois, e posto que os mais sábios geógrafos de todas as nações que escreveram depois de Villant, e mesmo alguns dos franceses, não admitiram aquela suposta prioridade; contudo, três obras importantes, publicadas nestes últimos anos em França, vieram de novo ressuscitar a pretensão da dita suposta prioridade dos Descobrimentos dos marítimos de Dieppe, fundando-se principalmente na relação daquele viajante do meado do século XVII.

Restabelecer, pois, os factos, e mostrar com documentos de indubitável fé que a tal pretendida prioridade dos Descobrimentos dos marítimos de Dieppe do século XIV é insustentável, tal é o objeto da presente Memória.

Fala o autor francês dos navios destes portos de Dieppe que devastaram todos os países desde o Elba ao estreito de Gibraltar, e que estes normandos terão limitado as suas navegações aos confins da Mauritânia.

É um facto histórico de indubitável fé que os peninsulares ibéricos sujeitos aos árabes e cristãos passaram frequentes vezes a África. Não se pode sustentar à vista destes factos que os normandos desde a sua aparição no século IX, onde só apareceram como piratas, pudessem ter estabelecido relações comerciais com África; os portugueses instruíram-se na geografia de África nas escolas árabes que existiam na Península, principalmente durante a dinastia Omíada.

A data publicada pelos autores que referem a presença normanda é de 1365 e o Visconde de Santarém responde:
“Recorremos a documentos autênticos que provam que já antes de 1336 tínhamos começado as nossas navegações além do Cabo Não. Se acaso aqueles supostos estabelecimentos franceses tivessem ali sido fundados em 1385, como eles dizem, teriam sido indicados nas minuciosas cartas feitas imediatamente depois, e pelo menos a parte hidrográfica daquelas costas ali se acharia marcada, mas, pelo contrário, na carta de Piziani de 1367 não se encontra o menor vestígio do conhecimento daquele país.
As reações comerciais de um povo europeu, no estado em que se achava a Europa no século XIV não se podiam ocultar das outras nações, e muito menos a dos marítimos da Normandia se podiam ocultar aos portugueses que naquele século ali comerciavam.”


O Visconde de Santarém vem seguidamente argumentar com o texto da Crónica da Guiné de Zurara e enfatiza a sua argumentação anterior.

Nenhum escritor estrangeiro do século XV e ainda de quase todo o XVI disputou aos portugueses a prioridade dos seus Descobrimentos além do Cabo Bojador e da fundação dos estabelecimentos na Costa da África Ocidental.

Só depois do meado do século XVII, um certo Villant de Bellefond, que fez viagem à Costa da Guiné em 1666 e 1667, cuja relação dedicou a Colbert, julgou propósito, sem citar documento nem prova alguma das que exige a verdade histórica, indicar que os marítimos de Dieppe tinham sido os primeiros descobridores da Guiné, onde haviam fundado estabelecimentos em 1365.

É a parte capital e a mais demolidora da refutação que o aristocrata faz às teses sem pés nem cabeça de quem pretendia uma argumentação a favor da presença francesa, isto para demonstrar como eram legítimas as reivindicações da França para dominar o comércio no Casamansa. Não querendo cansar o leitor, avanço com exemplos dados pelo eminente cartógrafo.

Na carta de África do Atlas inédito feito por João Rotz, natural de Dieppe, e que este cosmógrafo desenhara para o rei de França, como diz na dedicatória, mas que ofereceu depois a Henrique VIII de Inglaterra, Atlas que é datado de 1542, e que é pintado em 18 grandes peles de pergaminho, toda a nomenclatura hidrográfica que se lê na costa de África Ocidental é portuguesa, e não faz menção entre ela do Petit Dieppe ou Lestro de Paris. Em um outro Atlas hidrográfico desenhado em Dieppe em 1547, composto de 15 cartas, por Nicolau Vallard, de Dieppe, o qual pertenceu ao príncipe de Tallyrand, toda a nomenclatura geográfica é portuguesa.

Prosseguindo toda a sua argumentação, o Visconde de Santarém refuta as teses inventadas e que a diplomacia francesa brandia nas conversações com o Governo de Lisboa. Argumentação manhosa em toda a linha, começa-se por dizer que é inquestionável a presença portuguesa em Ziguinchor, funda-se um tanto à sorrelfa uma feitoria, ergue-se Carabane, foi um nunca mais parar de posse do Casamansa, onde lamentavelmente se ia apagando a presença portuguesa. E tudo se consumou com a Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, a questão do Casamansa voltava-se definitivamente contra nós. E tudo começara com expedientes e mentiras que o Visconde de Santarém denunciou neste seu fabuloso documento editado em 1841, mas que não teve o condão de abrandar a ganância dos franceses.

Gomes Eanes de Zurara, tal como aparece idealizado na estátua de Luís de Camões, no Chiado
Carta hidrográfica da Guiné Portuguesa, 1844
Retrato do 2.º Visconde de Santarém, Manuel Francisco de Barros e Sousa da Mesquita de Macedo de Leitão e Carvalhosa, 1791-1856, na Sociedade de Geografia de Lisboa
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Nota do editor

Último post da série de 24 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25774: Historiografia da presença portuguesa em África (433): Fortunato de Almeida e a Guiné antes de 1920 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25797: (De)Caras (214): Cecílica Supico Pinto: a "líder carismática" do Movimento Nacional Feminino, com acesso privilegiado a Salazar, que veio preocupadíssima com a situação na Guiné, na véspera do 25 de Abril de 1974

 

Foto nº "34. Cilinha no porto de Lisboa na despedir-se de militares que partiam para as 'províncias ultyramarinas'. O MNF apoiava moralemnet os soldados na frente de batalha, mas não esquecia o apoio às famílias que ficavam na retaguarda.  (Arquivo do Diário de Notícias)".

Foto nº "37. Acompanhada pela Comissão Central do MNF, Cilinha fala aos jornalsitas sobre as atividades do Movimento" (Serviço do Arquivo de Lisboa / DGARQ / CPF/ MC / SEC / AG/01- 171/1546AR.)" (A Renata Cuha e Costa, vice-presidente do MNF, é a terceira a contar da direita.)

Fot nº "33. O presidente da Câmara de Lisboa, general França Borges,com algumas senhoras do MNF. dirante a receçãpo que lhes ofereceu em Montes Claros por ocasio do primeiro congresso daquele organismo, 1966. (Serviço do Arquivo de Lisboa / DGARQ / CPF/ MC / SEC / AG/ 01- 171/1586AR.)"



Foto nº "37. Condecorada com a medalha de prata do Mérito Femino pelo ministro do Exército, coronel Joaquim Luz Cunha, por ocasião do sexto aniversário do MNF, 1967. (Serviço do Arquivo de Lisboa / DGARQ / CPF / MC / SNI / RP /03- 6704/56410.)".


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Foto nº "42. Oliveira Salazar apreciava a alegria e frontalidadfe de Cecília Supico Pinto que considerava 'um verdadeiro príncipe'.  Foi uma das últimas pessoas a vê-lo com vida. (Arquivo do Diário de Notícias)".

Fotos selecionadas e reeditadas pelo blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024), com a devida vénia


Capa do livro de Sílvia Espírito-Santo, “Cecília Supico Pinto: o rosto do movimento nacional feminino”. Lisboa: A Esfera do Livro, 2008, 222 pp.



1. Confidenciou a Cecília Supico Pinto (Lisboa, 1921 - Cascais, 2012) à sua biógrafa, Sofia Espírito-Santo (op cit, pág., 98):

(...) "O Dr. Salazar gostava que eu lhe contasse tudo o que via e ouvia e acreditava em mim porque sabia que eu não tinha medo de lhe dizer a verdadae, doesse a quem doesse! No fim dizia-me sempre: 'Para que quer a menina que eu vá a Angola se a menina ma traz aqui? ' " (..:)


Não duvidamos da autencidade desta confidência: Cecília Supico Pinto não foi "la Pasionaria" do regime salazarista, mas podia tê-lo sido... Tinha, inegavelmente, algumas qualidades pessoais, como por exemplo a liderança carismática, o charme, a elegância, a educação, a coragem, a coerência, a dupla elevação (física e moral) de algumas (poucas) mulheres da elite portuguesa da época: por exemplo, era mais alta que muitos homens e que a generalidades das mulheres portuguesas... (Vejam-se as fotos acima.)

De qualquer modo, o que nos chamou mais atenção, nesta seleção de fotos que tomámos a liberdade de fazer (com a devida vénia à Sílvia Espírito-Santo) foi a legenda da foto nº 34, que serve de imagem da capa do seu livro.

Por mensagm de 22/07/2024, 08:31, o João Sacôto, ex-alf mil at inf, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/66), legendou a fot0 nº 34, do seguinte modo:

"Nesta fotografia estão: da esquerda para a direita: (i) o comandante do Batalhão de Caçadores 619, coronel Matias; (ii) o alf mil Montes (da CCAÇ 616, que foi para Empada); (iii) outro alferes, da CCAÇ 616 de que não me lembro o nome; (iv) a D. Cecília Supico Pinto; (v) outra cara desconhecida; (vi) o major Jesus Correia, 2º. comandante do BCAÇ 619; (vii) e finalmente outra cara de que me não recordo."

Falando ao telefone, com o meu amigo e vizinho de Ferrel, Peniche, Joaquim Jorge, ex-alf mil da CCAÇ 616 (Empada, 1964/66), ele confirmou que o Montes foi seu camarada: Fernando Paulo Montes, mais tarde médico de clínica geral, no SNS. Vivia em Sesimbra, chegou a ir aos primeiros encontros anuais da malta. Depois perdeu-lhe o contacto. Já morreu, infelizmente, de cancro.

2. O Joaquim Jorge também me confirma, para surpresa minha, que a Cilinha esteve em Empada em 1964 ou 1965, "já uns meses depois de o batalhão ter chegado". Não podia ter sido em 1966, uma vez que o BCAÇ 619 embarcou para Lisboa, a 27 de janeiro. Até agora, só tínhamos referenciado quatro visitas da "Cilinha" à Guiné: 1966, 1969, 1973 e 1974.

A Guiné será, entretanto, a última visita que ela fará, ao serviço do Movimento Nacional Feminino,  já a escassas semanas do 25 de Abril de 1974. Foi lá que tomou contacto com o livro do general Spínola, "Portugal e o Futuro" (que achou "nada de especial nem sequer bem escrito") (pág. 182).

Veio de lá com sentimentos contraditórios, tendo de imediato partilhado, ao telefone, com o Ministro da Defesa, Silva Cunha, os seus temores:

(...) As coisas não estão nada brilhantes, venho preocupadíssima da Guiné, também estive em Angola e Moçambique, o senhor sabe que eles comigo abrem-se e não fazem qualquer cerimónia. E vou dizer-lhe mais, eu parece-me que não sou uma pessoa com falta de coragem, tenho andado debaixo de fogo,tenho ido aos sítios mais complicados, mas não tenho é vocação para mártir e ou vocês fazem realmente qualquer coisa, realizam que isto está muito grave ou isto acaba mal. Como lhe digo não tenho vocação para mártir" (...) (Cecília Supico Pinto, Cascais, 22 de novembro de 2004, em entrevista dada à Sílvia Espírito-Santo, op. cit., 2008, pág. 183.)


Contrariamente a Salazar, de quem era íntima (e por isso amada e odiada dentro do próprio regime), a "Cilinha" não manteve com Marcello Caetano a mesma relação pessoal de mútua admiração e confiança. "Salazar era mais forte que Marcelo" (pág. 178).

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25765: (De) Caras (304): Não conheci pessoalmente o cap inf Manuel Aurélio Trindade, último cmdt da 4ª CCAÇ e primeiro cmdt da CCAÇ 6 (Rui Santos, ex-alf mil, 4ª CCAÇ e CIM Bolama, Bedanda e Bolama, 1963/65)

Guiné 61/74 - P25796: Lições de artilharia para os infantes (12): Recordo que nas primeiras regulações de tiro “acertávamos “ ao 2° e 3° tiro (Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 / GA 7, Bissau, 1969/71; ex-cmdt 22º Pel Art, Fulacunda, 1969/70)


Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 / GA 7, Bissau, 1969/71; foi comandante do 22º Pel Art, em Fulacunda (1969/70); nasceu em Castelo Branco, trabalhou na Lisnave, vive em Almada; tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue.



1. Comentário. de 27 de julho de 2024, 15;09,  de Dominmgos Robalo, publicado nossa página do Facebook, e relativo ao poste P25781 (*):

Caro camarada e amigo Tabanca Grande Luís Graça, caro Coronel, Sr. Morais Silva. Desculpem-me a informalidade.

É sempre interessante acompanhar matérias que fizeram parte do nosso quotidiano da “guerra do ultramar “. Pessoalmente, sou sempre um entusiasta na matéria. Com a idade as memórias mais remotas vão ficando mais presentes.

Li o escrito pelo Sr. Coronel e não podia deixar de concordar em absoluto. Provavelmente ter- nos-emos cruzado em algum momento numa destas ocasiões; Mansabá/1970, onde fui fazer uma “carta de tiro” com o então Capitão Fradique, por pertencermos, no CTIG, à BAC1/GAC7/GA7, comandada, na época, pelo Capitão José Augusto Moura Soares, na BAC1, ou na última sessão de tiro na Bataria da AC, no Forte da Raposa/Fonte da Telha. 

No CTIG , fiz cartas de tiro para muitos dos PEL ART distribuídos pelo TO. A maioria dessa cartas de tiro foram precedidas de “regulação de tiro” com observação aérea. A maioria delas, efetuadas com o então Capitão Viriato Osório e outras acompanhando os Capitães Fradique, Pereira Rodrigues e até pelo meu Comandante Moura Soares. 

Já depois da passagem de Bataria para Grupo, acompanhei uma vez o novo Comandante, Tenente Coronel, Ferreira da Silva, que tinha sido 2° Comandante do RALIS, no período em que estive nesta Unidade, 10 meses, antes de ser mobilizado para o CTIG.

Nas regulações de tiro efetuadas fomos confirmando que, regularmente, o tiro tinha um alcance superior em cerca de 10%, face às distâncias indicadas nas tabelas de tiro de cada um dos obuses; 8,8cm; 10,5cm; 14cm e peça 11,4cm.

Fazíamos fé na cartografia a 1:50000, muitas vezes por nós confirmadas. Recordo que nas primeiras regulações de tiro “acertávamos “ ao 2° e 3° tiro. Com acertos e correções que íamos fazendo; temperatura atmosférica, humidade, vento e condições das cargas de cordite os tiros acertavam à primeira. 

No tempo das chuvas, tínhamos o cuidado de preparar cargas mais secas. Aliás, recordo de um dia ter sido mandado a um PEL ART, porque uma granada do 10,5cm ficou “presa” no tubo. Uma carga sete e uma corda com 15 ou 20 metros , protegido por uma árvore resolveu o assunto. Não utilizãmos a peça de madeira que se ajustava geometricamente à espoleta, por receio do percutor ter sido armado durante a curta rotação que a granada fez no tubo durante o disparo falhado.

De realçar o cuidado na preparação do tiro, não só no registo do elementos retirados da carta, como também na introdução desses elementos para a pontaria com o goniómetro bússola. A propósito disto, o Coronel Ferreira da Silva teve um problema numa regularização de tiro, sem acompanhamento aéreo, tendo vindo a cair uma granada numa Tabanca próxima do alvo, causando mortos. Coisas causadas pelos efeitos colaterais

Por hoje é tudo,

Desculpem o tempo que vos “ roubei”.

Um abraço ao amigo Luís, com desejo de saúde,
O meu Cumprimento ao sr. Coronel Morais Silva
Domingos Robalo, combatente
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Guiné 61/74 - P25795: II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL) - Parte VIII: Antigamente só de cavalo ou a pé, hoje já há "motores" e "carretas"...para chegar às montanhas de Liquiçá



Foto nº 1 > Timor Leste > Liquiçá > Manati > Boebau > Escola de São Francisco de Assis > 2020


Foto nº 2 > Timor Leste > Díli  > 2016 >   João Moniz Sobral ("Eustáquio") e Rui Chamusco


Foto nº 2 > Timor Leste > Díli >  2020 > "Eustáquio", esposa  (já falecida) e os seus quatro filhos (um dos rapazes, vive e trabhalha no Reino Unido)


Foto nº 4 > Timor Leste >  s/l > 2014 > Um paisagem da montanha

Fotos da página do Facebook do João Moniz, com a devida vénia
 


1. Continuação da publicação de uma seleção das crónicas do Rui Chamusco, respeitantes à sua segunda estadia em Timor Leste (janeiro / julho de 2018) (*).

Membro da nossa Tabanca Grande desde 10 de maio último, é cofundador e líder da ASTIL (Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste), criada em 2015 e com sede em Coimbra. Professor de música, do ensino secundário, reformado, natural do Sabugal, e a viver na Lourinhã, o Rui tem-se dedicado de alma e coração aos projetos que a ASTIL tem desenvolvido no longínquo território de Timor-Leste.

Nesta viagem (e estadia, de cinco meses), o Rui Chamusco partiu para Timor, em 25 de janeiro de 2018, com o seu amigo, luso-timorense, Gaspar Sobral, cofundador também da ASTIL. 

Em Dili ele costuma ficar na casa do Eustáquio (alcunha de João Moniz), irmão (mais novo) do Gaspar Sobral, e que andou, com a irmã mais nova, a mãe e mais duas pessoas amigas da família, durante três anos e meio, refugiado nas montanhas de Liquiçá, logo a seguir à invasão e ocupação do território pelas tropas indonésias (em 7 de dezembro de 1975). Tinha "apenas" 14 anos, o valente Eustáquio, hoje viúvo e pai de quatro filhos.

Poucos de nós conhecem os últimos 100 anos da história de Timor... Estas crónicas do nosso amigo Rui Chamusco são um bom contributo para a gente saber algo mais sobre o povo, irmão, de Timor Leste. Que, afinal de contas, continua no nosso imaginário: somos da geração que aprendeu a ouvir (e a dizer) que Portugal ia "do Minho a Timor"...


II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL)

Parte VIII - Antigamente só de cavalo ou a pé, hoje já há "motores" e "carretas"...para chegar às montanhas de Liquiçá 



Dia 19.04.2018, quinta feira  - Quem ao mais alto sobe...



O amigo Cesáreo, que já é pai de três filhos, tem uma agilidade impressionante. Em conversa informal apercebeu-se de que eu estava desejoso de beber a água de coco. E, de repente, prontificou-se a subir a um alto coqueiro para deitar abaixo uns quantos frutos a fim de saciar a minha sede. 

Por mais que eu insistisse para não o fazer devido aos riscos que corria, ele depressa trepou e, lá nas alturas, munido de catana, decepou uns quantos frutos mais maduros, que em alta velocidade atingiram o chão. Cá em baixo, eu mais umas quantas crianças esperávamos com ansiedade que o Cesáreo descesse a fim de preparar para todos nós a deliciosa bebida. 

Claro que não esquecemos de guardar alguns para o Gaspar e o Eustáquio que durante esta tarde iriam chegar.


Chegada do Gaspar e do Eustáquio

Telefonaram a dizer que vinham hoje. E assim foi. Mais ou menos pelas seis horas da tarde, enquanto um grupo de crianças e alguns adultos soletrava as frases da pequena brochura “Grão a grão” (oferta do BNU Timor) e ensaiava o hino da escola, um “motor” dá sinal de chegada ao local. 

Com facilidade nos demos conta que eram os amigos Eustáquio e Gaspar. Foram de imediato surpreendidos ao serem recebidos ao som do hino, e vai daí a s fotos e gravações para a publicidade.

Claro que, estando eu sozinho há alguns dias, e nem o meu tetum nem o português dos residentes sendo fluente, fiquei muito contente com o regresso dos meus amigos. Mas dizem os de cá que aprendem melhor comigo o português, talvez devido à carência de entendimento e ao esforço que para tal fazemos. 

De qualquer maneira, bem vindos ao nosso meio. Sempre é bom desenferrujar a língua através de uma conversa corrente. Contar histórias, recordações, anedotas faz bem a toda a gente. Momentos de bom humor e de descontração fazem-nos muito bem. Amanhã outras lides nos esperam.


20.04.2018, sexta feira - Os esplendores da natureza


Se há coisa que nos encanta nesta terra são os esplendores da mãe natureza. Logo de manhã ao nascer do dia, são as “laudes” ao Criador. O sol nascente faz-nos o convite; as aves do céu começam os seus louvores; os animais da terra expressam a sua alegria. 

Cantam os galos, grunhem os porcos, ladram os cães...e os homens? Quase todos ainda dormem. Tenho por hábito deitar cedo e cedo erguer. Talvez por isso é me dado contemplar coisas que outros não vêem.

Durante a tarde levantou-se um temporal impressionante. O irmão vento parecia querer levar tudo e todos com a força do seu sopro. Todos resistiram... Foi me depois explicado que, sempre que há mudança de estação, e aqui em Timor são duas (inverno e verão),  acontece este fenómeno. É a despedida do inverno. 

Ao fim de vinte e quatro horas o vento amainou, e a vida continua. Agora já em tempo de verão, de mais seca, usufruindo de todas as vantagens que esta estação do ano nos proporciona. Por paradoxo, aqui as noites são mais frescas no verão do que no inverno. De resto mal se sente a mudança. Lá para o mês de Setembro/Outubro voltaremos ao inverno.


A horta do Cesáreo


Já perto da ribeira de Laoeli, o Cesáreo tem uma horta onde cultiva particularmente a folha “malus” que lhe vai dando algum rendimento económico. Já lhe tinha feito crer que eu desejava visitar o local para ver a sua cultivação. 

Hoje de tarde, depois do almoço, o Cesáreo, a sua filha Cesantina, o Eustáquio e eu pusemo-nos a caminho descendo a íngreme encosta até ao local do destino. Com acessos muito difíceis por veredas e matos espessos lá fomos descendo com redobrados cuidados, não fosse a cobra temida aparecer e morder. Não houve novidades. Chegamos todos bem, junto à casa da irmã do Cesáreo, que é a casa da família. Foi um regalo ver com os olhos e tocar com as mãos aquelas folhas que, na cultura timorense tanto valor têm. 

Retemperados com um café acolhedor e com a carne de um galo que o Cesáreo apanhou com mestria, acompanhada do habitual arroz, e depois de tirarmos algumas fotos, retomamos o caminho de subida, bem mais duro que o da decida. Animava-me a pequena Cesantina, uma criança de sete anos que, sem qualquer dificuldade e qual cabrita saltitante me abria o caminho. E eu, muito satisfeito comigo mesmo, por ter alcançado o que queria.


Exposição “Lameta”

Tinha prometido ao amigo João Crisóstomo: "Logo que volte a Boebau, vamos fazer a exposição na escola São Francisco". 

Por isso, estes dias e sobretudo hoje tivemos a preocupação de preparar a exposição. Ideias e mais ideias, e chegou-se à decisão de como fazer. Na sala de Nossa Senhora de Fátima foram explanadas as folhas que reúnem os documentos desta colação, de modo a estar tudo pronto para amanhã, depois da reunião geral, todos serem convidados a visitá-la.

“Lameta” é o nome que identifica o movimento criado pelo João e que quer dizer Movimento Luso Americano para a Autodeterminação de Timor Leste. Esta exposição é um complemento do livro Lameta, e que pretende dar a conhecer aos seus visitantes o desconhecido contributo das comunidades luso-americanas em causas de interesse para a humanidade: independência de Timor Leste, Gravuras do Vale do Côa, o “Dia da Consciência” dedicado a Aristides de Sousa Mendes. 

Esta é a terceira feita em terras timorenses, mas esperamos fazer ainda mais duas ou três. É um contributo importante para a memória coletiva timorense. Para finalizar informo que esta coleção faz parte do património da Escola de São Francisco em Boebau, pois o João Crisóstomo fez questão que assim fosse através de uma dedicatória, deixando assim para trás importantes pretendentes. Obrigado, João!...


21.04.2018, sábado - Reunião importante


Todas as reuniões são importantes. Mas esta reveste-se de uma importância especial pois trata-se de, em Assembleia, dar os passos necessários para a criação dsa ASTIL BM (Associação de Amigos de Timor Leste de Boebau/Manati), que será o suporte legal para o registo da escola de São Francisco.

Ao ritmo timorense, ou seja uma hora depois da hora prevista,  iniciamos as reunião às dezasseis horas que se prolongou por toda a tarde. No intervalo visitou-se a exposição Lameta, que muitos apreciaram.

Depois dos esclarecimentos necessários às intervenções solicitadas, foram aprovados os corpos sociais desta associação. A partir de agora a ASTILBM será a entidade responsável pela escola e por ouras atividades afins de suporte à mesma. Seguem-se as diligências para o registo da associação e da escola.

Votaram as propostas 46 pessoas. Depois dos compromissos assumidos seguiram-se as respetivas assinaturas.

Em conclusão direi que onde há grupos humanos haverá sempre alguns problemas e maus entendimentos, mas nada que não se resolva com uma boa explicação. Fiquei edificado com o civismo desta gente, interveniente e participativa, sempre com o objetivo de ajudar a encontrar soluções. (...)


22.04.2018, domingo - Os irmãos Zé e Nando (AbôZé e AbôNando)


Desta ninguém estava à espera. Então não é que agora os dois irmãos, devidamente combinados, nos exigem que compremos o terreno onde está construída a escola, terreno que desde o início nos teria sido dado para tal efeito?

Como para registar a escola precisamos de um documento assinado pelos doadores, á noite em família tentou-se proceder a tal, mas sem êxito. Foi então que se descobriu a razão do bloqueio: o terreno terá de ser pago. Como não havia outra solução e é urgente proceder ao registo, lá tivemos que aceitar o negócio dos vendedores. Vá lá a gente entender-se! Oportunistas também existem por cá.

Ficou-nos um amargo de boca que custa a engolir. Mas talvez tenha sido a melhor solução. Assim ninguém poderá dizer que o terreno não é nosso, pois existe um documento que prova a sua compra. Deus muitas vezes escreve direito por linhas tortas.

Dia 23.04.2018, segunda feira - As dificuldades de comunicação


Não é só a estrada/caminho de acesso. Talvez do que mais falta nos faz aqui é de corrente elétrica. Os fracos painéis solares não resolvem o problema. Não conseguem carregar um telemóvel. Muito menos aguentam a carga de um computador. A quem está habituado às novas tecnologias faz uma falta enorme. Estar duas semanas sem poder comunicar com os amigos, sem consultar a internet, o facebook, o whatsApp,  é difícil, mas sobrevivemos.

Prometeram que a eletricidade viria em breve, e até já têm os postes metálicos espalhados junto ao caminho, mas não sabemos se esta brevidade vai durar anos, como outras coisas já começadas e que nunca mais terminam. Seria uma boa prenda de Natal se o Menino Jesus deste ano já pudesse ser iluminado com a luz dos homens. Veremos, com ou sem luz artificial, porque a luz divina não falha.

Estamos em campanha eleitoral, e todos os candidatos fazem promessas ao povo que, na sua maioria, sabemos de antemão não irão ser cumpridas. Pode ser que haja algum salvador para esta gente. Assim o esperamos.



 Timor Leste > Um país montanhoso, de paisagens luxuriantes... A muitos sítios no interior (como Liquiçá, Manati, Boebau), só se consegue chegar de "motor" (motorizada), mesmo que o "pendura", em muitos troços, tenha que ir a "penantes" (como é o caso, aqui, do Rui Chamusco, a mochila às costas; "ser solidário" não é pera doce...)

Foto: © Rui Chamusco (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Dia 24.04.2018, terça feira  - Carreta, o transporte da montanha


Dizem que até nisto já houve evolução. Antigamente só de cavalo ou a pé. Hoje, embora com muitas dificuldades, viajam motas “motores”, carros (muito poucos) e carretas. 

A carreta é uma camionete de carga com adaptações na carroçaria a fim de facilitar a alguns passageiros poderem ir sentados ou agarrados nos saltos contínuos e imprevistos. 

Uma pequena empresa está montada em torno deste negócio, que todos os dias percorre estes difíceis caminhos de montanha. Logo de manhã, nos sítios do costume, vêm-se mercadorias, pessoas e animais que esperam a chegada do desejado transporte. À sua chegada tudo se apronta para carregar os seus pertences, com calma e descontração natural. Na paragem que me foi dado presenciar até houve tempo para convidar o condutor a beber o café. E ninguém se chateia porque aqui ninguém tem pressa. 

Reparamos então que havia um passageiro dificílimo, que não quereria viajar daquele modo: um porco já carregado e atado dentro de um saco conseguiu safar-se da carga, saltando e fugindo pelos espaços adjacentes. Era um festival de riso, com tanta gente atrás do porquinho que não conseguiu os seus objetivos. Foi recolocado no seu lugar com vigilância redobrada.

A carreta partiu para Liquiçá, sem saber ao certo a que horas chegará. Porque o imprevisto pode acontecer: um furo, árvores de grande porte caídas nos caminhos, resvalos, patinagens, etc... Talvez daqui a cinco horas possa chegar ao seu destino. É difícil, mas é assim.

Regresso a Dili

Chegou o dia de descermos da montanha. Combinamos a companhia, eu com o Eustáquio e o Gaspar com o Zé, e por volta das dez horas ajeitam-se as trouxas, ligam-se os motores e aí vamos nós. 

Pelo menos três horas de caminho nos separam de Ailok Laran, o nosso destino. Sabemos que vamos chegar todos partidos, mas a força interior supera a força física. “Que força é essa, que força é essa?” cantamos nós, lembrando a canção do Sérgio Godinho.

O inesperado acontece. Devido ao mau jeito da mala que transportava a exposição “Lameta” num dos buracos difíceis de contornar, a moto resvalou e, quase adivinhando o que nos iria acontecer, fomos ao chão. 

Alguma preocupação de quem estaria aleijado, mas pronto nos apercebemos de que nada de grave tinha acontecido. Umas dores no cotovelo e pulso direito, uns arranhões leves e toca a levantar do chão, que foi das coisas mais custosas devido ao peso da mochila e ao corpo mal ajeitado que me vai suportando. 

Deu para tudo: apreensão, risos, comentários, etc, etc... Tenho pena que o Eustáquio, pela primeira vez na sua vida tenha deixado ir a mota ao chão. Eu fui em parte o grande culpado. Espero que me perdoe.

Por volta das treze horas chegamos finalmente a casa, onde o almoço já nos esperava. A seguir, nada como um bom descanso, que este corpinho já meio gasto bem agradece.

(C0ntinua)

(Título, seleção de excertos, revisão / fixação de texto, negritos: LG)

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Nota do editor: