sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2350: Estórias cabralianas (28): O Hipopótamo, as Formigas e o Prisioneiro (Jorge Cabral)

O Jorge Cabral, nosso querido amigo e camarada, foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, primeiro em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71.

É autor da série Estórias Cabralianas (1), uma das mais populares do nosso blogue.


Hoje mandou-nos mais uma das suas deliciosas short stories em que é especialista.


O Hipopótamo, As Formigas e o Prisioneiro
por Jorge Cabral


Guiné-Bissau > Áreas Protegidas > Parque Nacional de Orango, na parte sul do Arquipélago dos Bijagós > Um hipopótamos e a sua cria (2).


Fonte: Guiné-Bissau, página da AD - Acção para o Desenvolvimento (2006) (com a devida vénia...)


Nem me lembro qual o Periquito que se apresentou naquele dia em Fá. Mas sei que ao anoitecer, saiu, equipado e armado, cumprindo a minha ordem. Objectivo: caçar um hipopótamo.

Levámos morteiro, bazuca, e para impressionar o novo combatente, até picámos o curtíssimo trajecto, que nos separava do rio. Perto da margem, emboscámos, vigiando as águas.

Para o Periquito era certo. Brancos e negros, já o tinham convencido, que todos os meses, caçávamos um enorme bicho.
- Ainda no mês passado, foi um elefante - afiançara-lhe o Monteiro.

Uma hora se passou porém, sem qualquer vislumbre do hipopótamo, embora o pira continuasse atentamente a espiar o rio, animado pelos incentivos dos outros, que inventando indícios e sinais, lhe garantiam:
- Está quase!

Eis quando em vez do paquiderme, surgem as ferozes formigas, cuja predilecção testicular era nossa conhecida. Atacado nos ditos, o Periquito uivou de dor, aos saltos, e obedeceu aos nossos conselhos
– Entra na água... Entra na água... senão eles caem!

O espalhafato, o barulho, a confusão, foram tão grandes que um turra acabado de cambar o rio, se entregou, julgando-se descoberto.

No dia seguinte, frente ao Sampaio (3), relatei com pompa e circunstância, a captura. Sim, com base em informações fidedignas, montara a emboscada. Do Hipopótamo, das Formigas, do Periquito, nem uma palavra.
- O Cabral é assim, um operacional de mão cheia - confidenciou depois o Major, ao Comandante (4)…


Jorge Cabral

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. último post da série:

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2204: Estórias cabralianas (27): Turra desenfiado encontra Alferes entornado (Jorge Cabral)


(2) Nunca vi um hipopótamo na Guiné, morto ou vivo... Não tive/tivémos tempo para fazer... turismo. Mas não creio que existissem no Rio Geba, pelo menos no Geba Estreito... A sua existência era referenciada no Rio Corubal, onde seriam abundantes, mas onde nós, pelo menos no meu/nosso tempo (1969/71) não punhamos os pés... a não ser armados até aos dentes e com apoio aéreo...

Passados estes anos todos, os hipopótamos são uma das muitas espécies ameaçadas na Guiné-Bissau e em muitos outros países africanos ... O nosso camarada A. Marques Lopes acaba de nos mandar uma notícia, da Angola Press, que refere o risco de extinção dos hipótamos e outras espécies de grande porte... Aqui vai a notícia, com a devida vénia (e a nossa preocupação: porque sem o hipopótamo da Guiné, ficamos todos mais pobres, ao planeta, a África, a Guiné, nós e os nossos amigos guineenses, que já são pobres de tudo):


Guiné-Bissau: Mamíferos de grande porte em vias de extinção, diz especialista

Bissau, 13/12 - Mamíferos de grande porte, que até há pouco tempo existiam na Guiné-Bissau em abundância, estão em vias de extinção devido à pressão do homem, disse, quarta-feira, Cristina Silva, especialista em espécies.

Cristina Silva é a coordenadora para a acção de seguimento das espécies no Instituto da Biodiversidade e Áreas Protegidas (IBAP), da Guiné-Bissau, que hoje comemorou o seu terceiro aniversário, tendo como pano de fundo a preocupação sobre a protecção da fauna e flora do país.De acordo com a especialista, os "grandes mamíferos" como o leão, a onça e oelefante, são hoje espécies "extremamente ameaçadas" de extinção devido à acção dos seres humanos. Por exemplo, os poucos elefantes que restaram são vistos esporadicamente nas florestas de Boé, no leste e em Cantanhez, no sul, explicou Cristina Silva, sublinhando que estes apenas aparecem nas épocas chuvosas.

"O último recenseamento apontava para a existência de apenas três casais de onças na zona do Boé", declarou Cristina Silva, um registo que contraria os dados de há dez anos, indicando que havia entre 50 a 100 seres dessa espécie.

Em 2004, foi realizado um registo nacional dos hipopótamos, em seis das sete áreas protegidas na Guiné-Bissau, tendo sido recenseados entre 500 a 1000 seres daquela espécie, mas o último recenseamento realizado recentementeapontou para menos de 500, adiantou Cristina Silva.

De todas as sub-espécies de animais, os ungulados, isto é, búfalos e cabras do mato, "são as que correm o risco de extinção" por constar da dieta alimentar de grande parte da população rural guineense, afirmou aespecialista.

O director do IBAP, Alfredo António da Silva, lamentou o facto do país não estar ainda dotado de legislação para a protecção das áreas protegidas eespécies ameaçadas de extinção.

in Angola Press, 13.12.07


(3) Major Sampaio, oficial de operações do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), a que estava adido o Pel Caç Nat 63.

(4) Ten Cor Jovelino Corte Real.

1 comentário:

Torcato Mendonca disse...

Só tu meu Caro Jorge me embacias os óculos com o cloreto de sódio que me sairam dos olhos e molharam os ditos mas tens que juntar os teus cabralianos escritos todos valia a pena...As Palavras/Paroles foram agora? editadas pela Sextante, 376 pag a 24 moedas do que apelidam de euro...mas continua com ou sem periquitos turras hipopótamos ou outros bicharocos em vias ou não de extinção... dá-nos paroles do teu humor e do saber escrever assim um abraço e fico á espera...tm