domingo, 11 de setembro de 2005

Guiné 63/74 - P163: O que faremos desta tertúlia ? (Luís Graça)

1. O Guimarães escreveu-me, de regresso de férias, e pediu-me, a mim (e, indirectamente, ao resto da tertúlia), para falarmos mais dos acontecimentos que vivemos e dos lugares e das gentes que conhecemos em vez de pormos os outros a falar por nós, a opinar sobre a guerra, as causas e as consequência políticas da guerra, a especular sobre a (in)evitabilidade da guerra, etc., por muito respeitáveis e autorizadas que sejam as opiniões dos actores e espectadores desta guerra (que, reconheça-se, foi terrível para todos)… Em suma, e em linguagem de caserna, mais factos e menos bitaites, mais trabalho e menos bocas...

Eu acho que o Guimarães é um homem sábio…

Post scriptum 1 - Isto não quer dizer que não respeitemos as opiniões uns dos outros, incluindo as preferências político-ideológicas de cada um. E que não possamos também discutir os aspectos políticos e históricos da guerra, o seu contexto nacional e internacional, etc. Afinal os nossos pequenos contributos têm a pretensão de ser subsídios para a história da guerra colonial (ou do ultramar, como queiram).

Sempre que se justifica, podemos mandar documentos ou excertos de documentos, importantes mas pouco conhecidos, para a secção "antologia" (que já tem 18 posts, o penúltimo dos quais uma entrevista, muita controversa, de Alpoím Galvão à Agência Lusa em finais de 2004) (vd. post de 7 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - P168: Antologia (17): Alpoim Galvão: Guerra era evitável)

Mas temos que ser criteriosos e críticos. Não vamos divulgar sistematicamente tudo aquilo que os outros dizem ou escrevem noutros sítios só por que se refere à à Guiné-Bissau de hoje ou à guerra da Guiné de ontem... Temos que ser (ou tentar ser) originais... E sobretudo modestos: afinal, cada um de nós sabe apenas um pouco do que lá se passou. E conhece um pouco da região por onde andou...

Eu, confesso, todos os dias estou a aprender… com todos vós! Com o Marques Lopes fui a Geba e a Barro, com o Carlos Fortunato andei por Bigene, com o Guimarões conheci melhor o Xitole, com o Sousa de Castro recordei o Xime e Mansambo, com o Humberto Reis voltei a Bissau, Bafatá e Bambadinca, com o Américo Marques fui ao Gabu aonde nunca tinha ido (nem muito menos ouvido falar de Cansissé)... Pela minha parte, muito obrigado. Luís Graça

Post scriptum 2 - Façamos o que quisermos desta tertúlia, desde que todos ganhemos com isso, o que implica, no mínimo, a garantia de pluralismo de opiniões e de liberdade de expressão...

2. Sobre este assunto, aqui fica um primeiro comentário do Sousa de Castro (9 de Setembro de 2005):

Caros amigos da tertúlia, o que o Guimarães escreveu merece-me o seguinte comentário: Concordo que temos de ser originais, mas isso é para os escritores e ficcionistas. Sobre o que nós vivemos lá, creio que já foi tudo mais ou menos dito e não vale a pena sermos repetitivos.

O que eu acho é que qualquer de nós possui textos ou documentos sobre a realidade da Guiné a ganhar pó, escritos por outros que muitos de nós não conhecemos. Quem aceder ao blogue tem oportunidade de conhecer factos reais, contados muitas vezes pelo próprio interveniente. Por exemplo: Uma estória do ex-paraquedista Carlos Fernandes, nascido em 1949 no antigo edifício dos bombeiros da Parede, em Lisboa, que diz ter pertencido ao grupo "Os Vingadores", liderado pelo Marcelino da Mata e terá escoltado muitas vezes o General Spínola e o seu guarda-costas ao Senegal.

Todas as segundas feiras, segundo o Carlos Fernandes, o general Spínola ia ao Senegal "informar Senghor das nossas operações. Depois Senghor transmitia todas as informações ao PAIGC. Muitas das nossas operações falharam porque eles não estavam lá quando chegávamos ao local", critica o ex-soldado paraquedista Carlos Fernandes.

São estas coisas que também me interessam. Para além das nossas estórias do que lá passámos, temos também obrigação de contar aquilo que cada um de nós achava daquela guerra. Para muitos, como o Carlos Fernandes, aquela guerra na Guiné era uma farsa. Ele vai até mais longe afirmando que "Spínola estava feito com pessoal do PAIGC".

Portanto, a guerra na Guiné, e não só, não é a que consta dos relatórios que se faziam diariamente para o QG [Quartel General]. Para além disso, devo dizer que o blogue não é meu nem opino sobre o que se publica no blogue. Se o Graça achar que é de interesse geral publicar depoimentos feitos pelos outros [fora da nossa tertúlia], está à vontade, pelo menos quem tiver oportunidade de aceder ao blogue ficará a conhecer algumas coisas muito interessantes, mesmo discordando do conteúdo de alguns pontos de vista. Um abraço para todos.

2. Comentário, off-record, do responsável do blogue (Luís Graça):

Caro Castro: Não me sinto propriamente "dono" do Blogue-fora-nada. Nem queria que tu ou outros ex-camaradas da Guiné me tratassem como tal. Se quiseres, sou apenas o animador e o responsável editorial do blogue. É, claro, tenho alguns privilégios de que, prometo, não procurarei abusar: por exemplo, o que de decidir o que é publicável ou não é; o de editar os textos (posts ou postagens, como dizem os brasileiros); o de corrigir uma ou outra frase mais mal amanhada... De qualquer modo, por razões técnicas e logísticas, alguém teria que fazer este papel, que é ingrato, que consome tempo mas que eu considero de interesse público. Oq ue decididamente nunca farei é infuenciar o conteúdo ou a orientação das intervenções: reservo-me apenas de decidir, por razões de economia de espaço e de revelância para o conhecimento da guerra de que fomos actores (e não apenas simples figuarantes), da inserção (ou não, na íntegra ou em parte) de documentos não originais, já publicados.

Quando nasceu, num espaço emprestado (os meus agradecimentos à Blogger), estava longe de imaginar que a guerra colonial na Guiné passasse a deter o recorde dos posts publicados e que a nossa tertúlia (para quem abri, entusiastica, generosa e solidariamemnte, o espaço da minha página pessoal na Net, Saúde e Trabalho)tivesse o relativo sucesso que teve: cerca de três dezenas de amigos & camaradas podem comunicar uns com os outros, por e-mail, bem como pelo blogue e pela nossa página na Net que,aliás, tem como título o seguinte: Luís Graça & Camaradas > Subsídios para a História da Guerra Colonial > Guiné (1963/74).

Já agora permite-me meter a foice em seara alheia: não conheço esse depoimento do Carlos Fernandes nem sei se valerá a pena publicá-lo... Permite-me uma primeira reacção, muito franca: essa estória é delirante, faz-me lembrar as fofoquices da criadagem em relação ao que se passa na alcova da raínha... Essa acusação ao Spínola é gravíssima. Se isso tivesse algum fundamento, seria crime de alta traição... Ora eu tenho o Spínola na conta de grande cabo de guerra e de patriota. Para mais está morto e nós temos que ter algum pudor, qaundo evocmaos os nossos mortos, os ilustres e os menos ilustres. Spíonola, quer se gsote ou não, faz já parte da nossa história, tal outros figuras que marcaram o nosso Séc. XX. E na Guiné euq, que o conheci pessoalmente, respeitava-o, como meu comandante-chefe, muito embora não simpatizasse nada com a sua figura prussiana...

3. Comentário do David Guimarães, na mesma data, à mensagem do Sousa de Castro (comentário privado que o Sousa de Castro retransmitiu ao resto da tertúlia e que eu acho que é de interesse editorial, daí o divulgar aqui):

Amigo Sousa de Castro: isso que diz, desculpe mas não é verdade. Todos nós, os da tertúlia, tivemos grandes combates e ainda pouco foi dito sobre a matéria. Quem contou sobre nós foram outros porque nós lhes contámos. E eles, sim, fizeram ficção e até mentiram... Nós contamos a realidade, não ficcionamos.

(...) Quanto ao que eu escrevi a Luís Graça, efectivamente o Sousa de Castro nem sabe, embora ele lhe possa passar o texto na íntegra: não o lancei para a tertúlia porque poderia ferir suceptibiliaddes. Mas, repare, quantas batalhas e emboscadas teremos nós que contar e que aconteceram, de facto, para que tudo seja dito ?

Pela estima que lhe tenho não me diga isso, que já está quase tudo dito. Pelo contrário, está tudo muito pouco contado. Não em interessa somente os que morreram no Xime ou Xitole, aqui ou ali. Interessa, sim, também, os momentos bons e maus que vivemos nos dois anos que lá passámos...

O que eu disse, e reafirmo, é que não nos devemos envolver em análises políticas sobre a época, isso sim é para os historiadores. Devemos continuar a contar os nossos episódios e você terá muitos, possívelmente, para contar. Mas os outros também o têm e todos assim faremos uma história inédita sobre aquele ou aqueles sectores onde estivemos e combatemos.

Creio que ninguém aqui anda a ficcionar, andamos a contar o que sucedeu...Documentos como estes que aqui vão aparecendo, poucos os têm e muitos gostariam de os ter ou de ler.

Esta é a minha opinião. E desculpe a minha intervenção (...).

Um abraço, Guimarães.

4. Resposta do Sousa de Castro à intervenção do Guimarães:

Amigo Guimarães: Todos nós temos opiniões diferentes de ver as coisas e respeito todas as correntes de opinião, mas o que muita gente não sabe é que se disse e escreveu muitas coisas sobre a guerra colonial, em geral, que não correspondem à realidade e escreveu-se muitas coisas conforme mais convinha aos senhores da guerra.

Algumas coisas copiei de artigos assinados. Alguns deles são contados na primeira pessoa, logo por homens que também estiveram no terreno. Pode ser que alguma dessas pessoas tenha oportunidade de descobrir o Blogue-fora-nada e assim possa rebater o que se tem publicado e contar outras histórias, mais reais e verdadeiras do que aquelas que estão publicadas em livro (que muitas vezes distorce a verdade sobre as coisas).

No meu tempo havia boatos alarmistas, notícias que não são sabíamos se eram falsas ou verdadeiras... Lembro-me de, num jornal de caserna de então, quando Guilege ou Guidage (já não me lembro bem qual a localidade)foi atacada pelo PAIGC em 1973 e em que tivemos vinte e tantos mortos, dizia-se que parte da mortandade fora levada a cabo pela nossa aviação por ordem do Spínola para evitar que os homens do PAIGC levassem para o outro lado da fronteira os nossos homens como prisioneiros e diverso material. Era isto o que se comentava em Mansambo em 1973. Bem, falta-nos provas para saber se corresponde à verdade.

Um abraço,
Sousa de Castro.

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