1. Temos mais um tertuliano, mas desta vez com um estatuto até agora original: é filho de um militar de carreira que esteve na Guiné entre 1966 e 1968. Seu nome: João Brito e Sá. Presumo que viva na região do Porto, a deduzir do número de telefone que enviou. Há dias mandou-te um pequeno texto das suas recordações de Bissau, com um pequena introdutória:
"Peço-lhe que antes de introduzir este texto no site, o leia. A Guiné-Bissau é um tema extremamente delicado e, por tal, deverá ser tratado com delicadeza.
"O meu Pai nunca me falou da guerra... Comentou apenas uma vez que lhe fazía impressão ouvir um helicópetro. Justificou-se recordando os mortos e feridos que eram evacuados... Remeti-me ao silêncio: a guerra deve ser uma coisa horrível, pensei...
2. Perguntei a seguir ao João:
"Queres fazer parte da nossa tertúlia e receber os e-mails ? É isso ? Se sim, terei muito gosto em publicar o teu post... Já agora, não queres dar pistas sobre o teu passado na Guiné ? Em que região esteve o teu pai, em que época ?... Tens fotos desse tempo ?
"Como já vistes, somos plurais no blogue: a única coisa que prezamos é a verdade dos factos, e o respeito uns pelos outros. Ah, também nos tratamos por tu..
Um abraço.
Luís"
3. Resposta do novo tertuliano:
"Ok, Luis podes publicar. Não sei se o meu Pai terá fotos da época, vou-lhe perguntar. Ele era, na altura, Capitão de Artilharia (do quadro) da CCAÇ 762, entre 66 e 68. Penso que foi substituir uma outra companhia em Bijene e Barro. Terei que confirmar alguns pormenores.
"Da Guiné só me lembro do que está escrito no post...eu era muito pequeno.
Um abraço, João.
Muito mais há para dizer!
Um abraço, um Santo Natal e um Feliz Ano Novo
4. Texto do João
Guiné-Bissau
Foi divertido...no pátio de nossa casa eu e o meu irmão mais velho, o Lourenço, competíamos acerca dos sapos....não era uma corrida ou um concurso de saltos. A nossa disputa prendia-se só com a quantidade, com o número de animais que o nosso corpo podería albergar...nos ombros, na cabeça, no pescoço, nos braços... Eram dezenas, se calhar centenas, de sapos gordos e escuros que colocávamos cuidadosamente em cima de nós... Imagino que o objectivo fosse colocar o maior número possível. Ainda hoje me pergunto porque é que eles não fugiam.
Ao lado de nossa casa haviam umas ervas...por hipótese, algum tipo de gramínea de folhas longas e lanceoladas, que escondiam muitos, muitos gafanhotos... Lembro-me particularmente de um, com barriga encarnada e asas verdes que dentro da cozinha saltou para o meu irmão, provocando-lhe uma reacção intempestiva e energicamente oposta à minha brincadeira. Retorqui prontamente:
- És um maricas, um nojentinho...e eu juntei em cima de mim mais sapos do que tu.
Havia ainda a Estrela, uma cadela Boxer, que não me lembro se se babava... Mas admito que essa desagradável secreção canina me incomodasse menos na altura do que hoje, já que deveria ter 4 anos de idade...Nesta idade nada nos incomodava, nem fome, nem sede, nem frio.
Não me lembro de mais nada... Nem mesmo que regressei à Metrópole com a minha Mãe e restantes irmãos, três, e que o Lourenço, o mais velho, lá ficou lá mais um ano com o meu Pai acompanhando-o ao serviço da Pátria, defendendo aquele território, contra vis agressões externas, que outrora fora Portugal, com a mesma convicção com que eu hoje defendo a minha casa, a minha belguita e a minha Família. Era esse o sentimento. O mais natural, o mais lógico...nada de novo, portanto.
(in "O Lzec contado ao mosquitto")
_____
PS - O João Brito e Sá terá sido mordido, aos 4 anos, pelo "bichinho de África". Quase quarenta anos depois, vemo-lo a organizar uma expedição a São Tomé e Princípe, com partida de Gaia, em veículo-todo-o-terreno. Veja-se a sua página Latitude Zero. Em Setembro de 2005, decorreu o LZEC 2005:
"O Latitude Zero – Equatorial Challenge (LZEC), sendo um evento desportivo, inédito – neste formato - em qualquer país, membro da CPLP, tem como objectivos divulgar as enormes potencialidades turísticas de São Tomé e Príncipe (STP)"...
O João é capaz de querer organizar uma coisa parecida na Guíné-Bissau...Aliás, no meu e-mail que me mandou, disse: "Estive toda a tarde a ver o seu site. Entre muitas outras perguntas que lhe farei e para as quais gostaría de obter algumas respostas, a primeira é: como fazer para adquirir as cartas militares da Guiné-Bissau, tanto em papel como em formato digital?".
Na altuta, expliquei-lhe o que devia fazer:
"João: Obrigado por ter visitado a(s) nossa(s) página(s) e o nosso bnlogue. Sobre a pergunta que nos faz, o melhor é ler a legenda que acompanha os nossos mapas. Está lá tudo explicado. Mas pode também contactar o elemento da nossa equipa que adquiriu e digitalizou estas cartas: o Engº Humberto Reis. O seu endereço de e-mail está disponível. Veja a nossa lista de membros da tertúlia.
"O João fica, desde já, convidado a fazer parte da nossa tertúlia, se assim o desejar. Temos contactos com a Guiné-Bissau, incluindo apoio logístico… As regras são simples: (i) como antigos camaradas de guerra (ou amigos da Guiné-Bissau), todos nos tratamos por tu; (ii) os novos aderentes terão de contar uma estória, um pequeno episódio, identificarem-se, mandarem duas fotos (uma antiga e uma mais recente).
"Parabéns pelo seu sítio e pela sua acção na promoção da língua portuguesa e dos países lusófonos, com destaque para São Tomé e Príncipe. Como vê, no seu tempo de djubi, as nossas expedições eram outras… As nossas e as do seu pai".
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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