Texto do Carlos Vinhal (ex-furriel miliciano airador de infantaria, com a especialidade de minas e armadilhas, CART 2732, Mansabá, 1970/72):
Costumo dizer que andei na guerra porque não tive coragem de fugir dela. Até ir para a tropa nunca tinha pegado numa arma, a não ser nas de plástico para brincar, e nunca tinha atirado uma bomba de S.João.
Ironia do destino, fui para atirador e tirei um curso de minas e armadilhas. Para falar verdade nunca dei um tiro em combate, mas fiz umas coisas na área das minas. Nunca entendi a guerra embora a ache inevitável enquanto o animal homem dominar a Terra.
Vem isto a propósito de se estar a falar no nosso blogue dos nossos heróicos majores (1), que no cumprimento de uma missão quase impossível, foram cobardemente assassinados, pois morreram desarmados e indefesos por um inimigo que não queria diálogo, pelo menos naquela altura, como ficou provado.
Quando se deu este trágico acontecimento, estava a minha Companhia há pouco tempo na Província. Naquela altura foi-me difícil perceber como se puderam mandar 3 homens desarmados para o mato. Como se veio infelizmente a provar, não se conheciam as verdadeiras intenções da outra parte. Por ventura outras facções do PAIGC não concordavam com as mediações intentadas pelo general Spínola, mas daí a se matar 3 oficiais superiores inimigos, a sangue frio... Mesmo na guerra há limites.
Que coragem demonstraram aqueles homens ao prestarem-se a tal missão!
O Marechal Spínola, quanto a mim, demonstrou, antes e mesmo depois do 25 de Abril, uma certa ingenuidade quando se metia em acções políticas. A missão dos nossos majores foi uma acção política, mais que militar e o Marechal Spínola, sendo um brilhante militar, não tinha sensibilidade para a política.
Sabe-se agora que estas acções foram do conhecimento restrito de algumas pessoas do Regime, mas a responsabilidade e a condução política era da responsabilidade do Governador e Comandante Chefe da Província.
Os nossos majores Magalhães Osório, Passos Ramos e Pereira da Silva, são sem dúvida o exemplo da abnegação, cumprimento do dever, patriotismo e coragem. São merecedores da nossa consideração e agradecimento. Não sei se nas suas terras existe alguma rua com os seus nomes, mas porque não? Aqui fica a ideia. Fizeram-se heróis de acções mais comezinhas. Só pessoas como nós sentem estas coisas mais profundamente.
Carlos Vinhal
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Nota de L.G.
(1) Vd posts de:
1 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXVIII: A Internet e o menino do quartel de Teixeira Pinto (João Tunes)
11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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