Mensagem de A. Marques Lopes:
Caríssimo amigo Luís
Sabes tu, e todos os nossos amigos tertulianos, que há-de haver uma comoção e um sentimento enorme, só ultrapassável, com certeza, quando pisarmos aquele chão que marcou a nossa juventude.
Não é das minhas simpatias - e tu calculas porquê -, mas estou admirado, e sinto quase tudo o que ele diz (há as nuances das divergências, é claro), pelo que vou transmitir algumas palavras do Alpoim Calvão na Introdução do livro que o Jorge Santos, muito bem, enviou recentemente para conhecimento do blogue:
«A guerra ensinou-me muitas coisas. Entre elas, o respeito por alguns adversários, neste caso, os guerrilheiros do PAIGC, principalmente os homens do mato, corajosos, frugais e persistentes. Os dois lados em confronto, por vias diferentes, em última análise e síntese, batiam-se pelo mesmo objectivo: Uma Guiné melhor, na feliz frase do general Spínola, via da autodeterminação e independência.
"Foi uma vida cheia de movimento, de aventura, de plenitude. António Gedeão, resumiu magistralmente tudo isto, no Poema da Malta das Naus:
Com a mão esquerda benzi-me
Com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
Outras mil me levantei.
Tremi no escuro da selva,
Alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
Mulheres de todas as cores.
(In: Operação Mar Verde - Um documento para a história, de António Luís Marinho, 2006, pp. 9-10)(1)
... Claro que eu não tenho casa em Bolama, não sou amigo do Nino, mas vou sentir o que ele sentiu, de certeza:
«Aqui, da varanda da minha casa de Bolama, avisto o canal do porto e, do outro lado, São João. A pequena cidade está bastante escalavrada, mas as pessoas são hospitaleiras e afáveis. Emana do próprio lugar um encanto que não sei definir. A Guiné-Bissau é toda assim. Sinto-me solidário com estes povos e procuro, no limite das minhas pequenas possibilidades [tem lá empresas de cajú], ajudá-los a criar postos de trabalho onde possam, através do seu labor, ganhar o pão com a dignidade única que o trabalho dá... Entre eles, encontram-se alguns dos que, apanhados pelas encruzilhadas da história e pela falta de vergonha e de sentido de honra de certos portugueses, contubernais quase permanentes da mesa do poder, sofreram angústias e derramaram lágrimas. Foram meus amigos e camaradas nas Forças Armadas Portuguesas. Continuam a sê-lo.
"Estamos todos empenhados no caminho da Guiné melhor, senhora dos seus destinos, no combate à pobreza, à doença, à ignorância, como merece este povo que habita um país tão bonito, com reais possibilidades de desenvolvimento económico e consequente criação de riqueza.
"É, provavelmente, a minha última aventura. Cai a noite. Agradeço a Deus a vida e o livre arbítrio. A escolha está feita. Vai diminuindo a luminosidade e passo a contemplar um docel de estrelas igual ao avistado por Nuno Tristâo e Diogo Gomes, quinhentos e cinquenta anos passados (talvez com pequeninas diferenças de declinação e ascensão recta).» (Ib., pp 10-11).
... Mais: sei que vou sentir as minhas próprias emoções. Hei-de transmiti-las também.
Abraços
A. Marques Lopes (a escassas horas de partir para a Guiné-Bissau, em viagem por terra, de jipe)
__________
Nota de L.G.
(1) Vd pots de 1 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXVII: Bibliografia de uma guerra (12): Op Mar Verde
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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