quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1460: Meu Sacana de Alferes Português (Mamadu Jaquité / Beja Santos / Paulo Salgado)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Finete-Missirá > 1969 > No dia 16 de Outubro de 1969, por volta das 18h00, na zona de Canturé, entre Finete e Missirá, o Tigre de Missirá escapou por um triz de deixar os ossos na terra do Mamadu Jaquité. Eram conhecidos, entre o pessoal de Bambadinca, as ameaças de morte de que era alvo o Beja Santos por parte do PAIGC.

Na foto, o Fur Mil Reis (à esquerda) e o Alf Mil Carlão (à direita), do 2º Gr Comb da CCAÇ 12 examinam os restos da viatura (Unimog 404) onde ia o Beja Santos mais um grupo ds seus homens, tendo caído numa mina anticarro com emboscada. Felizmente, para o nosso camarada Beja Santos, o Jaquité teve que pintar a cara de branco (!), ou seja passar pela maior vergonha da sua via, que foi deixar o Beja Santos regressar a casa vivo... Enfim, uma estória digna de um grande western...

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.




1. Em 23 de Dezembro de 2006, a São, a Paula e o Paulo Salgado mandaram as boas festas ao Beja Santos:

Viva, Bom Amigo e Grande Tertuliano:

Os Salgados estão contentes por lerem as suas intervenções e por te recordares deles (já lá vão 15 anos! Entretanto, a Paula já é doutora por Oxford e está num Laboratório da Universidade de Londres - com algumas novidades interessantes em moléculas do RNA. Os filhos crescem, claro).

Um abraço de estima e com o gozo de mantermos alguma solidariedade (embora a corrupção seja grande e o POVO é que sofre - onde é que eu já vi isto?).

Conceição
Maria Paula e
Paulo Salgado

2. Resposta do Mário, em 2 de Janeiro de 2007:

Notícias do Tigre de Missirá

Aos Salgados, foi grande a alegria de vos saber em militância. Escuso de vos dizer que estou a escrever Operação Macaréu à Vista e vos lembro com saudades. Espero, aliás, quando referir o episódio da mina anti-carro em Canturé, lá para Outubro de 69, rememorar a nossa visita ao Tenente Correia no Cumeré. Poucas dores foram tão lacinantes como aquela. Logo que passem por Lisboa, pro favor avisem-me com antecedência.

Vosso, sempre com reconhecimento,
Mário Beja Santos.

3. Comentário da São e do Paulo:


Oh, Beja Santos!

A tua prosa é magnífica, os teus relatos e vivências são uma delícia. Obrigado. Mas já agora uma correcção, pois foste tu quem o disse: era o coronel Jaquité quem visitámos no Cumeré [, a leste de Bissau], e repartimos as cervejas e colas que levávamos, embebendo os abraços entre inimigos que eu vi, comovido (1).

Um abraço de estima (a Paula - lembras-te da miúda, certamente! - foi ontem para Londres onde faz investigação - e que se lembra com muito carinho das partilhas de viagens que fizemos no Fiat UNO...

Salgados

4. Mail do do Mário, em 4 de Janeiro:

Meu inesquecível camarada, quem me queria limpar o sebo era de facto o Coronel Mamadu Jaquité. Era franco comigo, deixava na picada papéis garatujados do tipo: "Meu sacana de alferes português: será a maior vergonha da minha vida se tu vieres vivo para o teu país. Estamos a libertar a nossa terra e tu não queres deixar. Prepara-te para morrer. Mas antes de morrer ficas a saber como é que me chamo. Eu sou o Mamadu Jaquité".

Ora quando andávamos à procura de Mamadu Jaquité, este, no Cumeré, veio dizer que quem estava naquela noite em Canturé era o Tenente Correia. Recordo um grandalhão de olhar límpido e dentes de aço que procurou justificar que nada tinha a ver com a mina. Como não ia ali para pedir nem dar justificações de ter sido oficial português, abracei-o na reconciliação que sempre desejei.

Tudo acabou em festa até que o Tenente Correia me disse estar a viver na mais profunda das misérias. Foi então que agarrei o arame farpado e olhei para Bissau ao fundo deixando correr na face lágrimas ferventes por um povo que não conseguiu obter os fundamentos da independência.

Desejo-te um grande trabalho em prol de um povo extremamente bom que só tem conhecido fatalidades, Mário.

__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 13 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1069: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (13): Para quando África ?

(...) "Maravilhei-me com as palavras saborosas e sentidas do Beja Santos (que revi, em Bissau, aqui em 1991), andava ele preocupado com a limpeza e higiene dos alimentos .Um dia entrou-me no gabinete:- Você é que é o Paulo Salgado?E depois fomos visitar o Coronel Jaquité... Lembras-te, Beja Santos, e do pôr-do-sol no Cumeré, depois da visitação e reencontro com esse inimigo amigo?" (...)

1 comentário:

Anónimo disse...

O Professor Beja Santos é para mim um exemplo de competência e dedicação, homem afável, simples e sabedor da vida. A sua presença física na minha vida resume-se a duas ou três horas por semana, contudo a sua presença intelectual, quase que transcendente, estende-se por parte dos meus dias, partilhando essa função com outras personalidades que marcam o meu rumo de vida.

Neste blog, tenho vindo a descobrir uma fase da sua vida que me tem deixado não surpreendido, mas profundamente orgulhoso, por ser meu professor e talvez porque também na minha família muitos homens tiveram de abandonar os seus lares para fazer pela pátria, por ventura com menos empenho e responsabilidades, mas mesmo assim com igual valor.

No que se refere às suas crónicas e como todos os frequentadores deste blog não se cansam de dizer, elas são maravilhosas, dignas de publicação e elevação a best-seller, magnificamente interessantes… ainda bem que o Coronel Mamadu Jaquité não levou a bom porto os seus objectivos de acabar com este “alferes português”. Cumprimentos...