Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 1 de março de 2007
Guiné 63/74 - P1558: Inesperada visita a Luís Graça, em Nhabijões, na noite de 3 de Fevereiro de 1970 (Beja Santos)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Conjunto habitacional de Nhabijões > 1970 > O furriel miliciano Henriques, da CCAÇ 12, junto a um dos locais de culto dos irãs (espíritos da floresta). A população era maioritariamente balanta, animista. Era conhecida a sua colaboração com o PAIGG, sobretudo com as populações e os guerrilheiros de Madina/Belel, no limite do Cuor, a Noroeste de Missirá. (LG).
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento de Nhabijões > 1970 > O furriel miliciano Henriques, da CCAÇ 12. Ao fundo, o reordenamento de Nhabijões, a que na época chamei etnocídio (1) (LG).
Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.
Mensagem de 21 de Fevereiro de 2007, enviada pelo Beja Santos:
Caro Luís: Fui visitar-te aos Nhabijões na turbulenta noite de 3 de Fevereiro de 1970...
Numa das últimas vezes que falámos ao telefone, tu disseste que te recordavas de uma ida minha aos Nhabijões, em momento de grande confusão, em que pediste apoio a Bambadinca, temendo teres rebeldes no perímetro. Não te recordavas de mais nada, mesmo da data.
A separar o meu correio para a Cristina, entre 1969 e 70, encontrei um aerograma em que resumidamente dou conta das actividades do dia 3 de Fevereiro. Aqui vai a minha agenda.
Por ordem da CCS, fui a uma tabanca entre Sansacuta e Afiá, afim de transporar mandioca, amendoím, arroz e algodão. Voltei por Samba Juli para se fazer um transporte de cibes para os Nhabijões, ao que me recordo no contexto do realojamento e da autodefesa. Segui depois para os trabalhos do alcatroamento da estrada do Xime, actividade que mantive até acabar a minha comissão em Agosto.
Escrevi que parei em Amedalai, onde fui conhecer o filho recém nascido do meu bazuqueiro Mamadu Djau. Houve recepção rija e recebi uma galinha. No regresso parei na ponte de Unduduma, onde dei dois dedos de conversa com o pelotão de serviço. Depois de almoço, fiz escolta a Bafatá e no regresso fui entregar coisas no Pelotão de Intendência de Bambadinca.
Tinha acabado de jantar, quando o segundo comandante disse ter recebido uma mensagem urgentíssima, em que um grupo andava a pilhar e a raptar nos Nhabijões. Ainda a mastigar, mandei chamar o pelotão altamente municiado de bazucas e dilagramas. Quem me levou à tua presença, num burrinho, foi o Soares, aquele amável condutor da tua companhia que viria a morrer pouco tempo depois, depois de accionar uma mina.
Eu dava-me muito bem com o Soares que adorava ler as adptações do Prof João de Barros do tipo A Odisseia contada aos mais novos. Eu aproveitava para lhe falar das obras de Homero que tinha estudado na faculdade. ELe ouvia-me com muita atenção e dizia-me sempre que tinha projectos para estudar.
Voltando aos Nhabijões, escrevi na carta à Cristina que se dissipou rapidamente o equívoco, trouxe um bêbedo para o quartel mais um menino completamente nu que se aproximou de nós a dizer que não tinha pais e que estava doente. Escrevi este aerograma com muito pouca luz, pois o alferes Abel Rodrigues, da tua companhia, estava com um ataque de malária de todo o tamanho, eu e o Moreira, seus companheiros de quarto, andávamos em pezinhos de lã.
Era este exactamente assim o meu dia a dia de ninharias, escrevi à Cristina dizendo-lhe que andava às voltas com o auto de averiguações de uma granada incendiária que deixara as costas de Fatu Conté completamente retalhadas. Nesse dia acabei de ler o Ateneu, de Raúl Pompeia, autor brasileiro que para mim ombreava com Machado de Assis.
Espero ter satisfeito a tua curiosidade, tu tinhas razão, encontrámo-nos nos Nhabijões naquele tempo de multisserviços (2): operações, patrulhamentos, emboscadas, catering, mini bar, recoveiros e distribuição ao domicílio. Para quem não foi militar nem viveu aquela nossa guerra, tudo isto não passa de basófia ou invenção delirante. E paro por aqui, para não roubar mais argumentos à Operação Macaréu à Vista onde isto tudo se vai contar... daqui a mais de um ano. Recebe um abraço do Mário.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIV: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos (Luís Graça)
(2) Éramos os dois pau para toda a obra: eu, na altura, comandava o destacamento, estando à frente de um grupo de combate... de básicos (!) da CCS do BCAÇ 2852, que entraram em pânico quando alguém trouxe a notícia de que havia turras nessa noite em Nhabijões... Obrigado, Mário, por me refrescares a memória.
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