Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS do BCAÇ 2893 (1969/71) > O Tino Neves (1) num restaurante local. A ementa: Frango assado com batatas fritas com molho de Chabéu. Ir à cidade (Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego, Bissorã, Bissau, Catió...) comer um bifinho com batatas fritas fazia parte do imaginário dos militares portugueses - e em muitos casos era um luxo de quem estava no mato... (LG)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 > 1969 > No Zé Maria, comendo lagostins do Rio Geba... A dolce vita dos milicianos da CCAÇ 12, entre duas operações: na ocasião, o Alf Mil Cav Rodrigues (natural de Lisboa, já falecido) e os furriéis milicianos Tony Levezinho e Humberto Reis, nossos queridos tertulianos. A chapa foi batida - salvo erro - por mim, membro assíduo desta tertúlia gastronómica. O pobre do Zé Maria (2), que era tuga, tinha fama de ser turra (por vender vacas, panos, mosquiteiros, bianda, etc., ao PAIGC, com a uma base no noroeste do Cuor, Madina/Bele...). Ele fazia-se pagar caro os lagostins (gigantes), "pescados no Geba em zona de grande risco"... Se bem me recordo, eram pagos a 50 pessos o quilo, o dobro de um bife com batatas fritas na Transmontana, em Bafatá (Um soldado africano, da CCAÇ 12, tinha direito a cerca de 24 ou 25 pesos por dia, por ser desarranchado, além do pré - que eram 600 pesos por mês) (Sobre preços no tempo da guerra, há diversos posts) (3). (LG).
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
Texto enviado pelo nosso camarada Tino Neves > Constantino Neves, ex- 1º. Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71) (1).
Camarada e Amigo Luís Graça
Mais uma pequena história em homenagem ao esplêndido e saboroso molho feito da raiz da palmeira, o Chabéu (ou Xabéu ? estará bem escrito ?) (4).
Alguém matou um gato com uma pedra, julgo que sem intenção de o matar, mas o facto é que a pedrada foi certeira e o gato morreu. Diante esse facto, houve logo quem dissesse que rico coelho à caçador que isso vai dar. Dito isso, houve logo alguém que se aprontasse para fazer o cozinhado, o 1º Cabo Libório, da CCAÇ 2619, pertencente ao nosso Batalhão.
Eu tive a honra e o prazer de ter sido um dos convidados para essa maravilhosa refeição, apesar de me terem dado a conhecer o que iria comer, eu aceitei de bom agrado pois sou um grande apreciador de coelho. Não me arrependi, pois foi de comer e chorar por mais. A ementa não foi à caçadora, mas sim uma criação própria do Cabo Libório, com batatas e mais alguns ingredientes e o respectivo molho de Chabéu. Uma delícia!
Passados algums meses, alguém foi ao mato fazer uma caçada, talvez ao javali, o certo é que trouxeram para o quartel um animal do qual nem sabiam o que era. Foi pendurado numa trave de madeira, para que todos o vissem, media da ponta do rabo ao focinho talvez dois metros, era maior do que um homem... Era uma iguana!.
E mais uma vez, alguém depois de mexer e apalpar o bicho, disse:
- Isto é tenrinho, deve dar uns bons bifes!
Dito e feito, foram logo chamar o 1º Cabo Libório, o tal da receita do coelho à caçadora, que, apesar de a especialidade dele ser Mecânico Auto, tinha jeito para a culinária.
Mais uma vez tive o prazer de ser convidado. A ementa foi, como não podia deixar de ser, Bife com batatas fritas com molho de Chabéu. Mais uma vez, uma delícia!
Conclusão: Como os Mestres Cozinheiros dizem, o segredo da culinária está nos condimentos (5).
Tino Neves
PS - Tivemos muita sorte, tanto na altura do Gato como da Iguana, de haver batatas no depósito de géneros, e as boas relações que tínhamos com o Cabo encarregue do depósito (também foi um dos poucos convidados para os petiscos de caserna).
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 3 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1146: Constantino Neves, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Lamego, 1969/71).
(2) Vd. post de 18 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)
(3) Vd. posts de:
17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)
1 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXII: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (2) (Luís Graça / Humberto Reis)
28 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXIX: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (1) (Luís Graça / Humberto Reis / A. Marques Lopes / Luís Carvalhido / Jorge Santos)
(4) Termo usado na Giuiné-Bissau: chabéu (do crioulo, tche bém) > (i) fruto do dendezeiro (palmeira que dá o dendê ou coconote); (ii) iguaria à base de peixe pou carne preparada com esse fruto (Dicionário Houaiss da Língua Portugesa, Tomo III, Lisboa, Círculo de Leitores, 2003)
(5) Sobre outros pesticos tipicamente guineenses, vd. posts de:
11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)
22 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P897: Pitéus da gastronomia local (Hugo Moura Ferreira)
7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P854: Do Porto a Bissau (26): leitão à moda de Jugudul (A. Marques Lopes)
28 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVIII: A tertúlia do Porto (Albano Costa)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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