sábado, 3 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)

1. Mensagem do João Tunes (ex-alf mil de transmissões, Pelundo e Catió, 1969/71):


Caro Luís,

Julgo que nós, os que aceitámos fazer a guerra colonial ao serviço da potência ocupante da Guiné-Bissau, por gosto ou contrariados, convencidos ou nem por isso, temos a generosidade suficiente para, pelo menos com a benevolência parida na distância do tempo, não sermos rígidos na rapidez do dedo condenatório apontado aos nossos patrícios que se recusaram a partilhar os nossos destinos militares (milicianos, na maior parte).

Muitos milhares de jovens do nosso tempo baldaram-se à guerra. Com maior ou menor vinco, recusaram-na. Desses, a maioria deu o salto, sobretudo para França, antes que os enfiassem fardados num Niassa. Outros, já no cenário de guerra, desertaram e abrigaram-se no PAIGC. Eu, que fiz 24 meses de serviço militar na Guiné, a nenhum de uns e de outros, atiro pedras, não lhes permitindo, se se atrevessem, a que mas atirassem a mim. Será demasiada ambição pensar que este sentimento é partilhado por todos os meus camaradas desta frutuosa e fraterna tertúlia?

Em tempos, este nosso blogue reproduziu um folheto do PAIGC (1) em que dava conta de 3 fuzileiros navais portugueses que desertaram para o PAIGC (António José Vieira Pinto, nº 1227/7, José Armindo Sentieiro, nº 1225/7 e Alberto Costa Alfaiate, nº 790/8).

Usei esse panfleto do PAIGC no meu blogue como ilustração de propaganda típica do PAIGC e como paralelo da propaganda do exército colonial a apelar à deserção nas fileiras do PAIGC. Recebi um contributo de um meu amigo (Isidoro de Machede) que conheceu e foi amigo do peito de um desses nossos camaradas desertores (o fuzileiro António Pinto) e que me permito sintetizar:

- O camarada, fuzileiro naval e alentejano, António Pinto desertou para o PAIGC por convicção política de repulsa para com a guerra colonial. Entendeu prosseguir a sua aversão pelo fascismo e pelo colonialismo, integrando a luta armada contra a ditadura portuguesa nas fileiras da LUAR, liderada por Palma Inácio. Tendo entrado clandestinamente em Portugal, foi preso pela PIDE, sendo prisioneiro na Prisão de Caxias quando do 25 de Abril. Libertado, integrou-se na revolução e foi segurança do General Vasco Gonçalves. Após o 25 de Novembro de 1975, temendo voltar à prisão, foi viver para a Holanda, onde ganhou a vida como cobrador dos transportes colectivos. Faleceu há 4 anos.

Diz o Isidoro de Machede como epitáfio do António Pinto: "Abalou com a mágoa de nunca ter voltado para a planície. O António era um fraternal companheiro com uma máquina de bombear sangue do tamanho da sua pátria alentejana."

Pela minha parte, eu que fiz uma guerra por obrigação mas absoluta e resolutamente contrariado, não atirando pedras a quem fez a guerra com afinco e convicção nem a quem escolheu outros caminhos, incluindo a sua recusa, e porque o meu modelo de vida e de valores são do meu foro e unipessoais, que servem muito bem a minha consciência mas não estão à venda para consumo alheio nem lhe permitindo uso prosélito, proponho que a nossa generosidade camarada promova, a título póstumo, o fuzileiro naval António Pinto a membro da nossa tertúlia.

2. Comentário de L. G.: Não sou dono do blogue. Gostaria que os membros da nossa tertúlia se pronunciassem sobre esta proposta do camarada João Tunes, a quem saúdo. Trinta e três anos depois do fim da guerra colonial/guerra do Ultramar, não há mais tabus. De qualquer modo, não escondo que esta é uma questão fracturante (2). Por muito generosos que sejam, haverá sempre camaradas nossos, que vestiram a farda do exército português e fizeram a guerra, com ou sem convicção, que têm dificuldades em olhar de frente os seus ex-camaradas desertores... Era bom que discutíssemos aqui a proposta do João Tunes de promover a membro da nossa tertúlia, a título póstumo, o ex-fuzileiro naval António Pinto. O João tem a qualidade, rara neste país, de ser um homem que dá a cara pelas suas convicções.

Acrescento, a título de curiosidade, que um dos três fuzileiros navais aqui mencionados, o Alfaiate, acabou por colaborar com o comandante Alpoim Galvão na Op Mar Verde (invasão de Conacri, em 22 de Novembro de 1970). Acompanhou a força invasora e o seu conhecimento da prisão do PAIGC, em Conacri, foi decisivo para o sucesso da libertação dos prisioneiros portugueses.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1496: PAIGC (2): Propaganda: Notícia da deserção de três fuzileiros navais (Fernando Barata)

(2) Vd. post de:

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1518: Questões politicamente (in)correctas (24): Um desertor é sempre um desertor em qualquer parte do mundo (Lema Santos)

11 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1513: Os três fuzileiros navais: desertores ou prisioneiros ? Aonde e quando ? (Jorge Santos)

12 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1363: Questões politicamente (in)correctas (13): Combatentes e desertores não cabem no mesmo saco (Amaral Bernardo)

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