Foto gentilmente cedida pelo António Almeida, o intérpetre do Hino de Gandembel, soldado da CCAÇ 2317 (Gandembel/Balana, 1968/69) (1).
Guiné > Bissau > Fevereiro de 1968 > Exposição de armamento apreendido ao PAIGC, por ocasião da visita do Presidente da República, Alm Américo Tomás > Metralhadoras pesadas Degtyarev, de origem soviética, em reparos de utilização terrestre e antiaérea (2).
Foto: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados .
Continuação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado, de que nos foi enviada uma cópia, em 18 de Setembro de 2007 pelo nosso camarada A. Marques Lopes (qie acrescenta, à margem, a seguinte nota sibilina: Quando eles ainda não tinham os Strella...) (3)
PAIGC - Instrução, táctica e logística (9): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (IX) >
(G). DEFESA ANTI-AÉREA
(1) De documentos capturados foram extraídos os seguintes elementos relativos a defesa anti-aérea:
CONHECIMENTO DA DEFESA ANTI-AÉREA
I – As funções dos aviões de combate
1.º Fazer reconhecimentos pelo ar, uer observando a baixa altitude quer fotografando a alta altitude.
2.º Transportar tropas e materiais.
3.º Lançar espiões.
4.º Atacar de surpresa os objectivos principais.
II – As fraquezas dos aviões
1.º O avião é muito influenciado pelas condições meteorológicas e limitado pelo aeredino e pela gasolina.
2.º Para o avião é muito difícil encontrar os objectivos dissimulados ou camuflados no chão.
3.º O avião não pode ocupar os objectivos terrestres pois somente a infantaria pode resolver o combate terrestre.
4.º Se os destacamentos efectuam movimentos e dispersam, o avião não pode desenvolver plenamente as suas funções.
5.º Se conhecermos as fraquezas e as funções dos aviões podemos evitar as suas qualidades e aproveitar as suas fraquezas. Portanto, os aviões não são omnipotentes nem medonhos. As experiências revolucionárias provaram que, embora o inimigo seja forte, o seu equipamentyo excelente e as sua armas potentes, podem-se inventar muitos meios bons para vencer os aviões inimigos.
III – Como se distinguem os diferentes aviões
Distinguimos o avião para conhecer as suas capacidades e as suas tarefas, para julgar as suas intenções e tomar as medidas convenientes.
1.º As categorias dos aviões segundo a as utilização são as seguintes:
- aviões de combate
- aviões de bombardeamento
- aviões de transporte
- aviões de reconhecimento
2.º Os aviões distinguem-se segundo as suas formas e características.
- Os aviões de combate são de forma pequena e velocidade grande. Andam 300 metros por segundo.
- Os aviões de bombardeamento são de forma grande e velocidade equena; o barulho é grande e os motores são numerosos.
- O avião de reconhecimento é de forma estreita e longa e a velocidade é pequena, o barulho é lento e pode voar a grande altitude.
- O avião de transporte é de forma grande e velocidade pequena – máximo 450 Kms por hora, 125 metros por segundo.
IV – Como se organiza a defesa anti-aérea
Organizar de uma maneira planificada as diferentes armas para abater o avião e os paraquedistas do inimigo, agora vai-se estudar como se deve atirar sobre o avião e os parquedistas com as espingardas e as metralhadoras ligeiras e pesadas.
- O tiro sobre o avião
As condições de espingarda e metralhadoras para atirar no ar são vantajosas por serem fáceis de manejar. Podem-se apontar e atirar rapidamente e o tiro com elas pode formar uma rede de fogo.
- O tempo de começo de tiro
Quando o avião entra no alcance eficaz das nossas armas pode-se começar a atirar. Para atirar sobre o helicóptero do inimigo instalam-se as tropas numa região onde o helicóptero pode aterrar e desde que ele toca a terra é preciso concentrar o fogo para atirar vivamente sobre ele antes que os paraquedistas desçam dele.
Pode-se também organizar e instalar grupos de tiro nas proximidades onde o inimigo pode provavelmente passar e quando o helicóptero passar atirar-lhe de surpresa.
Como se atira sobre o avião inimigo:
- Se o avião se encontra a uma distância de 500 metros marca-se a alça n.º 3;
- Se o avião se encontra à distância de 100 metros vê-se clramente a cabeça e a face do aviador; a 600 metros vê-se claramente a fuselagem do avião, a frente e as asas do avião; a 1200 metros pode-se ver o contorno do avião não se podendo distinguir as diferentes partes;
- Se não se faz o cálculo do alcance do avião escapa-se a posição; para que seja atingido de modo certo calcula-se o alcance do avanço em relação à posição A e quando o avião chega à posição B choca-se com a bala.
Para se saber esta distância há que conhecer duas condições:
- a velocidade do avião;
- o tempo de duraçãoda trajectória, isto é, em quantos segundos a bala percorre a distância da arma ao alvo.
Se o tempo de duração for de 0,5 segundos e a velocidade do avião 100 metros por segundo teremos: o alcance de avanço = 0,5 x 100 metros. Se o avião se encontra em A, aumenta-se 50 metros à frente do avião e o projéctil ai encontrar-se com o avião na posição B.
A direcção da trajectória = correcção da alça + N a multiplicar por duas vezes o menos alcance a dividir por 100.
Velocidade inicial / Algarismo a adicionar
750 m/s .................................... 14
800 m/s .................................... 12
850 m/s .................................... 20
A velocidade inicial da espingarda automática é geralmente 750 m/s; a da espingarda de repetição é geralmente de 800 m/s e da metralhadora ligeira é geralmente de 850 m/s.
(2) Organização defensiva (anti-aérea) de CASSEBECHE
(a) Resumo da Evolução
- Em 06OUT67, estavam referenciados em CASSEBECHE 3 espaldões para metralhadora anti-aérea, localizados nas posições 21,24 e 27 (Ver pág. 82).
- Em 24JAN68, existiam espaldões nas posições 1,2,3 e 4 (este com a forma circular) a oeste e, pelo menos, as posições 21, 24, 25 e 27 a leste, emboa algumas com aspecto desactivado.
- Em 09MAR69, quando da operação VULCANO, existiam espaldões nas posições 1,2,3,4,5,7,8,9 e 10 a oeste, todas desactivadas, e possivelmente três posições para atiradores em 6.
A leste encontravam-se activadas 12 das posições 21,24,25,29,32,34,37,40,48,52 e 55, sendo a posição 37 a da metralhadora quádrupla.
No decorrer da operação, e bem assim na actividade aérea subsequente, foram destruídas ou danificadas as armas instaladas em cinco das posições, deixando o IN de reagir com as restantes, que desmontou.
Verifica-se, assim, que entre 24JAN68 e 09MAR69 o IN modificou o espaldão da posição 4 que passou a ser do tipo “espiral” permitindo montagem da metralhadora quádrupla; construiu as posições 5 a 10 a oeste e cerca de oito outras posições a leste.
- Em 30OUT69 foram identificados os seguintes espaldões: 1,2,3,4,5,7,8,9 e 10 a oeste (a posição 5 com três posições de atiradores) e os espaldões 17,19,20,21,22,23,24,25,27,28,31,32,34,35,37,39,40,41,44,46,48,51,52,53 e 55.
Parece notar-se a realização de trabalhos de beneficiação de quase todas as posições 21,24,28,48,37,44 e 51.
Em data relativamente próxima deviam ter-se iniciado trabalhos de beneficiação na posição 25.
- Em 16DEZ69, não se notaram ainda trabalhos de protecção dos espaldões das armas anti-aéreas nas posições 30, 33 e 38, notando-se já a posição 28 e possivelmente a 47
- Em 10 e 11JAN70, reconhecimento fotográfico e fotográfico/visual revelaram:
(i) recente construção de uma trincheira – 11,12 a 15 – com posições para atirador isolado e, provavelmente, duas posições de armas pesadas destinadas a tiro rasante, 13 e 14, e a construção de uma trincheira de combate de traçado irregular, 16; salienta-se que estas trincheiras se situavam de forma a evitar qualquer aproximação pelas direcções por onde foi tentada a das tropas pára-quedistas em MAR69;
(ii) a construção de mais um espaldão de metralahdora anti-aérea, 42;
(iii) a construção de posições defensivas avançadas para protecção dos espaldões; posições 26, 28, 30, 33, 36, 38, 43, 47 e 54 (admite-se como possível que as posições 28 e 47 já estivessem iniciadas em 10DEZ69;
(iv) a realização nítida de trabalhos de beneficiação dos espaldões 17, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 29, 31, 32, 34, 35, 37, 39, 40, 41, 46, 48, 52, 53 e 55.
(v) Salienta-se que nos espaldões 24, 25, 34, 48 e 53 os trabalhos de beneficiação pareciam ser apenas nos espaldões e não no poço e trincheira para a instalação de armas e guarnições respectivas.
(vi) Destacava-se, ainda, a ausência de trabalhos de beneficiação nos espaldões 21, 27, 44 e 51.
(vii) Não foi possível concluir da existência de trabalhos de beneficiação nas posições 1 a 10.
(viii) A ligação entre a trincheira de comunicação 15 e a trincheira de combate 16 não estava ainda concluída.
(b) Procedimentos assinalados
- A partir da acção de pára-quedistas em MAR69 e dos ataques aéreos subsequentes verificou-se um desembaraçamento dos campos de tiro, realizado à custa de abate de árvores e palmeiras.
- Verificava-se o extremo cuidado posto na camuflagem das posições à medida que se processava a sua construção, sendo os espaldões das posições de anti-aérea camuflados com ramos de palmeira colocados radialmente e as trincheiras e posições de combate para atiradores de armas ligeiras camufladas com tufos de capim que dão um aspecto “mosqueado” às posições.
- A falha mais assinalável era a falta de camuflagem das áreas onde foi feita remoção de terras, nomeadamente no interior das trincheiras e poços e na área adjacente aos espaldões de metralhadora anti-aérea.
- Após a concluisão dos trabalhos procedeu-se à instalação do armamento pesado, havendo que distinguir dois tipos de espaldões, provavelmente destinados a tipos diferentes de armamento.
Espaldões tipo “espiral”
Têm parede dupla e admite-se que se destinam a receber material cujo reparo seja susceptível de ser montado sobre rodado, sendo de admitir que se destinem a metralhadoras quádruplas.
Espaldões circulares
Têm paredes simples, com uma pequena entrada – 19 – apresentando no centro um poço ligado a uma trincheira em forma de “T”.
Admite-se que um dos ramos do “T” possa vir a ser coberto, ficando com a forma de “L”, como nas posições mais antigas – 23 -, servindo o ramo coberto para a guarnição se abrigar.
Estes espaldões admite-se que possam vir a receber apenas metralhadoras com um raparo relativamente pequeno, e portanto metralhadoras simples, no máximo duplas.
Estão neste caso as posições 1, 2, 3, 5, 7, 9, 17, 20, 21, 23, 25, 27, 34, 35, 39, 40, 41, 42, 45, 46, 48 e 55.
Espaldões de outro tipo
Com contorno exterior diferentes aparecem-nos os espaldões 29 e 53.
Verificou-se o crescimento da organização defensiva com vista à instalação de armas ligeiras, caso das trincheiras, posições avançadas, etc., podendo-se admitir que o In visou estabelecer uma organização defensiva anti-aérea e terrestre sendo, neste caso, os espaldões circulares destinados também à instalação de armas de tiro curto.
(c) Possibilidades de tiro
A forma como os espaldões estavam construídos faz supor que as posições dotadas com armas antia-aéreas dificilmente poderiam ser utilizadas em tiro terrestre com uma rasança aceitável.
(d) Instrução das guarnições
- No interior do perímetro defensivo notava-se a existência de diversas cubatas que poderão agrupar-se em três tipos mais ou menos distintos:
(i) do tamanho normal de uma casa balanta – A –
(ii) sensivelmente com metade desse tamanho – B –
(iii) de dimensões mais reduzidas – O –
- Admite-se que nalgumas destas casas pudessem habitar as guarnições das armas enquanto que outras poderiam servir de depósito de munições e material.
As casas de dimensões muito reduzidas pareciam cobertas de “IRÃS”.
- Não se notava em todo o perímetro defensivo a existência de escavações destinadas a abrigos nem terreno sobreelevado que pudesse corresponder à cobertura desses mesmos abrigos.
- A verificar-se a existência de tais abrigos admite-se que tenham sido cavados em “galeria”, o que, dada a consistência do terreno de areia, levaria à necessidade da existência de um sistema de cofragem eficiente.
(e) Finalidade da organização defensiva
- Admitindo-se o princípio, geralmente aceite, que a organização defensiva é uma envolvente das instalações a defender, não se vislumbram no interior da posição a existência de qualquer instalação de valor que justificasse tamanha organização do terreno.
- Admitindo-se que aquela organização defensiva pretendia garantir a defesa de quaisquer instalações excêntricas não se vê que as tabancas situadas imediatamente a norte, 5 casas, ou as situadas a sul, com sinais de intensa actividade e apreciável número de casas, fossem de molde a justificar só por si tamanha organização, ainda que se parta do princípio ser aquela uma região extremamente rica em gado, arroz e cola, visto que a área efectivamente defendida é muito reduzida relatiamente à extensão total da região.
Parece igualmente pouco provável que o IN tivesse concentrado na região depósitos de material, pois embora a região lhe permita um acesso fluvial fácil podê-los-ia construir com maior segurança em zona de mata densa, a coberto das vistas da nossa FA.
- Pondo de parte estas duas hipóteses poderemos ainda admitir que:
- as instalações tenham apenas um fim de propaganda e sejam aproveitadas para tentar materializar os cuidados dispensados pelo PAIGC às populações sob o seu controle no, por ele chamado, “território libertado”;
- o PAIGC tenha instalado na região um campo de treino, aproveitando para instruir o pessoal na construção de trincheiras e espaldões e, eventualmente, na reacção contra meios aéreos; a região tem um acesso fácil por via fluvial permitindo o transporte de material pesado;
- o PAIGC vise desviar a atenção dos nossos meios aéreos para uma região de menos interesse relativamente a instalações principais existentes no QUITAFINE; esta hipótese parece, aliás, pouco provável pois nesse caso deveria ter o cuidado de afastar as populações ad proximidade, facto que se não verifica, e não é de admitir que o PAIGC queira expor desnecessariamente essas populações;
- o PAIGC procure apenas causar baixas nos nossos meios aéreos; esta hipótese parece igualmente pouco lógica pois poderia obter resultados mais compensadores noutros pontos do território, actuando por surpresa, concentrando e dispersando as suas armas AA por forma a não oferecer um alvo remunerador par acções das NT ou da nossa Força Aérea.
- Embora não se disponha de elementos que permitam concluir a existência de trabalhos de beneficiação de núcleos de posições 1 a 10, aliás desactivadas em MAR69, há ainda a possibilidade de apoio dos dois núcleos 1/10 e 51/55 e a sua colaboração na defesa de qualquer objectivo intermédio, que também não está referenciado.
(f) Conclusão
Este estudo, baseado essencialmente em documentação fotográfica, tem apenas avaliar da evolução da organização do terreno não permitindo avaliar as intensões do IN quanto à montagem de armamento e objectivos a defender, pelo que as hipóteses postas em (a) não podem considerar-se como válidas sem uma análise conjugada com o conhecimento das suas intenções, facto que nunca foi obtido.
(g) Pormenor de espaldões
Organização Defensiva da Ilha de Cassebeche [, a sul de Cacine, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, incluída no mapa de Cassumba, um dos poucos mapas que nos falta pôr em linha]
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Notas dos editores:
(1) Vd. postes de:
22 de Novembro de 2007 < Guiné 63/74 - P2295: Hino de Gandembel, cantado no almoço da mini-tertúlia de Matosinhos (A. Marques Lopes / Carlos Vinhal)
28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2311: Vamos expor o Álbum Fotográfico dos homens-toupeiras de Gandembel ? (António Almeida / Idálio Reis / Luís Graça)
(2) Vd. postes de:13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1756: Exposição de armamento apreendido ao PAIGC, aquando da visita de Américo Tomás (Bissau, 1968) (Victor Condeço)
17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1764: Armamento do PAIGC (1): Metralhadoras pesadas Degtyarev, antiaéreas (Nuno Rubim)
(3) Vd. poste de 19 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2454: PAIGC - Instrução, táctica e logística (8): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VIII Parte): Minas III (A. Marques Lopes)
1 comentário:
Excelente informação. Onde posso encontrar mais dados , relatórios, etc, sobre a Operação Vulcano?
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