1. Mensagem de Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine (1972/74):
Assunto - Do purgatório de Bissum Nagal ao infermo de Cafal Balanta / Cafine
Para alguém ligado à história [ como eu], a preocupação com as fontes deverá ser de primordial importância...
Não foi exactamente assim que se passou comigo relativamente à informação que passo a debitar, dado que estou a confiar demasiado na memória, que obviamente não é de elefante...
De qualquer forma, não estarei muito longe da realidade se apontar estes dados:
13 Junho 72
Embarque em avião das Forças Armadas para Bissau. De imediato rumamos ao CUMERÉ onde tiraríamos o chamado IAO que deveria ser um período de aclimatação e aprendizagem sobre a temática de guerra ,mas não foi conseguido (creio que para a esmagadora maioria dos formandos a nível de todos todos batalhões)... E porquê? Quem ministrava o ensino já não queria arriscar – milicianos - e a generalidade dos indivíduos do quadro nada percebia do assun ...
Finais de Junho 72
Chegada a BISSUM/NAGA para o necessário período de sobreposição com quem estava de partida.
Dezembro 72
Partida dos 1º e 3º grupos para CAFAL BALANTA ( CANTANHEZ) onde ficaríamos adstritos até à chegada do resto da companhia.
15 de Março 73
Chegada do resto da companhia ao Cantanhez (CAFINE) com a consequente mudança dias depois (2 semanas?) dos grupos já referenciados por forma a ter a companhia de novo toda junta.
Convirá referir que a distância quilométrica entre as duas localidades não ultrapassava os dois quilómetros( passávamos o dia de um lado para o outro, ora na função de reordenamentos na segunda localidade, ou tão somente para gastar o tempo...
A estrada era uma recta enorme com apenas uma ligeira curva. Mesmo assim, o IN colocou uma mina anticarro que vitimou um soldado de Cafal e feriu gravemente outro.
Obviamente que o objectivo do engenho fora destinado para uma situação de mais vitimas ( quatro vezes ao dia uma Berliet com vinte ou trinta militares fazia aquele trajecto de manhã e de tarde levando pessoal dos grupos 1º e 3º para o trabalho de feitura de habitações para a população em CAFINE) durante as tais duas ou três semanas que mediaram entre a chegada do resto da malta e a necessária reunificação...
15 de Junho 73
Partida dos 2º e 4º grupos para COBUMBA.
25 de Setembro 73
Chegada ao Dugal e seus destacamentos de FATIM e CHUGUÉ.
5 de Julho 74
Chegada ao Cumeré.
13 de Julho 74
Embarque para Lisboa.
Se me fosse perguntado em termos religiosos como classificaria as várias localidades por onde passei naquele périplo de vinte e cinco meses, ao reportar-me a BISSUM, poderia, usando a expressão "saudade apesar de tudo..." , apelidá-la de purgatório, atendendo a que os cerca de seis meses ali passados, apesar de isolados de tudo, não foram aquilo que se pintava em Bissau, (quando chegamos bviamente inquirimos "meio mundo" sobre o local para onde íamos e a resposta, invariavelmente, apontava para um sítio onde o verbo "embrulhar" se conjugava com inusitada repetição...)
Não foi isso que aconteceu...
De forma perspicaz, o capitão da unidade que nos antecedeu, atribuía aos muitos e contínuos êxitos obtidos fora de portas - pelo grupo de milícia nova em que a apreensão de armamento IN acontecia com bastante frequência - um comando de pessoal branco em operação provavelmente conjunta...
Ora o timoneiro da minha companhia como homem inteligente, utilizando a badalada expressão futebolística de que em equipa que vence não se mexe, deu continuidade à fórmula ganhadora, e continuou a somar pontos para um campeonato em que foi guindado aos lugares cimeiros em termos de operacionalidade...
A juntar a isto, o próprio nome do líder, Terrível, ( daí a designação da companhia...), serviria para obrigar o HOMEM GRANDE a pensar na solução para o sul usando a lógica do raciocínio: "Se ele pacifica uma zona complicada como BISSUM/NAGA, será o homem indicado para me resolver a questão lá em baixo..."
Se bem pensou, "mal o fez", diria eu ...
É que mercê desse raciocínio algo simplista obrigou-me a conhecer o inferno, que
posso, sem quaisquer sombras de dúvidas, localizar como sediado no eixo CAFAL BALANTA-CAFINE (infelizmente não vos posso fornecer as coordenadas...) .
Dentro de dias tentarei, (se para isso tiver o engenho e a arte...) enviar-vos algumas fotografias das casas/covas de CAFAL onde não nos faltava o envio aéreo por parte do PAIGC de metal quente sob a forma de RPG, canhoada, ou simples bala de Kalash, em substituição dos frescos de pára-quedas que o homem do monóculo prometera...
Acabaria por conhecer o céu quando em Setembro de 73, mercê do excelente serviço de reordenamentos e porque não dizê-lo, do qualificado trabalho operacional, o madeirense (não, não é esse em que estão a pensar...) Bettencourt Rodrigues (o homem que fazia as vezes de Spínola...) num rasgo de inteligência e de justiça decidiu conceder-nos o céu, (é certo que sem as virgens como propicia Alá...) para que pudéssemos enfim saborear as coisas boas da vida ...
Até lá, um abraço a toda a malta.
__________
Nota de L.G.:
(*) Vd. postes anteriores:
14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3890: Tabanca Grande (119): Apresentação de Manuel Maia ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)
13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72 , o Camões do Cantanhez
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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