quinta-feira, 4 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4460: PAIGC - Quem foi quem (8): O Luís Cabral que eu conheci (Pepito)

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima, margem direita do Rio Cacine > 2 de Março de 2008 > Em primeiro plano, o Pepito observa a partida de um grupo de participantes estrangeiros do Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2008), em canoa, rumo a Cacine, na margem esquerda. (Catorze meses depois, sei que o Pepito está hoje muito mais elegante, graças ao programa de regime a que se submeteu).

À sua direita o nosso camarada Zé Teixeira, da Tabanca de Matosinhos, e, à esquerda, o Domingos Fonseca, téncico da AD, do Programa Integrado de Cubucaré (onde se ocupa preferencialmente das acções ambientais em Cantanhez, nos domínios de ecoturismo, formação de professores de verificação ambiental, colecta de plantas medicinais e identificação de percursos naturais).

O
Domingos foi um dos elementos-chave da organização (excepcional, impecável) que permitiu levar uma enorme caravana de jipes, de Bissau até ao Bissau, cerca de 600 quilómetros ida e volta, e largas dezenas de pessoas... Fomos a um sábado, dia 1 de Março, com várias paragens (Saltinho, Ponte Balana, Gandembel, Guileje), pernoita em Iemberém (sábado); no dia 2, domingo, visita a Iemberém, Madina do Cantanhez - Acampamento Osvaldo Vieira, almoço em Canima e visita, à tarde, a Cacine, e de novo pernoita em Iemberém... Segunda feira livre, com regresso a Bissau, antes das 17 horas, início marcado do Simpósio, no Hotel Palace de Bissau...

Foi um grande acontecimento, importantíssimo para a preservação da memória da guerra colonial / luta de libertação, na Guiné-Bissau, e cuja lembrança ficou no coração de muitos de nós, portugueses, guineenses e outros, que tiveram o privilégio de lá ter estado... Foi também um grande desafio para a AD - Acção para o Desenvolvimento e o seu principal mentor, o Pepito, uma grande figura guineense, hoje respeitada nacional e internacionalmente.

O Simpósio foi um tremendo desafio, ganho pelos nossos amigos da Guiné-Bissau. Um acontecimento de que ainda hoje se fala em Bissau e no sul do país... E de que se continuará a falar com a inauguração, em breve, do
Museu Memória de Guiledje...


Foto (e legenda): ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Perguntei ao meu/nosso amigo Pepito, membro da nossa Tabanca Grande:

Como foi vista aí a morte do Luís Cabral ? Mais um histórico que desaparece (e que histórico!) e a memória que se vai (*)... Andámos (o Virgírnio Briote) atrás dele, em vão... Sempre se recusou a receber-nos e a falar connosco (com o VB, ex-comando...). Vou publicar esta (in)confidência do VB... Um abraço. Até Julho. Luís


2. Resposta do Pepito (aliás, Eng Agr Carlos Silva Schwarz), director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau:

Luís,

Tenho uma excelente opinião do Luís Cabral.

Foi o meu primeiro Presidente e sempre o tratei como tal em todas as vezes que ia visitá-lo a Miraflores.

Habituei-me a vê-lo diariamente em todas as actividades e departamentos do Estado. Visitava para se entusiasmar ele próprio com os progressos que o país ia fazendo, logo após a independência. Visitava sempre que possivel o Centro de Pesquisa Agrícola de Contuboel, criado pelo DEPA em 1977 e onde pela primeira vez se fez orizicultura na época seca, a partir da irrigação do rio Geba.

Eu, novato, com 27 anos, tremia por todo o lado. Não com medo da pessoa (aliás ele era duma afabilidade impressionante), mas com medo de estar a cometer algum erro. O interesse genuíno e nunca de circunstância, era contagiante e aprendi com ele a sonhar um belo país para a Guiné-Bissau.

Já no exílio, em Lisboa, nas conversas que tinhamos, pouco lhe interessavam as notícias sobre a descida aos infernos que estávamos a viver. Entusiasmava-se sim com boas notícias e com sucessos que aqui e ali o país ia registando.

Tinha todas as razões para lançar diatribes contra o Nino Vieira, que o traiu miseravelmente, mas nunca o fez. Para ele o que contava era o futuro da Guiné-Bissau, única justificação da sua dedicação e engajamento na Luta.

Passeava nas ruas e tabancas do país sem guarda-costas, às vezes em calções e a andar de bicicleta, como uma vez em Bubaque em que me viu a mim e à Isabel e disse "passem lá em casa para conversarmos". Nós os dois, ainda miúdos, criámos a ideia de que um Presidente era uma pessoa simples, acessível a todos e que acreditava na malta nova. O que se passou a seguir mostrou-nos Presidentes ao contrário.

Em Portugal continuou a conviver com pessoas de relevo intelectual e lideres internacionais. Contava-me estórias das conversas dele com o Mandela, cheias de humor e significado, pela simplicidade que ele apreciava num líder tão marcante da nossa época.

Ofereceu-me um desenho, que é praticamente desconhecido, de Amilcar Cabral, feito por um angolano, e que tenho no meu gabinete de trabalho em Bissau, cobiçado por muitos amigos meus.

Sempre me magoaram muito as afirmações que vi, recorrente e injustamente, fazer-se sobre a responsabilidade de Luís Cabral na morte dos comandos africanos.

Nos primeiros anos de independência fiz parte da direcção da Juventude do Partido (a JAAC) e emiti muitas críticas em relação a certas opções e à permissividade de certos comportamentos a que chamei na altura como "o descanso do guerreiro".

Da mesma forma que me exaltei de satisfação com o programa mais inovador e eficaz que algum dia tivemos no país (o programa de saúde comunitária, liderado por João da Costa e Boal).

Imediatamente a seguir ao golpe de estado do 14 de Novembro de 1980, demiti-me da direcção da JAAC por não me rever neste tipo de "debates" das divergências internas.

Tenho orgulho de ter pertencido ao Governo de Unidade Nacional que, em 2000, organizou a única e última visita de regresso de Luís Cabral a Bissau.


abraço
pepito

[Bold, a cor, da responsabilidade de L.G.]
__________

Nota de L.G.

(*) Vd. poste de 1 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4447: PAIGC - Quem foi quem (7): Luís Cabral (1931/2009) (Virgínio Briote)

4 comentários:

Anónimo disse...

Camaradas
Imagino como este comentário ainda possa ser corajoso, e mostra um bocadinho da personalidade de Luis Cabral, personalidade quase desconhecida.
Oxalá a Guiné consiga descobrir um bom rumo. Através do Pepito expresso votos de felicidades.
José Dinis

Anónimo disse...

Caro Pepito

Já passou muito tempo desde que nos encontramos na ENSP, cuja amizade se forjou no nosso interesse comum: a felicidade dos guineenses.
Parabéns pelo teu trabalho, que tenho acompanhado no blogue.
Parabéns pelo teu texto sobre o Luís Cabral.
Recebe um abraço fraterno e de paz, para todos aqueles que querem viver em paz, nessa terra que amamos, apesar de hoje, já ter tido a noticia de mais um incidente politico e público.
José Martins

Luís Graça disse...

Pepito: Trememos pelo teu povo, pelos nossos amigos, quando os diabos étnicos voltam a andar à solta...

Cuida bem de ti e dos teus. Luís

joão coelho disse...

Mais meia dúzia de assassinatos na Guiné-Bissau, o diabo anda à solta..Entre os mortos, Helder Proença,um dos poucos poetas do país. " É doloroso dizer, mas não tivemos tempo de respirar o hálito das manhãs sonhadas.." escreveu ele algures.
A CPLP servirá para alguma coisa? E a antes designada OEA (Org.dos Estados Africanos ) que mudou de nome entretanto? E a ONU?