sábado, 6 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4470: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (6): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (V Parte)

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 1 de Junho de 2009:

Caro Carlos / Luís:

(Com um novo mês não sei bem a quem me dirigir). Com um pouco menos de uma
semana de intervalo junto em anexo a continuação da estória sobre Madina Xaquili
- parte 5. Como está a chegar ao fim, por mim, gostaria de apressar o seu termo.
O editor de serviço fará o que entender.

Gostaria, se for possível, que fizessem duas correcções aos meus textos
anteriores, também para bem do Blog, assim:

1 - Na minha 1ª estória (3 oficiais): No 11º parágrafo:
Cheguei a Bafatá que integravam Bafatá: Ponte Nova, Rocha e
(substituir os três pontos por: Nema)

2 - Na minha 3ª estória (Madina Xaquili Parte 2): No penúltimo parágrafo:
Como era sabido no 1º ataque à tabanca, em 24JUN69
(a data correcta é 24JUL69)

Dois abraços.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

6 - Um Alferes destacado (desterrado) em Madina Xaquili com um cano (só o cano) dum morteiro 60 - parte 5.

Preâmbulo

Como tenho vindo a referir, na sequência do agravamento da situação no Cossé, fui destacado para Madina Xaquili, onde vivi uma experiência verdadeiramente inesquecível.

No Poste anterior – 4429 (7.º, 8.º e 9.º dias dessa minha experiência), relatei o patrulhamento até Cantacunda em que na volta se ouve o primeiro tiro em Madina Xaquili, o aparecimento de um heli e a minha iniciação como consultor sentimental.

Relato do 10.º dia – 21JUN69:

Pela manhã, bem cedo, partiu um grupo de combate rumo a Padada, armado até aos dentes, ou melhor, além das G3 o cano dum morteiro 60 (só o cano). Na tabanca, encarregado da sua defesa, sem o cano de morteiro e com a incumbência de pedir apoio aéreo caso ouvisse restolhada para os lados de Padada, ficou o 2.º Comandante, o Furriel que tinha chegado três dias antes, sim, porque meios rádio não tínhamos para levar. O João Vieira foi comigo, mais por questões de tradução simultânea. Íamos uns 20 africanos e 10 metropolitanos.

A Ordem de Operação determinava que se fosse até à antiga tabanca de Padada distante cerca de 12 Km e já a uns escassos 15 Km do rio Corubal. Aí reunir-nos-íamos com outro grupo de combate que vinha de… (não recordo donde) e, caso houvesse vestígios IN, montaríamos uma emboscada na zona. Os vestígios IN encontrados foram muitos, como descreverei.

De acordo com a miséria, em termos de armamento, que pairava por todos os aquartelamentos, o Cap Jerónimo (recordaram-me o seu nome no último almoço da Tabanca de Matosinhos) teve que deixar ir 8 militares para Madina Xaquili só com um cano velho de um morteiro 60 com 16 granadas, sem sequer disponibilizar uns dilagramas.

Assim, pelo facto de a maior parte do percurso se fazer pela mata e não ter muitas hipóteses de usar o morteiro, congeminei (talvez uma heresia) usá-lo em tiro tenso como se fosse uma basuca. Em Mafra tinha feito muitos disparos com morteiro 60 e tinha verificado que mediavam umas fracções de segundo entre a percussão e o disparo. Assim, e só no caso de emboscada IN, só precisava que no desencadear da mesma me calhasse ficar ao pé dum tronco de árvore para poder encostar a rótula do morteiro. Também sabia que as granadas só activavam ao fim dum certo tempo de trajecto, pelo que, se não baixasse a tempo o cano e a granada batesse numa árvore por cima de mim, esperava que não explodisse. Ademais o apanhado pelo clima fazia esquecer todo o perigo.

Os dois primeiros quilómetros foram percorridos descontraidamente. Seguimos pela picada para Padada cerca de 1 Km, até uma depressão de terreno criada por uma linha de água, local que marquei como ideal para montarmos emboscadas, caso continuasse muito mais tempo na tabanca. Sim, porque não daríamos oportunidade ao IN de nos encontrar dentro do arame.

A seguir a essa linha de água dei ordem para deixarmos a picada tendo atravessado pequenas clareiras, lindíssimas, pejadas de montículos, tipo cogumelo, de formigas que não as baga-baga.

Uma clareira com os montículos das formigas, ainda perto de Madina

Outra clareira

Numa dessas clareiras pedi que me tirassem uma foto em progressão. Sem querer (veja-se a foto) ficou registado o ataque de abelhas que sofremos. Tivemos muita sorte pois só tivemos três ou quatro picadas e ainda não estávamos em zona IN. Continuámos.

O ataque de abelhas. À frente o pessoal foge para a esquerda

A partir de 2/3 Km percorridos nova ordem: Ir sempre pela mata e em silêncio absoluto com a picada sempre à esquerda.

A cerca de 2/3 Km de Padada começámos a cruzar trilhos recentes do IN, desse dia ou do anterior. Como o capim nessa altura tinha cerca de um palmo, facilitava bem a datagem.

Estávamos a chegar a Padada à hora estabelecida e agora a minha grande preocupação era o momento de contacto com o outro grupo de combate, até porque sabia que também integrava africanos. Naquela altura achava que só as armas, G3 ou Kalash, nos diferençavam.

A certa altura vêm-me informar que o contacto tinha sido estabelecido. Respirei fundo.

Momentos depois vim a saber que uns quinze dias antes outro grupo de combate desse destacamento tinha tido ali um encontro, frente a frente, com o IN. Os primeiros elementos de cada grupo encontraram-se, de caras, a acerca de 20m um do outro. Dispararam ambos tendo o nosso soldado recebido um tiro que lhe desfez uma cartucheira que lhe salvou a vida.

Montada a segurança, reabastecemo-nos de água numa fonte de Padada e almoçámos.

A fonte em Padada onde nos reabastecemos de água

Depois do almoço com o João a meu lado

No pressuposto que era a segunda vez que as NT iam a Padada e que ainda não haveria minas, andei livremente (com a segurança montada) pelas ruínas da tabanca onde tirei algumas fotos. Depois desta segunda incursão achava que o IN iria armadilhar a zona. Mais tarde e já no Agrupamento em Bafatá chegaram as notícias disso mesmo.

Junto aos restos de uma palhota em Padada

Restos da antiga tabanca de Padada

Conforme a ordem de operações, montámos uma emboscada na zona de um trilho IN. A meio da tarde, sem que o IN se manifestasse, retornámos a Madina Xaquili, agora uma coluna de uns 80 elementos com mais armamento que um simples cano velho de morteiro 60. Chegámos a tempo de ouvir o relato de um Sporting/Académica.

No relato do dia seguinte vou descrever como vou encontrar o João Vieira a andar de pernas abertas. As mordomias de chefe tinham-no traído.

Até para a semana camaradas.

Texto e fotos: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4429: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (5): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (IV Parte)

1 comentário:

Anónimo disse...

Fernando Gouveia

Gostei da leveza do escrito.
A mordacidade do "armados até aos dentes...",a elegância da descrição fotografada das "clareiras lindissimas, pejadas de montículos...",até ao abastecimento de água pura e limpida como atesta a foto, passando pelo expectativa do tiro directo de morteiro,parece-me que vais ter muito que contar
Parabéns

Luís Faria