Caros Editores
Venho acompanhando o blogue já há algum tempo e decidi fazer a minha apresentação.
Sou José Ferreira da Silva, fui Furriel Miliciano de Op. Esp. da CART 1689/BART 1913, que esteve na Guiné entre 1967/1969.
Proponho escrever uns textos que possam ser agradáveis, recordando situações vividas na Guiné, sugerindo um nome – “Memórias boas da minha guerra”.
Talvez escreva também outras coisas mais sérias.
Junto as duas fotografias da “ordem” e, desde já, envio o meu primeiro texto – “Bife à Dunane”.
Os meus cumprimentos para todos.
José Ferreira da Silva
(Silva da CART 1689)
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MEMÓRIAS BOAS DA MINHA GUERRA
1 - BIFE À DUNANE
Para a CART 1689, a ida para as “Termas” de Canquelifá foi, ao contrário do resto da comissão, um período de quatro meses de quase repouso. Constava que “eles” iam mexer com a zona, mas isso só veio a acontecer depois de termos regressado. Já não havia combates por ali há cerca de um ano, o que era uma situação anormal e… agradável.
Entre Canquelifá e Piche havia um destacamento em Dunane. Era um posto segurança avançado, que funcionava a nível de pelotão, reforçado pelos milícias locais, que viviam lá com os familiares. Os patrulhamentos eram pequenos e os serviços eram poucos e bem distribuídos. Além disso, comia-se muito melhor, porque havia fartura de carne. Daí ser chamado “Hotel Dunane”.
Não sei por que razão, eu era presenteado, assiduamente, com um pequeno saco com ovos, que alguém vinha colocar à porta da minha “tabanca privada”. Como eu não os comia, os sacos com os ovos iam-se acumulando.
Resolvi falar com o cozinheiro para saber da possibilidade de fazer um prato especial, que baptizei de “Bife à Dunane” – bife com batatas fritas, ovo a cavalo e picles.
Surgiram, então, algumas dificuldades. Onde fritar tantas batatas? E os ovos?
Começava a duvidar que fosse possível fazer um prato tão sofisticado, mas o cozinheiro, contra o que era habitual, entusiasmou-se. Chamavam-lhe “Madeirense”, mas também era conhecido por “Badalhoco”, que o Serafim Martins Delindro, pasteleiro de profissão, na sua forma especial e acutilante de dizer, corrigia para “Senhor Badalhoco”. Era um pouco barrigudo, meio loiro meio ruivo, sempre com barba de alguns dias, usava um bigode parcialmente queimado pelos cigarros, espetado, excepto no rego do nariz, onde estava colado ao lábio; era difícil saber se seria da cerveja ou do ranho que lhe corria do nariz. Vestia uma camisa encardida, solta por cima dos calções, que se apresentavam abertos à frente, devido à força da barriga e à falta de botões. Calçava umas botas envelhecidas, quase desfeitas pelos pontapés que dava na lenha a arder e nos apetrechos da cozinha.
A frigideira para fritar os ovos foi improvisada com uma chapa com as bordas viradas à força para cima.
Quando lhe entreguei os últimos ovos já estava ele a colocar o óleo na frigideira, que estava assente em cima de uns adobes e a lenha ardia já fortemente por baixo. O “Madeirense”, sob aquele sol escaldante, com a cerveja na mão e o cigarro na outra, transpirava copiosamente.
- Já tá bom, ma Furiel Seilva. – dizia ele - E cuspiu uma “bisga” para dentro da frigideira, a confirmar que o óleo já estava bem quente.
Largou a “bazuca”, chupou a “barona” até aos dedos queimados, deitou-a fora e começou a partir os ovos, um a um, contra a borda da frigideira. Despejava-os imediatamente no óleo, mas, afinal, havia ovos em todas as fases de gestação. Havia alguns ainda bons para comer, outros eram já mais pintainho que ovo e de outros saíam pintainhos que patinhavam no óleo a ferver. O “Madeirense”sacudia-os para fora da frigideira com um graveto que apanhou do chão, gritando:
- Saie dae, filhe da piiiiuta!
E, como a cena se repetia, lamentava-se:
- Ai maezenha, que cuaralhe de sort’a menha!!!
No final ninguém reclamou do cozinheiro ou do cozinhado. Pelo contrário, todos adoraram aquele prato especial confeccionado por um cozinheiro ainda mais especial, que foi muito cumprimentado.
Silva da Cart 1689
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Comentário de CV:
Caro Silva, é caso para dizer que a coisa promete.
Sê bem aparecido nesta Tabanca que a partir de hoje partilharás com os mais de 400 camaradas e amigos que a compõem.
A tua primeira história, para uma série com um título por ti sugerido, é muito engraçada, tendo ainda por cima como interveniente um natural da Madeira.
A minha Companhia tinha como operacionais naturais daquela bonita ilha, pelo que imagino como era para vós estranho o sotaque do vosso mestre de cozinha. Mais difíceis eram de entender, quanto mais afastados fossem do Funchal. Ao tempo dizia-se, do campo.
Já agora permite-me que te diga que enquanto estivemos no BAG-2 (S. Martinho-Funchal), tivemos um óptimo cozinheiro madeirense, o inesquecível Araújo, cuja especialidade eram os bifes de atum, bem melhores que os bifes à Dunane, desculpa lá a imodéstia.
Ficamos, então na expectativa de mais histórias, destas ou mais sérias. Julgo saberes que tens no nosso blogue um camarada de Companhia, o ex-Alf Mil Alberto Branquinho que tem duas séries, uma terminada e outra ainda recente.
Deves utilizar estes marcadores para acederes, respectivamente: às tuas histórias (José Ferreira da Silva e Memórias boas da minha guerra), às do Alberto Branquinho, Não venho falar de mim, Contraponto e aos textos referentes à CART 1689.
Podes também aceder aos mapas das localidades por onde andaste, clicando nos nomes sublinhados e de cor diferente.
Posto isto, recebe um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 22 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6626: Tabanca Grande (226): Acácio Correia, ex-Alf Mil, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1973/74)
7 comentários:
CARO ZÉ SILVA,
ESTA TUA ENTRADA NA TABANCA FOI UM AUTÊNTICO RONCO.
A DESCRIÇÃO DO COZINHEIRO ESTÁ SIMPLESMENTE UMA MARAVILHA.
E O PORMENOR DA "BISGA" ENTÃO DÁ-LHE UM AR AINDA MAIS SURREASLISTA...
OS MEUS SINCEROS PARABÉNS.
CÁ ESPERO OS TEUS NOVOS ESCRITOS.
ABRAÇO
MANUELMAIA
Boa
Excelente Entrada
Bisga na frigideira pinto a fugir...
Gostei e manda mais
Ab Torcato
Caro Camarada Zé Silva
O cartaz do aeroporto internacional de Canquelifá, assim como o sinal de Termas, ainda existia no meu tempo (70/72). Nunca estive destacado em Dunane, mas passei várias vezes por lá. Esse Destacamento estava atribuído à Companhia de Canquelifá (CCav.2748). Estive destacado , talvez aí uns seis meses em Cambor (pertencia à CCav.2749). À saida de Pitche na estrada para Canquelifá, andava-se 7,5 Kms para chegar ao Destacamento de Cambor. Dunane ficava a 21 Kms de Pitche. e por fim Canquelifá situado a 35 Kms. Aí chegados podia-se beber algo no tasco do Pais, caboverdiano radicado em Canquelifá, ainda comi um cabrito "pé de rocha" (macaco cão) assado no forno do Pais, pensando mesmo estar a comer cabrito. Foi uma brincadeira dos meus camaradas furriéis da CCav.2748. Só no fim do almoço é que disseram que era macaco. Mas que estava bom, lá isso estava.
Abraço
Luís Borrega
Ex-Fur.Mil.Cav. MA da CCav 2749/BCav.2922
Pitche 1970/1972
Silva
Finalmente, não estou só.
Um abraço do
Alberto Branquinho
(Cart 1689)
Caros Camaradas
Gostei muito da receptividade que me fizeram. Agradeço imenso os apoios e os elogios. Gostaria de corresponder às expectativas. tudo depende desta já velha memória, porque as minhas histórias já existem e são verdadeiras. Haja um mínimo de capacidade para, fnalmente, as registar.
Obrigado
Até breve
Abraço do Silva
Informa se estavas em Catió em Maio e Junho de 1968.
Ribeiro - ex-Fur. Mil. Art.
Camarada Ribeiro
Vim de férias (com Faria e Valente), saído de Catió, a 20 e tal de Março/68, para onde regressei a 17 de Maio. Penso que saímos para Cabedu a 10 de Junho. Nesse período, eu não usava bigode. Se estiveste lá, seguramente que tivemos contacto.
Abraço
Silva
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