Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães.
Envio este texto onde relato um episódio passado na Guiné que na altura me apiedou, que publicarão caso entendam que tem algum interesse para o blogue.
Quanto à foto que eu na época tirei, onde são visíveis os ferimentos provocados na pessoa, a mim não me choca, mas pode ferir sugestibilidades mais sensíveis de alguns. Sendo assim, publicar a foto pode não ser a opção mais curial, deixo à vossa sensibilidade a decisão de fazer o que acharem mais adequado.
Um abraço
José Corceiro
Foto 1 - Corceiro, no Hospital de Bissau, à volta com as suas escritas.
CASOS DE AZAR E SORTE (1)
Camarada ferido pelo impacto de uma granada que não explodiu
Creio não estar a errar, se afirmar que já todos nós, ao longo das nossas vidas, nos confrontámos e fomos surpreendidos por acontecimentos que se nos perspectivaram estarem a tanger e ameaçar entrar na fronteira do incrível, deixando-nos a meditar com alguma perplexidade, porque à luz duma interpretação racional tivemos dificuldade em os ajuizar numa explicação lógica que nos tranquilizasse o ego, ou que serenasse a crença de outros, para os quais essas circunstâncias poderão ter a grandeza de mistério!
Eu ao longo da minha existência tenho sido bafejado por muitos e variados casos, a raiar o limite do fenomenal, algumas vezes como espectador, outras como sujeito interveniente. O meu carácter é de compleição reservada, pois não sou pessoa de manifestar exaltação exacerbada e irreflectida, perante os acontecimentos extraordinários que tenho testemunhado e vivido, durante o percurso da minha vida. Direi que é raro expandir-me em manifestações efusivas ou admiração de entusiasmo desmedido, de forma a empolgar exageradamente os acontecimentos menos explicáveis, mas com potencial espectável que ocorram e nos quais eu possa estar envolvido, pois aceito pacificamente a “lei da probabilidade” que diz:
- Tudo aquilo que é susceptível de acontecer mais cedo ou mais tarde acontece!
Posto isto, perante os casos que se me afiguram como enigmáticos, mas com o mínimo de virtualidade provável para que sucedam, mantenho uma postura de euforia contida dominada pelo racional, visto reconhecer que há por vezes coincidências resultantes de acontecimentos concomitantes que conduzem a estes “fenómenos” menos vulgares que ocorrem, e eu admito-os como casos passíveis de acontecer!
Redigi este intróito com a finalidade de enquadrar a narração de alguns episódios que vivi na Guerra da Guiné, durante o período que lá permaneci e que a seguir vou tentar descrever. São meia dúzia de casos que teimam em permanecer mais lúcidos e vivos no meu consciente e que vou partilhar convosco, dividindo o envio em partes.
Foto 2 - Corceiro, sentado de frente lado esquerdo. Refeitório do Hospital de Bissau, Não recordo os nomes dos outros camaradas.
1.º CASO - O dia nove de Dezembro de 2010, foi editado o P7409 cujo título é: - A Granada de Morteiro que Veio Jantar. O Autor é o nosso estimado camarada, Alberto Branquinho.
Nesse poste eu deixei o seguinte comentário:
- “Não tenho a certeza que seja o mesmo caso, que o Torcato refere sobre o acidente da granada de morteiro que se alojou na coxa dum ser humano sem explodir!
Eu, durante um internamento que tive no Hospital de Bissau, foi-me permitido, por pessoa conhecida, atendendo ao inédito acontecimento, tirar umas fotos que guardo da coxa dum adulto, com os ferimentos provocados por uma granada que não deflagrou. Segundo me disseram na altura, a pessoa em questão estava na sua tabanca deitada, quando foi surpreendida com a granada que se alojou na coxa.”
Foto 3 - Tirada por mim no Hospital de Bissau. Os ferimentos da foto foram causados por uma granada que não explodiu.
(Clicar para ampliar a imagem)
Porque creio que haverá desfasamento temporal entre o acontecimento que o Torcato referiu no comentário ao P7409 e isto que eu vi e que fotografei a parte da pessoa, com ferimentos provocados por uma granada disparada que ao cair atingiu a coxa dum ser humano e não rebentou, como na altura me foi dito, afigurasse-me provável que não sejam o mesmo caso, pois entendo não haver similaridade entre os dois.
Julgo que os traumatismos visíveis na foto são de etimologia perfurocontundentes, ou seja, que poderão ser as contusões provocadas pelo impacto da granada, que ao atingir a coxa rasgou os tecidos musculares e destruiu algumas partes ósseas. As lesões parecem-me ser muito extensas para a contundência causada pelo objecto em análise, ainda que a profundidade seja a espectável que provocaria o projéctil. Pois temos que levar em linha de conta, que a contusão dependerá sempre de N factores, como seja a direcção da força que provocou os danos, outros obstáculos já ultrapassados pelo engenho, a aceleração ou desaceleração da velocidade do objecto e a posição do corpo atingido, ou seja o alvo!
Disseram-me na altura e a foto confirma-o, que não tinha sido afectado nenhum órgão vital, mas é bem visível que ficou muito lesada a complexidade dos ligamentos iliofemorais, assim como o conjunto dos diversos músculos existentes na zona do ferimento, que são muitos, tais como os glúteos, os gémeos, os adutores, o periforme, o obturador etc. Ficaram dilacerados vasos e nervos da região afectada. Foram destruídos o colo e a cabeça do fémur, assim como a cápsula coxofemoral, até a crista ilíaca foi atingida.
Mas, que foi uma coincidência de azar e sorte, lá isso foi; atendendo a similitude dos efeitos provocados por esta causa, em relações a outras que aconteceram com perigosidade idêntica noutras ocasiões.
O ter-se ficado com vida por a granada não ter rebentado, foi um factor de sorte; o estar a descansar em casa e ser atingido pelo projéctil, que causou ferimentos que provavelmente desencadearão um processo que levará à amputação da perna, isto foi um factor de azar!
Não soube como evoluiu clinicamente o caso.
Junto envio foto que na época eu tirei, no Hospital de Bissau.
Foto 4 - Granada que caiu sem explodir, dentro do Aquartelamento de Canjadude, durante uma flagelação desencadeada pelo inimigo.
Foto 5 - Míssil disparado pelo inimigo que não explodiu ao cair. Espetou-se junto ao bloco do edifício, caserna, secretaria, refeitório, armazém e cozinha, de Canjadude. Se tivesse rebentado, estas estruturas iam todas pelos ares. São visíveis estragos na cobertura da cozinha, devido a outro rebentamento!
Foto 6 - Baioa, em Canjadude, junto do míssil que não explodiu ao cair.
Um abraço
José Corceiro
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(*) Vd. poste de 19 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7471: O Mural do Pai Natal da Tabanca Grande (2010) (9): Como vejo o Natal (José Corceiro)
10 comentários:
Caro José Corceiro
Tenho aqui o recorte do Jornal.
Diz que o o "projéctil entrou na zona nadegueira direita de uma mulher", num achaque de terroristas a Canquefifá, no dia 17.A noticia é da ANI e saiu num normal em Portugal a 26/6/69.
Falei com um cirurgião que me confirmou.
Não tenho presente se me disse o nome do colega. O Branquinho diz ser Diaz. A esta hora não vou telefonar a esse meu familiar.
Diaz diziam ser o médico cubano do Fiofioli...outra história.
O projéctil era de morteiro 60.
Am Abraço T.
Li e a esta hora...e em certos dias...
Onde se lê:
- Diz o o deve ler-se Diz o;
- achaque deve ler-se ataque;
- Canqufifá ...é Canquelifá;
- normal ...é Jornal;
Am Abraço...é..Um abraço...
Coisas de velhos, agitam-lhe o dia e zás!
Abraço do T.
Há tempos uma aluna minha de mestrado, de origem caboverdiana, cirurgiã no Hospital de Santa Maria, falou-me de um caso semelhante ocorrido no HM 241, em Bissau... O seu director de serviço (se não me engano...) tinha estado na Guiné, como cirurgião, e um dos seus casos mais célebres foi justamente operar um ser humano (militar ou civil, não me lembro) com uma granada alojada no corpo... O risco de explosão era real... Mas a intervenção cirúrgica correu da melhor maneira... A minha aluna queria-me apresentar o "chefe", mas eu nunca tive oportunidade de o conhecer... Um dia destes vou saber mais pormenores...
Na realidade, José Corceiro, o insólito, o paranormal, acontece, aconteceu, e continuará a acontecer... E para mais em situações-limite como a guerra ou as catástrofes naturais... Esses casos são hoje mais facilmente objecto de atenção dos "media", tem honras de telejornal...
Estamos-te gratos por nos trazeres casos desses, verdadeiros jogos de sorte e azar...Alguns de nós devem a vida àquilo a que chamávamos a "estrelinha da sorte"... A morte, aos 20 anos, era como a lotaria... Mas é bom não esquecer que estávamos numa guerra...
Os meus parabéns, para um leigo está muito bem escrito... apesar de trocares os nomes de alguns músculos...isso não interessa nada..de certeza que foi feita amputação do membro. Mesmo hoje com a microcirurgia e a cirurgia plástica e reconstrutiva seria muito difícil recuperar na totalidade a função do membro.
c. martins
Caro C. Martins
O meu obrigado…
É natural que tenha havido alguma troca dos músculos entre os referenciados, mas creio estar correcto que todos os mencionados são da região glútea. Melhor do que eu o C. Martins sabe o quão difícil se torna, mesmo com um cadáver em presença para dissecar, isolar a massa do músculo com a respectiva fáscia, de uma inserção óssea à outra, de um outro músculo adjacente…já passaram muitos anos após ter sido aluno de Anatomia I e II do Prof. Esperança Pina e não tive continuidade!
Um abraço e que haja boa saúde
José Corceiro
Carlos Corceiro
Não queria estar no filme errado.
Antes e agora precisei a data,o local, o sexo e a zona atingida (na noticia do Jornal vinha nadegueira). Como não estudei anatomia, o meu saber e arte é outro e por isso andei pelo teu Sabugal, presumi ser nádega ou anca.
Quanto ao médico não telefonei a meu cunhado.É assunto irrelevante e um dia poderemos falar. Ele sabe.
Agora eu não queria estar num filme a que não pertenço. Certamente te lembras da data, do sexo e da zona atingida. Além do projéctil ser uma granada de morteiro 60.
Agradeço a resposta. Abraço T.
ps - no caso que referi houve intervenção de peritos em explosivos. Quando da intervenção cirúrgica a zona estava protegida. Tenho o recorte por mero acaso. Recebia "noticias" na Guiné. Esta, mesmo depois de passada pela censura está junta á formação do Governo do Prof. Marcelo Caetano. Desconheço a sua não destruição. Todas as informações que me enviavam, geralmente junto a palavras cruzadas, eram destruídas.A pide estava atenta...e não só claro.
Caro Torcato
Desculpa-me só agora te estar a responder, mas saí a meio da manhã de casa e só agora regressei. Quanto à nomenclatura utilizada para identificar regiões do corpo humano, como sendo anatomicamente as correctas, pouco importa para o caso, mas o que a foto nos diz, é que foi afectada a região glútea (nádega nadegueira parte posterior da coxa, bunda, rabo,etc.) e parte da coxa (que é a região que medeia entre o joelho e a virilha)
Amigo Torcato quando eu digo:
“Não tenho a certeza que seja o mesmo caso, que o Torcato refere sobre o acidente da granada de morteiro que se alojou na coxa dum ser humano sem explodir!”
Não quero com isto dizer ou de alguma maneira, por em causa a veracidade do comentário que tu deixaste no poste P7409. Eu não ponho nada em dúvida, tenho a certeza que tu escreveste aquilo que sabias. Não tens absolutamente nenhuma necessidade de dar justificação através de outras pessoas, para aferir como verídica a tua afirmação, fazer uma acareação com o teu cunhado para quê! Eu neste momento tenho a certeza que houve dois casos distintos, esse que tu referiste e este ao qual eu tirei a foto, porque não coincidem no tempo.
Um abraço e haja boa saúde
José Corceiro
Haja Deus.
Saí deste filme.
O outro está datado e com os eteceteras que te disse.
Assunto como dantes e quartel general em Abrantes.
Abraço do T.
Ps nunca haveria lugar a acareação.Bolas. Seria uma simples pergunta.
Mensagem de Ribeiro Agostinho enviada aos editores que se regista aqui como comentário
Caros amigos, Luis Graça,Vinhal e Magalhaes Ribeiro
Pois aproveito para os saudar, já que desde Monte Real não tenho tido o prazer de estar convosco, à excepção do Vinhal que ainda há dois dias nos encontramos em trabalho.
Posto isto e em referência ao poste acima referido tenho bem presente na época, esse acontecimento. Não vi pessoalmente mas li no meu local de trabalho (Q.G.) um oficio a comunicar esse acontecimento. Foi uma mulher negra, não me recordo a etnia nem o local em que aconteceu, mas que foi transportada de helicóptero para o H.M. 241 e que vedaram a sala de operações com sacos de areia para o caso de correr mal, ao ser-lhe extraída a granada da coxa. Tudo acabou em bem, felizmente, tanto para ela como para a equipa que lhe extraiu a granada.
Isto aconteceu mais ou menos entre Julho-Outubro/69. Esta noticia li-a mais tarde no Jornal do Exército que eu recebia não me recordo se da Liga dos Combatentes e que entretanto emprestei a um amigo, nunca mais vi esse Jornal (Revista). Ainda retenho algumas revistas dessa época mas a que noticiava este facto desapareceu.
Um abraço para os meus amigos,
Ribeiro Agostinho
Camarada J. Corceiro
Depois de estar um bocado a olhar para a foto, conclui que como é hábito dos portugueses, dizer e não deixa por isso mesmo de ser verdade
-Teve muita sorte, É Que Até Podia Ter Sido Pior!
Coitado ou (a)
Um abraço
Juvenal Amado
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