Guiné > Bissau > 25 de Março de 1972 > Cerimónia de despedida da CART 2716 (Xitole, 1970/72), do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), na presença do Com-Chefe General Spínola.
Foto: © Jorge Silva (2010). Todos os direitos reservados (Com a devida vénia...)
1. O nosso camarada Jorge Silva, que vive em Ermesinde, Valongo, tem um blogue, Amigos do Xitole, onde já escreveu duas coisinhas... Gostei muito da primeira... Acho que merece maior divulgação, até por que, tendo sido ele de rendição individual, faz aqui uma homenagem aos seus camaradas da CART 2716, que comemoraram o seu dia zero em 25 de Março de 1972 (Ele continuaria no BENG até 1973)... Tomo por isso liberdade de reproduzir esse poste na sua totalidade (com excepção das fotos) (*).
2. Memórias das vésperas do dia mais feliz da CART 2716
por Jorge Silva
A CART 2716, enquanto unidade do BART 2917 (Bambadinca), teve a seu cargo a defesa da zona do Xitole, no leste da Guiné, entre 1970 e 1972.
A CART 2716 era uma companhia quase exclusivamete formada por jovens milicianos (na casa dos 20 a 23 anos), incluindo o Capitão [Miliciano de Artilharia] Espinha de Almeida (comandante) [ de seu nome completo, Francisco Manuel Espinha de Almeida] que, de entre eles, era o mais velho, apesar de apenas contabilizar três décadas de vida.
[Legenda da foto, à esquerda, Guiné > Zona Leste > Xitole > CART 2716 >1970: Da esquerda para a direita: O Cap Mil Espinha de Almeida, o Fur Mil Guimarães e o Alf Mil ]
Foto: © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados
Apenas havia dois elementos do quadro permanente - os sargentos Santos e Pires que, apesar de mais maduros, eram, mesmo assim, homens relativamente jovens, na casa dos quarenta e tal anos.
Como tantos outros da época, no ex-ultramar português os jovens da CART 2716 foram impedidos de viver com normalidade uma fase crucial do seu amadurecimento. No leste da Guiné, longe de tudo que lembrasse um resquício de civilização, foram prematuramente forçados a trocar:
(i) as convidativas praias estivais pelos perigos do capim e das matas;
(ii) os passeios com as namoradas pelos patrulhamentos e operações na companhia de camaradas de armas;
(iii) o conforto dos lares por toscos abrigos cavados no solo e cobertos de troncos, terra e cascalho, que também serviam de abrigo a cobras e outros répteis;
(iv) a apetecível comida portuguesa por refeições improvisadas à base de arroz, de conservas de cavala e de rações de combate, onde a sobremesa tendia teimosamente a ser goiabada e uma simples refeição com batatas era um luxo festejado;
(v) a promissora (embora amordaçada) rádio portuguesa pelas emissões intencionalmente intimidatórias da rádio PAIGC, enquanto instrumento da vertente psicológica da guerrilha;
(vi) a música melódica e harmoniosa das boites e bares dos anos 70 pelas batidas ruidosas dos morteiros e dos canhões sem recuo, misturadas com solos estridentes das famigeradas e temidas costureirinhas (pistolas metralhadoras);
(vii) a pacata família de origem por uma família de armas adoptiva, onde umas caixas de transporte de bacalhau se transformavam, milagrosamente, num guarda-fatos, uma lata de coca-cola passava, de repente, a chamar-se copo ou chávena e os objectos que evocavam uma infância ainda bastante próxima tinham sido macabramente substituídos por metralhadoras G3, morteiros, bazucas e granadas;
(viii) os melhores anos e sonhos das suas vidas por um poço sem fundo de incertezas, de incomodidades e de perigos, que alguns nem sequer tiveram o ensejo de evocar no feliz dia do regresso, simplesmente porque a guerra colonial se encarregou de lhes amputar esse elementar direito.
Como tantos outros da época, no ex-ultramar português os jovens da CART 2716 foram impelidos a amadurecer num contexto que, felizmente, nos dias de hoje os seus filhos e netos têm imensas (e compreensíveis) dificuldades em captar e compreender, inclusive nos seus mais simples contornos.
Uma simples rotina da época ajudará, por certo, a ilustrar melhor o que as palavras e as fotografias não conseguem documentar. Era usual os militares improvisarem uma folha com números inscritos desde 730 até 0, onde cada número ia sendo assinalado (abatido) sempre que passava mais um dia da sua comissão de serviço.
Neste particular, como em tantos outros, os objectivos individuais e colectivos coincidiam com o sonho do glorioso dia zero, o que ajudava a cimentar as relações de camaradagem (e amizade) existentes.
Em 25 de Março de 1972 [, no original, vem 1971, por lapso,] , quando eu ainda apenas assinalava no meu mapa o 401º dia a generalidade dos elementos da CART 2716 marcava, de forma inexorável, merecida e seguramente festiva, o ambicionado dia zero, deixando para trás trilhos que não tinham sido livremente escolhidos para readquirir o direito de passar a procurar os trilhos de reintegração na vida.
As imagens que se seguem (*) ilustram a cerimónia militar (desfile) que decorreu em Bissau, no quartel dos Adidos, antes de a generalidade dos elementos da CART 2716 (e do BART 2917) embarcarem, rumo às terras onde nasceram e aos braços saudosos dos familiares e amigos que emocionadamente os esperavam.
As fotos que figuram adiante são, por isso, uma espécie de hino a um punhado de homens (muito jovens na sua maioria) que se viram privados do direito de amadurecer como é comum os jovens amadurecerem em tempos de paz.
Pela minha parte, sinto a obrigação de, através das fotografias seguintes, lhes prestar esta singela homenagem, inclusive em memória do acolhimento, apoio e camaradagem que deles sempre recebi nos longos meses que partilhámosno Xitole.
Jorge Silva
(ex- Fur Mil At Art.
CART 2716, Xitole 1971/72,
e BENG 447, Bissau 1972/73)
[Revisão / fixação de texto / título: L.G.] (**)
___________
Notas de L.G.:
(*) Vd. Blogue do Jorge Silva Amigos do Xitole > 4 de Setembro de 2010 > Memórias das vésperas do dia mais feliz da CART 2716
(**) Último poste da série > 12 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7768: (Ex)citações (131): Saudades de quê ?... Será que sou masoquista ?... E por que é que leio o raio deste blogue e até faço comentários ? (C. Martins)
10 comentários:
Jorge Silva ou David Guimarães:
O nosso camarada Espinha de Almeid
a tem aparecido nos vossos encontros ou convívios ? Alguém sabe do paradeiro dele ? Vejo que não é fácil sentar, sob o poilão da nossa Tabanca Grande, os nossos antigos capitães,tanto os do quadro permanente como os milicianos... Um abraço a todos os camaradas da CART 2716 (estivemos juntos no Sector L1, mais de 9 meses).
A diferença de idades (dez anos no mínimo) e as diferentes responsabilidades que tivemos no TO da Guiné, podem explicar o seu silêncio...
O ex-capitão Espinha de Almeida vive em Gaia e costuma participar anualmente nos almoços da CART 2716.
O David Guimarães deve ter o contacto dele. Ou o Rodrigues (jmrodrigues47@gmail.com)
Jorge Silva
Caros camarigos
Gostei bastante desta enumeração das situações pelas quais passaram os jovens da nossa geração.
Não posso dizer que esteja tudo, pois é capaz de haver sempre mais uma situação que nos venhamos a lembrar, mas o que o Jorge Silva referiu é bastante ilucidativo.
Abraços
Hélder S.
O Jorge Silva tem conta no Facebook, e é amigo da Tabanca Grande Luís Graça:
http://www.facebook.com/profile.php?id=100001600658786
caros amigos,
sou filha do 3º elemento da fotografia, não fazem referencia ao nome mas tenho a certeza que é meu pai; Francisco Parreira, diz-vos alguma coisa?meu pai faleceu à pouco e por coincidencia procurei na net pelo nome dele...pois só me lembro dele e apareceu esta foto. ele esteve em Guiné e nesta altura..podem por favor enviar mais informação.
obg e bem-hajam
Camarada Jorge Silva, do meu tempo de Bambadinca (e do Xitole, aonde fui várias vezes, em colunas logísticas e em operações):
Gostava que acrescentasses alguma coisa a este comentário da nossa leitora Filomena...
Ela não deixou email... Nem tenho qualquer outro contacto... Mas podemos fazer um poste se tiveres mais alguma informação (ou fotos...) do Francisco Parreira que acaba de falecer...
Sei o que é este vazio quando nos morre um pai... Podes ajudar ? Lembras-te do Parreira ?...Um abraço forte. Luis
PS - Consultando a lista do pessoal do teu batalhão (BART 2917) e da tua companhia (CART 2716), não encontro ninguém com este nome, Francisco Parreira... Os nomes podem estar incompletos... Pela foto, reconheces o camarada em questão ? Há vários Francisco, mmas nenhum com o apelido Parreira...
No dia 5 de Julho de 2012 17:52, Luís Graça escreveu:
Jorge: Gostava que comentasses... Esta nossa leitora não deixou email... Nem tenho qualquer outro contacto... Mas podemos fazer um poste se tiveres mais alguma informação (ou fotos...) do Francisco Parreira que acaba de falecer... Sei o que é este vazio quando nos morre um pai... Podes ajudar ? Lembras-te do Parreira ?...Um abraço forte. Luis
Amigo Luís e todos aqueles que nos vamos preocupando uns com os outros - amigos: - Eu David Guimarães Furriel Miliciano esclareço o seguinte: - essa Companhia que em cima (na foto) desfila é a CART 2716 onde em memória não me lembro que tivesse algum elemento com o nome Parreira. Como a memória não dá para relembrar toda a companhia em nomes - então fui ao livro do Batalhão ver se haveria alguém que eu me tivesse esquecido e se chamasse Francisco Parreira - lamento lamento dizer que se deve tratar de um equívoco em esse amigo aí ser então o Pai de Filomena portanto o tal Francisco Parreira que todos lamentamos o seu falecimento... Desta o meu contributo não foi muito abonatório mas pedia à nossa amiga para efectivamente ver se não se tratará aí de algum sósia de seu pai - o que pode acontecer... Um abraço e muito lamento pelo falecimento do Pai da nossa amiga e do pouco que posso ser útil - mas uma certeza tenho... HÁ EQUÍVOCO...
Abraço, David Guimrães
Em acrescento ao que atrás disse: Eu era o Furriel Miliciano atirador de Minas e Armadilhas dessa CART 2716 - as minhas desculpas por lá não ter freferido
Caros camaradas,
obrigado pela atenção.
pode até ser equivoco, mas eu vou jurar que é o meu pai...
então tentarei enviar-vos uma foto dele e informação mais detalhada sobre a prestação dele na guerra, em África, pois ele esteve na Guiné e por esses anos...70/72
abraço e obrigado pela força..
Filomena Parreira
maria_sousa0@hotmail.com
Luís Graça,
A foto do desfile evoca a CART 2716, como o Guimarães disse, a desfilar nos Adidos, em Bissau.
Fui eu que a tirei, pois ainda fiquei mais 1 ano por terras da Guiné.
Lamento a morte do camarada Parreira e endereço os meus sentimentos à filha (Filomena).
Contudo, também estou convicto de que na CART 2716 não havia ninguém com o nome Parreira.
Mas, quando a FIomena diz "sou filha do 3º elemento da fotografia" não sei qual é a ordem que ela segue para se referir ao 3º. (da esqª para a dirª ?; da dirª p/ a esqª ?; da frente para trás ?; etc.).
Lamento não poder ser útil para o esclarecimento da questão em apreço.
Um abraço
Jorge Silva
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