Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 25 de maio de 2011
Guiné 63/74 - P8326: Da Suécia com saudade (29): O nosso blogue e o risco do pensamento de grupo (groupthink) e do politicamente correcto (José Belo)
Imagens retiradas e editadas, com devida vénia, do blogue do José Belo Lappland to Key West, com um lead muito poético, muito bonito (em português): "As viagens são os viajantes, o que vemos não é o que vemos, senão o que somos"... (Mais uma vez o génio do Fernando Pessoa, poeta de cabeceira do nosso camarada luso-sueco, que já não sabe se é mais tuga, se é mais lapão)...
Escolhemos estas duas fotos para ilustrar o risco aqui abordado pelo J. Belo de criação, na nossa Tabanca Grande, de um pensamento de grupo (em inglês, groupthink)... Este fenómeno (grupal) tem sido estudado pelos cientistas sociais, incluindo os politólogos. Basicamente, ocorre em grupos demasiado homogéneos e coesos (como são por exemplo, os "homens do Presidente", o "comité central" dos partidos políticos ou os grupos de combate de forças especializadas)... Os membros do grupo tendem a minimizar os conflitos, as existência de diferentes perspectivas e opiniões, valorizando o consenso a todo o custo, passando por cima, escamoteando, ignorando ou criticando as saudáveis divergências individuais (opiniões, valores, conhecimentos...). Em situações-limite, como a frente de batalha, a coesão grupal e o "espírito de corpo" são fundamentais. Mas o pensamento de grupo pode ter (e tem) consequências negativas, a nível psicossocial e cognitivo: a pressão para a conformidade e o alinhamento ideológico e comportamental levam, muitas vezes ou quase sempre, à perda de criatividade individual, da idiossincrasia de cada um, da autonomia, da liberdade de pensamento e de expressão... Muitas decisões (políticas, militares, económicas...) acaba(ra)m em "desastre" devido possivelmente a este fenómeno... (LG)
1. Mensagem de José Belo (*), ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, com data de 10 de Maio de 2011:
Caros Amigos e Camaradas:
Como emigrante de muitas décadas, os termos correctos em português começam, estranha e inapropriadamente, a faltar-me de quando em vez. Consequência de todos estes anos sem sequer umas pequenas bacances na Lusitânia? Daí que, ao tentar descrever alguns companheiros, ainda procurar termo apropriado.
"Guardiões do Templo" será obviamente exagerado. Garantes de purismos ideológicos d'antanho? "Barões" do intelecto entre plebe menos dotada? "Controleiros"? (Isso, não! Lembra demasiado coisas... de um passado pré-histórico!).
De qualquer modo lá pairam, com autoridades ideológicas várias, procurando sempre... paternalmente (uns mais que outros)... corrigir desvios a umas linhas de pensamentos, e maneiras de estar na vida, para eles mais ou menos centrais. Poucos já se atrevem a, em postes ou comentários, algo escrever que possa vir a provocar estes "puristas do correcto". E para quê? Algumas das controvérsias e debates já foram, desnecessariamente, desagradáveis. ( E, aqui não me refiro aos que sempre procuram, mais ou menos conscientemente, SAIR FORA DOS PARÂMETROS PARA OS QUAIS ESTE BLOGUE FOI CRIADO).
Quem se der ao trabalho de "folhear" páginas antigas do blogue, ficará surpreendido com a continuidade com que alguns destes "guardiões" sistematicamente procuram corrigir as tais opiniões menos... ortodoxas.
E é pena, porque há sempre o perigo de se acabar por cair em monotonias cinzentas de unanimidades sempre obtidas nas sociedades de... "pensamento d' Estado".
Para a existência saudável de um Blogue-Documental, tão importante como este, terá sempre que ser...VIVO. Haverá que haver o cuidado de permitir aos que não pensam exactamente da mesma maneira a liberdade de se não perfilarem sempre (!) pelo pautado.
Esta tendência de alguns (imbuída?) de corrigir o... "diferente"... torna-nos a todos mais limitados. Alguns destes meus pensamentos poderão parecer a uns quantos como exagerados, injustos e inapropriados, mas surgiram após muitas longas horas de leituras atentas às sucessivas páginas (antigas) do blogue. (As vantagens de se viver na Lapónia Sueca?)
Um grande abraço amigo do
José Belo
Estocolmo / 25 de Maio/2011 (**)
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de > 13 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8263: Controvérisas (123): A guerra. As realidades locais e as bajudas de mama firmada (José Belo)
(**) Último poste da série > 15 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6991: Da Suécia com saudade (28): Da Lapónia à Flórida, mas voltando sempre à nossa querida pátria lusa: As viagens são os viajantes... (José Belo)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
12 comentários:
Como diria um carioca:
- Falou, seu José!!
Isso é tanto verdade, que eu (não o carioca) costumo chamar a esses os "detentores da verdade".
Não causará espanto que, ao reler os textos que pretendo enviar, me questione sobre qual será a reacção do "público".
Alberto Branquinho
Oh José Belo
Como estás nesse paraiso gelado devo depeender que foram leituras que motivaram pensamentos a frio.
Também estou de acordo que demasiada contenção retirará sumo ao blogue. A auto censura acabará com a liberdade e a criatividade individual dos participantes.
Também a auto exclusão é um dos perigos que ameaça o blogue.
Por último digo-te que estou a ler e escrever de calções e em tronco nu. Só para te fazer inveja, já das paisagens geladas a que tu tens acesso, ficaste com as melhores para ti.
Um caloroso abraço
I think so my friend, I think so.
Mas a referência a "groupthink"é do L.G., aliás especialista na área do pensamento grupal e não só claro.
Estava a ler e lembrei-me da antiga Grécia,da luta pela defesa de determinado desfiladeiro. A coesão de grupo por determinada opção de vida levada ao extremo. Por razões óbvias não explicito. Os púdicos...
Creio que o nosso Camarada José Belo nunca perdeu o contacto com o nosso País. Sempre manteve a nossa cultura presente. Sente-o assim. Curioso o seu gosto por Pessoa e não só.A sua atenção pelo que cá se passa, o gosto pelo que é nosso e dele claro.
Já me tenho interrogado sobre a criação do blogue, o seu crescimento, o ou os porquês.
não sei se "será o conseguir o diferente" ou, pelo contrário, procurar que a pluralidade não entre blogue adentro. O politicamente correcto é opressivo, não é? E o que será a verdade? Mas eu fui descendo em letras e pensamento disperso a dizer ou a não dizer. Sabes José um dos livros que mais me perturbou foi . - o livro do Desassossego . A razão? Pois a razão arruma-se agora.
Ab T.
De uma cantiga cabocla do Nordeste brasileiro pode entender-se que "o mundo só presta assim/é um bom outro ruim...".
Ora, tais palavras deixam ver que quem as pensa e diz, tem valores determinados que lhe definem com clareza o bom e o mau. Naturalmente não estará sozinho nesse olhar sobre as qualidades do viver colectivo e pode adivinhar-se que se junta em grupos de pensamento semelhante.
Na verdade, um pensamento e o direito individual a tê-lo, nada valeriam se não pudessem expor-se, contrastando-se com outros indivíduos e outros grupos com outros valores.
Vem directamente de tal direito, a mais ou menos desconfortável prática do debate e da polémica quase sempre sem projecto de conversão dos antagónicos, começando e acabando em si próprios, aparentemente inútil, então, como prática, numa sociedade que tende para contabilizar tudo. Na verdade, salutar aos indivíduos e aos grupos e garantia de que sendo diferentes entre si, a sociedade permite que continuem diferentes os polemizadores, sem censuras nem prisões para a palavra, para o pensamento e para a sua expressão.
Diz-se que para bom entendedor...
José Brás
Nascido tuga
tuga para sempre
mesmo que décadas de vivência
na lapónia sueca
com todos os defeitos mas também virtudes (algumas ) que qualquer tuga tem.
Gostamos de dizer mal(de nós)
mas se algum "estranja" o diz
não falta vontade de lhe ir às "fussas".
Caro camarigo José Belo
o que é que a lapónia tem a ver com este rectângulo à beira-mar plantado, a meu ver nada.. e no entanto parece-me que o camarigo é muito mais tuga do que muitos de nós... pois é.. a distância,outras vivências e culturas, outra organização social.. e no entanto.
Eu gosto muito de ser tuga ,apesar de todos os nossos defeitos, e não sou masoquista.
Detesto "unanimidadismos" e "politicamente correctos"
Um alfa bravo
C. Martins
Caro camarigo José Belo
Este teu artigo, de reflexão, é muito importante, na medida em que coloca 'em letra de forma' questões que aqui e ali já me têm vindo ao pensamento e também parecem 'escorrer' de algumas intervenções.
Há de facto essa perigosa tendência mas, não sendo bom, que hajam esses 'viggili', também não é um desastre por aí além já que, no fundo, acabam por fazer repercurtir um pouco do que é a sociedade 'real' para além do blogue.
Pode haver uma fórmula para 'tornear' situações dessas: este espaço não sendo estritamente fechado às recordações 'guerreiras', quero dizer, aos relatos das emboscadas, assaltos, ataques e flagelações, operações, feridos e mortos, etc., pode e deve ser um local que possa servir como 'depositário' da memória do que foi a nossa vida vivida 'em tempos de guerra' e isso abarca não só o que atrás referi como também toda a restante envolvência, cá e lá, por nós e pelos familiares e amigos, no fundo tudo o que se viu envolvido na, para e pela 'máquina da guerra'.
Nesta perspectiva poucas são as coisas que, tendo pelo menos algo a ver com o enquadramento referido, que não possam ser 'debitadas para a memória'. A discussão à volta delas é que poderá ser mais substancial ou mais de circunstância, de pormenor.
No entanto, debates de 'correntes de opinião' ou de 'visão' não devem ocorrer neste espaço para não desvirtuar o seu foco de ser então o 'depositário da memória'.
Há sempre a possibilidade de se utilizar outros meios, outros locais, para o confronto.
Abraço
Hélder S.
Meu camarigo José Belo e todos os camarigos, claro
Sempre a considerar-te, que isto de termos sido colegas de colégio é importante, sobretudo num tempo em que as amizades se baseiam mais no ter do que no ser.
Quanto ao teu texto fico-me por aqui a pensar a quem te estás a referir, quando falas em “guardiões do templo”, ou outras expressões parecidas?
Serei eu? Quem será?
É que dizer coisas destas e depois percebermos que ninguém se revê em tal situação, é no mínimo complicado.
Ora vejamos, então:
Em que momento foi impedido alguém de se exprimir, (dentro das regras estabelecidas e devidamente identificado), aqui na Tabanca Grande?
E o que é o “politicamente correcto”?
Será o mesmo ontem e hoje?
Será que discutir e ter opinião diferente é ser politicamente correcto?
Ou será que tentar entendimentos e consensos é que é politicamente correcto?
Quando me juntei a esta Tabanca foi porque percebi nela um espaço onde podia falar da guerra que vivi e o que ela envolvia, e de quando em vez me atormentava o espírito e me povoava as noites com “sonhos de pesadelo”.
Com certeza que em tudo existe politica, mas o bom desta Tabanca é a troca de experiências de guerra, é o falarmos a mesma linguagem, é o percebermos que outros sentem o mesmo que nós, embora muitas vezes nos expressemos com modos de ver diferentes.
O risco, escreve o Luís.
Porque é que raio, digo eu, e lendo o que o Luís escreveu, haver unanimidade em determinado assunto, pode constituir algo de mau ou prejudicial.
Porque é que raio ao procurarem-se consensos se está a “perder” a criatividade?
Tenho até para mim, que às vezes é preciso mais criatividade para se encontrarem consensos, do que, para se desunirem projectos.
Ou entendo mal o que tu, meu camarigo e o Luís escrevem, ou me parece que o que se pretende então, é um espaço de discussão ideológica, (ou chame-se-lhe o que se quiser), com longas discussões que não levam a nenhum fim.
É que, tomando o exemplo do Dia dos Combatentes, de que tenho vindo a falar, percebe-se que é muito fácil para aqueles que nos querem pôr de lado, continuar a fazer o seu “diazinho de “combatentes””, tudo muito organizadinho pelas autoridades, com os discursos e elogios de circunstância, aos governantes e aos dirigentes das associações que se sentam á mesa do orçamento.
E é fácil, porque nem numa coisa tão simples como um dia para homenagear os nossos mortos, (e digo nossos porque são da nossa geração, que esta geração de políticos rejeita), para homenagear os combatentes e a juventude lá deixada, para homenagear até as famílias que lá nos tiveram, não é possível um consenso, porque se discute e se divide á conta de se confundir homenagem aos combatentes, com homenagens a regimes, ou politicas.
Será que um consenso, uma unidade em volta desse projecto, por exemplo, é unanimismo que leve à “perda” de criatividade?
Ou será que eu não percebi patavina do que os meus queridos camarigos escreveram, o que é bem possível, porque pobre de mim, a cabeça já não é o que era!
Um grande abraço e desculpem “qualquer coisinha”.
Estivémos Lá e já éramos Diferentes.Quarenta anos passados a Vida(ou a vidinha) ainda mais nos diferenciou. Não existe,nem é possível existir um "Pensamento de Grupo".Militante do Direito à Diferenca,defendo aqui a Livre intervenção de Todos,subordinada apenas ao respeito pelas normas do Blogue e pela Lei.
Claro que não concordo com muitas opiniões nem gosto de muito que é publicado..
Paciência..
Abraço.
Jorge Cabral
Assino por baixo das palavras do camarigo Jorge Cabral.
Um abraço
"Guardiões do Templo", creio que é uma força de expressão, aliás, uma imagem bíblica... Pode de facto ter conotações... Mas esse é o inevitável risco da comunicação humana...
Apesar de todas as nossas (saudáveis) diferenças, estamos aqui há 7 anos a "comunicar" (etimologicamente, do latim, "communicare", "pôr em comum")...
A haver guardiões que sejam os da Tabanca... Mas nem esses são felizmente precisos. Não estamos em guerra, e não estamos "contra ninguém"...
Temos sabido viver, julgo eu, num pluralismo (literário, intelectual, linguístico, político, ideológico, filosófico, etc.) que me parece saudável, exemplar até... (Vejam alguns blogues que há por aí, onde vale tudo... até tirar olhos!).
Dito itso, no vai mal ao mundo se alguém, de tempos a tempos, nos alertar para um eventual desvio dos objectivos por nós definidos (mesmo assim não estamos na sala de operações a planear batalhas...) ou a violar as próprias regras que aceitámos cumprir e fazer cumprir (cumprimento esse, por outro lado, que não pode ser aferido por "nenhum método cientificamente rigoroso")...
Um bom fim de semana para todos/as.
"Guardiões do Templo", creio que é uma força de expressão, aliás, uma imagem bíblica... Pode de facto ter conotações... Mas esse é o inevitável risco da comunicação humana...
Apesar de todas as nossas (saudáveis) diferenças, estamos aqui há 7 anos a "comunicar" (etimologicamente, do latim, "communicare", "pôr em comum")...
A haver guardiões que sejam os da Tabanca... Mas nem esses são felizmente precisos. Não estamos em guerra, e não estamos "contra ninguém"...
Temos sabido viver, julgo eu, num pluralismo (literário, intelectual, linguístico, político, ideológico, filosófico, etc.) que me parece saudável, exemplar até... (Vejam alguns blogues que há por aí, onde vale tudo... até tirar olhos!).
Dito itso, no vai mal ao mundo se alguém, de tempos a tempos, nos alertar para um eventual desvio dos objectivos por nós definidos (mesmo assim não estamos na sala de operações a planear batalhas...) ou a violar as próprias regras que aceitámos cumprir e fazer cumprir (cumprimento esse, por outro lado, que não pode ser aferido por "nenhum método cientificamente rigoroso")...
Um bom fim de semana para todos/as.
Enviar um comentário