Caríssimos Luís e Vinhal:
Recebam as maiores saudações, extensivas ao amigo Magalhães Ribeiro e outros co-editores e colaboradores deste extraordinário e insuperável Blogue.
Destas vez vai um “salpico cor-de-rosa” das minhas memórias.
Um abração
Rui Silva
Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
- Uma história de “Guiné minha”-
-Dos tais Salpicos cor-de-rosa das minhas memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”-
Baile de fim d’Ano (1966/67) na Associação Comercial em Bissau, ali na Praça do Império mesmo ao lado do Palácio do Governador.
Eu e um amigo meu do Porto, militar também, bem enfarpelados, entramos logo atrás do Schultz, pois então!
Estávamos em 31 de Dezembro de 1966 e havia passagem de Ano na UDIB e na Associação Comercial, pelo menos; também no Benfica e no Sporting. Deste ficaram as saudades das Verbenas e o “Penalty” na barraca, ao altifalante, sempre a dizer e a malhar no mesmo, até dizer chega: “Gatão é um gato com uma bengala na mão”. Vendia ou sorteava o vinho Gatão. Sala para um pezinho de dança também, e bem frequentada. A loira do Taufik Saad também.
O edifício da Associação Comercial, era um edifício de linhas modernas com um bom salão de jogos no rés-do-chão, do lado direito, e, atrás, virados para a estrada que ligava o Quartel da Amura cá em baixo junto da marginal para Santa Luzia lá em cima, onde estava o Quartel General, serviço SPM e outras instalações militares, estrada alcatroada e marginada de mangueiros, havia 1 ou 2 bons campos de ténis.
Fachada principal da Associação Comercial, vista do lado da Praça do Império e de junto ao Palácio do Governador
Foto reproduzida do ACTD (Arquivo Científico Tropical Digital, com a devida véniaVista da Associação Comercial do lado de trás, isto é, do lado da estrada que ligava o quartel da Amura, cá em baixo, até Santa Luzia onde estava o Quartel General e outras instalações militares. Campo de ténis em primeiro plano.
Foto reproduzida do ACTD (Arquivo Científico Tropical Digital, com a devida vénia
Quando se passava lá era olhar e andar. Aquilo era tabu para nós. A nossa vida era no mato aos tiros.
Só que na passagem de ano eu e o meu conhecido há pouco, armamo-nos em finos e apostamos no baile na Associação.
Boas instalações. Vida boa para o colono e militares de patente super. Também se viam lá negros, mas… a servir à mesa.
Então eu e o meu amigo do Porto, como já disse, conhecido (há pouco), do Hospital Militar de Bissau, onde estávamos internados, eu por uma lesão no joelho, vestidos a rigor, camisa branca “casca d‘ovo” que muito se via por lá, brancas e azuis clarinhas, diziam que vinham de Macau, gravata à maneira e fato tirado do fundo da mala, com vincos saturados nas dobras, agora bem disfarçados com a ajuda dos joelhos, e então escolhemos tentar a sorte na Associação. Era mais chique.
Tanto eu como o meu amigo apostamos com parada alta.
Cerca das 23 horas aproximamo-nos da entrada, um pouco timidamente e era só saber como é que havíamos de entrar, o que se antevia difícil. Fardados bem à civil estávamos nós, mas isso podia não chegar.
Até que chega de automóvel o dono da Ancar. Estabelecimento e fabricante (?) de artigos de livraria ali em Bissau, julgo que nas imediações do mercado. Parecia-me ser cabo-verdiano e como era empresário… devia ser mesmo.
“Alto (!)” é agora, pensei. Eu quando vinha a Bissau defendia as cores da Ancar em Andebol de Sete e portanto era aqui a grande chance. E ali o meu presidente mesmo à mão.
Dirigi-me a ele a dizer que era uma atleta da Ancar o “grande” guarda-redes de andebol e ele, sim, disse que me conhecia bem, mas, mais palavra menos argumento, “mandou-me prá bicha”, que não era ele que mandava, etc. e tal, que tivesse paciência, que era afinal o que nós tínhamos menos na altura, digo eu.
As equipas da Ancar e do Benfica antes de um jogo. Sou o 2.º em pé e a contar da esquerda. Ringue nas instalações do complexo desportivo Sarmento Rodrigues em Bissau, onde também se jogava o basquetebol. E ao lado o campo de Futebol, onde os Fuzileiros e os Páras eram assistentes com muita rivalidade. Não raras vezes havia refrega…
Recorte de um jornal, julgo que trissemanário, na época (1966) na Guiné. Este recorte jornalístico é posto à evidência, apenas para que algum nome nas equipas recorde com saudade o evento.
Pronto, gorada aquela que me parecia ser uma grande hipótese!
Passa-se mais alguns minutos e já pertinho da meia-noite eis que chega um grande carro (Mercedes?) preto e sai de lá Arnaldo Schultz, o Governador, com comitiva e com grande pompa.
Entrou com as devidas honras. Recebido, julgo, por elementos da Comissão organizadora, um casal de brancos, muito elegante, meia-idade. Subiram os degraus para o piso superior (Salão de Festas) e tudo voltou ao normal, isto é, o porteiro indígena, de luvas brancas e uma secretária (mesa) à sua frente e ali perto dois maduros desenfiados do HM 241, que não desarmavam.
- Vamos dar qualquer coisa ao preto e ele deixa-nos entrar.
- Não, isso pode ser pior - respondeu o outro.
- Carago, o que havemos de fazer?
Estávamos ali a cogitar quando nos saiu a taluda!
O porteiro dirige-nos e pergunta se nós éramos os convidados do Sr. Virgílio.
- Somos, somos - dissemos a uma só voz.
- Já podiam ter dito. Façam o favor de entrar.
Antes que houvesse alguma dúvida galgamos os degraus de acesso ao salão sem antes termos esbarrado no porteiro que queria a nota, e entramos no Salão de Festas com aparente calmaria e de peito inchado.
Caiu a meia-noite!
Ainda hoje estou por saber quem era esse Sr. Virgílio, ou se foi uma bela jogada do preto que viu ali uma rara oportunidade para ganhar algum, pois mal ele nos abordou e ao ver-nos passar por ele como flechas teve tempo de estender a mão e não era para nos cumprimentar, sabíamos nós. Lá que ficamos os três bem na fotografia lá isso foi verdade e ninguém saiu a perder.
Olha que dois! Ou que três!
Passado o reconhecimento do terreno já estávamos a dançar, cada um com o seu par, claro.
No salão, encostada a uma das paredes laterais, estava um mesa bem decorada com leitão, cabrito e mariscos variados com a lagosta a sobressair de diversos comes bem apetitosos.
Era para nós o segundo golpe de mão!
Vista do Salão, no 1.º andar, na Associação Comercial. Ao fundo o palco aonde actuou um conjunto jovem cabo-verdiano cujo nome (sugestivo) me escapa, na dita Pasagem d’Ano (1966/67)
Foto reproduzida do ACTD (Arquivo Científico Tropical Digital, com a devida vénia
À hora da mesa, aproximamo-nos e um pouco timidamente comecei então a puxar pelas barbas de um camarão fazendo-o aproximar da minha zona, e para dentro do arame farpado, a que ele logo gentilmente acedeu. O meu amigo, noutro ponto estratégico, fazia-se rogado, mas por pouco tempo. Vencidas as “sentinelas” comemos bem a nossa parte. Lá no hospital o rancho era bem diferente.
Bela noite. Um sonho realizado em palco de guerra.
Saímos já madrugada alta e viemos por a Avenida abaixo. Passamos por a UDIB e o baile também estava a terminar. Ainda deu para ver porrada à porta. Afinal a porrada estava na moda por toda a Guiné.
E pronto, foi regressar ao HM e tudo voltou à normalidade. Aí, farda branca, de algodão fininho, e havaianas. Rancho do hospital, servido à mesa, mãos no pão, na fruta, e todo o mais, (não me esqueço que na altura que o soube andei com náuseas uns dias) nada mais nada menos que servido pelo Cabo que na morgue, atrás do Hospital, lavava os mortos e os punha nas urnas. E esta!
No HM241 um grupo de camaradas (Furrieis) de ocasião, ali internados por várias razões - cada um com o seu problema -, no terraço no 1.º andar daquela unidade hospitalar. Eu estou sentado no muro.
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Notas de CV:
(*) Vd. último poste de 11 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8257: Convívios (329): Convívio da CCAÇ 816, dia 7 de Maio de 2011, em Barcelos (Rui Silva)
Vd. último poste da série de 2 de Março de 2011 > Guiné 63/74 – P7887: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (11): Operação Gamo à base inimiga do Biambe
1 comentário:
Caro Rui Silva
Como não referes nenhum pé-de-dança traçadinho,será que toda essa "lavoura" foi para apreciares as VIP e puxares os bigodes ao marisco? Bem,só por isso já deveria valer a pena,mas o arrasta-o-pé...complementava!
Um abraço
Luis Faria
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