1. Em mensagem do dia 8 de Julho de 2011, o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), conta-nos mais um pouco da viagem às suas memórias.
Viagem à volta das minhas memórias (43)
Augusto Barros - Apontamentos
Como já anteriormente disse ou dei a entender, neste destacamento a vida era uma espécie de pasmaceira, comparativamente ao que estávamos habituados. Basicamente só tínhamos que lutar contra o tempo, que corria a conta-gotas e para tentar contrariar essa baixa velocidade de passagem, usavam-se todo o tipo de estratagemas.
Para além das petiscadas e dos comedores de ostras, já mencionados em Poste anterior, havia os pequenos agricultores caseiros, que se ufanavam e ainda bem também para nós (os aproveitadores) consumidores (?!)
Nessa ”classe” o Furriel Almeida orgulhava-se do seu canteiro de alfaces, tomates (?) e outras hortícolas que ofertava e confeccionava com prazer e “superioridade” superintendente, gostando pouco que alguém mexesse na sua leira que dizia estar sempre a produzir e que o fazia ficar admirado com a pobreza agrícola daquelas gentes!
Detestava e com razão que alguém se apropriasse de qualquer folha que fosse, sem prévia licença. A pequena horta era a menina dos seus olhos, a que dedicava parte do seu tempo com prazer, orgulho e até, parecia-me, certa ternura. “Olha-me para isto… não é um espectáculo, pá ?!” dizia (mais ou menos). ”Esta terra está sempre a dar… não entendo… nem é preciso puxar por ela…!”
Era e é um Beirão de metas a atingir, exigente mas defensor do seu Pessoal, de nobres sentimentos e que acabou nos finais da comissão, por alturas do levantamento do campo de minas, por sofrer bastante psicologicamente, devido (creio) a constatar quase diariamente situações que foram graves para bastantes dos “contratados”, mas lhe eram alheias na medida em que não estava nelas envolvido e como tal não tinha controlo nem podia interferir. Disse “dos contratados” porque o “contrato” pelo menos comigo foi que, no final do levantamento podia ir de férias para qualquer parte da Guiné, até ao dia de embarque. Como ainda hoje… promessas leva-as o vento !!!
Aspecto de Augusto Barros (creio ser o refeitório em fundo)
Augusto Barros - Um treininho de bola
Depois… havia o “Capitão caçador” que arrancava noite adentro para terrenos pouco seguros, com um 412 ou 411 equipado com foco direccional e meia dúzia de “galfarros “ voluntários não para caçar, mas para eventualmente não ser “caçado”! Devo dizer que nunca fui e sempre me opus quanto e na medida em que me foi possível. Achava que os Rapazes corriam um grande risco a acrescentar ao já normal por aquelas paragens e já que se tinha conseguido chegar até ali, passando pelo que havíamos passado… era a meu ver (e ainda hoje) uma estupidez e uma irresponsabilidade que poderia ter afectado terceiros! Mas… era o Capitão “sazonal”.
Lá partia ele e “companhia”, faróis rasgando a noite com focos à mistura, à procura de olhos brilhantes no breu da escuridão que pudessem ser de alvo a abater. Que recorde, naquelas incursões só um gato-bravo teve esse azar.
Um belo dia soube-se que por um acaso da sorte, ”caçador” e companhia não viraram “caça” por uma questão de “horário”. Tinham falhado por pouco uma emboscada, “festa surpresa” especificamente preparada em sua honra! Ao que recordo, acabaram-se as caçadas e ainda bem, pois acabou por ninguém se “aleijar”.
A minha pessoa, que no entretanto tinha mudado de visual (!?) com uma valente carecada auto-infligida, por lá se ia movimentando no tempo e espaço, gerindo e cumprindo o melhor possível com os deveres, prazeres e receios também.
Dessas andanças recordo idas a Bula montado na direita do pára-choques do 411, “bunda” assente no capô(t), arma abraçada e olhos que pretendia de águia a perscrutar os metros fronteiros de terreno de picada irregular e ressequida, percorridos vagarosamente na expectativa de vislumbrar um qualquer indício de remexida abusiva na terra ou outro qualquer sinal dissimulado, prenunciador de mina ou armadilha colocada após a picagem diária, especialmente em alguns locais mais vulneráveis. Não me perguntem porquê, mas sentia um certo prazer e ao mesmo tempo segurança ao assumir o risco previsto mas precavido.
Os dias iam-se escoando aproximando-me vagarosamente de umas novas férias no “Puto”. Isso era importante, muito importante para a sanidade mental.
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8357: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (42): Destacamentos: Augusto Barros e o Grupo das Ostras
3 comentários:
Como sempre,impecável narração, da pasmaceira dos destacamentos. O que te valia nessa altura, eram as «comissões» que passaste em Mato Dingal, quanto mais não fosse pelo LEITÃO aos Domingos, assado no célebre forno!...Para além disso, foi um tempo para recuperares energias para as minas, a célebre sobremesa final a que eu tive a sorte de escapar!
Aquele abraço.
Jorge Fontinha
Luis,
A propósito do capitão caçador, também tive um alferes caçador que tinha medo de sair para o mato em situação normal e quando decidia ir caçar se embrenhava por zona proibida atras das peças...
Fui muitas vezes como segurança e pude constatar dessa sua particularidade, que vai ao encontro da tua afirmação sobre irresponsabilidade.
abraço
manuelmaia
Meu caro Luís,
De alguma forma compreendo ao que te referes quando falas da pasmaceira no destacamento.
Já em Bassaarel a vida também era bastante mais monótona do que aquela que vivemos na Mata dos Madeiros. Mesmo assim tínhamos uma actividade operacional e social bastante ocupada.
Cheguei a ir à caça com o comandante da minha companhia. Fazíamos isso sempre nos arredores do destacamento e nunca de noite.
Tínhamos uma boa arma caçadeira. Mais tarde eu comprei a minha carabina. Dava para rolas e canários
Um abraço amigo,
José Câmara
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