domingo, 19 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9505: Memória dos lugares (176): Buruntuma, lá no "cu de Judas"...




Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Carta de Buruntuma (escala 1/50 000)> 1957  > Detalhe > A estrada, a vermelho, que se vê no mapa, atarvessava todo o leste, desde o Xime, Bambadinca, Bafatá, até Nova Lamego, Piche e Buruntuma (na fronteira com a República da Guiné-Bissau). O aquartelamento (e povoação) de Buruntuma foi ocupado pelo PAIGC em 5 de julho de 1974.


1. Escreveu Luís Graça em comentário ao poste P9499:


(...) "O caso de Buruntuma merece um poste com destaque para a destemperada atuação do comandante da Frente Leste, o antigo futebolista Bobo Keita (ou Queta), de que já aqui falámos diversas vezes, a propósito do livro de Norberto Tavares de Carvalho ("De campo em campo: conversas com comandante Bobo Keita", edição de autor, 2011).


"O Bobo Keita tinha feito parte da delegação do PAIGC, na 1ª ronda de negociações de paz, em Argel... Depois de Argel, regressou à Frente Leste. E deve-lhe ter subido à cabeça a mania do protagonismo...


"Aqui, no leste, foi claramente 'mais papista que o Papa'", passando a perna à direção política do PAIGC. Foi ele quem teve a iniciativa de (i) colocar barragens para controlos dos nossos veículos militares, nas estradas do leste, (ii) forçar a desocupação do quartel de Buruntuma... para além de (iii) ter resolvido, através do terror (3 fuzilamentos e diversas prisões), um conflito em Paunca com mílicias (ou não seriam antes os militares da CCAÇ 11 ?)...


"Ele próprio reconheceu, antes de morrer, na altura em que foi entrevistado para o livro, que a chantagem feita aos tugas de Buruntuma era mero bluff, que não era sua intenção atacar nenhum quartel...


"A verdade é que este homem podia ter originado uma tragédia de consequências imprevisíveis e incalculáveis... A sua atitude de fanfarrão obrigou à intervenção pessoal do Fabião e do Juvêncio Gomes (delegado do PAIGC em Bissau)...


"Veja-se o seu depoimento nas pp. 222 e segs."


2. Disse o cor cav Carlos Matos Gomes:


(...) "Pois. Porque Buruntuma era o pior sítio da Guiné. Aliás, quando lá esteve o general Schultz, Buruntuma era o 'cu de judas' da Guiné. É no vértice superior direito do [mapa] e era, de facto, um buraco infecto onde os soldados deviam pedir aos inimigos para os mandarem embora. [Apartes sobre Buruntuma e a sua localização] ".


[In: Arquivo de História Social. [Em Linha] ICS -Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 2011. Estudos Gerais da Arrábida: A descolonização portuguesa: Painel dedicado à Guiné (29 de Agosto de 1995). Depoimentos do General Mateus da Silva, Coronel Matos Gomes, José Manuel Barroso e  Coronel Florindo Morais. [Consultado em 18 de fevereiro de 2012]. Disponível em http://www.ahs-descolonizacao.ics.ul.pt/docs/guine_1995_08_29.pdf ]


3. Temos poucas referênicas a Buruntuma. Menos de duas dezenas. Temos poucos camaradas que lá tenham estado ou por lá tenham passado. Conheci um, em tempos, ex-operário da Sorefame, na Falagueira. Falámos de Buruntuma num dia que, por acaso, era o Dia Mundial da Poesia. O Carlos Matos Gomes, por seu turno,  chama-lhe o "cu de Judas da Guiné". 


Não sei, nunca lá estive. Mas ouvi dizer, ouvi contar histórias... Eu estava na outra ponta da zona leste. E como a Guiné era pequena, 36 mil quilómetros quadrados, 8 mil de água, 28 mil de terra!... (Ou não era assim tão pequena quanto isso ?!). Não, nunca fui a Buruntuma.  


Procurei na Net.  Encontrei, no nosso blogue, o nosso camarada Luís Guerreiro, ex-Fur Mil, emigrado no Canadá, que andou um mês por terras de Buruntuma com o seu Pel Caç Nat 65, "Os Leões Negros", no 1º trimestre de 1970... E de Buruntuma tenho aqui uma foto dele, junto à capela, ao pau da bandeira e aos monumentos das companhias que por lá passaram... É pena que seja em formato pequeno, e portanto tenha fraquíssima resolução...


Na Net, e num blogue de família, encontrámos duas fotos de 1973: são de um camarada que vive no Porto, Manuel Cortez Lopes. Espero que ele, e o editor do blogue, não levem a mal a reprodução das imagens... É por uma boa causa. E, por outro lado, talvez alguém se lembre deste camarada, que pertence à família Cortez..







Manuel Cortez Lopes, Buruntuma, 14 de Junho de 1973 ("ao fundo, a República da Guiné Conakri")


[In: Blogue Família Cortez >  15 de fevereiro de 2011 > Manel, 1973. Reproduzido com a devida vénia...]
 
Quem também passou por Buruntuma, mas nos primórdios da guerra, em 1962, foi o nosso camarada Alberto Nascimento. É um dos velhinhos do nosso blogue, ainda do tempo da Mauser e do caqui amarelo... 


Que estas imagens, e estas referências, despertem ao menos a curiosidade e a vontade de mais camaradas, enriquecendo o nosso arquivo de memórias sobre este topónimo... Buruntuma era mesmo no "cu de Judas" ? (LG)


Guiné > Zona leste > Região do Gabu > Buruntuma > CCAÇ 84 > Fevereiro ou Março de 1962 > "Na zona dos Bucurés, a malta da companhia, com a G3"




Foto (e legenda(: © Alberto Nascimento (2008). Todos os direitos reservados.



  _______________
 
Nota do editor:
 
 Último poste da série > 8 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9459: Memória dos lugares (175): Gadamael em 1969 (Luís Guerreiro)

6 comentários:

Anónimo disse...

Camaradas

Nunca estive estacionado em Buruntuma, mas fiz várias colunas de reabastecimento da Sede do BCav.2922 em Pitche, a Buruntuma, onde estava sediada a CCav.2747. A minha CCav. 2749 andava sempre em Operações, colunas, patrulhas,emboscadas nocturnas. Nunca parávamos.
Buruntuma ficava a 800 metros da fronteira com a Rep. Guiné-Conakri.
A CCav.2747 foi a Compª. do Batalhão que mais "enfardou". Eram dias a levar com o fogachal IN.
Mas aguentaram-se sempre que nem uns Leões...
Mantenhas

Luís Borrega

Anónimo disse...

Contava-se entre os artilheiros que o alf.mil comandante do pelart de Buruntuma (em 73), resolveu um dia ir de Buruntuma até Nova Lamego em bicicleta, vestido à civil e munido de máquina fotográfica ..ia parando pelo caminho e fartou-se de fazer fotos de pássaros passarinhos e até passarões.

Quis regressar da mesma forma, mas o comandante do sector obrigou-o a ir numa coluna...resultado..a coluna sofreu uma emboscada ..ele levou um tiro num pé e estragou a máquina fotográfica..não sei se foi verdade..mas que se contava..contava.

C.Martins

António Martins Matos disse...

Buruntuma era mesmo no cu de judas.
Tinha igualmente aquele estigma, (semelhante a Guidage e Pirada) demasiado próximo da fronteira com o país vizinho, podia ser utilizada como tiro ao alvo do PAIGC sem que pudéssemos ripostar, já que o Spínola não autorizava missões da FAP no estrangeiro.
Os aviadores aterravam na direcção da fronteira e descolavam na direcção oposta (qualquer que fosse o vento ou as condições meteo).
Andei várias vezes por ali à procura de Migs imaginários, nunca os vi!!!
Um dia deixaram-nos ir partir umas bilhas lá para Koundara, quando aterrámos em Bissau já estávamos a dever combustível ao G-91.

Anónimo disse...

Caro António Matos

Quando foste a Buruntuma bombardear Kaundara (?), não seria Kandica ?, o Gen. Spínola estava lá em Buruntuma. A CCav. 2747 tinha tido um valente ataque IN na noite de 25/11/71. Dia 27 ,Spínola vai de DO a Buruntuma. Manda formar a guarnição, a milícia e a Pop. Nesse momento chegam seis Fiats G-91,rasam Buruntuma e Kandica, ali as anti aéras começaram a disparar mas calaram-se logo. A seguir ouviram-se enormes rebentamentos em Sofá, a base do PAIGC. Nova passagem e largaram o resto das bombas e retiraram-se para Bissau.
Spínola mostrou o seu carisma de chefe. Falou às Populações locais:
-Viram o que aconteceu ? Agora vão dizer aos do lado de lá, que se tornam a fazer outro ataque com morteiros, mando o dobro dos aviões e o dobro das bombas !
Com esta atitude moralizou extraordináriamente os militares da CCav.2747 e Milícias...
Mantenhas

Luís Borrega

Anónimo disse...

Camaradas,
É verdade o sentimento de Spínola em relação àquela fronteira. Não sei desde quando, mas o general teria mandado informar que se Buruntuma fosse atacada, as NT ripostariam sobre Kandika. Em 27FEV70, após um ataque àquele aquartelamento em 24FEV70 (é o que consta da História da Unidade, embora me pareça que decorreu mais tempo), que provocou 28 mortos civis, depois de vários transportes de material (obuses, canhões e morteiros, bem como munições, guarnições, e outra tropa de segurança), as NT retaliaram durante cerca de duas horas. O IN respondeu durante 13 horas. As famosas 13 horas de Buruntuma. As NT sofreram i morto e 5 feridos.
Da mesma história da unidade consta que o IN sofreu 8 mortos militares, incluindo o tenente comandante, e o chefe da alfândega.
Foi a primeira acção em que participou a minha companhia, atravé do 1º.pelotão e do Furmil Azevedo de armas pesadas.
JD

Leopoldo disse...

Há vários meses que estava em Buruntuma, como furriel do 28ª Pel Art quando no dia 5 de Julho de 1974 fui obrigado a retirar para Ponte Caium. Tive que voltar a Buruntuma para inativar as munições de artilharia que tínhamos sido obrigados a abandonar. A tensão era tal que a todo o momento temiamos o pior. Felizmente tudo correu bem.
Mas o mais caricato da historia da guerra é que passados alguns dias me sentei em Bafatá a uma mesa de café, a beber cerveja, com o comandante "Nai" do Comando leste do PAIGC, a quem e a seu pedido ofereci o livro "Portugal e o Futuro" de Antonio Spinola, e em troca recebi, tirado da própria lapela do uniforme um pin original do PAIGC. Alguns dias antes éramos inimigos agora trocávamos presentes. Coisas de uma guerra que nunca compreendi nem quero compreender.

Jose Valente
Furriel Milº 28º PelArt