Chamo-me Carlos Alberto Morais dos Santos, fiz parte da Companhia de Cavalaria 1749 como Mecânico Auto e estava em Mansabá aquando do ataque na quinta-feira Santa de 1969, que o SR descreve no seu blogue, e que eu costumo ler, recordando tempos passados. Mas uma situação me intriga. O SR apenas faz referencia à sua Companhia e ao Batalhão 2851 então comandado pelo Tenente Coronel César da Luz Mendes, e não fala da actuação da Companhia de Cavalaria 1749, que também sofreu um morto e vários feridos. Porquê? Será por esquecimento? Gostaria de saber.
Carlos Alberto Morais dos Santos
2. Deduzido que o nosso camarada se referia ao Poste 3146* do nosso tertuliano Raul Albino (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70), foi a este pedido o devido esclarecimento.
Recebemos do Raul esta mensagem que foi reencaminhada ao Carlos Santos:
Em relação à observação do nosso ex-combatente Carlos Santos, da CCav 1749, ele tem toda a razão, eu não me refiro à sua Companhia. A razão é muito simples. Se qualquer pessoa ler bem esse post, eu tinha chegado a Mansabá dois dias atrás, vindo de Có acompanhado por mais um grupo de combate, que tinham ficado em Có para reforçar e acompanhar a passagem de testemunho para a Companhia que nos substituiu enquanto a CCaç 2402 (a dois grupos de combate) ia reforçar o contingente de Mansabá.
Eu relato claramente a minha frustração durante esse ataque, por não conhecer o aquartelamento nem o seu plano de defesa e muito menos a composição desse destacamento, ou seja desconhecia a existência da CCav 1749 ou outra qualquer Unidade lá destacada. Conhecia a minha Companhia e o meu Batalhão, como ele muito bem refere. Mais ainda, foi nessa altura que tive o primeiro contacto com o resto do Batalhão, porque tínhamos iniciado a comissão em Có como Companhia independente, reportada ao comando de Bula.
No livro da História do Batalhão, vi que está lá reportado toda a operação a um nível global, com a intervenção de todas as Unidades que responderam a esse ataque inimigo, incluindo as referências às baixas nossas e deles. Como eu só relatei aquilo que vi e que se passou comigo, não era a pessoa mais habilitada para descrever o que se passou com as outras Unidades. Isso é o que essas Unidades terão de fazer para enriquecer a história desse ataque violento, de preferência contado na primeira pessoa. Eu procurei que nos relatos que fiz sobre a CCaç 2402, já compilados em livro, que todos os participantes dessem a sua perspectiva sobre um mesmo acontecimento (ataque, emboscada, etc.), como se se tratasse de um filme com varias câmaras a captar. Nem sempre consegui a participação de vários intervenientes, possivelmente por insegurança quanto à qualidade dos seus textos. Já viram o que seria, por exemplo, a descrição desse ataque a Mansabá, visto de vários ângulos? Dava um filme...
Espero ter esclarecido o nosso bloguista Carlos Santos e sugiro que ele conte aquilo que viu e assistiu na sua campanha na Guiné. Para ele um abraço de amizade, na esperança de nos virmos a encontrar no próximo convívio do blogue.
Um bem haja,
Raul Albino
3. Esta foi a reacção do nosso camarada Carlos Santos:
Boa tarde
Pois meu amigo fico muito grato pela sua resposta, e compreendo perfeitamente a razão por que não faz referência à minha Companhia. Para começar a nossa conversa informo-o de que não sou homem de estudos, tenho apenas o nono ano e como tal o meu português é limitado, mas ao contrário da competência escolar, sou grande em experiência de situações vividas. Eu era à data desse ataque apenas 1.º Cabo Mecânico Auto, profissão que desenvolvi por toda a minha vida até à presente data.
Nesse dia estava de Mecânico de Dia ao Batalhão e como tal saí de Mansabá de madrugada a caminho de Bissau acompanhando a coluna. No regresso a Mansabá como saberá parávamos em Mansoa, terra onde também estive nove meses, e aí fomos informados pelo SR Comandante do Agrupamento de que o inimigo tinha sido visto em dois sítios, portanto para irmos com muita atenção porque embora não tivéssemos duas emboscadas, uma íamos ter de certeza.
Eu conduzia nessa tarde um carro civil sem a respectiva autorização, coisas da idade e o dono desse carro, que tinha um estabelecimento em Mansabá, o Sr Amadeu Pereira que tinha a cabeça a prémio ficou em Bissau possivelmente já informado do que iria acontecer e pediu-me para eu levar o carro e entregá-lo à Dona Benvinda, sra. cabo-verdiana que com ele vivia. Comecei então a ter algum receio visto que o carro civil era conhecido, mas chegamos a Mansabá sem que alguém nos perturbasse.
Pelas 11h15 ouviram-se os primeiros rebentamentos que só terminaram à meia-noite e que provocaram tudo quanto o sr descreve e muito mais. Morreu nesse ataque um soldado condutor da CCS do BCAÇ 2851 que tinha saído do hospital nessa tarde, morreu um apontador de morteiro e morreu o soldado José Maria Madeira Lorem da Companhia de Cavaria 1749 à qual eu pertencia, para além de vários civis, incluindo crianças queimadas e os que morreram posteriormente.
Tenho o histórico da minha Companhia e vou procurar mais informação sobre este ataque e vou enviar-lha, assim como as minhas fotos que pede.
Quanto a possível encontro de ex-militares estarei sempre à disposição para recordar, o que apesar de tudo ainda recordo com alguma saudade.
Saudações amigas
Carlos Alberto Soares dos Santos
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 24 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3146: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (12): Ataque a Mansabá
Em 3 de Abril de 1969, um grupo inimigo estimado em cerca de 100 elementos, atacaram Mansabá de diversas direcções com Canhão sem recuo, Morteiro 82, Lança Granadas Foguete, Metralhadoras Pesadas, Metralhadoras Ligeiras e outras armas automáticas.
O ataque começou cerca das 23,15 horas e durou 45 minutos. As nossas tropas (ao nível do Batalhão) sofreram 1 morto, 10 feridos graves e 23 feridos ligeiros. Segundo o relatório da nossa Companhia, pertencer-nos-ia 3 feridos graves evacuados para o Hospital Militar 241, tendo posteriormente um dos feridos sido evacuado definitivamente para o HMP de Lisboa, além de 16 feridos ligeiros. A população sofreu 7 mortos, 12 feridos graves e 19 feridos ligeiros.[...]
Foto © Raul Albino (2008). Direitos reservados.
Vd. último poste da série de 2 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9431: O Nosso Livro de Visitas 126): Fernando Paiva, Pel Caç Nat 57, Mansoa e Bindoro, abril de 1967/abril de 1969
Em relação à observação do nosso ex-combatente Carlos Santos, da CCav 1749, ele tem toda a razão, eu não me refiro à sua Companhia. A razão é muito simples. Se qualquer pessoa ler bem esse post, eu tinha chegado a Mansabá dois dias atrás, vindo de Có acompanhado por mais um grupo de combate, que tinham ficado em Có para reforçar e acompanhar a passagem de testemunho para a Companhia que nos substituiu enquanto a CCaç 2402 (a dois grupos de combate) ia reforçar o contingente de Mansabá.
Eu relato claramente a minha frustração durante esse ataque, por não conhecer o aquartelamento nem o seu plano de defesa e muito menos a composição desse destacamento, ou seja desconhecia a existência da CCav 1749 ou outra qualquer Unidade lá destacada. Conhecia a minha Companhia e o meu Batalhão, como ele muito bem refere. Mais ainda, foi nessa altura que tive o primeiro contacto com o resto do Batalhão, porque tínhamos iniciado a comissão em Có como Companhia independente, reportada ao comando de Bula.
No livro da História do Batalhão, vi que está lá reportado toda a operação a um nível global, com a intervenção de todas as Unidades que responderam a esse ataque inimigo, incluindo as referências às baixas nossas e deles. Como eu só relatei aquilo que vi e que se passou comigo, não era a pessoa mais habilitada para descrever o que se passou com as outras Unidades. Isso é o que essas Unidades terão de fazer para enriquecer a história desse ataque violento, de preferência contado na primeira pessoa. Eu procurei que nos relatos que fiz sobre a CCaç 2402, já compilados em livro, que todos os participantes dessem a sua perspectiva sobre um mesmo acontecimento (ataque, emboscada, etc.), como se se tratasse de um filme com varias câmaras a captar. Nem sempre consegui a participação de vários intervenientes, possivelmente por insegurança quanto à qualidade dos seus textos. Já viram o que seria, por exemplo, a descrição desse ataque a Mansabá, visto de vários ângulos? Dava um filme...
Espero ter esclarecido o nosso bloguista Carlos Santos e sugiro que ele conte aquilo que viu e assistiu na sua campanha na Guiné. Para ele um abraço de amizade, na esperança de nos virmos a encontrar no próximo convívio do blogue.
Um bem haja,
Raul Albino
Novembro de 1971 > Testemunho da passagem da CCAV 1749 por Mansabá.
Foto de Carlos Vinhal3. Esta foi a reacção do nosso camarada Carlos Santos:
Boa tarde
Pois meu amigo fico muito grato pela sua resposta, e compreendo perfeitamente a razão por que não faz referência à minha Companhia. Para começar a nossa conversa informo-o de que não sou homem de estudos, tenho apenas o nono ano e como tal o meu português é limitado, mas ao contrário da competência escolar, sou grande em experiência de situações vividas. Eu era à data desse ataque apenas 1.º Cabo Mecânico Auto, profissão que desenvolvi por toda a minha vida até à presente data.
Nesse dia estava de Mecânico de Dia ao Batalhão e como tal saí de Mansabá de madrugada a caminho de Bissau acompanhando a coluna. No regresso a Mansabá como saberá parávamos em Mansoa, terra onde também estive nove meses, e aí fomos informados pelo SR Comandante do Agrupamento de que o inimigo tinha sido visto em dois sítios, portanto para irmos com muita atenção porque embora não tivéssemos duas emboscadas, uma íamos ter de certeza.
Eu conduzia nessa tarde um carro civil sem a respectiva autorização, coisas da idade e o dono desse carro, que tinha um estabelecimento em Mansabá, o Sr Amadeu Pereira que tinha a cabeça a prémio ficou em Bissau possivelmente já informado do que iria acontecer e pediu-me para eu levar o carro e entregá-lo à Dona Benvinda, sra. cabo-verdiana que com ele vivia. Comecei então a ter algum receio visto que o carro civil era conhecido, mas chegamos a Mansabá sem que alguém nos perturbasse.
Pelas 11h15 ouviram-se os primeiros rebentamentos que só terminaram à meia-noite e que provocaram tudo quanto o sr descreve e muito mais. Morreu nesse ataque um soldado condutor da CCS do BCAÇ 2851 que tinha saído do hospital nessa tarde, morreu um apontador de morteiro e morreu o soldado José Maria Madeira Lorem da Companhia de Cavaria 1749 à qual eu pertencia, para além de vários civis, incluindo crianças queimadas e os que morreram posteriormente.
Tenho o histórico da minha Companhia e vou procurar mais informação sobre este ataque e vou enviar-lha, assim como as minhas fotos que pede.
Quanto a possível encontro de ex-militares estarei sempre à disposição para recordar, o que apesar de tudo ainda recordo com alguma saudade.
Saudações amigas
Carlos Alberto Soares dos Santos
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 24 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3146: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (12): Ataque a Mansabá
Em 3 de Abril de 1969, um grupo inimigo estimado em cerca de 100 elementos, atacaram Mansabá de diversas direcções com Canhão sem recuo, Morteiro 82, Lança Granadas Foguete, Metralhadoras Pesadas, Metralhadoras Ligeiras e outras armas automáticas.
O ataque começou cerca das 23,15 horas e durou 45 minutos. As nossas tropas (ao nível do Batalhão) sofreram 1 morto, 10 feridos graves e 23 feridos ligeiros. Segundo o relatório da nossa Companhia, pertencer-nos-ia 3 feridos graves evacuados para o Hospital Militar 241, tendo posteriormente um dos feridos sido evacuado definitivamente para o HMP de Lisboa, além de 16 feridos ligeiros. A população sofreu 7 mortos, 12 feridos graves e 19 feridos ligeiros.[...]
Foto 1 > Mansabá > Alguns dos feridos esperando evacuação para Bissau
Vd. último poste da série de 2 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9431: O Nosso Livro de Visitas 126): Fernando Paiva, Pel Caç Nat 57, Mansoa e Bindoro, abril de 1967/abril de 1969
1 comentário:
No Olossato, onde se encontrava a CCaç 2403 com 3 GCombs (o 2º, do Alf Brandão,que lá viria a ser morto alguns meses depois, já estava em Mansabá)ouviram-se perfeitamente os rebentamentos desse terrível ataque que nunca mais acabava. Poucos dias depois toda a CCaç 2403 se reuniu em Mansabá, por troca coma CCaç 2402 que foi para o Olossato. Ainda estavam bem visíveis os sinais do ataque quer no chão quer nas paredes dos edifícios. Na mesma altura chegou o Ten. Cor Para Fausto Marques que, com o seu estado maior, uma CCaç Para, uma CCaç (?) de Madeirenses e a CCaç 2403 formou o COP5 (?).Entretanto saiu a CCav 1749.Enquanto existiu este COP (3/4 meses)houve apenas dois feridos ligeiros, madeirenses, e construiram-se 6 quilómetros de estrada asfaltada em direcção ao K3- Farim sem a colocação ou levantamento de qualquer mina, que antes eram às dezenas. Acabou-se a fonte de rendimento dos sapadores.
Um abraço a todos os bloguistas.
Hilário Peixeiro,comandante da CCaç 2403.
PS. Pequeno contributo para que o nosso Blogue se possa afirmar como uma grande fonte de consulta às gerações que queiram saber algo sobre a Guerra do Ultramar
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